segunda-feira, 4 de junho de 2012

UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC


UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC

UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA HUMANA

Neste interessantíssimo romance histórico Honoré de Balzac nos coloca
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.



O outono de 1803 foi um dos mais belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville, organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o órfão Michu recebeu da marquesa o posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador foi Marion, de Arcis, que teve medo do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado, pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”. Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir. Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os habitantes, “então, que Marion tinha sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.” “Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o castelo durante a noite.  Marion preveniu  Malin que ficasse de olho no administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos, Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda, muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus pensamentos.

Dois parisienses atravessam a rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer, moda aristocrática...”O primeiro tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres, o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal... Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina, deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem era  “o seu Michu”. Temendo perderem-se no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles homens. Nesse ínterim aparece Violette, granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era “francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de Arcis a par dos menores atos de Michu.”  Enegrecia todos os atos desse homem, “tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.”  “Marta, que foi gradativamente empalidecendo, chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a uivar “como uivam os cães em desespero.”



A cólera de Michu por Marion se transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade, Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos. A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin  e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político, “acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.”  Luís XVIII queria uma desforra, mas o “Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.  O governo de Bonaparte estaria no seu período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e se retiraram lentamente.



Michu entrou em casa e atirou ao fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta “amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a representar.”



Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença, “era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam  no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus negócios.  Sob sua administração o espaço “tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível. Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles. Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a acompanhavam, agiram com discrição como sua ama. 





No momento em que Marta chega com o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia aos realistas... mas resolvidos a suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região, juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão. Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida portanto, fazia dois anos,  tornara-se quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência.  O velho tutor avisa que Malin estava em Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas amizades  com a nobreza. Michu havia pressuposto esta disposição.



Correntin, “o fênix dos espiões” e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas. “Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse, confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento, para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam jogando cartas. A visita do maire deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado, pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma coisa.” Corentin decide apertá-los.



“Uma brecha tem sempre sua causa e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!... Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta. Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro, “deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado, limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como indicadores. Eram onze as árvores que a escondia.  Lourença não poderia mais ver os gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para Cinq-Cygne.



Peyrade e Corentin continuavam no local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes do castelo, ver entrar Lourença”.  O brigadeiro de Assis junta-se ao grupo  e diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força. Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra, para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.” 



Corentin tinha o pequeno cofre de Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado. Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha, desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos, pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos, depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia prevenido os primos e os srs.  de Simeuse que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha, e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.” Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.  Atrapalhados, ficaram sabendo que o cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e  que fora somente uma queda. “A alegria do triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia.  Fouché certamente ficaria furioso com o insucesso da missão.  Quem salvara as pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.



Corentin vai encontrar-se com o brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca” e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que “o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens, palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores, à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os seus inimigos.”



No castelo, esperavam pelos quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado dinheiro para sobreviverem.  Haviam ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença... pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga. Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia – “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto  não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos; mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que procede do espírito.”



Em fevereiro de 1806, depois da conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça, que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou. Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador, um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin! Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que nunca a desgraça caiu sobre eles sem que antes tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”



Michu vendeu suas terras a Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença, depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois Lourença se casaria.  Emocionada diz que entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o marido. O primeiro a quem a sra. d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido. Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares “cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada, erguia-se de um relvado do parque inglês.  O hipócrita Violette apareceu e disse a Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados, parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin,  a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.



Violette tentou envenenar Grévin dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.  Dois oficiais que vieram mostraram “grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza, relativamente à criminalidade de Michu, dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte. O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri,  Lechesneau,  havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção. O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa má.”  Quanto a Michu sabiam que ameaçara o sr. Marion.  Havia vendido tudo e já recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.  A Justiça nunca poderia adivinhar os motivos. O imperador, entretanto,  havia perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para passar o feriado em Troyes.  Esses depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não pela polícia!



