quinta-feira, 4 de setembro de 2008

1808 de Laurentino Gomes


Esse livro, escrito pelo jornalista Laurentino Gomes[1], sobre a vinda da família real portuguesa para o Brasil é, ao contrário do que se possa esperar, muito divertido, escrito numa linguagem acessível e de leitura agradável.
Na manhã de 29 de novembro de 1807, a população portuguesa informou-se de que a família real e toda a corte, com seus bens, dinheiro, pratarias, móveis etc., estavam fugindo de Napoleão, que ameaçava conquistá-los, e vindo para o Brasil sob a proteção de Marinha inglesa. Em Portugal, um dos países mais atrasados da Europa, vigorava o regime de monarquia absoluta. Sem o rei o povo estava completamente desprotegido. O plano já vinha sendo arquitetado ao longo de quase três séculos e agora chegara a hora de partir. D. João era príncipe regente, pois sua mãe, doente mental, não podia reinar e seu irmão mais velho havia morrido. Tímido e inseguro, não teve outra opção. Foi uma chantagem, se aderisse a Napoleão a Inglaterra liquidaria Portugal e possivelmente tomaria suas colônias. Sem o Brasil Portugal não era nada. Daqui eram levados todos os bens necessários para sua sobrevivência. D. João veio “procurar no morno torpor dos trópicos a tranqüilidade ou o ócio para que nasceu”.
D. Maria I de Portugal e George III da Inglaterra tinham, além da loucura, outra peculiaridade em comum: a dos reis com trono. Com a subida de Napoleão como imperador da França, muitos países foram conquistados, pois ele foi um gênio militar. Com novas conquistas seu exército era gigantesco e seu general frio e metódico. Para D. João não havia outra saída. O embaixador português Luis da Cunha escreveu que Portugal não passava de “uma orelha de terra”! Escreveu também Sir Charles Oman “É surpreendente que uma nação, habituada desde os tempos mais remotos a se defender repetidas vezes com sucesso de inimigos mais fortes, desta vez tivesse se rendido sem disparar um único tiro”.
D. João assinara um acordo secreto com a Inglaterra, no qual em troca da proteção de sua marinha, abriria os portos do Brasil às nações estrangeiras, fechados durante trezentos anos, ficando completamente isolados do mundo.
O império português achava-se totalmente decadente. Sua Marinha de Guerra possuía 30 navios velhos em contrapartida ao da Inglaterra que tinha 880 navios. O país era atrasado e muito religioso, o que impedia seu desenvolvimento. A vida social era exclusivamente religiosa. O resto da Europa estava sem limites para o desenvolvimento. Na Inglaterra ocorria a Revolução Industrial, que mudou o mundo. Em 1776 a repercussão da Independência americana influenciava todas as nações e a Revolução Francesa, em 1789, redesenhava a Europa. Esse foi um dos períodos mais ricos da História. Portugal estava à margem dos acontecimentos, sem cérebros e dependendo cada vez mais de escravos para sua manutenção como nação. Sua economia era extrativista e mercantil. Os nossos produtos, madeira, ouro etc. iam diretamente para a Inglaterra. A igreja, por seu lado, mantinha os reis, nobres e seus vassalos submissos a ela. Portugal foi o último país a abolir os autos da Inquisição. Era uma terra nostálgica e sem futuro. Faltava manufatura e não se produziam roupas e alimentos, mas eles viviam de maneira opulenta graças ao ouro que afluía do Brasil. Em 1729, devido à descoberta das jazidas de diamantes, o fluxo de riquezas aumentou. Tudo para eles, nada para a colônia. Essa opulência não resultou em cultura! Em 1775 uma catástrofe natural arruinou ainda mais o país e sua maravilhosa Biblioteca Real virou cinzas. O Marquês de Pombal foi encarregado de reconstruir Lisboa. Ele redesenhou a cidade, a modernizando com mão de ferro. Subjugou a nobreza e reduziu fortemente o poder da igreja. Essas reformas terminaram com a morte de D. José I, em 1777. Sua filha D. Maria I poria tudo a perder, pois era carola e Pombal caiu no ostracismo. O país voltou a ser rural e atrasado, dependente das riquezas das colônias.
Portugal era o maior parceiro da Inglaterra, dependendo dela até como Estado independente. Foram os cruzados ingleses que ajudaram o primeiro rei de Portugal a conquistar o porto do rio Tejo, em 1147 e a expulsar os mouros. Os casamentos entre nobres dos dois reinos foram benéficos, pois a Inglaterra também se valeu deles em momentos difíceis.
No dia da partida, a bordo da nau Príncipe Real, estavam D. João, sua mãe, e dois herdeiros do trono, príncipes D. Pedro e D. Miguel. O restante foi distribuído em três navios. Mais quarenta barcos acompanhavam essas naus. Quinze mil pessoas vieram com a família real, entre elas nobres, conselheiros, militares, médicos, bispos, padres, advogados, comerciantes, pajens, cozinheiros e as respectivas famílias!
