quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Everyman de Philip Roth




Estamos num cemitério judaico completamente abandonado, nos Estados Unidos. Somente um caixão e poucas pessoas. O corpo já desceu à sepultura e chega o momento de homenagear o morto. Primeiro fala a filha; explica o porquê da escolha do cemitério. Foi fundado por seu bisavô, quando chegou à América como imigrante. Homem dotado de grande sensibilidade, inteligente, preocupado com o destino dos demais imigrantes judeus, resolveu fazer esse empreendimento, que anos após sua morte se deteriorara. Lá estão seu bisavô, seus avós e ela tem certeza que seu pai gostaria de repousar, eternamente, com seus entes mais queridos. A cena continua com palavras de seu irmão, de seus dois filhos do primeiro casamento, de sua ex-esposa e de sua enfermeira. Estão presentes também pessoas que trabalharam com ele.
Discursam sobre seus familiares - avós, pais e seu querido irmão mais velho, seu ídolo. Comentam sua infância feliz ao lado do irmão, da amorosa mãe e do pai cuidadoso e compreensivo e de seu encantamento, desde a infância, pelas engrenagens de relógios. Enfim, era uma família feliz. O personagem principal é descrito como um menino muito criativo, atento a tudo, hábil e inteligente. Seu único problema parecia ser uma cirurgia de hérnia, durante a qual ele se apavora com as lembranças de pessoas mortas ou que estão para morrer. A morte começa a rondar o menino. Jovem e com um belo futuro pela frente casa-se e tem dois filhos. Contudo o casamento mostra-se contrário às suas expectativas de vida que seria um casamento sólido, único e feliz. Ocorreu, então, após muita reflexão e pesar o divórcio. Os meninos ficam com a mãe e ele apenas lhes pede perdão por ter sido um ser humano comum e falível. Afinal, conhece uma jovem encantadora e grande parceira, mas ele é sempre atormentado pelo sentimento de morte eminente e infelicidade, que não revela a ninguém. Com o passar do tempo, vê-se obrigado a recorrer a um analista. Sintomas, supostamente psicológicos, o fazem emagrecer e parar de trabalhar. Internado em um hospital, descobre que tem apendicite supurada e diversos pontos de infecção. No hospital lembranças da morte de seu tio, de seu pai quase morto pela apendicite, e agora ele com o mesmo problema, não o deixam descansar Após um mês de hospital retorna a sua casa. A morte ronda o homem. Todavia, a visita de seu querido irmão lhe traz alento e mais determinação. Vinte e dois anos se passam após esses fatos, agora ele segue feliz e saudável ao lado de sua amada.
Contudo, num terceiro casamento desastroso, seu querido pai adoece e nosso personagem se vê na contingência de visitá-lo assiduamente, quando ele próprio, sofreu uma gravíssima intervenção cirúrgica no coração. Sua terceira hospitalização. A morte continua rondando o homem. Cercado de problemas pessoais e sentimentais conseguiu reiniciar sua vida novamente, apaixonando-se por sua bela e eficaz enfermeira ruiva. O falecimento e o enterro de seu velho pai, realizado na mais pura tradição judaica, transtornam profundamente nosso herói. Sendo incrédulo, considera o ato bárbaro. Ele apresenta mais nove anos de vida saudável e estável...

