segunda-feira, 17 de outubro de 2011

LIÇÕES DE FILOSOFIA PRIMEIRA DE J. A GIANNOTTI



Parte I

Aqui seguem alguns fragmentos desse ótimo livro, para quem quer se familiarizar com essa ciência. Não farei um resumo, como de costume, pois se trata de um assunto que não domino, mas refleti muito e resolvi escrever algumas de suas impressões, pois foram de grande valia para minha vida pessoal. Essa obra é bastante enriquecedora e deve ser lida por completo, para que se tenha uma noção mais apurada pelo assunto e continuar seguindo ou não por esse caminho. Na introdução ele diz “Espero ter escrito uma introdução à filosofia, não às opiniões deste ou daquele filósofo, mas à maneira pela qual eles pensam determinados problemas.”
Tales (625-458 a.C.) é o primeiro filósofo de acordo com a tradição grega. É dono de senso prático e “admirado porque manipula ideias abstratas, importantes e divinas.” Platão e Aristóteles “fizeram desse estranhamento o autêntico espanto diante das coisas, o empuxo para a reflexão filosófica.” A filosofia ocidental nasceu na Grécia (séc.VII a.C.) quando a cidade-estado, a pólis, se formava. “Somente quando a polis entrou em decadência eles criaram escolas propriamente ditas – lugares de ócio (skolê em grego), onde não se praticava o neg-ócio... visando lhes abrir o caminho para uma vida feliz, contemplativa...” Pólis desaparece com conquistas de Alexandre o Magno, integrando o império romano.
Os filósofos tornam-se cosmopolitas. Com o cristianismo, os padres da Igreja tornaram-se filósofos, nem sempre obedientes ao Vaticano. No Renascimento dá-se a conciliação entre fé e saber. Francis Bacon- n.1561, René Descartes- n.1596, Hobbes –n.1588, Locke, Hume, Bekerley, Leinbniz, Kant- n.1724, Rousseau- n.1722, Espinoza- n.1632, Schopenhauer- n.1788. No século XIX passam a ser principalmente professores: Russel- n.1872, Heidegger- n.1889, Wittgenstein- n.1889.
“A FILOSOFIA é uma forma de saber raciocinador, que se ocupa do cosmo, da linguagem (do logos), do sentido e dos limites do conhecimento científico, do significado de outras práticas e da política. Nasce, desde logo, opondo-se ao pensamento mitológico.” A filosofia tem mais de dois mil anos de tradição.
“O estudioso moderno desde logo se confronta com a tarefa de reconstruir, de compor os textos antigos.” “Os Cidadãos – entre eles não se incluíam as mulheres, os escravos e os estrangeiros – participavam do poder reivindicando o direito da isegoria, isto é, a possibilidade de pedir a palavra na assembléia comunal, e aquele da isonomia, de ser tratado igualmente perante a lei.” “A nobreza, armando o tecido das trocas, faz circular objetos preciosos...” “Mutatis mutandis, o poder também circula... passa a ser compartilhado... até abranger todo cidadão adulto, desde que estivesse ligado a um demos, por assim dizer um distrito. Daí o nome “democracia” para essa forma de governo...” No lugar de um palácio centralizador, surge a cidade murada protegendo cidadãos e estrangeiros e recebendo os camponeses do redor. Esse saber público encontra raízes do pensamento indo-europeu. “É interessante notar que a substituição do rei mago (o anax) por uma assembléia de pares, inclusive com poderes religiosos, necessita da intermediação de um sabedor (sophos), de um sábio dos meandros da polis ideal.” Em geral os sábios eram legisladores na Grécia antiga. O ser pode dotar-se de um movimento de ascensão. Como pensar o uno no múltiplo e vice-versa. Qual a natureza do uno? Seria da fonte do múltiplo. Martin Heidegger sugere: “De onde as coisas têm seu nascimento, para lá também devem afundar-se na perdição, segundo a necessidade; pois elas devem expiar e ser julgadas pela justiça segundo a ordem do tempo.” ”O tempo é pensado como circular, voltando sempre ao mesmo ponto de partida, os entes retornando à unidade do indefinido para recomeçar tudo de novo.” Tudo o que é... é; e o que não é não é.
“A razão grega... permite agir sobre os homens, não transformar a natureza.”pg.37.Horrível descartar os pobres e restringir os cidadãos (411 a c.) Durante o século V a.c. a cidade é conduzida por políticos de grande envergadura, Péricles. Dúvida da existência dos Deuses, Protágoras. Distinção do VERDADEIRO E FALSO. Sobre todos os assuntos existem dois argumentos antiéticos entre si. PENSAR é discursar sobre o REAL, tomando o homem como medida para todas as coisas. Importa-lhe conhecer e praticar o bom juízo, as sabedorias no que concerne aos assuntos privados e públicos. Zeus cria os homens. Princípio básico da democracia: a isegoria e a isonomia aos cidadãos (MULHERES não eram CIDADÃS como os escravos e estrangeiros). SÓCRATES acredita na imortalidade da alma. É um homem rude, mas leva ao limite a busca da consciência moral. Na modéstia Sócrates escondia um grande orgulho. A certeza de trilhar o caminho da verdade. (Como Jesus?) Em 399 a.c foi acusado de corruptor da juventude. Morreu tomando cicuta e Platão vem a ser seu maior discípulo. TALES, PROTÁGORAS, SÓCRATES, PLATÃO. Sócrates não confia na força da amizade. Faz inimigos ao desvendar o falso saber deles. No dia da execução recusa a ajuda de amigos para fugir. Acreditando na imortalidade da alma bebe, serenamente, o cálice de cicuta.
PLATÃO 425 – 394 AC. Escreve diálogos e os problemas filosóficos são desenhados por inteiro, através de seus personagens. Antes de indagar pela injustiça da ação, cabe indagar pelo sentido da alma justa. Acredita na Forma. Forma-justiça. Forma-pera, Forma-bondade, Forma-mesa, etc. O REPOUSO deve ser explicado na qualidade de PRINCÍPIO de qualquer mudança. A Forma cunha a matéria como o sinete se imprime na cera. Só chega aos princípios quem for moralmente dotado e capaz de, a partir dele, proceder quase que AUTOMATICAMENTE. FILÓSOFO: facilidade de aprender, memória potente... e aspira pelas coisas justas e belas. Seria necessário redesenhar o mapa em que os gregos distribuíam deuses, seres humanos e viventes. Pensar é rememorar, ter reminiscência de um contemplar anterior à encarnação. Não há lugar para as lendas de Homero. A tarefa é legislar a polis. Aquele que se aproxima do divino tem a responsabilidade de voltar ao mundo das aparências e auxiliar seus cidadãos a se libertarem de seus ferros. Refere-se à lenda da caverna escura, com luz que modifica a forma real. Só poucos percebem isso – os iluminados. Platão viaja para disseminar sua filosofia, mas um rei se cansa dele e é quase escravizado. Cada um deve aprender o saber que lhe compete, e graças a ele, adquirir a virtude da TEMPERANÇA, o DOMÍNIO de seu oficio e de si mesmo. A justiça não é propriamente definida, tão só localizada no edifício do saber. Quatro VIRTUDES CAPITAIS: prudência, temperança, coragem e justiça. Em oposição se coloca o desejo, outra parte constituinte da alma. A VONTADE não possui uma essência de que os filósofos falam a partir de um ponto de vista. A CORAGEM tem uma posição difícil no desenho platônico da alma humana. O lado apetitivo da alma se extravasa para se abrir à ponderação da razão. Bem supremo, Verdade, Beleza coincidem. O Bem é a parte mais luminosa do ser. Deus é o Bem. A dialética platônica visa o Bem, idêntico ao Belo e ao Verdadeiro. Parmênides. As Formas se friccionarem umas nas outras na medida em que essa possibilidade deixa pistas na própria aparência, nos fenômenos cotidianos. O sofista é um caçador de jovens atenienses ricos, pois podem ser capazes de pagar por suas aulas, assim como livres, porquanto se destinam a exercer poder político. ANTÍTENES (444 ac) foi fundador da escola cínica, assim chamada porque era muito crítica dos costumes atenienses e da filosofia de então. Foi discípulo de Sócrates. O ser é, mas enquanto ente particular ele se diferencia de outros porque possui em si mesmo poder diferenciador. O sofista faz do discurso o desvendamento do ser, inclusive tenta mostra como esse ser participa do não-ser.
Pg. 78 Aristóteles rompe, aos poucos, com o Platonismo e descobre seus próprios caminhos. Ele distingue coisas homônimas de sinônimas. Fala de coisas e de suas essências;
Cruzeiro – cruz e constelação. Animal - homem e boi. O tempo é quantificável, pois o tempo presente se une ao tempo passado. O mesmo acontece com o lugar, que, ao ser ocupado por um corpo é delimitado pelas partes que esse corpo passa a possuir. O tempo vem a SER na medida em que o movimento é essencialmente quantificável. ANTES e DEPOIS. Os nomes designam as coisas por convenção. Um nome que possui uma dimensão temporal é um VERBO. Somente no século 17 Galileu poderá considerar a natureza como um livro aberto escrito em caracteres matemáticos. O objeto natural deixa de ser potência para se tornar cruzamento de propriedade mensuráveis. A ciência moderna nasce quando quebra o privilégio conferido por Aristóteles à essência enquanto definição. A ontologia, a doutrina do ser (on), orienta a definição da forma lógica da proposição declarativa. O homem é mortal. Nela Platão vê o indivíduo que participa da Forma-homem e por causa disso também participa da Forma-vida. As palavras emitidas pela voz são símbolos de estados de alma e as palavras escritas, símbolos das palavras emitidas pela voz. Para Aristóteles o símbolo se constrói para que algo seja dito, e por fim conhecido, mediante combinações mentais e verbais. O DISCURSO executa as ações mais divinas, pois tem o poder de cessar o medo, retirar a tristeza, inspirar a alegria e aumentar a piedade. As coisas são finitas e as palavras são infinitas. Fica clara a necessidade da contradição, pois o discurso somente se efetiva quando os interlocutores estão visando a mesma coisa. Análise existencial/metafísica. O homem é animal racional... o homem é posto no gênero animal, mas se diferenciando totalmente dos outros animais, na medida em que vem a ser racional. A alma como forma do corpo... A alma articula as partes de tal modo que elas não existem separadamente. A forma se reduz a algo para que sua matéria seja consumida por as atividades, por sua energeia. As coisas sensíveis são móveis e separadas. Os números e as figuras geométricas, em contrapartida, são imutáveis e inseparáveis das coisas onde estão. Erro dos platônicos: não entenderam que a matéria próxima e a forma constituem uma unidade, mas se diferenciam conforma essa unidade muda de sentido. Matemática/filosofia. (Incrível ver com na Idade Média estudou-se tanto sobre filosofia, fato tão abstrato e que necessita de reflexão constante e diálogo.) Todo homem deseja conhecer por natureza. Mas o que se quer conhecer equivale, em número, ao que se entende: que, porque, se é, o que é. (O homem é homem, mas passa a ser designado por outros atributos) O acidente não é apenas o concomitante, mas se torna demonstrável, ou melhor, por si mesmo. Em vez de diálogos Aristóteles passa a escrever tratados. É da natureza da razão chegar à verdade das coisas, mas para isso ela precisa se mover, ativar e ordenar a linguagem para que suas mediações se evidenciem. O universal... se encontra na articulação das próprias coisas tal com vêm a ser apreendidas pela razão. (felicidade- eudaimonia/ equilíbrio, ponderação, virtuosismo, moral e prudência. Aristóteles observa que o freqüente está entre o necessário e o acidente. (sequência: Tales, Sócrates, Platão, Aristóteles). A alma é definida como a forma do corpo. Pg.123. A alma se desdobra em passiva e ativa. O intelecto se mostra passivo para que o intelecto ativo o mobilize. (metafísica/ ciência teórica, a primeira delas). Os corpos celestes não possuem matéria no sentido mais comum; posto que se movimentam circularmente, existem por si próprios enquanto forma autônoma. Como pura atividade são, por fim, divinos. Os Deuses de Aristóteles transcendem o mundo, mas não se escondem. (Deus/primeiro motor/Bem/Deus objeto de seu próprio pensamento/Sumo Bem). Os platônicos fazem da alma o princípio do movimento, cada gênero possuindo movimento próprio mas integrando-se no movimento promovido pela alma do mundo. Os círculos moventes dependem de um motor imóvel, energia pura que mobiliza outras formas de movimento. A filosofia primeira está destinada a se confrontar com a ontologia e com a teologia...
(Os estóicos opõem-se à tradição platônico-aristotélica – ponte entre pensamento grego e cristão... estóicos ligados aos temas da cidade estado grega. Grécia conquistada pelos romanos em 146 a.C. Instalam-se na Capadócia, Mediterrâneo, Espanha. Alexandria se torna centro cultural importante e Atenas, desprovida de seu império, volta-se sobre si mesma e institucionaliza de vez a riqueza de seu pensamento, abrigando uma rede de escolas filosóficas e científicas. .. O saber perde a unidade antiga e as ciências encontram definitivamente seus próprios caminhos. (geometria, matemática, astronomia, física, mecânica, medicina) Euclides, Apolônio, Arquimedes, Hipócrates, Galeno. Os primeiros estóicos... se reuniam num pórtico (stoa) de Atenas. Zenão funda a primeira escola em 322 a.C., Cleanto sucede e depois CRISIPO, o grande arquiteto do pensamento estóico. Com ele a filosofia pretende definir a finalidade da vida feliz e transmitir a arte de viver conforme esse objetivo. Adquirir e ensinar a arte de viver. Isso comporta três partes – lógica, física e moral. Isso está sempre interligado com Deus e o Bem). O ser (einai) é existência individualizada, corporificada... O passado e o futuro apenas subsistem. Mas o presente não existe em bloco na medida em que o passado e o futuro o comem pelas bordas. O ser sensível, corporal, é a única existência. Crisipo sustenta que o contínuo pode ser dividido ao infinito, nunca a divisão chegando a um elemento atômico, indivisível. Pg. 135. Nos últimos anos, multiplicaram-se os estudos sobre a lógica antiga... tendem a ver na lógica estóica os primeiros passos da lógica da proposição e da dedução contemporâneas. A proposição é o exemplo mais evidente de um dizível... Se tudo é perpassado pelo sopro da racionalidade divina, de onde poderia surgir o Mal? (As catástrofes, feras e seres que infernizam nossa vida estariam a serviço da ordem divina a fim de ressaltar o equilíbrio do todo?) (Os indivíduos interagem entre si segundo suas causalidades próprias)... a alma cede à evidência, mas por si mesma, sem nada deliberar. Deus se resolve numa causa motriz infinita e racional. O ser humano possui alma divina, sopro natural e constante que percorre todo o seu corpo... É modelo de si mesmo... usa de suas representações para ser feliz, encontrar a tranqüilidade da alma. Para o estóico a exigência de perfeição não pressupõe que a felicidade aumente conforme ela mais dure.
Nem sempre o que percebemos, o que imaginamos, o que pensamos se mostra verdadeiro, o falso espreita cada passo da investigação filosófica. Sócrates afirmava que nada sabia, sempre desconfiava daquilo que se lhe apresentasse como um saber, mas essa dúvida lhe dava o saber certo de que nada sabia. Descartes excluiu do domínio das certezas tudo o que pudesse vir a ser duvidoso. Se a percepção nos engana, então cabe recusar-lhe o estatuto de saber inevitável... Daí a afirmação “Penso, logo existo”, da qual Descartes pretende erguer sua filosofia. (Quem percorre o caminho da dúvida é dito um cético, portanto esse filósofo é um cético). Os filósofos helenistas se iniciam e terminam tendo o ceticismo como contraponto. Seu primeiro representante é Pirro 360-270 a.C. Acompanhou Alexandre à Índia e sofreu influência da filosofia oriental. Suas idéias não foram escritas, mas transmitidas por Timão, que dizia que quem pretende ser feliz deve considerar três coisas: 1- Como as coisas são por natureza? 2- Que atitude se deve adotar diante delas? 3- Qual será o resultado para quem assume essa atitude? Para os pensadores helenistas o conhecimento somente nos interessa quando nos traz ensinamentos morais... Os pirrônicos nunca afirmam que uma coisa é, mas que assim lhes parece. (Os céticos desejavam fazer da filosofia o caminho para a felicidade). (Os brasileiros faziam um mero relato das idéias filosóficas). A diafonia (desacordo) dos sistemas filosóficos é a mais diabólica do que uma simples dissonância, já que cada filósofo a pensa a partir de algumas certezas que às vezes ele nem sabe explicar.
À medida que o pensamento grego se volta para o monoteísmo, diminui a presença de Deus no mundo (físico) ele o transcende embora se responsabilize pela racionalidade de seu travejamento (vigamento). O advento do cristianismo muda essa relação. De um lado, Deus transcendente cria o mundo a partir do nada, ex nihilo, de outro, Deus como Verbo se faz carne. Transcendência e Imanência se cruzam e esse é um enorme desafio do ponto de vista da razão. Roma torna-se cristã sob Alexandria, a paz romana protege o Mediterrâneo. Em 312 d.C. Constantino se elege imperador. Converte-se e controla a igreja católica, convocando o concílio de Niceia. Filósofos se fazem cristãos. Há um longo ruminar dos temas tradicionais. Entre os patrísticas (doutrina dos Santos Padres), AGOSTINHO é o maior. Contudo é educado como um romano. Nasceu na África, Tagasta, e jovem vai a Cartago. Recebe influência platônica que permanecerá em sua vida. Liga-se a maniqueístas que pregavam uma religião salvacionista. O Bem e o Mal eram duas substâncias antagônicas entre si. Agostinho tendia a identificar ser e corpo, mas à medida que se cristianiza passa a entender Deus como espírito. Converte-se em 386, pondo-se a serviço da igreja. Submete corpo, vontade e alma a serviço da iluminação divina. Colabora assim para que a igreja encontre sua identidade ideológica. Retorna à África e como bispo é encarregado da diocese de Hipona. Atividade fisiológica e política de igreja misturam-se. Alguns líderes religiosos colocavam-se contra os desvios da Igreja. Para alguns a relação privada entre o homem e Deus era suficiente, sem intermediários. AGOSTINHO combateu em duas frentes repensando a encarnação do Filho de Deus e propondo um congresso com os dissidentes Não havendo consenso recorre à repressão do braço secular... O diálogo tem limites, além dos quais simplesmente impera a força. Em seu livro CONFISSÕES, relata a fé na existência das coisas e a fé na existência de Deus... Quanto mais o conhecer se torna verdadeiro, mais se aproxima da verdade, do Verbo divino, por conseguinte mais próximo estará da inefabilidade do todo. O que se diz de Deus não é mais finito. Se Deus é grande... tudo o que se disser dele é dito na universalidade, na generalidade máxima... A figura mediadora do Filho é o Verbo... Se Deus cria o mundo por sua palavra, por seu Verbo, esse verbo se dá como total permanência e presença... A eternidade é a essência da Verdade. A razão humana é igual aos sintomas da divindade. Adão foi o homem que nomeia os animais terrestres e as aves, que lhe foram apresentados por Deus. Para ele importa a bipolaridade entre o Bem e o Mal, que por sua vez reflete apenas a monopolaridade do Verdadeiro. O FALSO traz consigo a marca do PECADO. Do mestre é uma obra de Agostinho que dialoga com seu filho Adeodato, Filho de seu pecado... Não se entenda essa denominação com rejeição ao filho ilegítimo, mas simplesmente como uma forma de exprimir que todo o talento dele vem de Deus. Paulo coloca a Verdade como limite e o sentido profundo da investigação racional: Deus encarnado tem no homem o seu templo, Cristo habita o homem interior de sorte que essa Verdade interiorizada vem a ser o último critério do conhecimento. A exterioridade da linguagem e das ações se interioriza até encontrar Deus revelado e encarnado, cuja imagem inscrita na alma se apresenta por fim como o mestre absoluto de todo conhecer. Pg.187 Aristóteles dizia que as coisas homônimas são as que têm o mesmo nome que serve para identificar essências diferentes. (sujinho – sujo e sujinho, nome de restaurante). Para Agostinho a menção nominaliza. As ideias na alma humana são essências na medida em que foram criadas à semelhança dos pensamentos de Deus, constituem regras do conhecimento, critérios do Bem e do Mal, do verdadeiro e do falso, na medida em que se ligam à vontade humana de conhecer. Esta, no fundo, é nossa vontade divina de nos conhecer a nós mesmos e de conhecer Deus... A luz da verdade se encontra na alma. No mito da CAVERNA DE PLATÃO, os homens abandonam o fascínio da imagem e se voltam para a luz porque assim o querem. Mas essa vontade é um agir de acordo consigo mesmo, um atuar de bom grado... A transgressão moral nasce da falta de conhecimento. A CRIAÇÃO altera esse cenário. O pecado conduziria à morte eterna se Cristo não se encarnasse para a remissão dos pecados. O mal se origina no livre-arbítrio. Deus é o mestre absoluto, assim termina o diálogo orientado pelos sábios. (isso, entretanto foi uma pena na minha visão, as duas coisas poderiam coexistir como hoje). Com a confissão você se analisa e tenta chegar ao Bem. (Acho que não é necessário ter um intermediário para se analisar um pecado). Agostinho foi uma criança e jovem normal, com todas suas falhas e acertos. Assim como todas as coisas são levadas por seus pesos a ocupar lugares naturais, cada um de nós é levado pelo amor residente em nós mesmos. A oração é a conversa com a divindade. A TRINDADE operou simultaneamente a vontade do Pai, a carne do Filho e a pomba o Espírito Santo. O TEMPO marca uma das dimensões da miséria humana, mas, quanto mais compreendemos seus limites, mais nos aproximamos do caminho que nos libera dela. A busca da natureza do tempo deságua na procura do “conhecimento” de Deus. A ciência se encaminha para a teologia... Embora Agostinho se aproxime de Platão, o fato da encarnação transforma seu platonismo ...num modo de pensar em que o Verbo encarnado é, ao mesmo tempo, norma e caso: o Cristo visível, corporal e falante, é também invisível e eterno. Deus é o “é” por excelência, como o Bem é o Bem de todos os bens. Em 140 Alarico invade e saqueia Roma. O antigo império treme... Não seria porque abandonou os antigos deuses do paganismo? ...O império que cada um carregaria consigo se fosse sábio, se converte na comunidade de todos aqueles seres humanos que, renunciando aos pecados se integram na comunidade, na comunhão com Deus. Distingue a cidade humana da divina, onde, pela primeira vez no Mediterrâneo todos os seres humanos, convertidos ou pagãos, possuem o mesmo título de cidadania.