Lisboa era uma capital exótica e oriental, repleta de mercados chineses, árabes, indianos e negros africanos. Quando a família real partiu, relatou Lord Strangford, “A capital encontrava-se num estado de tristeza tão sombria que era terrível em excesso para ser descrito”. D. João e Carlota Joaquina tinham oito filhos. Caso houvesse um naufrágio, três gerações da Dinastia de Bragança seriam perdidas. Desprovido de todos os seus bens Portugal ficou à própria sorte. Tudo foi raspado de seus cofres. Entre os caixotes esquecidos pela pressa, ficaram os sessenta mil livros da Biblioteca Real e toda prataria das igrejas, derretida pelos invasores. Os preciosos livros chegariam mais tarde, despachados por Santos Marrocos. Marrocos viria ao Brasil para zelar por esses livros e sua correspondência serviria de fonte para os historiadores estudiosos dessa época. Ele narraria o atraso, a sujeira e a promiscuidade da nova capital. Ele seria testemunha das grandes mudanças que ocorreriam no Brasil, durante a permanência da corte portuguesa.
Em 1807 a esquadra levou cem dias, com escala em Salvador, para atravessar o Atlântico. Uma viagem repleta de desafios. As naus eram anti-higiênicas apinhadas de gente, sem espaço, água, comida e a peste bubônica ao encalço deles. Lord Strangford foi o articulador da fuga da família real para o Brasil. No Equador, pela calmaria, as naus de D. João e Carlota Joaquina levaram dez dias para percorrer trinta léguas, sob um sol abrasador. Um relato diz que “homens, mulheres e crianças formavam juntos o mais desolador dos quadros”. Com a chegada deles temos o início de um Brasil independente.
Em Lisboa fora traçado o plano de viagem direto até o Rio de Janeiro, mas após a terceira semana de viagem D. João decidiu que, sob o ponto de vista estratégico, era fundamental uma parada em Salvador, que havia sido a capital da colônia e em 1763 tinha perdido essa posição. Uma tentativa de separação já havia ocorrido na Revolta dos Alfaiates. D. João não só agradou os povos de Norte e Nordeste como nomeou o vice-rei do Brasil como governador da Bahia e anunciou a abertura dos portos brasileiros. Isso foi estudado pelo historiador Kenneth Light, mergulhando nos arquivos da Marinha britânica. Essa ligação com o Norte e Nordeste ajudaria a enfraquecida corte portuguesa que precisava de todo apoio e um Brasil unificado. Um bergantim de dez metros foi enviado ao encontro dos navios portugueses, cheios de cajú, pitanga e frutas frescas e, depois de três dias sem rumo, encontrou a nau! Assim foi recebido D. João refugiado das guerras napoleônicas. Quando ancoraram ninguém apareceu. As notícias corriam lentamente e a cidade não teve tempo suficiente para preparar qualquer festa. Finalmente João Saldanha da Gama aparece e comunica que não deixou ninguém se aproximar, antes das ordens reais. “Deixe o povo vir como quiser, porque deseja ver-me” diz D. João. No dia seguinte a multidão congestionava todo cais. Ouviam-se salvas de canhões e o badalar dos sinos de todas as igrejas, quando a família real entrou nas carruagens. Durante uma semana os festejos continuaram e D. João recebeu todos seus súditos, desde usineiros a pessoas muito humildes. Salvador era uma das mais bonitas cidades do império português. Havia a cidade baixa, mais humilde e a cidade alta com seus vastos casarões. As ruas e as casas de perto eram terrivelmente sujas e seus habitantes desmazelados. Os pais e maridos eram advertidos a manterem as mulheres e filhas reclusas. A prostituição de escravas possibilitara uma grande miscigenação entre homens brancos e mulheres de cor.
Inevitáveis eram a abertura dos portos e a liberação do comércio internacional na colônia, pois foi uma dívida com a Inglaterra. D. João ainda liberou a construção da primeira escola de Medicina do Brasil. As construções de duas fábricas foram permitidas e ainda abrir estradas e um plano de defesa da cidade. O Brasil até então não podia ter nenhuma faculdade, sendo obrigados a estudar em Portugal. Depois dessas medidas embarcam para o Rio de Janeiro.