Advem porem a quarta cirurgia. Desta vez nos rins em decorrência de sua pressão alta. Está com 65 anos. Aposentado muda-se para um elegante condomínio de idosos, à beira mar e começa a pintar. Sua amada filha divorcia-se e o espectro das torres gêmeas destruídas em 2001 faz-se presente. No mesmo ano da quarta intervenção, ocorre outra. Diversos infortúnios se sucedem devido a sua saúde super fragilizada, em descompasso com sua vida anterior e interior de homem bem sucedido e operante. Eram tantas as vicissitudes que ele elabora um pequeno plano mental para superá-las. Sua própria filha vê-se abatida pelas transformações ocorridas com seu amado pai. Essas hospitalizações fizeram dele um homem mais solitário e menos confiante. A morte agora sorri para o homem. Em certo momento, aulas de pintura para outros desvalidos como ele foi sua meta. O sucesso é evidente, mas ele é forçado a parar. Então, lembranças de como seus dois filhos foram inclementes e perversos com ele, o deixa amuado e ao mesmo tempo enfurecido, pela falta de clemência e compreensão da mente humana. As pessoas acometidas de doenças constantes têm vergonha de se sentirem frágeis. Sua combatividade torna-se uma enorme tristeza. Agora ele tem setenta e um anos, tem solidão e tem desventura.
Ao longo dos anos ele manteve um contato amistoso e caloroso com seu irmão, Mas como passar de suas internações e doenças ele acaba por odiá-lo, pelo simples fato de ser saudável. A vida já é sua obsessão, assim como a morte, pois a morte é simplesmente morte. A gravidade de uma enfermidade pode corroer a alma de um sensato. Sua confiança na arte de pintar desaparece e a identificação com ela também. Passa a desacreditar em seu potencial artístico por puro sofrimento. Ele é e gosta de ser reconfortado por sua filha, pois sê-lo não é coisa pequena, é um momento de paz e carinho na vida de um homem que passa a viver de recordações do passado. Das mazelas de seus casamentos mal sucedidos, de suas mentiras, que quase se tornam verdades a seus olhos, de suas compulsões, com desdobramentos arrasadores, suas traições e as conseqüências delas. Sem pintar, vivendo de reflexões não consegue preencher sua vida. Observar as ondas do mar, relembrando a infância confiante e cheia de sonhos tampouco o satisfaz. A morte volta a sorrir para ele.
Ele se sente falido intelectualmente, tendo sido um vitorioso na idade adulta. Não se sente feliz no condomínio. Agora, sem raízes, está num lugar em que não pode recorrer a sua antiga criatividade. Nada mais lhe interessa. Reconhece o erro de ter saído de um grande centro e planeja uma volta impossível, ao lado da filha. Sua segunda esposa adoece gravemente, o que inviabiliza seu retorno. Seu sofrimento aumenta com a desesperança e o seu total distanciamento da família, motivados por sua vontade e comportamento. Restou-lhe lembrar-se de sua juventude, seus amores, seus companheiros de trabalho que também estão morrendo ou doentes. Sente-se diminuído e transformado em alguém que não quer ser! A desesperança abate-se sobre ele e o move para o cemitério onde seus pais repousam e junto aos seus ossos encontra conforto. Logo mais, após sua última operação, ainda sonhando com o verde mar e a maravilhosa terra, como jóias a serem vistas pela lupa de joalheiro de seu pai, acaba sua vida. A morte enlaça-se ao nosso herói, um homem comum.
Biografia
Em 1997 Philip Roth ganhou o Prémio Pulitzer com Pastoral Americana. Em 1998 recebeu a Medalha Nacional de Artes da Casa Branca e em 2002 o mais alto galardão da Academia Americana de Artes e Letras, a Medalha de Ouro da Ficção, anteriormente atribuída a John dos Passos, William Faulkner e Saul Bellow, entre outros. Ganhou duas vezes o National Book Award, o PEN/Faulkner Award e o National Book Critics Award.Em 2005, A Conspiração Contra a América recebeu o prémio da Sociedade de Historiadores Americanos pelo “excepcional romance histórico sobre um tema americano relativo a 2003-2004” e foi nomeado como Melhor Livro do Ano pela New York Times Book Review, San Francisco Chronicle, Boston Globe, Chicago-Sun Times, Washington Post Book World, Times, Newsweek e muitas outras publicações periódicas. A Conspiração Contra a América conquistou o W.H. Smith Award para o Melhor Livro do Ano, fazendo de Roth o primeiro escritor, nos 46 anos de história do prémio, a conquistá-lo duas vezes.Em 2005, Roth tornou-se também o terceiro escritor americano vivo a ter a sua obra publicada numa colecção completa e definitiva pela Library of America. A publicação do último dos oito volumes está prevista para 2013.Recentemente recebeu dois dos mais prestigiados prémios do PEN: em 2006 o PEN/Nabokov e em 2007 o PEN/Saul Bellow de Consagração na Ficção Americana, dado ao escritor cujo apuro ao longo de uma carreira sustentada o coloca ao mais alto nível da literatura americana.

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