PARTE II

NIETZCHE é o primeiro filósofo anticristão. A filosofia requer a simples busca pela verdade... Ele vem retirar o tapete por onde temos andado... Ele parece apostar todo o peso de seu pensamento na noção de vontade... o jogo da vontade depende de um processo de nomear onde a palavra-nome funciona essencialmente como representação... sua teoria é representativa, pois nome é imagem... Para ele o conhecimento é determinado por um impulso, que encontra na vida sua fonte e sua medida... equilibrações que resultam do jogo de indivíduos mais fortes com os mais fracos. O europeu havia se encantado com o niilismo pela exaltação da vita beata, plena entrega à contemplação do eterno... Tivemos a crise da modernidade... Em vez do princípio da razão suficiente, temos o fluxo vital. A verdade tem sentido porque corresponde a uma vontade, a uma afirmação de um ponto de vista... Porque não querer o falso? ... Daí a importância para nós de nos livrar das oposições entre verdadeiro e falso, bom e mau, que emparelham os dois valores como se estivessem num mesmo nível... O que está por trás da verdade? Wer- quem e Was - o que. Ele substitui o DESEJO de conhecer da alma humana pelo VALOR que o verdadeiro ou o falso tem para que o HOMEM venha se firmar enquanto tal SUPERANDO-se a si mesmo. VIDA firma-se como vontade de ir além, capaz de transformar até mesmo a MORTE num momento de autoafirmação. Diz quanto à doença: fiz de minha vontade de saúde, de vida, minha filosofia... Pg 212... a vida no fundo das coisas... é indestrutivamente poderosa e alegre... A falsidade se resolve numa codificação da mentira, numa lógica falsificadora... Note-se que qualquer unidade é CONCERTAÇÃO, isto é, jogo resultante de relações desiguais entre forças desiguais... A gênese da verdade se faz, portanto, antes do verdadeiro e do falso a operar no contexto do juízo... O QUE É A VERDADE? Um batalhão de metáforas... uma soma de relações humanas.... transportadas... após longo uso, parecem para um povo sólidas, canônicas:... as verdades são ilusões, metáforas que se tornam gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie.... entram em consideração como metal, não mais como moedas... O mais forte aceita a existência do mais fraco na medida em que dele precisa para continuar a exercer sua potência... Graças a esses níveis de equilibração das imagens, as coisas ganham unidade, mas somente os mais fortes é que têm o direito de nomeá-las. A estabilidade das coisas e palavras provém de um acúmulo de erros... benéficos para os homens; estabilidade que os fortes e fracos aceitam para cada um exercer a potência que lhe cabe, sem que um anule o outro...(sobre a vontade)...a VONTADE não é pensada como faculdade capaz de fazer com que suas representações se transformem em regras criando seus casos, empuxo configurando coisas... Consiste apenas num fundo sem fundo, num quantum de potência se relacionando com outro quantum, vontade de usar da violência e de se precaver contra ela, que se apresenta para nós como pathos, cujas unificações, seguindo os moldes da criação artística e do estilo, vão permitir a aparente ordem do mundo e da linguagem... O pensamento racional é um interpretar segundo um esquema que não poderíamos abandonar... Pg. 225 Na base de toda crença está a sensação do agradável ou doloroso, em referência ao sujeito da sensação. Uma nova e terceira sensação, resultante das duas sensações singulares precedentes, é o JUÍZO em sua forma inferior... Sabemos que a SEMELHANÇA é vista como uma relação que junta duas coisas já existentes, enquanto a IGUALDADE indica uma coisa posta, em geral, mediante dois nomes diferentes. (Para Nietzsche não havia ARTE sem a condição filosófica da embriaguez (Rauch)... não há arte sem isso... A arte nos lembra a condição do vigor animal... “a arte nada mais pode ser do que a afirmação do mundo... Niilismo, mancha da vontade de potência, que herdamos dos ensinamentos de Sócrates e de seus discípulos décadents... a verdade e o conhecimento somente se fazem compreender completamente no nível das avaliações morais... Nietzsche não está negando a importância da gramática na vida cotidiana, apenas vê nela uma carapaça instituída pelo intelecto e pela imagem, que esconde as pulsões da vontade de potência... Nossa primeira dificuldade está em compreender como é possível pensamento sem gramática... Nietzsche nos serviu de fio condutor para ler alguns filósofos da antiguidade... O mundo que nos interessa é falso, isto é, não é um fato, mas uma fantasia e um ajuntamento de uma escassa soma de observações; ele é fluido... como uma falsidade que continuamente se desvia, que não se aproxima nunca da verdade, porque não há “verdade” alguma. O constante sobrepujar não é infinitamente linear, em virtude de uma desmedida entre o tempo infinito e a finitude da força... Considerar a existência como eterno retorno do mesmo? Cada ação haveria de se integrar num dos anéis do grande anel do eterno retorno do mesmo... O grande fato novo é a morte de Deus... Não é por isso que a religião desapareceu... os europeus continuam buscando divindades. Contra essa ilusão, Nietzsche transforma o profeta ZARATUSTRA (filósofo da observação dos astros) no mensageiro do eterno retorno do mesmo: “Pois teus animais bem sabem, Ó Zaratustra, quem tu és e tem de se tornar: vê ,tu és o mestre do eterno retorno – e esse é o teu destino!” (Assim falou Zaratustra). Nem mesmo Nietzsche deixa de sentir a presença do Deus morto. Abatido pela loucura, assina sua cartas como “o Crucificado”.
No século 19 os filósofos foram surpreendidos pela possibilidade de traduzir as regras lógicas em termos matemáticos... As ciências passavam por grande revolução... As MATEMÁTICAS lideram esse movimento. O número diz o modo de uma sucessão existente... cada um se distinguindo do outro simplesmente por seu outro, no interior do conjunto, de uma classe determinada. Prepara, assim, um entendimento melhor da noção de função, isto é, de uma relação que liga um elemento de C a um ou mais elementos do mesmo C. E a noção de função é uma das chaves da álgebra e da aritmética modernas. Giuseppe Peano. São três os conceitos primitivos dessa aritmética: zero, número e sucessor. Zero é um número. O sucessor de um número é um número. Dois números nunca têm o mesmo sucessor. Zero não é sucessor de nenhum número. Toda propriedade que pertença a zero e ao sucessor de um número que tenha a mesma propriedade pertencerá a todos os números... A lógica passa a ser ciência, no moderno sentido da palavra, pois ganha um domínio próprio a ser focalizado... As leis naturais são o que há de geral no acontecer natural, às quais este sempre se conforma... Das leis do ser verdadeiro extraem-se então prescrições que devem ser acatadas e com as quais o acontecer nem sempre se põe de acordo. Quando falamos de leis morais e políticas, entendemos prescrições que devem ser acatadas... As leis naturais são o que há de geral no acontecer natural, às quais este sempre se conforma... Das leis do ser verdadeiro extraem-se então prescrições para tomar como verdadeiro o pensar, o julgar, o raciocinar. Pg. 251. Se uma proposição fosse verdadeira apenas para aqueles que a tomam por verdadeira, nada impediria que fosse falsa para outros. A oposição entre verdade e falsidade se converteria, assim, numa questão de gosto... para Frege que procura circunscrever uma área de objetos verdadeiros, os pensamentos, ela (a lógica) é a ciência das ciências. Frege pgs. 254 a258. Em 1910 Bertrand Russel publica com Alfred Whitehead o primeiro volume dos Principia Mathematica... que apresenta a primeira tentativa de expor a nova lógica... A linguagem é uma forma de experiência e, quando se altera uma forma de vida, uma nova linguagem precisa se composta e experimentada. Não foi o que aconteceu quando o Ocidente se tornou cristão?
A filosofia será substituída pela lógica da ciência – pela análise lógica dos conceitos e das sentenças das ciências, pois a lógica nada mais é do que a sintaxe lógica da linguagem das ciências. (A lógica será uma ciência formal exata expurgada dos problemas metafísicos). (A partir dos anos 30 surgem novas lógicas como as teorias das deduções naturais, outras escapando dela)... São lógicas não clássicas.
Em 1891, Edmund Husserl publica Filosofia da Aritmética, investigações psicológicas e lógicas e recebe duras críticas de Gottlob Frege... Ato e objeto, na nova linguagem: noesis e noema conformam uma unidade indissolúvel, cabendo à filosofia, entendida como pura descrição de tais fenômenos, fenomenologia pura, examinar como se entremeiam. FENOMENOLOGIA trata dos acontecimentos da consciência de um ponto de vista em que esses acontecimentos se mostram necessários e independentes de uma certa experiência. A lógica se transforma na teoria dos objetos puros, isto é, na descrição pura de tais objetos e dos atos que os configuram com tal. Pg. 269 A PERCEPÇÃO é o ato mais simples da apresentação das coisas... Mas toda coisa percebida tem algo que lhe é o ser próprio; a sua INDIVIDUALIDADE... Pg. 270 A ciência é... trama de conhecimentos fundados em princípios evidentes. O SOCIALISMO... se transformaria em técnica predisposta a dominar o mundo... Vivemos assim naturalmente habitando o mundo existente em suas várias dimensões: natural, social, cultural e assim por diante... (DÚVIDAS) O que acontece quando duvidamos? Não estamos suspendendo a crença...? Ao duvidar... estamos duvidando de seu ser homem ou bicho, perguntamos por sua identidade. Essa descrença não chega a suspender a crença na existência... pomos apenas em xeque a tese dessa existência. Para DESCARTES a dúvida é procedimento metodológico... “Penso, logo existo”. Husserl parte da constatação de ser impossível duvidar de tudo. Pg.284... O recolhimento de si: a identidade do próprio Eu... Daí a importância do tempo, na constituição do eu, na consolidação de minhas vivências, de minhas cogitationes. O tempo é a primeira dimensão formal de todo ente... Não sou um polo de identidade vazia.