O Brasil não existia, “era um amontoado de regiões mais ou menos autônomas, sem comércio, sem exército, sem nome para os que aqui nasciam. Discutia-se se seriam brasileiros, brasilienses ou brasilianos. Por trezentos anos o Brasil não existiu! O mapa do Brasil era quase o mesmo em 1808 e hoje. “Dois milhões de negros cativos foram importados para trabalhar nas minas e lavouras do Brasil do século XVIII”. Apenas 2,5% dos homens livres em idade escolar eram alfabetizados. Era impossível encontrar um médico, os barbeiros sangradores exerciam essa função. Os portugueses eram alarmantemente ignorantes e retrógados. Essa política de isolamento era deliberada e determinada pelo governo português! A abertura de estradas entre as capitanias era proibida para combater o contrabando de ouro e diamantes, facilitando a fiscalização! O tupi foi a língua vigente em São Paulo até o começo do século XVIII e era a mais indígena e brasileira de todas as cidades coloniais. Era o entroncamento de várias rotas de comércio. As casas eram ocas adaptadas. A comida era de índio. Os paulistanos vestiam-se com grande simplicidade, usando um poncho comprido, contra a chuva e frio, casacos e calças de algodão, botas compridas de couro cru e em seu cano uma faca comprida de cabo prateado. O grande número de prostitutas na rua, por causa dos tropeiros, causava espanto. O centro econômico era São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, depois do ciclo da cana de açúcar no Nordeste, do ouro e diamantes em Minas Gerais havia chegado ao fim.
Em 1808 não havia moeda corrente no país e a colônia vivia do escambo. Um quinto do que fosse encontrado nas minas de ouro eram reservados ao rei. Outros dezoito por cento eram pagos às casas de cunhagem. Vem desses tempos colônias os escorchantes juros que o Brasil carrega até hoje! Mesmo isolada a colônia era mais dinâmica que Portugal na economia, artes e ciência. Quinhentos e vinte e sete brasileiros formaram-se em Coimbra, formando a classe dominante brasileira. José Bonifácio foi um dos maiores intelectuais de sua época, formando-se em mineralogia. Viajando por toda Europa, assistiu à Revolução Francesa. Era mais bem preparado do que qualquer estadista português. Jornais, livros e reuniões acadêmicas eram considerados ilegais. Na América portuguesa de 1808 as tensões políticas, em prol da independência, eram agravadas pela escravidão. Os escravos faziam o serviço das máquinas, com grande sofrimento. Foram mais de dois séculos de tráfico. A população era de dois terços de mestiços e um terço de brancos, havendo sempre o pavor das rebeliões de escravos, pois constituíam o maior número populacional. Em 1798, na já mencionada Revolta dos Alfaiates, em Salvador, os revoltosos exigiam a independência do Brasil, o fim da escravatura e igualdade entre os cidadãos. A repressão portuguesa foi duríssima. Os escravos revoltosos foram mortos, decapitados, esquartejados ou banidos para a África. Os portugueses usavam os métodos de punição da idade média durante a inquisição em Portugal e também aqui no Brasil. O suplício judiciário incluía mutilação física, marcação com ferro em brasa, açoite e esquartejamento. Foi usado contra Tiradentes e os escravos revoltosos.
D. João, entretanto, usaria outra imagem: “a do rei benigno, que de tudo provê e de todos cuida e protege”. A historiadora Maria Odila Leite escreve que “A corte e o poder real fascinavam-nos como uma verdadeira atração messiânica”.
Foi turbulenta a chegada da família real no Rio de Janeiro e para os coloniais a visão daquela corte, foragida e castigada pela longa travessia, foi decepcionante. D. João era um homem gordo, lento, fatigado “com uma casaca condecorada de nódoas”. Carlota e as filhas desembarcaram com as cabeças raspadas cobertas por turbantes, devido à infecção de piolhos. As mulheres cariocas acharam que era a última moda na Europa e passaram a usar turbantes para imitar as nobres portuguesas. Na chegada a família real foi aspergida com água benta e levada à Igreja do Rosário. À frente do cortejo iam as autoridades do Rio de Janeiro, fechando-o vinha o pálio, sob o qual caminhava a família real, com varas sustentadas por oito pessoas, dentre elas o maior traficante de escravos do Brasil, Amaro Velho da Silva. Os festejos prosseguiram até 15 de março. Os integrantes da família ficaram hospedados no Paço Real. Em breve D. João iria para uma residência reformada e d. Carlota para uma chácara na praia de Botafogo, já que se encontravam separados. D. Maria, a louca, ficou no convento das carmelitas.
Encontrar moradia para tanta gente foi difícil e criou-se o terrível sistema de “aposentadorias” pelo qual as casas eram requisitadas. As letras PR (Príncipe Regente) foram interpretadas como “ponha-se na rua”. Em conseqüência os alugueis dobraram e os preços em geral subiram às alturas. Era preciso pagar os gastos de uma corte corrupta, perdulária e ociosa! ISSO LEMBRA ALGUMA COISA DE HOJE?
Em 1811, nos porões da fragata Princesa Carlota, chegava a última remessa de livros deixada no caís em Lisboa, sob a guarda do arquivista Luiz Gonzaga S. Marrocos, que, através de cartas para seu pai, seria um grande cronista de nossos costumes.
O viajante John Mawe descreveu que nenhum porto colonial estava tão bem localizado para o comércio geral quanto o do Rio de Janeiro, pois era uma escala fundamental nas longas navegações. Todos os viajantes referem-se à grandiosidade da natureza local. As montanhas e a vegetação dominando tudo. Observada do mar a cidade era linda. Em terra tudo mudava: umidade, sujeira e falta de bons modos dos moradores. A limpeza era confiada aos urubus, ratos infestavam a cidade, os negros carregavam tonéis de excremento nas costas para despejarem no mar. Eram conhecidos como tigres pelas manchas nas costas causadas pela uréia. Devido ao seu baixo custo o saneamento das cidades litorâneas foi postergado!