Os nobres haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr. Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror. Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais foram levados ao castelo, com as mãos amarradas.  Lá os jovens, também famintos, reuniram-se aos  velhos senhores, que se encontravam bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra. d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço. Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a sua escolha? – exclamou a velha dama.”  Lourença responde que haviam deixado “ao  alvitre da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura -, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras pessoas queriam saber o  motivo da prisão e qual acusação  pesava sobre eles. Era o dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois “nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão matá-los, apesar de sua inocência!”



Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de 1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville “aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse  o processo, pela proximidade do tribunal e por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam  abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação a Malin.  E, também, Lourença havia ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor, seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se, por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios. “O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.” Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.” Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação. “Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”



Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada a Lourença que poderia dar à língua. Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente, retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se  ao ouvir a leitura feita pelo padre do interrogatório público dos acusados, pois  já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia foram intimados para os interrogatórios.



O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto. Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...” Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio, mas o acusador insinua essa possibilidade.  A primeira audiência foi suspensa depois de Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse, veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso.  No dia seguinte as testemunhas de acusação são ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.” O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador, o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as razões do seu rapto. “O  júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta, que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro, Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos. Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações, na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs. d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador. Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se dizer, sem exagero, que um raio caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se “cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos pelos  novos depoimentos sobrevindos do que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são “todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu nos braços de Lourença.  Esta se ergue, moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade. Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville.  Bordin afirmou que não deveria se casar com um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los, sem ela!



O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal. Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin, pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado.  O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os primos à custa da morte de Michu. Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin: “Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua condenação confirmada  por vossa corte de cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os... etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu.  Ao vê-lo sai com os olhos banhados em lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia, pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar! Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença, ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas. Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam. Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado. Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa, agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano. Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica srta. Girel, de Troyes”  O Marques de Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos, que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do senador. Luís XVIII ficou mudo quanto ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.



Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.” A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe. A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite, com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho, olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim, ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se. Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses, muito pouco simples.” Seguia-os uma terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço, porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá resistir senão voltando à energia convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor, disse um antigo convencional, nós o adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles. Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.” O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados. Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer. Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair. Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche, Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês, se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de 1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade que as fez imprimir em número necessário de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.”  O impressor foi preso como conspirador, pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez, depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte. Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc, pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne. Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou silêncio.”

                                                












UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA HUMANA
Neste interessantíssimo romance histórico Honoré de Balzac nos coloca a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.

O outono de 1803 foi um dos mais belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville, organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o órfão Michu recebeu da marquesa o posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador foi Marion, de Arcis, que teve medo do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado, pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”. Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir. Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os habitantes, “então, que Marion tinha sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.” “Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o castelo durante a noite.  Marion preveniu  Malin que ficasse de olho no administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos, Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda, muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus pensamentos.
Dois parisienses atravessam a rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer, moda aristocrática...”O primeiro tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres, o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal... Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina, deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem era  “o seu Michu”. Temendo perderem-se no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles homens. Nesse ínterim aparece Violette, granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era “francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de Arcis a par dos menores atos de Michu.”  Enegrecia todos os atos desse homem, “tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.”  “Marta, que foi gradativamente empalidecendo, chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a uivar “como uivam os cães em desespero.”

A cólera de Michu por Marion se transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade, Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos. A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin  e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político, “acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.”  Luís XVIII queria uma desforra, mas o “Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.  O governo de Bonaparte estaria no seu período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e se retiraram lentamente.

Michu entrou em casa e atirou ao fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta “amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a representar.”

Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença, “era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam  no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus negócios.  Sob sua administração o espaço “tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível. Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles. Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a acompanhavam, agiram com discrição como sua ama. 


No momento em que Marta chega com o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia aos realistas... mas resolvidos a suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região, juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão. Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida portanto, fazia dois anos,  tornara-se quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência.  O velho tutor avisa que Malin estava em Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas amizades  com a nobreza. Michu havia pressuposto esta disposição.

Correntin, “o fênix dos espiões” e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas. “Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse, confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento, para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam jogando cartas. A visita do maire deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado, pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma coisa.” Corentin decide apertá-los.

“Uma brecha tem sempre sua causa e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!... Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta. Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro, “deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado, limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como indicadores. Eram onze as árvores que a escondia.  Lourença não poderia mais ver os gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para Cinq-Cygne.