Martin HEIDEGGER é controvertido no pensar de nas posições políticas. Linguagem intrincada... Ele se comprometeu com o nazismo... Engajou-se no movimento até se decepcionar porque não era tão radical como pensava. Aproximou filosofia de poesia, abandonado a tradição grega... (Seus trabalhos se relacionam com os problemas lógicos dos filósofos do inicio do século 20). (Rompeu com o catolicismo e se dedicou à filosofia). Em Husserl, a consciência do tempo assegura a unidade da consciência pura doadora de sentido... o próprio ser que se temporaliza e se historializa para o ente homem. (Ser e tempo são uma unidade absoluta). Ele não se interessa pelo novo cálculo lógico... chegando a tomá-lo... como sintoma da decadência do Ocidente, exemplo de um modo de considerar o ente exclusivamente pelo viés da calculabilidade. Em Heideger o ser é um gênero universal cobrindo todos os entes, não é tomado como fundamento, nem mesmo é sinônimo de Deus... o ser se resolve de maneira temporal... o próprio ser se historializa. Pg. 303-304. Heidegger não se reconhece no existencialismo de Sartre... fazendo da existência o fulcro (sustentáculo-apoio) da análise da essência. (Kant refutava a prova da existência de Deus, concebida pelo filósofo medieval Anselmo de Cantuária)... Caracteriza a existência humana estar se jogando entre os entes, isto é, no mundo... Perguntar-se pela existência do mundo exterior é, para Heidegger, um contrassenso, pois o ato existente do perguntar já implica estar junto ao mundo... Dasein (ser) e mundo são determinações que se completam. A existência só pode ser decidida e esclarecida pelo próprio Dasein. Heidegger escreve: A substância do homem é a existência (Existenz)... não é possível suspender a tese do mundo, porque o homem sempre está nele... está sempre com os outros, sem que isso obscureça a determinação de que o SER, sempre em jogo, seja MEU SER. Pg. 316-317. O Dasein decai (verfallen). Mas Heidegger recusa explicitamente ligar essa queda com o pecado. O pensamento teórico retirou o colorido do mundo, suas múltiplas dimensões existenciais... Espinoza dizia que a respeito das coisas humanas é preciso, em vez de enaltecer ou ridicularizar, sobretudo ENTENDER... Furcht-Medo Quando a coisa, o instrumento ou o outro, aparecem quebrados, quando uma con-juntura e uma sintonia se rompem, aparece o medo. Pg.329 Angst-Angústia quebra a familiaridade com o mundo e puxa o ser humano para si mesmo sem detectar aquilo que o está apavorando. Ela coloca em questão o próprio estar no mundo... a vontade e desejo se enraízam ontologicamente na cura...quanto à vontade,... ela sempre se reporta a algo desejado que revela para o Dasein (ser), assim, se conecta a uma estrutura significante...Por isso mesmo... percebe-se como está fundada no existencial mais geral da cura. (cura, vontade e desejo). A MORTE desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível, insuperável. Como tal ela é um independente privilegiado. Se não fossem as circunstâncias da vida cotidiana, estaríamos sempre presenciando a morte como o término da vida... (TEMPO) Como entender... o “antes” e o “depois”? Para Husserl, o “agora” se estende conforme vai antecipando o agora futuro e retém o agora passado. Quando olhamos no relógio... nossa temporalidade no mundo, pois agora ainda tenho tempo para chegar à aula... O agora marca o tempo como oportuno, disponível, ou inoportuno, indisponível... O tempo lido no relógio é sempre um tempo que revela uma falta de tempo, um contratempo (UNZEIT) e... está intrinsecamente ligado a um temporalização do mundo. (tempo que revela falta de tempo). A con-juntura fundadora da linguagem vem sempre temporalizada, cobrindo o mundo dos manejáveis com o manto da oportunidade ou da inoportunidade das ações humanas... O agora do nascimento de Cristo demarca nosso calendário... antes desse nascimento, depois desse nascimento até um determinado momento... (origem do tempo)... temporalidade existencial do próprio Dasein, no modo pelo qual ele se temporaliza... ele chega a si mesmo na unidade respectiva da projeção para o futuro... ao se projetar para o futuro, ele se afasta de sim mesmo e como tal EXISTE.
WITTGENSTEIN e Heidegger, para o autor desse livro, formam os dois maiores filósofos do século 20. Wittegenstein pretendia resolver de vez a verdade como adequação da proposição à coisa e assim expulsar a metafísica do quadro das ciências bem-comportadas. O sentimento do mundo como totalidade limitada é o sentimento místico. A metafísica tradicional mergulha no místico. O livro Tractus se inicia como aforismo “O mundo é tudo o que é o caso”. O conceito do mundo é transcendental, estabelece uma condição de existência para que as proposições tenham sentido... Os objetos constituem a substância do mundo... O sujeito só pode ser então limite do mundo, sujeito transcendental. Nessas condições sou meu mundo, mas o mundo é tudo o que sou. Deixarei apenas mencionado esse limite que cruza o máximo realismo com o máximo de idealismo... Em suma, o mundo deve então, com isso, tornar-se a rigor outro mundo. Deve, por assim dizer, minguar ou crescer como um todo. O mundo do feliz é um mundo diferente do mundo do infeliz. Aforismo de Tractus: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. (Wittgenstein termina sua tarefa, abandonando a filosofia, a universidade e volta para Viena dedicando-se à jardinagem, ao ensino primário e ao desenho). Lá nascera em 1899, numa família principesca, requintada, de origem judia, mas convertida ao protestantismo. (Frege o aconselha a ir para Cambridge e estudar com Bretand Russel, tornando-se seu grande amigo). Mas volta a Áustria para servir na Primeira Guerra Mundial. Trabalhou o Tractus até mesmo no front... Doa sua herança, conserva para si o suficiente para viver modestamente... aceita voltar para Cambridge... Ele sempre teve uma vida regrada, muito cioso de suas tarefas, muito amigo de seus poucos amigos. Sofreu forte influência do pessimismo de Schopenhauer, que lhe obrigava a enfrentar os dilemas da vontade e da representação. Atrás da figuração se encontram, pois, costumes ligados a formas de viver... as proposições necessitam mostrar como se entranham na vida cotidiana, de sorte que a própria lógica da matemática passa então a ser considerada como um sistema lingüístico no nível de outros sistemas formais... Na base dos sistemas formais está o uso de variáveis. “Isso se relaciona (ou se comporta) assim e assim.” Os novos escritores foram um mosaico de reflexões onde, às vezes, transparecem os filósofos com quem dialogam, em particular Schopenhauer, Platão, Aristóteles e Agostinho. Rompem com o cálculo lógico, passando a compreender a linguagem como um jogo... E um jogo não funciona melhor do que o outro porque é mais verdadeiro, mas porque satisfaz necessidades diversas... Um jogo de LINGUAGEM precisa ter seu Witz, seu sabor próprio, sua graça... “O conceito geral de significação das palavras envolve o funcionamento da linguagem com uma bruma que torna impossível a visão clara – dissipa-se a névoa quando estudamos os fenômenos da linguagem em espécies primitivas do seu emprego, nos quais se podem abranger claramente a finalidade e o funcionamento das palavras”. Cada jogo é ensinado. Gritar “pedra” e receber uma pedra passa a valer como uma regra do jogo que os agentes devem dominar. Em geral se aprendem jogos e formas de falar deles. Mas essas formas estão igualmente enraizadas em técnicas... A filosofia aparece quando a linguagem entra em férias, por isso a investigação se trava antes de tudo no nível gramatical... pg. 367 Um jogo de linguagem é um pensamento. Aplicar suas regras é pensar... A gramática não cria o fato, mas que este apareça como caso ou não-caso depende dela... Um jogo de linguagem pode ser não-verbal, como exemplifica um jogo de sinais de trânsito, a música ou a pintura. Cada um desses jogos possui o seu tipo de verdade... A linguagem funciona demarcando terrenos do dizer. E, se os limites não são absolutos, não é por isso que tudo é relativo. Qualquer jogo de linguagem pretende PERSUADIR.
De um lado, Heideger encaixa todos os sistemas na longa duração do esquecimento do Ser; de outro Wittgenstein os considera como sistematizações apoiadas em erros gramaticais, cuja história, se houver, não diz respeito ao núcleo da filosofia como terapia da linguagem... A linguagem heideggeriana é evocativa, enquanto a linguagem wittgensteiniana se resume numa rede solta de perguntas e respostas à procura de erros gramaticais que, sendo sanados, passariam a conduzir o pensamento humano dentro de seus limites... A promessa de Marx escrever uma nova lógica dialética nunca foi cumprida... Bloqueados por essa crença, muitos deles cegos ao totalitarismo vigente na União Soviética e nos partidos comunistas, contribuíram para que o marxismo fosse caracterizado como o ópio dos intelectuais.
“O poeta encontra uma pedra no meio do caminho, nós, que continuamos a estudar filosofia, encontramos um muro de pedras, que pode fechar ou abrir caminhos...”

THE DUKE'S CHILDREN DE ANTHONY TROLLOPE







THE PALLISERS
ANTHONY TROLLOPE
THE DUKE’S CHILDREN

Antony Trollope nasceu em Londres, Inglaterra, no ano de 1815. Era filho de um barrister (advogado representativo) e de uma prolífica escritora, Frances. Aos 19 anos foi trabalhar no correio até galgar o posto mais alto. Além de escrever novelas, a ele é creditado a invenção britânica Pillar Box (caixa postal). Sua primeira novela foi publicada em 1847 e a famosa série The Warden, em 1855. Na brilhante série de novelas políticas, The Pallisers, ele encontra seu personagem favorito, Plantagenet Palliser, Duque de Omnium e Primeiro Ministro da Inglaterra por três anos.
Essa maravilhosa novela da época vitoriana é a última da série, porém todos os livros podem ser lidos separadamente sem que percamos o significado do todo.
Plantagenet Palliser, Duque de Omnium e ex-Primeiro Ministro da Inglaterra por três anos, encontra-se viúvo. Sua mulher, Lady Glencora, morrera subitamente e era o personagem mais surpreendente da série. O duque está arrasado, pois deixara a educação dos filhos inteiramente aos cuidados de sua mulher, uma vez que sua vida era, na verdade, a política. Os dois rapazes mais velhos estão na casa dos vinte e poucos anos (Conde de Silverbridge, o mais velho e Lord Gerald Palliser). Lady Mary, a caçula está com 19 anos. Esse homem que pouco convivia com os filhos, que para ele eram quase estranhos, está agora com a incumbência de guiá-los para a vida adulta. Sendo um homem íntegro, justo e nobre não sabe como lidar com os anseios modernos de seus filhos. Ele tivera uma adolescência e vida adulta inalterável, sempre seguindo os valores da aristocracia e da justiça com as pessoas comuns. Sua mulher, muito mais arrojada e sonhadora, pouco conseguira mudar seu marido, a quem admirava e respeitava. Lady Mary está totalmente apaixonada por um jovem plebeu, Tregear, que apesar de ter conseguido uma cadeira no Parlamento, não é aceito pelo Duque, não por falta de qualidades admiradas por Lady Glencora quando viva, mas pelo fato de ser uma pessoa comum e sem dinheiro e ter tido a ousadia de pedir a mão de sua filha em casamento. Os dois sofrerão até o fim da novela para serem compreendidos. Muito mais interessante é o comportamento de seus filhos, que apesar de riquíssimos e nobres se envolvem com pessoas sem caráter e em jogos de cartas, corridas de cavalo e caça desenfreada, como se esses fatos fossem toda a razão de suas vidas. Ambos não são alunos brilhantes e querem seguir um destino escolhido por eles, assim como a irmã que não se casará com ninguém mais a não ser com o amor de sua vida. O que mais entristece o Duque é não ter conseguido passar seus valores centenários aos filhos. Eles jamais poderiam querer ganhar dinheiro de forma ilícita, em jogos, tirando dinheiro do bolso de quem tinha pouco. Seus milhões não lhe importam que paguem por essas pequenas fortunas perdidas, mas é a atitude mesquinha que mais o enfurece. Conde de Silverbridge entra para a política no partido Conservador, o mesmo de Tregear, sendo que a família havia sido Liberal por gerações seguidas. Além disso, apaixona-se por uma americana e quer se casar com ela. Todas essas dificuldades serão resolvidas de alguma maneira, mas o melhor da novela é como ele terá de começar um doloroso trabalho de autoconhecimento e de abertura para o qual não se encontra preparado. Seu caráter e sua rigidez com relação a casamentos mistos são muito cristalizados para que ele abra mão dessa prerrogativa milenar. Claro que aceita como amigo ou oponente um plebeu, mas isso nunca poderia ultrapassar as barreiras que enfraquecessem o sangue real. É uma novela belíssima, com a característica do escritor de conversar com o leitor e colocá-lo ciente de coisas já ditas e talvez não memorizadas, de arquitetar um espaço para que possamos usufruir de seu lado de comédia e encantamento. As posições políticas são muito bem descritas, sem terem, todavia, nenhuma prioridade, assim como os encontros nas caçadas, nos bares londrinos de endinheirados ou nos bastidores do Hipódromo e do Parlamento. É um livro afetuoso e de grande substância psicológica.
Sua primeira publicação foi em 1880 e é o sexto e último da série.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O CRIME DO PADRE AMARO - (1875)



