quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

1822 de Laurentino Gomes





















LAURENTINO GOMES
Autor de 1808

1822

Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado

O grito de Independência do Brasil foi dado por D. Pedro em uma situação de grande desconforto para ele. Com problemas intestinais, saiu de Santos, no litoral de São Paulo, montado em uma mula, único animal a conseguir fazer aquele trajeto íngreme e perigoso. Essa situação de emergência aconteceu com uma modesta comitiva de pessoas muito jovens, pois o próprio Pedro tinha apenas 24 anos. Com ele estavam Padre Belchior e seu camareiro e secretário itinerante, Salgado da Gama, mais conhecido por Chalaça além de outros poucos. A estrada que subia a serra era muito arriscada e tinha oito quilômetros de extensão e mais de 180 curvas na beira do precipício. Levava-se duas horas para chegar ao topo. Cubatão era um local de apoio muito importante, pois ali estavam as mulas que formavam as tropas e tinha “uma povoação de vinte ou trinta casas.” Do alto da serra ao planalto levava-se seis horas. Por todos esses empecilhos, a comitiva chegou à colina do Ipiranga ao cair da tarde do dia Sete de Setembro. O arroio do Ipiranga era vermelho e barrento, mas de águas despoluídas. Havia nessa paragem somente oito casas e 42 pessoas, um sítio ermo. D. Pedro sabia da gravidade da situação, do desejo de liberdade dos brasileiros e esperava que algo grave acontecesse. Chegaram dois mensageiros exaustos da corte do Rio de Janeiro, que haviam cavalgado 500 quilômetros, quase sem dormir. José Bonifácio e a princesa Leopoldina, mulher de D. Pedro, mandavam noticiais muito alarmantes. Havia gravíssimas desavenças entre Brasil e Portugal nos últimos tempos, pois quando D. João VI partiu para seu país e deixou seu filho como príncipe regente, ambos os países ficaram em uma crise econômica sem precedentes. D. João havia raspado o cofre e deixado o Brasil na maior miséria. Portugal, abandonado por muitos anos, encontrava-se em posição desesperadora. Em 1815, o Brasil havia sido promovido a Reino Unido com Portugal e Algarve. Em 1822, os brasileiros concentraram-se em manter essa posição privilegiada. Em 28 de agosto, Portugal destituía D. Pedro do seu cargo e o reduzia à condição de delegado das autoridades de Lisboa. Abriram, também, um processo contra quem contrariasse essa ordem. O principal alvo era José Bonifácio de Andrade e Silva, defensor da Independência e aliado do príncipe. O Brasil voltaria à condição de colônia. Desejavam que o poder público brasileiro se reportasse diretamente a Portugal. A carta entregue de D. Leopoldina recomendava prudência e atenção aos conselhos de José Bonifácio. Em Portugal, houve um embarque de 7.100 soldados, somados a seiscentos, já desembarcados na Bahia, que juntos iriam atacar o Rio de Janeiro. Só existiria dois caminhos para o príncipe: um, era embarcar imediatamente para Portugal e lá ficar prisioneiro das cortes, e dois, ficar e proclamar a Independência do Brasil “fazendo-se seu imperador ou rei.” A carta de Leopoldina era enfática, pois terminava dizendo – “Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já.” Padre Belchior lembrou que não havia “outro caminho senão a independência e a separação.” D. Pedro então, sem outras opções, avisou a todos que acabava de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal. Na descrição desse padre não houve um brado “Independência ou Morte”. Mais tarde, D. Pedro entrou no teatro às 21h30 e inclinou-se, de seu camarote, para a multidão que o aclamava e o povo explodiu: “Viva o primeiro rei brasileiro.”