Nos modos caseiros somente homens usavam as facas para comer as mulheres e crianças os dedos. Quando havia sobremesa era sempre fruta. A falta de modos à mesa assustava os estrangeiros. O pintor Debret também ficou chocado com esses hábitos. Comentou que só bebiam água e não usam garfos ou facas e carne fresca era uma raridade. Devido a problemas de higiene a carne salgada era a mais usada. Apesar disso a alimentação continha muitas frutas, peixes, aves, verduras e legumes. A farinha de trigo e milho era consumida em toda colônia. O ritmo da cidade era seguido pelas badaladas dos sinos, tornando-se um local muito barulhento. Nos feriados os escravos com roupas coloridas, em grandes círculos, cantavam e dançavam batendo palmas. “É um espetáculo singular de alegria, tumulto e confusão que provavelmente não é possível ser visto na mesma escala em outro país fora da própria África.” O calor e a falta de higiene provocavam inúmeros problemas de saúde e não havendo médicos e dentistas, podemos avaliar o que ocorria nessa época. Com a chegada da família real o saneamento, a saúde, a cultura, a arte, a arquitetura e os costumes mudaram para melhor.
D. João, príncipe regente e depois rei do Brasil (1816), e D. Carlota não se lavavam, ao contrário da colônia que era muito asseada, fato que chamava a atenção dos estrangeiros que aqui chegavam. Nos treze anos que esteve no Brasil, D. João tomou um só banho, a conselho médico, na Praia do Caju.
João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antonio Domingos Rafael de Bragança, ou D. João VI, nasceu em 1767 e morreu aos cinqüenta e nove anos em 1826. Último monarca absoluto de Portugal e único de um reinado que durou cinco anos. Seu reino chamava-se Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. Era um rei sem ações, adiando sempre seus compromissos, inerte o que provocava tensão entre seus conselheiros. Oliveira Martins relata “Sofria de vertigens e ataque de melancolia, por padecer de hemorróidas... rosto flácido, donde pendia o conhecido beiço, sem vida, peculiar dos Bourbons”.
A aclamação de D. João ocorreu em 1816, dois anos após o falecimento de sua mãe. Sofria de depressão. Em Portugal chegou a morar com frades e mais tarde em Alentejo, isolado na casa da família. Carlota aproveitou para assumir a regência de Portugal, mas D. João retornou à Lisboa e passam a viver separados. Adorava música sacra e era muito religioso, sempre cercado de padres. Casou por obrigação e teve nove filhos. No Brasil tornou-se ainda mais solitário. Existem algumas evidências de que teve um relacionamento homossexual com um dos seus camareiros reais. Trajava-se muito mal, já que tinha horror a tudo que era novo.
D. Rodrigo de Souza Coutinho foi um dos responsáveis pela vinda da família real ao Brasil. Era um grande conselheiro, junto com Antonio de Araújo e Azevedo, sucessor de D. Rodrigo, que trouxe as máquinas impressoras inglesas que criaram a imprensa no Brasil, a qual era censurada. Thomaz Antônio Villa Nova Portugal, sucessor dos outros dois, tomava todas as decisões por D. João, mesmo as mais insignificantes. Esses três homens foram importantíssimos para o reinado do príncipe regente. Segundo Oliveira Lima “D. João foi sem dúvida alguma no Brasil, e ainda é, um rei popular”.
Dona Carlota Joaquina era uma mulher feia, maquiavélica, vingativa, mas inteligente e vivaz. Era magra, baixa, cabelos escuros, pele morena e coxa, devido a uma queda de cavalo na infância. Nasceu em 1775 e morreu em 1830, aos cinqüenta e quatro anos. Era filha de Carlos IV e irmã de Fernando VII, reis de Espanha. Foi considera culpada de diversas conspirações contra reis e nobres. D. João e Carlota casaram por procuração. Tinha dez anos e ele dezessete. Esses casamentos tentavam manter estabilidade na Península Ibérica, que fora atacada em séculos anteriores. Quando Carlota Joaquina tinha quinze anos o casamento foi consumado. Alguns historiadores dizem que nem todos os filhos eram de D. João. Carlota detestava o Brasil e em sua volta a Portugal recusou-se a jurar a Constituição, indo morar na Quinta do Ramalhão, sem título e direitos de rainha. “Serei mais livre em meu desterro do que vós em vosso palácio”.