EÇA DE QUEIROZ



Esse espetacular romance realista do século dezenove, escrito por um dos maiores expoentes da língua portuguesa, nos traz muitas surpresas. A começar pelo estilo e sua narrativa. Trata-se de uma ácida crítica ao clero (em especial ao celibato), ao regime governamental da época e à hipocrisia humana, especialmente entre religiosos, beatos, governantes e seus seguidores. É um romance que desperta interesse mesmo nos dias de hoje. Eça apossa-se de dois personagens frágeis, o padre Amaro e a menina Amélia, para, em torno deles, desenhar a cultura portuguesa, em detalhes, e seu efeito nefasto sobre seus cidadãos. Amaro Vieira era um garoto pobre, nascido em Lisboa, filho de criados de um marquês. Cedo fica sob a tutela da marquesa viúva e é criado em um ambiente muito religioso e feminino. Sem vocação nenhuma para o clérigo, é obrigado a seguir esse caminho, mas nunca se conformará com ele, pois é como uma prisão em que não se pode ser livre. Chega à cidade de Leiria ainda jovem, bonito e inteligente, para substituir o pároco que morrera. Fora uma promoção ajudada por pessoas influentes. A cidade se encanta por Amaro, que passa a freqüentar a Rua da Misericórdia com seus convidados importantes, onde uma família o recebe como hospede. Sra. Joaneira, sua locadora, tem uma filha muito jovem, criada em um ambiente estritamente religioso e sem parâmetros com a realidade, pois vivia cercada de mulheres idosas e padres. Amélia apaixona-se por Amaro e é correspondida. A partir desse momento começam as dúvidas de consciência e retidão para ambos. Amaro, contudo, percebe que o clero não segue sua doutrina e suas regras, mas beneficia-se delas sem nenhum escrúpulo. Amélia também é atingida pelas mesmas angústias, mas ainda tem o trunfo de não ser uma religiosa e poder delinear, até certo limite, seus desejos sexuais. Desenrola-se entre eles um amor, ou melhor, um desejo implacável, que os faz perder a medida das situações e a se exporem desnecessariamente aos mexericos da cidade. Permeando os fatos que ocorrem, Eça de Queiroz pincela com cores muito fortes o pensamento retrógado e individualista do clero e do poder português, permitindo que ora nos indignemos e ora gargalhemos pela comicidade das teorias absurdas para explicar esses atos à sociedade e a si mesmos. Amaro, com o convívio delituoso dos padres, vai se tornando uma vítima da situação que fora obrigado a seguir. O pároco transforma-se em um homem totalmente inescrupuloso, causando a perda e o fim da jovem Amélia, desprovida de preparo para encarar uma situação tão dramática quanto a que acaba se envolvendo. Seu despreparo para o mundo faz com que ela trilhe um caminho que não poderá suportar. Os aristocratas, políticos, sacerdotes e burgueses configuram um quadro de decadência e ruptura com a modernidade e a democracia. Podemos, em vários trechos, espelharmo-nos na sociedade portuguesa daquele século e descobrirmos a razão de certos hábitos ainda persistentes em nosso meio. Segue alguns trechos do livro – (Amaro e Amélia passariam a se encontrar com ajuda de um sineiro e um padre) 1- “Encontravam-se todas as semanas, ora uma ora duas horas, de modo que as suas visitas caridosas à paralítica perfizessem ao fim do mês o número simbólico de sete, que devia corresponder, na idéia das devotas, às “Sete Lições de Maria”. 2 - “Foi aquele o período mais feliz da vida de Amaro. “Ando na Graça de Deus” pensava ele às vezes à noite, ao despir-se...” 3- (Amélia) “Ajoelhava-se então aos pés da cama, arremessava orações sem fim para Nossa Senhora das Dores, pedindo que a alumiasse... Mas Nossa Senhora não respondia. Não sentia como outrora descer do Céu às suas orações... Ao entrar na igreja não rezava, com medo dos santos.” 4- “Que é isso padre-mestre?” Ele responde a Amaro: “É a maroteira das maroteiras! É a infâmia!... O senhor desencaminhou a rapariga! Isso é que é uma canalhice mestra! 5- (Senhora Joaneira, amante do cônego, dizendo que o reino de Deus era dos pobres) Responde o cônego: “Não, antes dos ricos... Que o céu é para os ricos; A Senhora não compreende o preceito Beati pauperes, bendito os pobres... quer dizer que os pobres devem-se achar felizes na pobreza; não desejarem os bens dos ricos; não quererem mais que o bocado de pão que têm... sob pena de não serem benditos.” 6- “Aquela paixão, em que estava abismada e que a saturava, tornara-a estúpida e obtusa a tudo o que não respeitava ao senhor pároco ou ao seu amor.” 7- “Diabos levem as mulheres, e o Inferno as confunda! – disse surdamente Amaro” 8- “Vinha-lhe, agora, sob a impressão fúnebre que se exalava da casa, o pressentimento que morreria de parto... e ali ficava rezando, pedindo a Nossa Senhora que não lhe recusasse o Paraíso...” 9- “Havia de tratar Amélia como uma sombra e fugir-lhe para ser seguido... - E o resultado delicioso ali estava – três páginas de paixão, com manchas de lágrimas no papel.” 10- “Foi então que Gertrude apareceu comovida... – Ai senhor abade, pobre criaturinha! ... Eu não sei quem é o pai, mas o que sei é que nisso tudo anda um pecado e um crime!... O abade não respondeu, orando baixo pelo padre Amaro.” 11- “Nos fins de maio de 1871 havia um grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam... Tudo perdido! Tudo a arder!... Toda uma gralhada de vozes impressionadas, onde as palavras “Comunista! Versailles! Petroleiros! Thiers! Crime! Internacional!” voltavam a cada momento, lançadas ao furor, entre o ruído das tipóias e os pregões dos garotos gritando “suplementos”... os episódios sucessivos da insurreição batalhando nas ruas de Paris.” “O Chiado lamentava com indignação aquela ruína de Paris.” 12- “Sujeitos, palitando os dentes, decretavam a vingança. Vadios pareciam furiosos “contra o operário que quer viver como príncipe”. Falava-se com devoção na propriedade, no capital.” 13- “A verdade, meus senhores, é que os estrangeiros invejam-nos... E o que vou a dizer não é para lisonjear a Vossas Senhorias; mas enquanto neste país houver sacerdotes respeitáveis como Vossas Senhorias, Portugal há de manter com dignidade o seu lugar na Europa! Porque a Fé, meus senhores, é a base da ordem!”E assim, com muito humor e senso de realidade, Eça de Queiroz nos deleita com sua agudez e espírito de crítica inigualáveis.

Eça de Queiroz (1845-1900) é considerado o maior romancista da prosa realista portuguesa e o mais popular do século XIX em Portugal. É uma referência em todo mundo.