Peyrade e Corentin continuavam no local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes do castelo, ver entrar Lourença”.  O brigadeiro de Assis junta-se ao grupo  e diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força. Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra, para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.” 

Corentin tinha o pequeno cofre de Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado. Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha, desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos, pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos, depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia prevenido os primos e os srs.  de Simeuse que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha, e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.” Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.  Atrapalhados, ficaram sabendo que o cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e  que fora somente uma queda. “A alegria do triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia.  Fouché certamente ficaria furioso com o insucesso da missão.  Quem salvara as pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.

Corentin vai encontrar-se com o brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca” e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que “o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens, palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores, à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os seus inimigos.”

No castelo, esperavam pelos quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado dinheiro para sobreviverem.  Haviam ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença... pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga. Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia – “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto  não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos; mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que procede do espírito.”

Em fevereiro de 1806, depois da conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça, que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou. Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador, um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin! Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que nunca a desgraça caiu sobre eles sem que antes tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”

Michu vendeu suas terras a Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença, depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois Lourença se casaria.  Emocionada diz que entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o marido. O primeiro a quem a sra. d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido. Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares “cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada, erguia-se de um relvado do parque inglês.  O hipócrita Violette apareceu e disse a Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados, parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin,  a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.

Violette tentou envenenar Grévin dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.  Dois oficiais que vieram mostraram “grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza, relativamente à criminalidade de Michu, dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte. O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri,  Lechesneau,  havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção. O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa má.”  Quanto a Michu sabiam que ameaçara o sr. Marion.  Havia vendido tudo e já recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.  A Justiça nunca poderia adivinhar os motivos. O imperador, entretanto,  havia perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para passar o feriado em Troyes.  Esses depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não pela polícia!

Os nobres haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr. Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror. Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais foram levados ao castelo, com as mãos amarradas.  Lá os jovens, também famintos, reuniram-se aos  velhos senhores, que se encontravam bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra. d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço. Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a sua escolha? – exclamou a velha dama.”  Lourença responde que haviam deixado “ao  alvitre da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura -, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras pessoas queriam saber o  motivo da prisão e qual acusação  pesava sobre eles. Era o dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois “nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão matá-los, apesar de sua inocência!”

Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de 1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville “aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse  o processo, pela proximidade do tribunal e por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam  abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação a Malin.  E, também, Lourença havia ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor, seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se, por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios. “O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.” Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.” Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação. “Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”

Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada a Lourença que poderia dar à língua. Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente, retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se  ao ouvir a leitura feita pelo padre do interrogatório público dos acusados, pois  já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia foram intimados para os interrogatórios.

O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto. Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...” Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio, mas o acusador insinua essa possibilidade.  A primeira audiência foi suspensa depois de Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse, veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso.  No dia seguinte as testemunhas de acusação são ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.” O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador, o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as razões do seu rapto. “O  júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta, que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro, Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos. Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações, na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs. d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador. Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se dizer, sem exagero, que um raio caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se “cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos pelos  novos depoimentos sobrevindos do que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são “todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu nos braços de Lourença.  Esta se ergue, moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade. Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville.  Bordin afirmou que não deveria se casar com um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los, sem ela!

O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal. Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin, pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado.  O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os primos à custa da morte de Michu. Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin: “Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua condenação confirmada  por vossa corte de cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os... etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu.  Ao vê-lo sai com os olhos banhados em lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia, pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar! Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença, ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas. Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam. Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado. Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa, agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano. Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica srta. Girel, de Troyes”  O Marques de Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos, que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do senador. Luís XVIII ficou mudo quanto ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.

Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.” A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe. A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite, com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho, olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim, ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se. Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses, muito pouco simples.” Seguia-os uma terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço, porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá resistir senão voltando à energia convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor, disse um antigo convencional, nós o adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles. Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.” O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados. Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer. Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair. Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche, Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês, se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de 1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade que as fez imprimir em número necessário de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.”  O impressor foi preso como conspirador, pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez, depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte. Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc, pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne. Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou silêncio.”
                                                







UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA HUMANA
Neste interessantíssimo romance histórico Honoré de Balzac nos coloca a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.