A corte portuguesa, composta entre dez mil a quinze mil indivíduos, encontrava-se pobre e destituída em Lisboa, mas chegando ao Rio de Janeiro tudo piorou. John Adams, presidente dos Estados Unidos, quando mudou a sede do governo para Washington levou mil funcionários. D. João trouxe quinze mil portugueses. A corte era cara, perdulária e voraz sem nenhuma intenção de administrar nosso país. O cônsul inglês James Henderson cita que “Poucas cortes européias têm tantas pessoas ligadas a ela quanto à brasileira, incluindo fidalgos, eclesiásticos e oficiais”. Todas essas despesas mal-administradas foram herdadas pelo Brasil após a independência, ao custo de DOIS MILHÕES DE LIBRAS ESTERLINAS, emprestados da Inglaterra. Ao retornar para Portugal, D. João levou todas as barras de ouro e os diamantes. Dez anos de toma lá dá cá arruinou o primeiro Banco Central do Brasil. A instituição foi liquidada em 1829 e recriada em l853, no governo de D. Pedro II.
A corrupção, sob D. João VI, corria solta. Os responsáveis pelas principais instituições eram os “símbolos de maracutaias e enriquecimentos ilícitos” no Brasil. Em 1823 a viajante inglesa Maria Graham, convidada para um espetáculo de gala, observou que a anfitriã estava coberta com diamantes que, na opinião dela, valeriam cerca de trinta de quatro milhões de reais e que em casa tinha jóias de igual valor.
A roubalheira era tamanha que os cariocas celebrizaram-na em versos populares:
Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é barão
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde.
A corte portuguesa não tinha dinheiro e a colônia já era mais rica do que a metrópole. Trezentos anos após o descobrimento o Brasil era uma terra de enormes oportunidades e D. João precisa do apoio dessa elite muito rica. Ele passou a distribuir títulos de nobreza aos borbotões. “Em Portugal, para se fazer um conde se pediam quinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos”, escreveu Pedro Calmon. Coube a essa estranha nobreza socorrer D. João, financeiramente. Na primeira lista de subscrições, para angariar dinheiro, metade dos contribuintes era traficante de escravos! Essa nova nobreza emergente tinha dinheiro, mas nenhuma sofisticação ou fidalguia! Aqui não havia esplendor ou elegância. O beija-mão era a cerimônia preferida de D. João, ritual que já não existia na Europa. Algumas dessas cerimônias duravam até sete horas. Um grupo de índios também quis participar do ritual e foi acolhido “com humanidade e atenção”. Esse foi, em dúvida, um belo gesto democrático.
Foi publicado nos jornais londrinos que o Brasil, finalmente após três séculos, havia aberto seus portos. Os espertos ingleses entulharam o país com suas mercadorias. Havia coisas práticas e úteis, mas também muita quinquilharia como patins de gelo e pesadas mantas de lã. Esses produtos fizeram sucesso pela boa qualidade e foram reaproveitados das mais diversas maneiras com muita inteligência e criatividade.
A Inglaterra, apesar de monárquica, era rica em desenvolvimento e idéias, que circulavam livremente, ao contrário da França fechada de Napoleão. Londres era a maior cidade do mundo. Devido às invenções revolucionárias como a locomotiva a vapor, as fortunas e idéias se espalhavam e o mesmo não acontecia na França, sob a vontade do imperador voluntarioso. Por duzentos anos a Inglaterra venceu todas as batalhas navais em que se envolveu. No seu império o sol nunca se punha e D. João devia imensos favores a ele. O governo inglês sabia da fragilidade de Portugal e soube obter vantagens dessa situação. O plano era induzir os comerciantes britânicos a fazerem do Brasil um empório para as manufaturas destinadas ao consumo de toda América do Sul. A Inglaterra foi tão bem sucedida que nem os produtos portugueses podiam competir com os ingleses. O Brasil se tornou um território livre para essas mercadorias. D. João concedeu-lhes o privilégio de cortar madeira brasileira para a construção de navios de guerra! Seus navios de guerra podiam entrar nos portos de domínio português em qualquer tempo: guerra ou paz. A balança comercial pendia sempre e escandalosamente para o lado britânico. Os brasileiros apesar de enganados venderam muitas mercadorias falsas aos estrangeiros.
Escreveu Pedro Calmon, historiador; “O país era desmesurado e virgem, enquanto que o novo governo, adventício e indigente, tinha de improvisar e recriar tudo”. Em 10 de março D. João organizou seu novo gabinete e teria que criar um país do nada. A abertura dos portos e a liberdade de comércio e indústria manufatureira representavam o fim do sistema colonial no Brasil. Criaram uma fábrica de ferro, outra siderúrgica, em Sorocaba, moinhos de trigo, fábricas de barco, pólvora, cordas e tecidos. Novas estradas foram construídas. O percurso dos tropeiros foi encurtado e a navegação a vapor foi inaugurada em 1818. A primeira faculdade de medicina do Brasil foi criada em Salvador e outras de técnicas agrícolas, laboratório de estudo de análises clínicas e o ensino de Engenharia Civil e Mineração. O primeiro jornal brasileiro, A Gazeta do Rio de Janeiro, começou a circular em Setembro de 1808, mas só com notícias favoráveis ao governo! O Rio de Janeiro é promovido à sede oficial da Coroa. As abafadas janelas mouriscas das casas cariocas, chamadas de rótulas foram substituídas por vidraças arejadas. O Rio ganhava o direito de voz e voto no Congresso, apesar de estar tão longe de Lisboa.