terça-feira, 24 de maio de 2011

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL



DE LEANDRO NARLOCH

Quando os jesuítas tentaram evangelizar os índios em 1646, no Rio de Janeiro, não obtiveram sucesso porque os engenhos produziam vinho e aguardente com os quais eles se embebedavam, causando graves problemas. Os religiosos mudaram as três aldeias para mais longe, contudo ao perceberem o embuste, índios e fazendeiros, juntos, incendiaram as cabanas dos padres. Índios e brancos gostavam do convívio mútuo. Os indígenas preferiam as vilas às escolas pela liberdade dada a seus vícios e, por sua vez, os portugueses gostavam de se misturarem aos índios nas aldeias, participando de seus hábitos nas festas, vestimentas e tendo diversas mulheres. “Em 1583... o conselho municipal de São Paulo proibiu os colonos de participarem de festas dos índios...” Estudos mais atuais comprovam que os últimos, em número infinitamente maior, muitas vezes tinham suas vontades aceitas pelos portugueses que precisavam de proteção. Os indígenas apreciavam o convívio com os brancos para usufruir a nova civilização, mas não eram acumuladores de valores. Grandes guerreiros e, em número muito maior, assustavam os invasores que precisaram fazer um grande esforço para conquistar-lhes a confiança. Os índios da família linguística tupi-guarani eram originários da Amazônia e foram descendo para o Sul, provavelmente por alguma catástrofe ambiental. Na virada do primeiro século iam expulsando e exterminado os inimigos até chegarem a São Paulo. Em 1500, se espalharam de São Paulo à Amazônia e Nordeste. No território brasileiro atual, calcula-se que viviam de um milhão a 3,5 milhões de pessoas, divididas em 200 culturas. Um índio de uma determinada família considerava os outros tão estrangeiros quanto os portugueses e a idéia de assassinato e canibalismo não tinha a conotação cristã de pecado; muito ao contrário, demonstrava um ato nobre para suas crenças. A guerra fazia parte do calendário das tribos. “Sobretudo os índios tupis eram obcecados pela guerra.” Acreditavam assumir os poderes e perspectiva do morto, ou quanto mais forte o inimigo, mais direito a ter diversas esposas. Com relação às bandeiras, imagina-se que a influência indígena foi mais determinante do que a européia no seu modelo militar. Bandeirantes paulistas poderiam ser mestiços de primeira geração, pois tinham seus parentes mais próximos criados nas aldeias e pareciam mais índios do que europeus. “Seus líderes estavam interessados na parceria para derrotar outras tribos” percebeu padre José de Anchieta em 1565. A longa guerra dos Tamoios foi um bom exemplo de índios exterminando índios, em 1556 a 1567. Eles ganhavam posições privilegiadas como colaboradores dos portugueses, tornando-se os índios coloniais, um personagem pouco estudado. Os índios que fossem escravizados por fazendeiros podiam requerer à liberdade, entrando na justiça, e ganhavam. Sua escravidão tinha sido proibida em 1680 pelo rei D. Pedro II de Portugal. Isso prova a “presença inegável dos índios nos sertões e nas vilas durante todo o período colonial, demonstrando, portanto, que eles jamais foram extintos, como afirmou a historiografia tradicional.” Na década de 1750 expulsaram os jesuítas do país. Até a chegada dos europeus, os índios não conheciam a tecnologia e a domesticação dos animais. Ao verem uma galinha ficaram apavorados. Permaneciam aquém da Idade do Ferro e Bronze e não conheciam nem mesmo a roda. A vinda dos europeus abriu-lhes significativos avanços. “Eles são na verdade heróis do povoamento humano no fim do mundo, a América, o último continente da Terra a abrigar o homem.” No início, a humanidade em sua caminhada seguiu para o norte da África, depois contornaram o Mediterrâneo, encontraram-se no Oriente Médio. Alguns foram para a península Ibérica, outros para a Ásia. Acabando a era do Gelo viram-se separados por um grande oceano e já estavam na América, sem perceber. “Foi assim que chegaram ao Brasil, cerca de 15 mil anos atrás.” Isso ocasionou um isolamento cultural, diferente da comunicação entre europeus, asiáticos e africanos, pois o encontro desses povos ajudou na disseminação da tecnologia. Com a chegada dos portugueses o isolamento total desapareceu e “ao todo, foram 6500 anos de migração e melhoramento genético oferecidos aos índios brasileiros.” Plantas que são símbolos nacionais, na verdade vieram com os portugueses, que aqui encontraram um bom solo para plantá-las. Jaca, banana, laranja, limão manga, carambola, graviola, inhame, maçã, abacate, café, tangerina, arroz, uva e até mesmo o coco não havia no Brasil! Tudo isso, mais a domesticação e introdução de muitos animais tornaram a vida mais fácil e enriquecida. Quando o cavalo chegou ao Brasil era muito mais evoluído do que nos seus primórdios. “Os índios ficaram estupefatos.” No século dezoito montavam os animais a pelo e, com lanças, tornaram-se grandes guerreiros, chegando a auxiliar o Brasil na Guerra do Paraguai. O cão que lembrava o lobo-guará, arredio, foi o grande encantamento. O cachorro, no século dezesseis, já havia sido treinado para o pastoreio, caça e guarda e os índios beneficiaram-se muito com isso. Tornaram-se amigos inseparáveis. O poder do fogo foi importantíssimo tanto para os índios quanto para os portugueses. A floresta era o pior inimigo dos índios pela sua densidade e quantidade de animais: grandes ou agressivos e pequenos - insetos, aranhas, formigas etc. Ainda hoje em dia, nas ocas, mantêm-se a fogueira acesa contra os insetos. Em quinhentos anos, algumas tribos indígenas foram responsáveis pelo desmatamento assim como o homem moderno. O fato do índio não acumular riquezas encantou os europeus, mas os primeiros não preservaram a natureza, quem o fez foi o europeu, no século dezesseis. O rei Manuel I proibiu a derrubada de árvores frutíferas em Portugal e suas colônias. Os habitantes da Ásia e África eram fisicamente mais fortes do que os portugueses e estes ao chegarem ao Brasil acreditaram que adoeceriam. Eles não possuíam defesas contra vírus e parasitas estrangeiros. Teresa Rodrigues narra que Lisboa sofreu crises de grande mortalidade provocadas por “epidemias importadas por via dos contatos marítimos e terrestres.” Todos os invasores estrangeiros que chegaram à América padeceram com essas doenças, espalhando-as pelo mundo. Os nobres europeus consumiam o tabaco brasileiro, desde suas primeiras exportações. Foi o segundo produto de exportação atrás apenas da cana-de-açúcar. Atualmente os bandeirantes são considerados quase malfeitores. Eram os mamelucos paulistas que viajavam sertão a fora em busca de ouro, pedras preciosas e índios. Antonio Raposo Tavares era o mais temido, no século dezessete, e acusado do extermínio e aprisionamento de mais de 100 mil além “da destruição de dezenas de aldeias jesuíticas.” Os padres, depois de perderem os índios para os paulistas, trataram de escrever cartas com relatos horríveis e falaciosos para a Europa. Queriam lançar as autoridades européias contra os paulistas. Em um livro de Jaime Cortesão ele diz: “O bandeirante utilizou a espada e o bacamarte. O jesuíta espanhol, se não desdenhou o bacamarte, serviu-se mais da intriga e da pena. E abriu feridas mais profundas; daquelas que levam séculos para fechar...” A divergência de número de mortos pelos bandeirantes indica que não houve um critério científico no trabalho. A língua falada em S. Paulo, antes do português, era a língua geral, uma mistura de dialetos indígenas. Somente no século dezoito, o português virou a língua oficial. Índios e mestiços se esforçavam para aprendê-lo. Domingos Jorge Velho mal falava a nossa língua. A maioria dos índios fugiu das missões por causa das regras cristãs muito duras e pelo cansaço. Os bandeirantes proporcionavam uma vida melhor perto da costa marítima. Tratava-se de revolta e não somente perda de confiança. Raposo Tavares, entre 1639 e 1642, percorreu uma distância imensa com seus homens. Foi à Bahia e Pernambuco ajudar na expulsão dos holandeses. De volta partiu para o norte do Paraguai, em 1648, com 1200 índios, mamelucos e brancos. Chegaram à Amazônia peruana, por um desvio obrigatório. Navegaram pelos rios Mamoré, Madeira e Amazonas até Belém. Estavam seminus, famintos e sujos. Esses heróis enganavam a fome com formigas, gafanhotos e raízes. Conseguiram voltar em 1651, com 100 mil quilômetros de odisséia. Quando chegou, Raposo Tavares estava tão desfigurado, segundo Roberto Pompeu de Toledo, que “não foi reconhecido pelos parentes.” Alguns escravos, como José Francisco dos Santos (Zé Alfaiate,) voltaram à África depois de alforriados (cerca do ano de 1830). Tornaram-se traficantes de escravos. José passou a enviar para a América e Europa ouro, negros e azeite de dendê. Muito cruel ele marcava seus escravos com ferro incandescente. Chegou a ficar bem rico. Nessa época, atacar os inimigos e depois escravizá-los era prática comum na África. Em Minas Gerais e na Bahia isso também ocorria. Muitos negros africanos importantes e abastados, como reis, aqui se refugiavam e os filhos vinham estudar na Bahia. Na corrida do ouro em Minas Gerais e nas fazendas de tabaco da Bahia “era comum africanos ou descendentes escravizarem.” “Com os mais de quatro milhões de escravos que vieram forçados ao Brasil, veio também a África.” Eles não eram mais classificados como vítimas passivas. Isso já é um alento para seus descendentes. Eram “sujeitos da história, protagonistas da escravidão, ainda que não aquilombado, quando não cúmplice do cativeiro.” Zumbi, o herói, na verdade capturava escravos de fazendas vizinhas para trabalhar para ele na mesma condição de escravos. Sequestrava mulheres e executava quem quisesse fugir do quilombo. Viveu no século dezessete e na sua época isso não era imoral. De Angola e Congo veio a maioria dos africanos de Palmares, até o século dezenove. Com o Iluminismo, o sistema escravocrata começou a desmoronar e, na Inglaterra, os protestos populares contra isso foram determinantes. O quilombo tinha uma hierarquia rígida entre reis e servos, muito parecidos com o regime africano. Ganga Zumba, tio de Zumbi, foi o primeiro líder do maior quilombo brasileiro. Descendia de guerreiros muito temidos e moravam em vilarejos fortificados. A decisão de morar voluntariamente no quilombo era sem volta, não mais poderiam sair de lá. Apesar de todos esses fatos, Zumbi foi retratado por historiadores marxistas de maneira bem diferente, um representante de uma sociedade igualitária. No livro, Mulheres Negras do Brasil, estuda-se as mulheres livres de Minas Gerais, no século dezoito. Elas economizavam para comprar a própria alforria e em seguida compravam escravos para si mesmas. Com a corrida do ouro, milhares de pessoas buscavam fortuna, movimentando Mariana, Diamantina, Sabará, Vila Velha e Ouro Preto. Com mão de obra barata, essas escravas forras fizeram fortuna. Elas gozavam de uma liberdade e autonomia muito maior do que as brancas, por sua condição de independência do homem ou marido. A mais bem sucedida, com sete escravos, parcerias comerciais com políticos e empresários, foi Bárbara Gomes de Abreu e Lima, morando em um casarão em Sabará. “Em 1830, 43% das casas de negros livres tinham escravos.” Essas mulheres praticavam atos terríveis contra os seus irmãos, que marcaram a história. O pior era separar uma família e elas tinham esse hábito, quando lhes convinha. Na área rural, o número de negros e pardos escravocratas era bem menor. O fato de comprar negros significava que se havia subido na vida, tanto para brancos ou pretos. No Rio de Janeiro do século dezenove havia tantos negros, que o número impressionava os estrangeiros; parecia uma capital africana. Esse contingente assustava os senhores, pois em disputas jurídicas quase sempre levavam a melhor. Eram protegidos pela lei. Ter sido escravo não impedia a subida social de uma pessoa determinada. “Os brasileiros livres de cor não eram, definitivamente, um grupo isolado ou marginalizado, sem acesso aos recursos da economia de mercado”. Os ativistas do movimento negro, por vezes, preferem não relatar esses casos bem sucedidos. Isso só serviria para enaltecer os negros, tendo a certeza de que não eram somente vítimas sem recursos para se defenderem. Existiam, no Saara, filas enormes de escravos conduzidos pelo vendedor, também negro. Usavam forquilhas no pescoço e traziam carregamentos de marfim, ouro, algodão. Eram vendidos a reis árabes como trabalhadores forçados e as mulheres como concubinas. A escravidão era “um traço comum” nas culturas africanas. “Com a venda de escravos, alguns reinos africanos viraram impérios, como Kano, atual Nigéria. Entre 1500 e 1535, os portugueses precisavam de escravos para comprar ouro na África, pois era a moeda corrente para esse fim. Durante esse período adquiriram em torno de 10 mil escravos no golfo de Benin, para trocá-los pelo metal. Assim os portugueses aprenderam, na própria África, a vantagem da escravatura, “tornando-se escravistas”. Os africanos estavam ricos vendendo escravos para os povos árabes, mas lucraram ainda mais com o envio de negros pela costa atlântica. Trocavam pessoas por armas e aumentavam seus reinos e domínios. O rei controlava o preço dos escravos e, quando oportuno, fechava o país para os europeus. O reino de Daomé, atual Benin, foi um desses exemplos de império bem sucedido com essa prática. Para se comunicar com os portugueses, o rei negro usava escravos portugueses (chamado de meu branco). Esses intérpretes, escravizados por algum motivo, ajudavam os nobres africanos em negociações e viagens diplomáticas. Os diplomatas africanos eram recebidos com luxo em Portugal e no Brasil. Tratavam, principalmente, do monopólio de vendas aos portugueses e aqui se exilavam quando derrubados de seus poderes. Comentou Alberto da Costa e Silva: “Há quem pense que o interesse de alguns africanos na manutenção do tráfico era ainda maior do que o dos armadores de barcos negreiros ou dos senhores de engenhos e de plantações no continente americano.” Foi a Inglaterra que interferiu para romper o ciclo da troca de seres humanos por objetos, uma vergonha da humanidade. “O ideal de liberdade dos negros... surgiu somente por causa dos protestos eufóricos e do poder autoritário dos ingleses.” O movimento abolicionista inglês tinha origem mais ideológica do que econômica, como alguns historiadores afirmam. Em 1787, foi organizado um movimento por 22 religiosos, homens comuns e mulheres defensoras do voto universal. Eles saiam batendo de porta em porta, com panfletos e abaixo-assinados. Os comitês arrecadavam fundos para a propaganda com discursos abolicionistas. As pessoas revoltadas com tal situação assinavam as petições apresentadas que chegaram, em 1833, ao número de 5000 e cada uma delas com centenas de milhares de assinaturas. “Esse radicalismo faria o tráfico de escravos ser extinto em 1807, forçando todo o Atlântico a tomar a mesma posição.” “Em 1787, um boicote dos abolicionistas ingleses ao açúcar feito por escravos conseguiu que 300 mil pessoas deixassem de consumi-lo na Inglaterra.”