O outono de 1803 foi um dos mais belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville, organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o órfão Michu recebeu da marquesa o posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador foi Marion, de Arcis, que teve medo do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado, pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”. Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir. Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os habitantes, “então, que Marion tinha sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.” “Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o castelo durante a noite.  Marion preveniu  Malin que ficasse de olho no administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos, Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda, muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus pensamentos.
Dois parisienses atravessam a rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer, moda aristocrática...”O primeiro tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres, o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal... Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina, deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem era  “o seu Michu”. Temendo perderem-se no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles homens. Nesse ínterim aparece Violette, granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era “francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de Arcis a par dos menores atos de Michu.”  Enegrecia todos os atos desse homem, “tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.”  “Marta, que foi gradativamente empalidecendo, chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a uivar “como uivam os cães em desespero.”

A cólera de Michu por Marion se transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade, Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos. A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin  e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político, “acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.”  Luís XVIII queria uma desforra, mas o “Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.  O governo de Bonaparte estaria no seu período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e se retiraram lentamente.

Michu entrou em casa e atirou ao fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta “amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a representar.”

Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença, “era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam  no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus negócios.  Sob sua administração o espaço “tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível. Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles. Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a acompanhavam, agiram com discrição como sua ama. 


No momento em que Marta chega com o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia aos realistas... mas resolvidos a suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região, juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão. Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida portanto, fazia dois anos,  tornara-se quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência.  O velho tutor avisa que Malin estava em Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas amizades  com a nobreza. Michu havia pressuposto esta disposição.

Correntin, “o fênix dos espiões” e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas. “Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse, confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento, para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam jogando cartas. A visita do maire deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado, pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma coisa.” Corentin decide apertá-los.

“Uma brecha tem sempre sua causa e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!... Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta. Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro, “deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado, limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como indicadores. Eram onze as árvores que a escondia.  Lourença não poderia mais ver os gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para Cinq-Cygne.

Peyrade e Corentin continuavam no local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes do castelo, ver entrar Lourença”.  O brigadeiro de Assis junta-se ao grupo  e diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força. Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra, para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.” 

Corentin tinha o pequeno cofre de Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado. Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha, desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos, pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos, depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia prevenido os primos e os srs.  de Simeuse que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha, e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.” Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.  Atrapalhados, ficaram sabendo que o cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e  que fora somente uma queda. “A alegria do triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia.  Fouché certamente ficaria furioso com o insucesso da missão.  Quem salvara as pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.

Corentin vai encontrar-se com o brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca” e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que “o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens, palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores, à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os seus inimigos.”

No castelo, esperavam pelos quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado dinheiro para sobreviverem.  Haviam ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença... pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga. Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia – “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto  não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos; mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que procede do espírito.”

Em fevereiro de 1806, depois da conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça, que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou. Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador, um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin! Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que nunca a desgraça caiu sobre eles sem que antes tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”

Michu vendeu suas terras a Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença, depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois Lourença se casaria.  Emocionada diz que entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o marido. O primeiro a quem a sra. d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido. Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares “cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada, erguia-se de um relvado do parque inglês.  O hipócrita Violette apareceu e disse a Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados, parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin,  a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.

Violette tentou envenenar Grévin dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.  Dois oficiais que vieram mostraram “grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza, relativamente à criminalidade de Michu, dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte. O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri,  Lechesneau,  havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção. O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa má.”  Quanto a Michu sabiam que ameaçara o sr. Marion.  Havia vendido tudo e já recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.  A Justiça nunca poderia adivinhar os motivos. O imperador, entretanto,  havia perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para passar o feriado em Troyes.  Esses depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não pela polícia!

Os nobres haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr. Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror. Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais foram levados ao castelo, com as mãos amarradas.  Lá os jovens, também famintos, reuniram-se aos  velhos senhores, que se encontravam bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra. d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço. Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a sua escolha? – exclamou a velha dama.”  Lourença responde que haviam deixado “ao  alvitre da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura -, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras pessoas queriam saber o  motivo da prisão e qual acusação  pesava sobre eles. Era o dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois “nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão matá-los, apesar de sua inocência!”

Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de 1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville “aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse  o processo, pela proximidade do tribunal e por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam  abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação a Malin.  E, também, Lourença havia ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor, seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se, por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios. “O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.” Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.” Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação. “Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”

Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada a Lourença que poderia dar à língua. Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente, retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se  ao ouvir a leitura feita pelo padre do interrogatório público dos acusados, pois  já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia foram intimados para os interrogatórios.

O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto. Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...” Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio, mas o acusador insinua essa possibilidade.  A primeira audiência foi suspensa depois de Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse, veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso.  No dia seguinte as testemunhas de acusação são ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.” O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador, o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as razões do seu rapto. “O  júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta, que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro, Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos. Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações, na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs. d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador. Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se dizer, sem exagero, que um raio caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se “cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos pelos  novos depoimentos sobrevindos do que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são “todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu nos braços de Lourença.  Esta se ergue, moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade. Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville.  Bordin afirmou que não deveria se casar com um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los, sem ela!

O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal. Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin, pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado.  O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os primos à custa da morte de Michu. Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin: “Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua condenação confirmada  por vossa corte de cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os... etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu.  Ao vê-lo sai com os olhos banhados em lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia, pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar! Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença, ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas. Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam. Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado. Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa, agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano. Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica srta. Girel, de Troyes”  O Marques de Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos, que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do senador. Luís XVIII ficou mudo quanto ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.

Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.” A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe. A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite, com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho, olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim, ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se. Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses, muito pouco simples.” Seguia-os uma terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço, porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá resistir senão voltando à energia convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor, disse um antigo convencional, nós o adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles. Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.” O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados. Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer. Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair. Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche, Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês, se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de 1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade que as fez imprimir em número necessário de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.”  O impressor foi preso como conspirador, pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez, depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte. Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc, pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne. Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou silêncio.”
                                                






 
UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA HUMANA
Neste interessantíssimo romance histórico Honoré de Balzac nos põe a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.

O outono de 1803 foi um dos mais belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville, organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o órfão Michu recebeu da marquesa o posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador foi Marion, de Arcis, que teve medo do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado, pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”. Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir. Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os habitantes, “então, que Marion tinha sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.” “Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o castelo durante a noite.  Marion preveniu  Malin que ficasse de olho no administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos, Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda, muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus pensamentos.
Dois parisienses atravessam a rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer, moda aristocrática...”O primeiro tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres, o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal... Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina, deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem era  “o seu Michu”. Temendo perderem-se no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles homens. Nesse ínterim aparece Violette, granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era “francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de Arcis a par dos menores atos de Michu.”  Enegrecia todos os atos desse homem, “tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.”  “Marta, que foi gradativamente empalidecendo, chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a uivar “como uivam os cães em desespero.”

A cólera de Michu por Marion se transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade, Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos. A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin  e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político, “acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.”  Luís XVIII queria uma desforra, mas o “Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.  O governo de Bonaparte estaria no seu período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e se retiraram lentamente.

Michu entrou em casa e atirou ao fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta “amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a representar.”

Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença, “era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam  no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus negócios.  Sob sua administração o espaço “tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível. Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles. Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a acompanhavam, agiram com discrição como sua ama. 


No momento em que Marta chega com o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia aos realistas... mas resolvidos a suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região, juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão. Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida portanto, fazia dois anos,  tornara-se quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência.  O velho tutor avisa que Malin estava em Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas amizades  com a nobreza. Michu havia pressuposto esta disposição.

Correntin, “o fênix dos espiões” e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas. “Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse, confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento, para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam jogando cartas. A visita do maire deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado, pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma coisa.” Corentin decide apertá-los.

“Uma brecha tem sempre sua causa e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!... Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta. Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro, “deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado, limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como indicadores. Eram onze as árvores que a escondia.  Lourença não poderia mais ver os gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para Cinq-Cygne.