D. João também se dedicou a “empreendimentos civilizatórios”, promovendo as artes, a cultura e a tentar incluir algum refinamento nos hábitos atrasados da colônia. Foi contratada a Missão Artística Francesa, em1816, com os nomes mais famosos da época. D. João pagou a todos as despesas de viagem além de generosas pensões para que ficassem seis anos aqui no Brasil. Os artistas ficaram desapontados, porque a corte só se interessava por música. Debret ficou quinze anos no Brasil retratando, erradamente, escravos limpos e bem cuidados, contudo foi responsável pela melhor e mais ampla iconografia da época. Aos poucos essas mudanças começam a influenciar os hábitos dos moradores. Alguns viajantes se espantavam com a quantidade de navios saindo e chegando dos portos brasileiros. Os anúncios dos jornais mostram essa mudança. De coisas rudimentares anunciadas agora se podia e ler “Penteia as senhoras na última moda de Paris... Tem uma pomada que faz crescer e aumentar o cabelo... Um novo sortimento de falsa e verdadeira bijuteria. As mudanças foram morosas e ostensivas.
O Rio de Janeiro sofreu um enorme crescimento populacional e o espaço físico não era suficiente. Metade da população era escrava. Essa população formava uma fonte constante de tensão social. O Rio tem uma tradição de violência muito antiga e forte, desde esses tempos coloniais em que os escravos eram maltratados e espancados. A meu ver sua conseqüência segue até os dias de hoje. A punição aos escravos chegava a TREZENTOS AÇOITAMENTOS, em praça pública e PRISÃO. Essa posição da corte provocava muitas revoltas e a maioria dos indivíduos andava armada. A subversão era grande e as autoridades tinham receio que as idéias libertárias francesas influenciassem a nação. O major Vidigal era o mais temido dos agentes policiais. Sua truculência contra os escravos era notória. Em recompensa aos seus serviços recebeu , em 1820, um terreno ao pé do Morro Dois Irmãos. Invadido em 1940, hoje está lá a Favela do Vidigal. A cidade, para o bem do saneamento, foi redesenhada junto ao mar, sendo seu traçado quase irreconhecível quando comparado aos mapas da época.
No Rio são muitos os lugares e monumentos históricos mal conservados, mas o Mercado do Valongo, onde se vendia e comprava os pobres negros, “o maior entreposto negreiro das Américas sumiu do mapa sem deixar vestígios”. Em 1996, durante uma construção foram achados fragmentos de ossos, cerâmica e vidro. Aí era o cemitério dos pretos que chegavam já mortos da África, que eram cremados, precariamente, jogados numa vala rasa e cobertos com uma camada de cal! Eram despejados nesse mercado negreiro entre dezoito mil a vinte e dois mil africanos por ano! “Tentar suprimir o tráfico... era uma atitude vã”, disse o historiador Alan K. Manchester. Era um negócio gigantesco com lucros astronômicos! A maioria vinha do Congo, de Angola e de Moçambique. A taxa de mortalidade durante a travessia era altíssima. A bordo dos navios, eles eram considerados cargas. Os traficantes eram respeitados e reverenciados, pois eram os grandes doadores de dinheiro à corte portuguesa, recompensados com títulos e honrarias! Têm-se dados que até os monges beneditinos e os padres jesuítas possuíam escravos. “Os cativos excedentes eram alugados a terceiros”! Fora o homicídio a fuga era o crime mais grave que um escravo podia cometer. O principal refúgio dos escravos foragidos não eram lugares ermos e a floresta, mas a própria cidade onde se misturavam à multidão de negros e mulatos. Muitos escravos alforriados enriqueciam e se tornavam donos de escravos. “A liberdade era um mergulho no oceano de pobreza compostos por negros libertos, mulatos e mestiços, à margem de todas as oportunidades... – um problema que cento e vinte anos depois da abolição oficial da escravidão, o Brasil ainda não consegui resolver”, escreve Lorentino Gomes.
O pesquisador Rubens Moraes relatou que duzentas e sessenta e seis viajantes escreveram suas experiências no Brasil. São relatos maravilhados pela beleza e diversidade brasileira. São cinco categorias de viajantes: 1)comerciantes mineradores, homens de negócio. 2) nobres, diplomatas, militares e funcionários de governo.3) cientistas. 4) pintores e paisagistas. 5) aventureiros e curiosos. “Pena que um país tão lindo não seja governado por uma nação ativa e inteligente” comenta Rose Marie. “os brasileiros se destacam pela abundância, mais do que pela própria elegância do serviço”. Essas anotações mostram uma corte caipira e deselegante. Koster fala do interior nordestino: “Essa gente é vingativa. As ofensas muito dificilmente são perdoadas... São muito ignorantes e poucos possuem os mais modestos rudimentos de instrução”... ”Os sertanejos são corajosos, sinceros, generosos e hospitaleiros”. São inúmeros os relatos interessantes e instigantes dos primeiros viajantes, cientistas e artistas que aqui aportaram.