Em um clima de cizânias e desavenças na Europa, entre o final do século XVIII e o começo do século XIX, se deu a independência do Brasil. Idéias revolucionárias espalhavam-se pelo mundo. “A revolução francesa varreu o mundo com um ímpeto de vendaval.” Vários líderes franceses acabaram na guilhotina e a França se viu ameaçada pelos países próximos. Contudo a Independência dos Estados Unidos deu-se 13 anos antes da Queda da Bastilha, em 1776. As únicas exceções a essa prática foram a Rússia e o Império Otomano, que caíram no século seguinte. Até a Inglaterra conservadora havia sido contagiada. Ao se separarem da Monarquia, os Estados Unidos formaram a primeira democracia republicana da história moderna e que mesmo em um território tão grande era viável. A figura do rei se torna dispensável. O texto de Thomas Jefferson referindo-se a igualdade dos homens, “com direitos alienáveis, incluindo a vida, a liberdade e a busca da felicidade” serviria de inspiração para outros povos. A Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos mudaram os paradigmas do mundo. Todas as outras “áreas de atuação humana foram afetadas por elas, incluindo as artes, a ciência e a tecnologia.” Exemplos de Beethoven, Goethe e Goya entre outros. A revolução tecnológica foi talvez a mais importante, pois diminui o tempo nas enormes distâncias de transportes e comunicação. A invenção do telégrafo e do barco a vapor foi fundamental, assim como as máquinas de produzir papel que reduziram os custos dos jornais, tornando-os viáveis a pessoas de menos posses. Todas essas inovações chegaram atrasadas ao Brasil, porém seu efeito foi devastador. A América portuguesa era analfabeta até 1808, isolada e fortemente controlada. A educação era do nível mais básico, as reuniões vigiadas e de cada cem brasileiros, menos de dez eram alfabetizados. As universidades começaram somente no início do século XX. Em Piauí todos os 70.000 habitantes eram analfabetos. O salário do professor era o mais baixo. Nos Estados Unidos a cultura protestante era bem diferente, criando uma colônia civilizada e alfabetizada, que se mantinha informada das ocorrências da Europa. Harvard fora criada em 1686 e havia mais oito universidades. Em 1801 tinham uma Marinha de Guerra organizada e grande. No Brasil as informações só chegavam de formas clandestinas. As idéias revolucionárias do estudante mineiro Vandek, que queria a independência, originaram a Revolta dos Alfaiates na Bahia, Inconfidência Mineira, a Revolução Pernambucana e a Independência em 1822. Vandek fora influenciado por Jefferson. Os mais pobres, no Brasil, também se engajaram na libertação. Entretanto essa colônia desprovida de qualquer cultura acompanhava atentamente e em segredo os acontecimentos que viriam a libertá-la. Só 2,5% dos homens eram alfabetizados e negros forros, escravos, mulatos chegavam à taxa de analfabetismo de 99%.