Alguns escritores geniais defendiam, em sua juventude, causas sem embasamento algum e muitos, mesmo na velhice, perpetuaram seus erros. “as frutas pobres contam boas histórias sobre a época e a personalidade dos artistas – além de serem bem divertidas.” (Pg.114 do livro). Machado de Assis, por exemplo, aos vinte e seis anos era uma personalidade genial, respeitada e temida. José de Alencar dizia que ele “era o primeiro crítico brasileiro.” Ele dizia que “o teatro tinha um missão nacional, uma missão social e uma missão humana.” Machado foi nomeado censor do Conservatório pelo imperador D. Pedro II, tal a sua importância. Ele chegou a avaliar, entre 1862 e 1863, dezessete peças, proibindo três delas. O professor João Roberto de Faria, em um artigo, explica o critério de censura – “assuntos e expressões que ferissem o decoro” e “as contrárias à religião e às autoridades brasileiras.” Mas ele achava que deveria censurar também os textos de baixos níveis, assim foi “obrigado a aprovar várias peças em que não viu mérito literário algum.” Leandro Narloch cogita que, hoje em dia, Machado de Assis não seria nada mal, com tantos textos de baixo nível literário. José de Alencar era contra a abolição. Em 1867 publicou três cartas que defendiam a escravatura, as quais sumiram até 2008, quando foram descobertas. Os motivos são simpáticos aos negros. Não os considerava uma raça inferior, como quase todos os seus pares. O senador Barreto de Vasconcelos, escravocrata, dizia que “A África civilizava o Brasil, portanto a imigração de negros africanos enriquecia a cultura brasileira.” José de Alencar via nisso “um potencial de crescimento e enriquecimento do país.” Nos negros, viu um grande potencial civilizatório e “sem a escravidão africana e o tráfico que a realizou, a América seria hoje um vasto deserto”. Dizia... “Desde as origens do mundo, o país centro de uma esplêndida civilização é, no seu apogeu, um mercado, na sua decadência, um produtor de escravos.” A partir daí discorre sobre as civilizações antigas. Jorge Amado, aos 28 anos, defendeu dois dos piores exterminadores da história mundial – Adolf Hitler e Josef Stálin, fazendo propaganda do nazismo já em 1940. Era redator de um jornal de propaganda nazista no Brasil, Meio Dia. O seu motivo era o pior de todos, “provavelmente financeiro”. Jorge tenta convencer Oswald de Andrade a escrever para os alemães, recusando 30 contos de réis. Isso surpreendeu o famoso baiano. Logo saiu do nazismo, mas continuou a venerar Stálin por mais 10 anos. Em O Mundo da Paz ele faz propaganda socialista louvando Stálin. Desse modo ficou famoso na União Soviética, contudo, em 1956, renegou a obra enaltecedora de Stálin. Até morrer apoiou o Nacionalismo e Regionalismo, chegando a adular o deputado nada eficaz, Antonio Carlos de Magalhães, no livro Navegação de Cabotagem. Graciliano Ramos, segundo Leandro, marcou um frango no futebol. Normalmente bons colunistas apontam tendências aos leitores, mas ele não acertou quanto a esse esporte. Em 1921, afirmou que o futebol não seria assimilável no Brasil, pois “não combinava com a personalidade bronca dos brasileiros.” Continuou, “Ora, parece-me que o football não se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.” Nos anos vinte o futebol era elitista assim como o turfe. Gilberto Freire, escritor de Casa Grande e Senzala, 1933, era, na verdade, um defensor do branqueamento do Brasil e contrário à mistura de raças. Esse antropólogo defendia essa questão como fizeram na Argentina. O livro mencionado foi uma mudança repentina para ele mesmo. Em sua defesa de tese na Universidade de Colúmbia, Estados Unidos, em 1922, elogiou os esforços dos cavalheiros da Ku Klux Klan americana. “Em 1964, quando sua dissertação foi republicada, os trechos condescendentes à KKK foram retirados. Nessa ocasião, Freyre divulgou o estudo como embrião de Casa Grande e Senzala. Ocorre que ele sentia falta da maneira aristocrática de viver. Adorava os hábitos sulistas (dos brancos) onde “havia lazer, havia fausto, havia escravos e havia maneiras gentis” antes de ser destruída pelo Norte industrial. Lamentava pela falta dos negros “fiéis”. Gregório de Matos, poeta barroco, apelidado de Boca do Inferno, por seus poemas satíricos contra a elite, teve a fama de um escritor libertino, o que não era. É-lhe atribuída a defesa dos escravos e pobres, mas não se sabe ao certo se são de sua autoria, pois a poesia barroca da época era de autoria coletiva. Assim tudo que falasse de baianidade foi atribuído a ele. A inovação que ele propôs seria reconhecida um século depois pelos poetas românticos. Alguns de seus poemas atacam os judeus e negros, principalmente os cristãos-novos. Desde 1591, a Bahia abrigava os agentes do Santo Ofício, os quais condenavam bruxas, homossexuais, judeus e hereges. Aqui não se usava a fogueira, mas outras punições cruéis. Os católicos de século 16 condenavam o banho na sexta-feiras, cruzar as pernas na igreja e ler a Bíblia em espanhol, prática luterana. As delações eram anônimas, facilitando essas ações. Euclides da Cunha, em 1909, ao saber que sua mulher, Anna, tivera um filho de seu jovem amante, Dilermando de Assis, campeão de tiro da Escola Militar, resolveu lavar sua honra. Pegou um revolver emprestado e encaminhou-se para a casa do jovem, desferindo-lhe três tiros, sendo que um atinge seu irmão. Contudo, Dilermando mesmo atingido pega sua arma e mata o grande escritor com apenas um tiro. Euclides, autor de Os Sertões, era um marido relapso que não se preocupava com a família. Isso faz com que Ana sinta-se solitária, abandonada e humilhada, decidindo ir morar com o amante. Entretanto esses fatos ainda são mal esclarecidos. Euclides lança Os Sertões, depois de testemunhar alguns fatos da Guerra de Canudos, Bahia. Seria consagrado com essa obra, descrevendo o sertanejo nordestino. Em 1904, abandonando Anna e os filhos, partiu para a Amazônia, Acre, a fim de obter mais material para outro livro. Sua mulher, sem nenhum dinheiro ou casa, fica com o caçula em uma pensão barata do Rio e coloca os mais velhos em um colégio interno. “Euclides era um homem nervoso, temperamental, pouco generoso com a família.” O pai de Anna, major Sólon Ribeiro, reclamou-lhe da “forma estranha como tratas tua mulher e filhos.” Na pensão, Anna da Cunha conhece Dilermando de Assis, anos mais jovem do que ela, e se apaixonam. Viveram em paz por dois anos, até que Euclides chega do Acre. Ao descobrir a gravidez da mulher, ele começa um difícil período de agressões físicas e morais. Dando a luz, Anna é imediatamente separada do filho, não podendo amamentá-lo e, depois de uma semana, a pobre criança morre de inanição. Esse seria um assassinato bem sucedido. O irmão de Dilermando, atingido por ele na nuca, quando disparara seu revolver, fica paralisado e, em 1921, o jovem de 21 anos, deprimido, atira-se do cais de Porto Alegre e morre afogado. Segunda morte causada por suas ações. “O tempo e a fama de Euclides da Cunha apagaram essas sombrias relações familiares.” Enviado como repórter pelo atual Estado de São Paulo, para a Guerra de Canudos, não participa dela, mas mandava ao jornal notícias velhas e inverídicas. Ficou hospedado em Salvador, preparando sua expedição “a 30 quilômetros da guerra.” Mesmo ficando apenas duas semanas no campo de batalha, pode escrever Os Sertões, que foi reverenciado pela crítica e “ainda hoje é considerado um dos mais importantes do pensamento brasileiro.” Essa obra sempre foi difícil de ler pelas palavras complicadas, tempos parnasianos, termos científicos e frases muito longas. “José Veríssimo, um dos críticos mais famosos daquele começo de século, elogiou o livro, mas alfinetou o estilo.”
A origem do Carnaval cristão vem das festas pagãs da Roma antiga e da Idade Média. A inversão de papéis era aceita por um dia – os servos mandavam e os senhores obedeciam. Durante os primeiros carnavais no Brasil não havia tantas inversões de papéis. “Atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d’água pela rua.” Em 1832, Charles Darwin não gostou do que viu em Salvador. Considerou uma atitude indigna. Na época de Mussolini, os carnavais na Itália passaram a ser muito organizados e em filas, como um exército, exatamente como são hoje os desfiles das Escolas de Samba. Esse modelo foi copiado por Getúlio Vargas do líder italiano, pois sendo populista queria se misturar com o povo desse modo. Vê-se então, que “a maioria das regras da apresentação moderna nasceu com o fascismo.” Em 1937, com Getúlio no poder, tornou-se obrigatório que os enredos homenageassem a história do Brasil. Primeiramente, os sambistas eram perseguidos pela polícia, pois ela reprimia as manifestações culturais dos negros. Depois disso, o governo observou que o samba fazia parte das festas dos ricos, mesmo antes dos desfiles das escolas de samba, resolvendo reconhecê-la como festa oficial. “Até mesmo em Portugal os músicos populares brasileiros eram bem recebidos.” O músico mulato “Caldas Barbosa encantou a corte de dona Maria I, a Louca, tocando lundus.” Os primeiros sambistas eram eruditos no quesito música e se inspiravam em estilos europeus e americanos. O samba atual dos morros cariocas é assunto mais recente que quase emudeceu as primeiras obras. Vianna em seu livro O Mistério do Samba diz: “Nunca existiu um samba pronto, “autêntico”, depois transformado em música nacional.” O samba não era folclórico. Pixinguinha e Donga, em 1917, registraram o primeiro samba brasileiro gravado. Começaram a tocar juntos em 1910, na casa da baiana Hilária Batista da Silva, tia Ciata, no centro do Rio. O samba significava um evento e não uma canção e lembrava mais o maxixe. Em 1919 esses dois músicos criaram a banda Os Oito Batutas e se apresentavam na sala do Cine Palais. Os integrantes da banda tocavam piano, instrumentos de sopro e apresentavam-se elegantemente de terno e sapatos bem polidos. Pareciam mais um jazz band. Apresentava-se pelo mundo todo e quando a princesa Izabel se exilou com a família na França, tocaram para eles. Entre 1922 e 1923 apresentaram-se em uma boate parisiense, viajando em seguida para Buenos Aires. O flautista paulista, Sinhô, também era muito conceituado. Compôs valsas, maxixes, charleston, toadas e fados, acompanhado de orquestras. Sua marchinha Pé de Anjo foi um sucesso do carnaval de 1920. Assim foi até que o nacionalismo abraçou o Brasil. A imagem que os brasileiros tinham de sim mesmos era variável e insegura, pois fora alicerçada sob traumas. “Até a década de 1930, tudo aquilo que hoje achamos naturalmente brasileiro – o samba, a feijoada, a capoeira, o futebol – não eram ícones da identidade nacional.” O futebol era considerado estrangeirismo. Nas colônias imigrantes não se falava português e “os brasileiros não se reconheciam como um povo alegre e cordial.” Com a república, “o Brasil, sem a coroa, tinha ficado sem cara.”, Os intelectuais brasileiros apressaram-se em reconhecer que os problemas nacionais vinham da mistura de raças. Em 1933, com a publicação de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire esse conceito modificou-se. Para ele a mistura de negros, brancos e índios é que enriquecia a nação. “A absolvição dos mestiços era o que faltava para se fortalecer um novo nacionalismo no Brasil.” Todas as nações valorizavam o folclore, o mesmo ocorreu no Brasil, tentando resgatar as danças, melodias e projetos populares. “Era preciso defender a raça brasileira como Hitler defendia os arianos.” O escritor Mario de Andrade fez intensa pesquisa e criou a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo. Em 1937, organizou o Congresso da Língua Nacional Cantada. Almeida Júnior, pintor, inspirava-se no caipira tocando viola. Luiz Câmara Cascudo do nordeste escreveu tudo sobre temas populares do Brasil. O líder integralista, Plínio Sampaio, era muito ligado a esses modernistas. Menotti Del Picchia, poeta, e Guilherme de Almeida, escritor, também foram participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Foi criada a Escola da Anta, símbolo nacional. Esse nacionalismo acabou criando o “complexo de Zé Carioca.” Depois do folclore, os primeiros sambistas foram desprezados. Cruz Cordeiro, diretor da RCA Victor “não recomendou a seus leitores o disco que continha nada menos que Carinhoso, a obra-prima de Pixinguinha.” Afirmava que era um fox-trote e música popular yankee. Essa perseguição ideológica é o que ocorria nesses tempos. Os intelectuais só apreciavam o “exótico” de nossa cultura. O samba do Estácio surgiu no final da década de 1920. Era a marcha, “pontuada em tamborins e surdos.” O samba tornou-se mais elementar, cheio de técnicas primitivas e improviso. Foi-se a bela era de Donga, Sinhô e Pixinguinha. Os novos sambistas, apesar de origem abonada, exaltavam a periferia e os morros. Braguinha, autor de tantos clássicos, estudava arquitetura e era filho de industrial. Noel Rosa, o melhor dos sambistas do Estácio, chegou a cursar medicina. “Noel vestiu rigorosamente o figurino do samba do Estácio e desconsiderou o resto.” Esse novo marketing da pobreza floresceu e, na década de 1930, era um novo modo de retratar a cultura dos negros do morro. “Tinha se tornado folclore” e era preciso protegê-lo de estrangeirismos. Os primeiros sambistas, desiludidos, afirmavam que o novo ritmo era marcha e não samba. Outro mito é a origem da feijoada tão brasileira, feita por escravos com restos de carne e feijão. Também é européia, pois a técnica de misturar esses ingredientes vem do Império Romano, espalhando-se pela Europa latina. Voltando ao samba do Estácio, ele fez muito sucesso pelas rádios e pela propaganda política de Getúlio Vargas. Imaginem que a Estação Primeira de Mangueira teve seus sambas transmitidos para a rádio nacional da Alemanha nazista. Os músicos lisonjeavam o presidente com o “samba-cívico”. “O Novo Estado veio para nos orientar. No Brasil não falta nada, mas precisa trabalhar” compunha Ataulfo Alves e Felisberto Martins. “Sua Excelência mostrou o que é de fato, agora tudo ficou barato, agora o pobre já pode comer, até encher”, outra quadrinha histórica. Mas, o mais famoso clássico do gênero foi composto por Ary Barroso: Aquarela do Brasil. “Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos.” Walter Disney produziu Alô Amigos, em 1942, tendo como trilha sonora essa bela composição. Pato Donald, Zé Carioca e Carmem Miranda sambam juntos nessa animação. Desse modo o Brasil ganhou notoriedade nos outros países. O “interesse de um presidente fascista e a influência de um desenho animado” nacionalizou-se. João Gilberto criou a bossa nova juntando samba com o jazz. Foi criticado. Ariano Suassuna criticava todos e só gostava do que era folclórico – a parte Chico. Guerra do Paraguai – outro mito. Lê-se nos livros escolares: “O Brasil matou 95% da população masculina do Paraguai... a Inglaterra, devido a seus próprios interesses, levou o Brasil à guerra, temendo que o Paraguai, uma potência em crescimento, desafiasse seu imperialismo.” Nas escolas os professores tinham um discurso de esquerda “que criaram a base de senso comum dos anos 2000.” O historiador inglês Leslie Bethell, em 1995, afirmou que se a Inglaterra teve um papel nessa guerra foi o de tentar evitá-la. Francisco Doratioto, historiador e diplomata brasileiro, afirma que o Brasil não sabia do risco militar do Paraguai e não queria destruí-lo. Solano López foi insensato ao declarar a guerra e deveria ter se rendido em 1865. Os livros didáticos não mostram o lado cruel do ditador López. “A história do genocídio no Paraguai fazia parte de um discurso político.” (pg. 177) Essa guerra ocorreu pelo caráter de López. Poderia ficar em paz quando o Uruguai foi invadido pelos brasileiros. Em 1864 aquele país confiscou o navio brasileiro Marquês de Olinda. Perto do Natal, 7.700 soldados paraguaios invadiram o pantanal brasileiro, que estava desprotegido. A região era vigiada por apenas 875 militares. Em apenas dois dias, ganharam o de Forte de Coimbra, sul de Corumbá. Subindo o rio Paraguai, o barco brasileiro Anhambaí, superlotado, foi atacado e vencido. Nesse momento o Brasil certificou-se da necessidade de tentar abatê-los. O inimigo possuía 77 mil homens e o Brasil 18 mil. “O Brasil teve de reinventar seu exército, aumentando os salários e criando uma campanha nacional de soldados voluntários...” Reuniram-se em Uberaba no ano de 1865. Esses dois mil homens viajaram a pé até o Pantanal, marchando sob tempestades e com pouquíssima comida. Um terço morreu vítima disso e de epidemias, antes de chegarem ao destino. Lópes não quis fechar acordo com a Argentina e as tropas tiveram que cruzar províncias do norte argentino. Solano resolveu declarar guerra à segunda maior nação da América do Sul. Foi um grande erro. Os soldados paraguaios ao se depararem com a sofisticada Corrientes não puderam deixar de saquear suas casas. Isso fez com que os argentinos apoiassem o Brasil e em maio de 1865, Brasil, Uruguai e Argentina formaram a Tríplice Aliança. Avançando até o Paraguai por via fluvial, no rio Paraná, nove navios brasileiros depararam-se com uma emboscada. “O Paraguai acabou se atrapalhando no esquema tático e perdendo a batalha.” Ficou conhecida como a Batalha Naval do Riachuelo e o país ficou isolado. Outra derrota viria três meses depois. Em 1865, 50 mil paraguaios estavam mortos e 20 mil aliados. O presidente argentino era Bartolomé Mitre e o imperador brasileiro dom Pedro II. López foi “um presidente louco.” Antes de entrar na guerra que o destruiria, o Paraguai era um país burocrático, atrasado e rural e os empresários da região, em 1820, tinham sido expulsos pelo ditador José Gaspar Francia e a exportação quase inexistente. A política quase paralisada, pois López ameaçava seus cidadãos e mandou matar seu irmão, por conveniência própria. Mas o fato é que apesar de alguns acadêmicos considerarem “Solano López um herói, ele agia como um general despreparado... O ditador sacrificou assim tropas inteiras, jogando soldados indefesos contra os brasileiros e argentinos.” (Pg.188) O Brasil, como sempre atolado em dívidas, foi à falência com a guerra. Quem saiu ganhando com o impasse foi a Argentina, pois grande parte da fortuna do Brasil foi para aquele país, a fim de abastecerem as tropas brasileiras.