A Guerra Peninsular travada em Portugal e Espanha ocorreu de 1807 a 1813, comandada pelo General francês Junot, a mando de Napoleão Bonaparte. Junot era um general menor, pois não se esperava resistência desses dois países pobres, todavia encontrou forte resistência por parte deles, o que resultou no final de mais de uma dezena de vitórias napoleônicas. Junot entra em Lisboa dois dias depois da partida da família real portuguesa. Auxiliados pelo exército inglês, comandado pelo general Wellesley, os aliados derrotaram Junot na cidade de Vimeiro. Quatro anos depois o general expulsou os franceses da península, “numa combinação de guerrilha com batalhas convencionais e lances geniais”. Engenheiros britânicos e trabalhadores portugueses construíram as Torres Vedras, um cinturão de quarenta e oito quilômetros em torno de Lisboa. Nesse meio tempo Napoleão perderia a guerra contra a Rússia e a derrota de Waterloo seria o final desse poderio.
Antonio Gonçalves da Crua, Cabugá, tinha um plano de deixar qualquer um pasmo. Retirar Napoleão do exílio e transportá-lo para Recife, onde comandaria a revolução pernambucana pela independência! Depois retornaria a ser imperador da França! Houve uma revolução, porém comandada por José de Barros Lima, que aprisionou o governador de Pernambuco e proclamou a república. Nenhuma das províncias vizinhas auxiliou o novo país. A repressão portuguesa foi implacável e sentenciou que “depois de mortos... serão cortadas as mãos e decepadas as cabeças e se pregarão em postes... e os retos de seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério”. Após esses fatos D. João, apreensivo, sagra-se oficialmente rei do Brasil, Portugal e Algarves. Foram dois anos de pompa e festas como jamais havia se visto antes no Brasil. Em 1817 a princesa Leopoldina chega ao Brasil e se casa com D. Pedro, o herdeiro do trono. O embaixador Marialva em Viena oferecia uma das festas mais grandiosas, em comemoração ao casamento de Leopoldina. Para se ter uma idéia ofereceu aos nobres jóias avaliadas em 5800 libras! Isso contrastava com as dificuldades da corte no Brasil, que não era esplendorosa nem requintada. O Paço Real era um prédio modesto, grande e não tinha um gênero definido de arquitetura. Era considerada incompatível como residência real. Um cronista francês teve péssima impressão da rainha e da corte pelo desmazelo e deselegância. Considerada exótica por ele ainda descreve que nunca vira “tantos empregados, guarda-roupas, assistentes, servos uniformizados e cocheiros. Essa tendência ao orientalismo de forma alguma corresponde ao seu luxo”. Muita pompa para pouca circunstância, um reino arruinado, deselegante e gastando mal os seus poucos recursos! Todavia, D. João depois desses festejos levava uma vida bastante pacata e tranqüila. Depois das audiências matinais, almoçava com a família e dormia de uma a duas horas e à tarde ia passear com uma pequena carruagem. Nesses passeios estavam incluídas a merenda e as necessidades fisiológicas do rei, que eram feitas na frente dos presentes, sem constrangimento algum. À noite recebia os súditos para o beija-mão, indo se deitar às onze horas.
Portugal, durante o tempo em que a família real permaneceu no Brasil, é governado pelo marechal irlandês William Carr Beresford. De um lado tinha-se a metrópole amorfa e empobrecida pela demorada ausência do rei e de outro a ex-colônia havia mudado e enriquecido. Os anos que o rei passou no Brasil foram de sofrimento e penúria para os portugueses. Entre 1807 e 1814, Portugal perdeu quinhentos mil habitantes. Nesse período Portugal se transformou num protetorado britânico. O marechal irlandês governou o país com mão de ferro. Eles, também, foram cruéis e sanguinários com o povo. Os governadores portugueses, ligados a D. João, avisaram o rei da crescente insatisfação popular na metrópole e do risco corrido por permanecer longe dela. Portugal tinha ficado com o ônus da mudança e o Brasil e a Inglaterra com os benefícios. O comércio de Portugal com o Brasil despencou devido aos juros enormes. O governo britânico temia que se a corte não voltasse a situação se tornaria incontrolável e isso se confirmou. Rebelados se declaram contra o domínio inglês e foi constituída a Junta Provisional Preparatória das Cortes que redigiriam uma nova constituição liberal. Isso indicava o quanto o poder de D. João estava ameaçado. Em 1821, a volta do rei era uma exigência. Se voltasse a Portugal poderia perder o Brasil, que acabaria por declarar sua independência se permanecesse no Brasil perderia Portugal. O inseguro D. João depois de muitas discussões declarou: “Pois bem, se o meu filho não quer ir, irei eu”. Essa foi uma decisão corajosa.