Peyrade e Corentin continuavam no local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes do castelo, ver entrar Lourença”.  O brigadeiro de Assis junta-se ao grupo  e diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força. Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra, para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.” 

Corentin tinha o pequeno cofre de Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado. Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha, desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos, pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos, depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia prevenido os primos e os srs.  de Simeuse que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha, e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.” Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.  Atrapalhados, ficaram sabendo que o cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e  que fora somente uma queda. “A alegria do triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia.  Fouché certamente ficaria furioso com o insucesso da missão.  Quem salvara as pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.

Corentin vai encontrar-se com o brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca” e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que “o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens, palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores, à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os seus inimigos.”

No castelo, esperavam pelos quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado dinheiro para sobreviverem.  Haviam ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença... pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga. Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia – “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto  não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos; mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que procede do espírito.”

Em fevereiro de 1806, depois da conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça, que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou. Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador, um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin! Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que nunca a desgraça caiu sobre eles sem que antes tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”

Michu vendeu suas terras a Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença, depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois Lourença se casaria.  Emocionada diz que entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o marido. O primeiro a quem a sra. d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido. Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares “cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada, erguia-se de um relvado do parque inglês.  O hipócrita Violette apareceu e disse a Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados, parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin,  a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.

Violette tentou envenenar Grévin dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.  Dois oficiais que vieram mostraram “grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza, relativamente à criminalidade de Michu, dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte. O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri,  Lechesneau,  havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção. O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa má.”  Quanto a Michu sabiam que ameaçara o sr. Marion.  Havia vendido tudo e já recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.  A Justiça nunca poderia adivinhar os motivos. O imperador, entretanto,  havia perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para passar o feriado em Troyes.  Esses depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não pela polícia!

Os nobres haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr. Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror. Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais foram levados ao castelo, com as mãos amarradas.  Lá os jovens, também famintos, reuniram-se aos  velhos senhores, que se encontravam bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra. d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço. Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a sua escolha? – exclamou a velha dama.”  Lourença responde que haviam deixado “ao  alvitre da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura -, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras pessoas queriam saber o  motivo da prisão e qual acusação  pesava sobre eles. Era o dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois “nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão matá-los, apesar de sua inocência!”

Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de 1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville “aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse  o processo, pela proximidade do tribunal e por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam  abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação a Malin.  E, também, Lourença havia ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor, seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se, por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios. “O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.” Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.” Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação. “Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”

Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada a Lourença que poderia dar à língua. Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente, retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se  ao ouvir a leitura feita pelo padre do interrogatório público dos acusados, pois  já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia foram intimados para os interrogatórios.

O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto. Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...” Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio, mas o acusador insinua essa possibilidade.  A primeira audiência foi suspensa depois de Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse, veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso.  No dia seguinte as testemunhas de acusação são ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.” O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador, o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as razões do seu rapto. “O  júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta, que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro, Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos. Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações, na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs. d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador. Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se dizer, sem exagero, que um raio caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se “cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos pelos  novos depoimentos sobrevindos do que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são “todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu nos braços de Lourença.  Esta se ergue, moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade. Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville.  Bordin afirmou que não deveria se casar com um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los, sem ela!

O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal. Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin, pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado.  O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os primos à custa da morte de Michu. Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin: “Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua condenação confirmada  por vossa corte de cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os... etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu.  Ao vê-lo sai com os olhos banhados em lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia, pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar! Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença, ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas. Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam. Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado. Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa, agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano. Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica srta. Girel, de Troyes”  O Marques de Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos, que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do senador. Luís XVIII ficou mudo quanto ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.

Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.” A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe. A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite, com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho, olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim, ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se. Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses, muito pouco simples.” Seguia-os uma terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço, porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá resistir senão voltando à energia convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor, disse um antigo convencional, nós o adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles. Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.” O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados. Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer. Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair. Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche, Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês, se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de 1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade que as fez imprimir em número necessário de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.”  O impressor foi preso como conspirador, pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez, depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte. Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc, pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne. Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou silêncio.”