“Um personagem comum entre os artistas do romantismo é o belo-horrível.” Caso de Frankenstein da inglesa Mary Shelley, do conto popular francês a Bela e a Fera e, em 1831, Quasímodo, o corcunda do romance de Notre-Dame de Paris escrito por Victor Hugo. Aqui no Brasil, em 1858, um jurista e deputado estadual mineiro, Rodrigo Ferreira Bretas, resolveu escrever a biografia de Antônio Francisco Lisboa, um dos vários artesões que construíram as igrejas e imagens, na época da corrida do ouro em Minas Gerais. O escultor já havia morrido há cinquenta anos e dele só se sabia que, segundo um mito, tinha as mãos paralisadas por uma doença grave. Bretas resolveu publicar um “relato minucioso”, com vários detalhes e histórias sobre esse artista. Tudo era obra de suposições, então se formou o mito do Aleijadinho, que sem as mãos e pés, só conseguia andar de joelhos e conseguiu executar uma obra gigantesca em diversas cidades mineiras. “Bem a costume do romantismo, o estilo literário de seu tempo, o biógrafo criou a história de uma pessoa defeituosa e assustadora que teria executado com as ferramentas amarradas ao braço, as obras mais belas do barroco mineiro.” A verdadeira história desse personagem já foi tema de diversas controvérsias acadêmicas. Guiomar de Grammont, em 2008, escreveu como tema de tese o livro Aleijadinho e o Aeroplano. “Ela mostrou como as histórias contadas por Bretas e outros escritores são ecos de personagens e cenas da literatura.” Com esse personagem fantástico, Bretas ganhou de D. Pedro II o prêmio da Ordem da Rosa, dado apenas para grandes escritores do Brasil. Isso incentivaria o povo brasileiro a ter mais orgulho de seu país. Assim, Aleijadinho passou de lenda “à condição de documento de um personagem histórico.” Entretanto não era uma unanimidade, pois alguns achavam suas formas grosseiras, principalmente se comparadas à arte européia. A visão dos viajantes estrangeiros da época exibia preconceitos, obviamente. Contudo os modernistas gostaram de sua “brasilidade, do talento mestiço e popular do Brasil.” Oswald de Andrade, em 1923, propõe que “a arte mineira parecia encaixar-se bem na raiz popular da cultura brasileira.” Afirma que Aleijadinho tinha feito aquelas obras por que as queria daquele modo e não porque não saberia fazê-las melhor. Mário de Andrade opina que via em suas estátuas sua personalidade atormentada. “A deformidade imaginária virou um ponto essencial da crítica dos modernistas. A arte do período barroco era feita de modo coletivo “em louvor a Deus e não ao próprio artista”. Trabalhavam em conjunto, patrocinados por irmandades religiosas e amigos. O romantismo chega ao Brasil, no final do século dezoito, com os poetas. Há cinquenta anos 160 obras eram consideradas de Aleijadinho, hoje são três vezes mais. Em abril de 2009, encontraram mais sete obras para a alegria dos colecionadores.
Em 2006, Evo Morales afirmou que a Bolívia dera o território do Acre ao Brasil, mas ele nos custou 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. A Bolívia aproveitou de uma situação favorável a eles para livrar-se do Acre. Isso ocorreu por causa de seringueiros que não queriam deixar a região, pois a semente da borracha já se encontrava na Ásia, onde a extração era mais fácil, e já havia dominado o comércio mundial com preços mais atrativos. (pg.226) Luís Gálvez Garcia, um diplomata espanhol, resolveu fugir de seu país e vir para o Brasil, onde acalentou o sonho de arrendar o Acre para o Anglo-Boliviano Syndicate e a Companhia de Borracha dos Estados Unidos. Eles dariam 60% do lucro das exportações para o governo boliviano. “O caso virou manchete do jornal Província do Pará de 3 de julho de 1899 e incendiou a Amazônia.” Rui Barbosa chegou a comentar a questão dizendo que se repetiria aqui, o que havia acontecido no Havaí. Houve a reconquista do Acre, alertados que foram pelo ardiloso espanhol. As utopias de alguns grupos do século dezenove, na Europa, eram formar um estado socialista na América do Sul. Tentaram no Paraná e em Santa Catarina. “O espanhol deveria nutrir um sonho parecido para o Acre.” Euclides da Cunha escreveu, em 1905, o seringueiro “não se rebela”, “não murmura”, “não reza”, “não tem diluições metafísicas” e é resignado o suficiente para acreditar que “os grande olhos de Deus não podem descer até aqueles brejais, manchando-se.” Pobres homens! Em 14 de julho de 1899, Gálvez se apoderou do território para formar um novo país, já que o governo não se incomodava com a região. A capital era Cidade do Acre, hoje Porto Acre. Formaram um “conselho ministerial, uma bandeira e um selo comemorativo.” O palácio do governo era um barracão de madeira e havia a Força Pública Nacional e a Força da Instrução. O novo imperador enviou um documento, anunciando a proclamação da nação com 6742 cidadãos, aos países da América do Sul. A Argentina reconheceu sua legitimidade. O governo brasileiro não queria incorporar o novo país e tentou se livrar dele pela terceira vez. Em 1900, navios de guerra brasileiros chegaram e desfizeram a República Independente do Acre. Luiz Gálvez foi preso e repatriado para a Espanha, via Pernambuco. O Acre pertenceria aos americanos ou bolivianos não fosse pelo gaúcho José Plácido de Castro, militar da revolução federalista. Líder militar saiu derrubando instalações bolivianas e em janeiro de 1903 sua tropa venceu os bolivianos de Porto Acre. Agora era o Estado Meridional do Acre. No final de 1903, com o Barão do Rio Branco “os dois países fecharam um acordo.” Foi quando os 2 milhões de libras esterlinas foram pagas aos bolivianos. A expressão “ir para o Acre” passou a ser sinônimo de “morrer”, pois 2 mil operários morreram na construção da ferrovia Madeira-Mamoré estipulada pelos vendedores. A exportação da borracha asiática, nessa época, passou de 45 toneladas em 1900 para 107 mil em 1915. O custo ACRE continua até os dias de hoje com prejuízo de milhões de reais por ano (400 milhões) superando muitas vezes essas cifras. Alagoas nasceu de um castigo, uma retaliação do governo brasileiro contra a Revolução Pernambucana de 1817. Perderam essa faixa de terra correspondente ao atual estado e Alagoas emancipou-se. Quarenta anos mais tarde foi a vez do Paraná, cujo espaço pertencia a São Paulo. “Em São Paulo, uma marcha de 1500 homens, chamada Coluna Libertadora, saiu de Sorocaba para derrubar o presidente (conservador) da província de São Paulo, José da Costa Carvalho, o barão de Monte Alegre.” Outras cidades paulistas apoiaram a decisão. Curitiba e Paranaguá, antes paulistas, nada fizeram e com o desagravo a São Paulo houve a separação em 1853. E “os paulistas não reclamaram”, pois se tratava de uma localidade que não dava dinheiro, devido ao seu isolamento.
Alberto Santos Dumont, filho de um riquíssimo cafeicultor, era uma personalidade conhecida nos cafés e restaurantes de Paris, durante a Belle Époque. Eram tempos movimentados, o cinema fora inventado pelos irmãos Lumière, o expressionismo surgia nas telas dos pintores e Dumont fazia balões, que encantavam e alegravam as pessoas. Mas o mito de inventor do primeiro aeroplano é derrubado pela afirmação documentada dos irmãos Wright. Ocorre que Dumont, em novembro de 1906, ao voar no 14-Bis por 220 metros de distância, registrou esse vôo. Os aviões dos Wrights não saíam do chão usando a própria força, eram catapultados. “Já o 14-Bis de Santos Dumont realizou um vôo autônomo, impulsionado por um motor próprio.” “O Flyer I usa correntes de bicicleta, madeiras de construir casas e, exatamente como os aviões do futuro, hélices, um motor a gasolina e asas levemente curvas.” O Flyer não era um balão, mas “máquina de voar”. Os irmãos Wright queriam ganhar dinheiro para a fabricação de seu projeto e não se importavam com os prêmios que a França oferecia. Eles eram discretos quanto ao trabalho, porquanto temiam que alguém patenteasse o avião antes deles. Em 1904 já haviam realizado 45 minutos de vôo e chamaram testemunhas confiáveis para dar credibilidade ao feito. Em 1905 encerraram os testes e tentaram vender o projeto ao Departamento de Guerra dos Estados Unidos. Esses documentos existem e, em maio de 1906, registraram a patente sob o n°821393, “referente a controles de uma máquina de voar”. Mais uma contra o pobre Santos Dumont (pg. 253). A princesa Elizabeth I (1533-1603) já usava relógio de pulso e “em 1868, a Patek Philipe reinventou a peça, que também foi usada por militares nos campos de batalha do século 19, como na Guerra Franco-Prussiana.” Dumont percebe que os irmãos Wright já não se interessavam mais por balões e essa tecnologia era totalmente dominada por ele. Esse fato lhe rende prêmios e muitas homenagens. Mas, com o sucesso dos americanos passou a interessar-se pela nova metodologia. Em abril de 1907 ele voaria com o 14-Bis, mas foi um fracasso. Uma companhia aérea francesa resolveu comprar a patente dos projetos americanos e fabricas aviões. Em 1908 Wilbur Wright voa de Le Mans a Paris a trinta quilômetros de distância. Fora um feito e tanto. Contudo os irmãos usavam trilhos e uma catapulta para impulsionar o Flyer. Os técnicos franceses questionaram o uso da catapulta, mas Wilbur achou uma solução e consegui voar sem esses equipamentos. Nosso herói, finalmente com o projeto do Demoiselle, conseguiu fazer um verdadeiro avião, percorrendo a 90 quilômetros por hora, em setembro de 1909. O Demoisellhe N-20 inspirou o ultraleve. Dumont, nessa época, descobre que está com esclerose múltipla e isola-se em Benerville, Normandia. Depois da declaração da primeira Guerra Mundial, volta ao Brasil, onde foi reconhecido pelo povo como herói, mas ficou magoado pelo esquecimento a respeito dele pelos franceses. “Doente, deprimido e enraivecido, Santos Dumont se suicidou em 1932, num hotel do Guarujá, São Paulo, enforcado por duas gravatas vermelhas dos tempos de pioneiro dos céus de Paris.” Os professores de história mostram um Brasil de se envergonhar durante o século 19. Ensinavam que as mudanças ocorridas no Brasil deram-se por iniciativa da elite sem participação do povo. Já a América Espanhola, no século 19, fragmentou-se com as revoluções populares, destruindo a economia que viria a se revitalizar dezenas de anos depois. Os homens influentes desse século, no Brasil, iam estudar fora do país, em Portugal. Entre 1822 e 1831, todos os ministros brasileiros com ensino superior haviam cursado a Universidade de Coimbra, a melhor da época naquele país. Com o iluminismo francês, ela isolou seus estudantes. Os livros de Voltaire e Rousseau eram contrabandeados. O iluminismo de Coimbra seria mais filtrado e cauteloso. Estudavam os livros de Adam Smith e de Edmund Burke, ambos ingleses. Esses autores foram traduzidos para o português por José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Os ex-alunos de Coimbra tornaram-se os líderes do Partido Conservador, que procuravam evitar revoluções e desordens no Brasil. Bernardo Pereira de Vasconcelos, o mais influente de nosso Parlamento, ator do Código Criminal de 1830 dizia vir “dos capitalistas, dos negociantes, dos homens industriosos, dos que com afinco às artes e ciências: daqueles que nas mudanças repentinas têm tudo a perder, nada a ganhar.” Mesmo os opositores tinham a mesma visão de comedimento “para garantir as liberdades individuais. A maioria era contra o absolutismo, mas ninguém queria as cabeças de padres e reis como acontecera na França a partir de 1789. Esses políticos são chamados de liberais-conservadores. Era uma ação consciente e raciocinada a fim de conservar a unidade e modernidade do Brasil, sem riscos maiores. O Império brasileiro teve muitas virtudes, que não são discutidas. Fazem acusações injustas contra a monarquia. 1) O Brasil foi o último da América a virar República. Um grupo liderado por marechal Deodoro da Fonseca proclamou a república e enviou a família real de volta a Portugal, em 1889. Entretanto um perspicaz observador, Raja Pául, presidente da Venezuela proferiu: “Foi-se a única república da América.” Com D. Pedro II a liberdade política atingiu seu ápice. Era notada pelos europeus e pelas repúblicas vizinhas a liberdade de imprensa. Tudo podia ser publicado nos jornais sem que houvesse processo contra os autores de tais artigos. “Os jornais publicavam dia a dia ilustrações satíricas – como a de D. Pedro II, sonolento, sendo atirado para fora do trono.” Mesmo assim ele era contra a censura. “Imprensa se combate com imprensa” era sua visão. Nesses 120 anos de República brasileira os presidentes são mais absolutistas do que os próprios reis. Contudo, “Nosso último monarca, chefe do Poder Executivo e do Poder Moderador , descendente dos Bragança e dos Habsburgo, duas das mais tradicionais famílias reais européias, atuou quase sempre com a humildade que os presidentes deveriam ter.” Ao acumular os dois poderes, D. Pedro II poderia ter sido absolutista, mas não tomava decisões autoritárias. Acreditava que “seria melhor e mais feliz presidente da República do que imperador constitucional.” Homem muito severo com despesas, recebia uma dotação anual de 800 contos de reis para viver com sua família, mas nunca permitiu que ela fosse reajustada. Além do mais financiava com esse dinheiro os estudos de estudantes brasileiros no exterior, instituições de caridade, colégios e doou um quarto dessa dotação para a Guerra do Paraguai. Os estrangeiros não se conformavam com a simplicidade e franqueza de seus palácios. Tornaram-se decadentes e abandonados por falta de uso, principalmente o Paço da Cidade, segundo a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. D. Pedro I, entretanto, era o oposto do filho, um homem rústico, temperamental, devasso e corrupto com o dinheiro da corte. Ele maltratava sua mulher, a imperatriz Leopoldina, demitia seus ministros e dissolvia a Câmara sem qualquer motivo sério. Isso tudo causou uma revolta contra ele, exigindo que partisse do Brasil em abril de 1831. Em 1824, fechou a assembléia constituinte e no ano seguinte apresentou uma das cartas mais modernas da época. Apesar da centralização permitia o voto dos analfabetos, porém havia uma exigência de renda mínima de 100 mil-réis, um valor muito baixo. A carta de tão liberal causou insatisfação dos que pregavam a superioridade da Igreja ao Estado. Em 1824, determinou que quem mandava era o Estado e oficializou a tolerância religiosa. Neil Macaulay, historiador, afirmou: “Dom Pedro , de fato, deu ao Brasil uma carta que assegurou por 65 anos os direitos básicos dos cidadãos – não perfeitamente, mas melhor do que qualquer outra nação do Hemisfério Ocidental naquela época, com a possível exceção dos Estados Unidos...” 