No dia 24 de abril de 1821 D. João, a apenas dois dias de sua partida obrigatória do Brasil, aconselhou seu filho mais velho: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”. O rei gostava do Brasil, tendo sido muito bem acolhido pelo povo e partia para um país onde não sabia o que iria enfrentar. D. João VI é aclamado pela multidão, que pedia sua presença e exigia que permanecesse no país e assinasse a Constituição que lhe tirava parte dos poderes, contrariando as Cortes portuguesas. A manifestação foi violentamente reprimida pelo príncipe Pedro, cujas tropas ocasionaram um verdadeiro massacre. Em 26 de abril de 1821 partiram o rei e toda sua comitiva, depois de terem raspado os cofres do Banco do Brasil e levado embora o que restava do tesouro real. Oliveira Lima recorda que “A realeza, que acabava de viver na corrupção, fizera um verdadeiro assalto ao erário brasileiro” Vergonhosamente, tais atitudes ocorrem até os dias de hoje no Brasil! “Isso equivalia a uma bancarrota, posto que não declarada”, avalia o historiador Pereira da Silva. Alguns membros mais corruptos de sua corte foram proibidos de desembarcar em Lisboa.
Em maio de 1821 morre Napoleão Bonaparte, mesmo antes de D. João VI desembarcar em seu país. Para ele o imperador deixou apenas uma frase: “Foi o único que me enganou”.
Em nenhum outro período da história do Brasil ocorreram mudanças tão profundas e rápidas. Em treze anos deixou de ser colônia para se tornar um país independente. Há apenas duzentos anos o Brasil tinha uma unidade política e territorial muito frágil. Em 1822 as províncias do Norte e Nordeste não aderiram à Independência! D. Pedro I teve que recorrer à força militar para convencê-las. Por muito tempo houve movimentos separatistas regionais. A preservação territorial foi uma conquista de D. João VI. “Pobre, analfabeto e dependente de mão - de - obra- escrava, o novo Brasil deixado por D. João ao seu filho D. Pedro I continuava anestesiado por três séculos de exploração colonial que haviam inibido a livre iniciativa e o espírito empreendedor”. Na avaliação dos “pais” da independência, o Brasil era um país onde, brancos, negros, mestiços, índios, senhores e escravos viviam sem um projeto de nação. A independência de 1822 foi apenas conciliatória, pois não havia o desejo republicano nem revolucionário. As grandes tensões sociais existentes foram adiadas e amortecidas, não resolvidas. A escravidão permanecia como uma vergonha nacional, sendo abolida em 1888, pela bisneta de D, João VI, princesa Izabel, mas divergências regionais emergiam de forma violenta, tais como: Confederação do Equador em 1824, a Guerra dos Farrapos em 1835 e a Revolução Constitucionalista em 1932. Em 1881 a Lei Saraiva, pela primeira vez, estabelece a eleição direta para alguns cargos legislativos e apenas 1,5% da população, constituída de grandes comerciantes e proprietários rurais tinha direito ao voto! “Heranças mal resolvidas em 1822, todos esses problemas permaneceriam, nos duzentos anos seguintes, assombrando o futuro dos brasileiros – como o fantasma de um cadáver insepulto”.
O arquivista real Luiz de Santos Marrocos foi um dos muitos portugueses que permaneceram no Brasil depois da saída da corte. Chegando, reclamava do povo, dos hábitos e modos, contudo aos poucos foi se integrando na nova sociedade e não quis mais partir. Adaptando-se perfeitamente ao nosso país considera as pessoas trabalhadoras e simpáticas. Luiz casa-se com uma carioca de boa família e constitui uma família. Marrocos cresceu e prosperou no Rio de Janeiro. D. João visitava habitualmente sua biblioteca, com obras de arte. Em 1811 sugere ao príncipe regente que crie, também, uma biblioteca em Salvador, com livros duplicados dessa biblioteca. Em 1813, Marrocos torna-se responsável pelos manuscritos da coroa e sua conservação. Depois da independência tornou-se um alto funcionário do governo do imperador. Ele morre aos 57 anos. “Com Marrocos morria um pedaço de Portugal que atravessara o Atlântico com a corte de D. João para nunca mais voltar”.
O inusitado da vinda da família real ter vindo para morar no Brasil, e D. João vir a gostar muito daqui, a ponto de não querer voltar, é que antes nenhum rei com colônias ultramarinas tinha sequer visitado alguma colônia, muito menos pensado em morar nesse local. Os reis e rainhas destronados, em tempos de guerra, se refugiavam em outros territórios, mas nenhum teve a ousadia de atravessar o Atlântico, para viver e governar na colônia do outro lado do mundo!
[1] Lorentino, paranaense, nasceu em 1956. Formado no Paraná, cursou a Univ. S. Paulo, Univ. de Cambridge e Vanderbilt. Atualmente dirige uma unidade da Editora Abril.

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