2) A independência foi um jogo de cartas marcadas. Em 7 de setembro de 1822 o Brasil tornou-se independente através de D. Pedro I, mas a impressão de “dominação colonial” surgia na época, pela maneira como se efetuou. Até meados de 1822, ninguém se incomodava pela independência do Brasil. Os jornais e panfletos não abordavam o assunto. A historiadora Lúcia de Bastos Pereira das Neves, analisando uma farta documentação, descobriu que a idéia de um Brasil livre só se concretizou em abril daquele ano. Os problemas eram outros, pois as monarquias da época estavam divididas. Luis XVI e Maria Antonieta haviam sido guilhotinados, Napoleão conquistara vários impérios da Europa Continental, de tal modo que os nobres dividiam-se entre absolutistas e constitucionais. Os constitucionais acabaram vencendo a contenda. Melhor “baixar a cabeça à Constituição.” Outro assunto importante era o lugar onde o reinado português deveria ter sua sede. “Teriam governos independentes e o mesmo poder político.” A insistência dos parlamentares portugueses em tornar o Brasil politicamente mais baixo, foi a causa da cisão. Em dezembro de 1821, chegaram decretos que exigiam a volta de D. Pedro I à Corte, com o fechamento de departamentos administrativos e tribunais, com grande número de desemprego. Em 9 de janeiro de 1822, 8000 assinaturas fizeram com que o monarca decidisse pela independência. Em 28 de agosto do mesmo ano, mais ordens foram enviadas, descredenciando as medidas de José Bonifácio de Andrade e Silva. D. Pedro, aconselhado pela esposa e por José Bonifácio, foi forçado a fazer o que temia: anunciou a Independência do Brasil. 3) O Brasil foi o penúltimo país da América a abolir a escravidão. Os líderes brasileiros não foram os únicos responsáveis pela demora na abolição da escravatura. Para aprovação da lei era necessário que deputados e senadores avalizassem o ato, como representantes do povo. Os próprios escravos, os proprietários rurais e o povo não estavam seguros de que queriam isso. A escravidão estava tão alicerçada por milênios de tradição que a injustiça desse ato demorou a ser percebida em sua imoralidade. “Mesmo as revoltas escravas não largavam o sistema escravista. É o caso de Malês, organizada por escravos muçulmanos na Bahia, em 1835. Os escravos queriam conquistar a liberdade – e escravizar os brancos e os negros que não fossem mulçumanos.” (pg.286) José Bonifácio defendia a abolição da escravatura antes da Independência do Brasil. Em seu sítio na cidade de Santos só trabalhavam homens livres. D. Pedro II insistia na liberdade gradual dos escravos. Ele aceitava a ajuda de ministros que apresentassem leis abolicionistas à Câmara dos Deputados. “A abolição, como se sabe, foi um dos fatores a provocar o fim da monarquia no Brasil.” D. Pedro II analisa a situação política da Bahia: “Aqui não havia republicanos, e agora não somente não os há, com não há liberal que não se mostre disposto a sê-lo: na grande propriedade então parece firmado o divórcio com a monarquia.” Em 16 de novembro de 1889, D. Pedro II, ao ser destituído do trono, foi embora do Brasil, mas levou um travesseiro com terra brasileira. Assim foi-se a liberdade política do império. Em 23 de dezembro, no novo regime republicano, “marechal Deodoro da Fonseca instituiu a censura prévia.” No Segundo Reinado presos políticos e exilados não existiam, todavia passaram a se avolumar na Republica. Era o adeus à liberdade de imprensa e dos políticos em geral.
Luís Carlos Prestes é o nome mais lembrado no comunismo brasileiro. Gaúcho, liderou uma rebelião militar em 1924, mas nunca chegou a um cargo político de real relevância. Foi senador em 1945 e destituído em 1948. Possuía uma personalidade intolerante e não acatava idéias que não fossem iguais às suas. Provavelmente, “seria um dos tantos tiranos socialistas que ainda hoje estarrecem o mundo.” (pg.295). Nesse ano de 1924, jovens militares invadiram São Paulo e forçaram a queda do Presidente Artur Bernardes. As tropas federais forçaram a fuga dos revoltosos, que seguiram para o Paraná. Em Foz do Iguaçu, rebeldes ligados a Prestes e paulistas tentariam investir contra São Paulo, novamente, e o Rio de Janeiro. Prestes sugeriu que rumassem às regiões mais remotas e pobres do Brasil, como Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e estados do nordeste. Por dois anos cavalgaram 15 mil quilômetros, sem chegar ao Rio. Em 1927 refugiaram-se na Bolívia e Paraguai. Os livros escolares ensinam que eles queriam conhecer, denunciar e conscientizar a população mais pobre. Mas isso seria sem dúvida de alto custo. O que provavelmente queriam era arregimentar um exército paralelo, que enfrentasse o exército brasileiro. “... Os integrantes da Coluna Prestes estiveram bem longe de ter apoio popular ou mesmo de tentar conquistá-lo.” Descobriu-se, em 1999, no meio de farta documentação que Juarez Távora, Miguel Costa e Prestes eram os líderes da Coluna. No decorrer de sua missão saqueavam, estupravam e cometiam todo tipo de atrocidades contra esses povoados. O padre José Amorim de Goiás escreveu em 1925: “Em poucos dias, nosso povo, na maioria pobre viu-se reduzido à quase completa miséria.” A jornalista Elaine Brum descobriu, ao refazer esse trajeto, a mesma calamidade pública. Eles roubavam gado, estupravam mulheres para conseguir seu fim. “A maioria de seus integrantes, pelo que sugerem os documentos e depoimentos, queria se aventurar pelo Brasil tirando proveito de cidades sem proteção do Estado. Só isso.” O gaúcho Getúlio Vargas tomaria o poder do Brasil, passados três anos do fim da Coluna Prestes. Refugiado na Argentina, Prestes declara-se comunista e une-se a Josef Stálin. Em 1934, volta ao Brasil com uma equipe internacional de conspiradores. Esse grupo era de grandes terroristas e revolucionários bem experientes. Prestes e o Partido Comunista Brasileiro tramavam um golpe com os russos vindos de Moscou. Eles viviam clandestinamente em Ipanema e Copacabana recebendo dinheiro diretamente de Stálin, através de homens do Uruguai e comerciantes laranjas brasileiros. Esses conspiradores queriam apoiar oficiais nordestinos contra Getúlio Vargas. Marcaram o golpe para 27 de novembro, contudo descobriu que o apoio seria insuficiente. “Genialmente” Prestes avisou os inimigos, convidando-os a participar do golpe. Entre essas pessoas estava Newton Estillac Leal, comandante do Grupo de Abuses de São Cristovão, que jamais apoiaria o comunismo. Avisou imediatamente o governo, mas até Londres já sabia que haveria rebeliões no Brasil. Esse golpe fracassado chamou-se Intentona Comunista. O povo não apareceu e a polícia dominou a situação. O jornalista William Waack comenta o episódio. Os conspiradores começaram a cair e a polícia foi atrás de Prestes e Olga, sua companheira, mas já haviam sumido. Entretanto deixaram, dentro de um cofre, vários documentos sobre a revolta. Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, não quis abandonar o esconderijo no Rio de Janeiro e em 9 de março de 1936 foi preso com Olga. A judia alemã Olga Benário foi extraditada para seu país, já grávida de sete meses. A diplomacia soviética não a auxiliou e ela morreu seis anos depois, em um campo de concentração de Bernburgo. Outra jovem, Elvira Cupello Calônio, também conhecida por Garota, foi vítima desses revolucionários. Sem tanta divulgação, sua vida terminou com a execução pelos próprios companheiros, em fevereiro de 1936. Em uma biografia, a jovem é retratada como tendo 16 anos, pobre e semianalfabeta, natural de Sorocaba e filha de operários. Influenciada pelo namorado Antonio Maciel Bonfim, o Miranda, entrou para o comunismo em 1930. Empregada doméstica era fiel e uma entusiasta de suas funções no partido. O casal foi capturado pela polícia em janeiro de 1936, mas sua desgraça começa quando ela saiu do presídio. Teria sofrido poucas agressões na prisão e poderia voltar a ver o namorado que permanecia preso. Fazia papel de correio entre Miranda e seus companheiros. Mas para esse grupo ela era considerada espiã da polícia. Luís Carlos Prestes se convenceu de sua culpa e que os bilhetes eram falsos, escritos por outra pessoa. O Partido Comunista Brasileiro decide levar a menina para uma casa em Guadalupe, interrogando-a com “base em um questionário criado pelo espião Stuchevski.” Na verdade, Elza não havia traído ninguém, contudo foi morta em 2 de março de 1936. Foi estrangulada com uma corda e seus ossos quebrados, colocados em um saco e enterrada no quintal da casa de Guadalupe! Seu corpo foi encontrado em 1940. Os integrantes do partido foram presos, confessaram o crime e o local da cova. Luís Carlos Prestes e mais três pessoas envolvidas foram condenados a penas de 20 a 30 anos, mas libertados em 1945, pois Getúlio havia dado uma anistia. Em Moscou, o crime foi investigado e Prestes apontado como mandante, Martins e Francisco Lyra como executores. O crime notabilizou-se, mas logo foi esquecido. Olga surgia como “heroína e vítima”. Nas apostilas escolares a Garota não é mencionada.
Em 1964, guerrilheiros comunistas lutaram contra o regime militar e o regime “torturou 2 mil pessoas, com choques, empalações, palmatórias nos seios das prisioneiras, entre outras selvagerias.” Ocorre que a militância comunista de esquerda foi absolvida por seus atos “tão violentos e autoritários quanto dos militares.” Antes da derruba de Jango Goulart os guerrilheiros já planejavam ações. Em 1959, Fidel Castro apoderou-se da ilha de Cuba, demonstrando que era possível vencer um governo com pequenas guerrilhas organizadas. O deputado pernambucano Francisco Julião, encontrando-se com Fidel em Cuba, voltou da ilha querendo “reforma agrária na lei ou na marra.” O apoio tornou-se público em novembro de 1962, pois um avião correio cubano caiu no Peru e, entre os documentos, havia alguns que provavam as dificuldades que um dos agentes enfrentava para formar a guerrilha brasileira. Doze militantes estavam aprendendo a luta armada no país comunista. Quando isso foi publicado nos jornais houve uma certeza de golpe iminente: “a esquerda ou a direita tomariam o poder à força no Brasil.” (pg. 315) Leonel Brizola, conselheiro de João Goulart, tinha planos semelhantes. Em 1963, Brizola discursava na Rádio Mayrink Veiga, chamando o povo para unir-se a luta dos Grupos de Onze Companheiros (Comandos Nacionalistas). Queriam formar, em todo o território brasileiro, guerrilhas para atacar caso houvesse uma tomada de poder. A Rádio CBN, em 2009, descobre uma investigação militar sobre os Grupos dos Onze. Os G11 seriam como a Guarda Vermelha da revolução Socialista de 1917, na antiga União Soviética. Existia uma cartilha com ensinamentos para isso. “No caso de derrota do nosso movimento, os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados.” Brizola tinha o apoio de militares para o Grupo dos Onze. A ditadura começou em 1964 e até 1968 o governo levava as leis para serem aprovadas no Congresso e os indivíduos respondiam a processos criminais em liberdade. Acreditava-se que eleições indiretas seriam realizadas e o poder civil seria restabelecido. Com o Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968, as coisas pioraram. O poder executivo governa por decretos-lei e o habeas corpus desaparece do cenário. O governo prendia os indivíduos sem explicações. Ocorrem barbaridades como vinte assaltos a bancos, automóveis, explosões, ataques a quartéis, execuções, resultando em mortes até de pessoas não envolvidas. Em 1968, por exemplo, o estudante Orlando Lovecchio Filho, de 22 anos, foi atingido por uma bomba, no Conjunto Nacional onde havia o consulado americano, e acabou com o terço inferior da perna esquerda amputado. Apesar de inocente foi declarado culpado até que o ator do atentado apareceu, em 1992. Era o artista plástico Sergio Ferro. Outras tantas pessoas foram assassinadas ou presas por engano. Muitos ativistas importantes, além de Dilma Rousseff, atentaram contra pessoas que discordavam de suas ideias. O historiador Marco Antonio Villa afirmou: “Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força... Muitos grupos existiam antes de 1964... “a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.” “O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.” “A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos.” A ditadura realmente tentou aniquilar jovens estudantes imaturos e com belas ideias utópicas, os quais jamais poderiam sozinhos, tomar o poder. Qualquer movimentação comunista era preocupante. No livro A Ditadura Escancarada, de Elio Gáspari lê-se que “a luta armada fracassou porque o objetivo final das organizações que a promoveram era transformar o Brasil numa ditadura, talvez socialista, certamente revolucionária. Seu projeto não passava pelo restabelecimento das liberdades democráticas.” (pg.322, 323) Havia dezoito grupos de luta armada entre 1960 e 1970. O objetivo de quase todos era promover uma ditadura similar aos regimes comunistas da China e Cuba. José Serra participou de uma desses grupos, o Ação Popular. Os grupos citavam o cruel chinês Mao Tse-tung e o objetivo era transformar o Brasil em um “Cubão”. “Como não houve socialismo no Brasil, nunca saberemos como teria sido o sistema por aqui”. As ações antiterroristas vitimaram 380 pessoas. Muito menos do que na Argentina ou no Chile. Em 1971 a Ação Popular aderiu ao leninismo e acrescentaram ao nome “Marxista-Leninista” (AP-ML). Seu programa básico era muito similar a um texto bíblico do Livro de Isaías, capítulo 65. Analisavam o comunismo como quase uma religião. “Uma das religiões da salvação terrena” acreditavam. Karl Marx já divulgava essa idéia no século dezenove. Após a Idade Média, a revolução científica, a partir do século dezesseis, acabou com a configuração de um mundo ideal e harmônico sob a proteção divina. Depois dos estudos científicos de Galileu e Darwin, o planeta tornou-se um lugar desequilibrado, real, com extinções em massa por fenômenos naturais. As imagens espirituais foram desaparecendo com os novos pensamentos e se percebeu que o homem seria o responsável pelo futuro. “Assim como o cristianismo, o socialismo se baseava em paisagens idílicas... As organizações deixaram à mostra o fato de serem muito parecidas com religiões ou seitas radicais.” Lutar na selva era similar ao “romantismo de guerra”. Os movimentos revolucionários, infelizmente, colocam seus ideais acima do bem estar da população e suas regras. Muitos jovens revolucionários brasileiros ao se tornarem adultos foram forçados a encarar a realidade e alguns chegaram a se retratar. “Nos últimos cinquenta anos, enquanto a população quase triplicou, os índices de qualidade de vida mais que dobraram. Existe aí até mesmo um motivo para trair a proposta deste livro e expressar um êxtase de patriotismo. Viva o Brasil capitalista.” Com estas palavras, entre aspas, o autor fecha seu livro.

Leandro Narloch nasceu em Curitiba, Paraná.
Em 2011, está com 32 anos e vive em São Paulo.
Foi repórter da revista Veja e editor de Aventuras na História e Superinteressante.
A curiosidade que cerca este escritor é muito grande e existem pessoas que aplaudem
seu livro, como outras que se indignam. Cabe a você, leitor, dar a última palavra, já
que sua obra é baseada em vasta documentação e livros.