Os brasileiros, em 1822, já tinham três séculos de dependência da corte portuguesa e sonhavam com um grande império. Com mais de oito milhões de quilômetros quadrados de superfície era maior que a área continental dos Estados Unidos e o dobro da Europa. De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios e mestiços. Uma revolução espreitava os brancos. Houve um prenúncio de uma fragmentação como a da América espanhola. As rivalidades incitavam uma guerra civil. O país não tinha exércitos, navios, armas ou munições para sustentar uma guerra. Pagamento de soldos também não havia e os canhões estavam estragados. O tesouro estava vazio e o país dividido entre os que queriam a liberdade e os privilegiados que não a queriam. Quando D. João VI retornou a Portugal o país havia se transformado para melhor, com os treze anos de sua permanência aqui. Ocorre que antes de partir, D. João mandou esvaziar os cofres do Banco do Brasil, assim como levar todo o ouro, as pedras preciosas e diamantes que lá estavam guardados. Em três meses o Brasil quebrou, D. Pedro encontrou a pior das situações, sem defesas e sem fundos para nada. “O novo país tinha tudo por fazer e estava cercado de ameaças por todos os lados.” A corrupção e os desmandos na administração do dinheiro eram enormes. Quando D. Pedro viu-se nessa situação, na época com 22 anos, implorava para deixar o cargo e voltar, próximo do pai, em Portugal. O governo tomou duas providências – a primeira foram empréstimos internacionais e a segunda envolveu a prática da inflação. As grandes fontes de riqueza como a extração do ouro, diamantes e a produção de açúcar haviam sido esgotadas. A saída foi o plantio de algodão para a próspera Inglaterra, com seus teares modernos. Além de dificuldades financeiras havia sérios problemas econômicos e, nessa junção problemática e temerosa, ocorreu a Independência do Brasil. O valor das saídas de algodão pelo porto do Recife saltou de 37% em 1796 para 83% em 1816 e a queda do açúcar declinara de 54% para 15%. Minas era a província mais populosa do Brasil com 600.000 habitantes, mas o eixo da economia se deslocava para o sul, vale do Paraíba, zona das lavouras de café. Em 1840 representavam 44% das exportações brasileiras. Começou um intercâmbio de produtos entre as províncias, como carne de charque, açúcar, cachaça, farinha de mandioca, carne-seca, banha, couro curtido e as boiadas abriram novas rotas entre as províncias. Isso tudo era prejudicado pela excessiva carga tributária. D. Pedro aboliu o imposto do sal e da navegação de cabotagem. Mas isso era pouco. O príncipe deu início à contenção de despesas domésticas, transferiu-se para o palácio da Quinta da Boa Vista e reduziu o próprio salário. Vendeu quase que o total de animais de cavalariças reais, uma das mais caras da época. Essas medidas não passaram de paliativas, a situação era gravíssima. De todos os problemas o maior eram as divergências internas. Em 1822, somente três províncias aderiram à independência: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Outras não, caso da Bahia e de Pernambuco, onde havia tropas portuguesas. Pará e Maranhão também se mantiveram fiéis a Portugal. No sul havia a província Cisplatina (Uruguai), cujo comandante do regimento português encastelou suas tropas em Montevidéu. O território brasileiro ficaria, na época, menor do que o argentino. A situação era como “um grande quebra-cabeça.” Esses atos custaram muitas vidas perdidas. D. João VI foi quem havia dado unidade nacional ao país, com sua vinda para cá em 1808. Os delegados do Pará, Maranhão, Piauí e Bahia votavam contra as propostas brasileiras, em Portugal. O padre Diogo Antonio Feijó, futuro regente do império, declarara que “nós estamos, sim, independentes, mas não constituídos.” O poder dos reis, no mundo inteiro, estava sendo contestado, entretanto não havia uma solução sobre qual tipo de governo seria o melhor, “mais legítimo e eficaz.” De todas as sugestões anunciadas, “a república era, obviamente, a proposta que mais assustava quem tinha interesses estabelecidos... Essa forma de governo deixava o futuro muito incerto e ameaçador, especialmente para aqueles que tinham muito a perder.” D. João VI, em 1821, havia dado certos conselhos a seu filho: 1) A independência brasileira parecia inevitável. 2) O processo de separação tinha de ser controlado pela monarquia portuguesa. 3) D. Pedro precisava evitar que o país caísse nas mãos dos republicanos. Caberia ao ministro José Bonifácio de Andrada e Silva colocar o projeto do monarca em prática. Só a presença do príncipe garantiria a unidade nacional e o êxito na luta contra Portugal. Sem ele a desunião era certa, segundo José Clemente Pereira. Finalmente o projeto dos monarquistas constitucionais venceu, graças a José Bonifácio. “As divergências regionais e as tensões sociais foram sufocadas à custa de guerras, prisões, exílios e perseguições.” Esses fatos foram longos e sofridos.


Em 1821, havia dois brasis diferentes. O Brasil da corte, bem informado das transformações da Europa, mas pequeno, formado de somente alguns milhares de pessoas. O outro era um território enorme, isolado e totalmente ignorante, não muito diferente de trezentos anos atrás, quando Cabral chegara. O Brasil informado tinha quase todas as facilidades européias, com navios de última geração, os a vapor. Abundavam “os barões do açúcar, viscondes do café, marquesas da pecuária, condes das minas de ouro e diamantes e gentis-homens do tráfico de escravos, então ainda o grande negócio brasileiro.” A monarquia portuguesa, depois de 716 anos, tinha um número ínfimo dessas personagens. Os habitantes do Brasil tinham horror ao trabalho e havia esperteza e falta de transparência nas relações comerciais. Aqui as pessoas eram hospitaleiras, inteligentes, mas não tinham conhecimento para manter uma conversa de 15 minutos, apontava o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire. “Os comedores de terra preferem a que é tirada dos formigueiros dos cupins, e há pessoas que mandam escravos buscarem um torrão desses formigueiros para com eles se regalarem,” afirmou. Para o alemão Seidler esses dois brasis tinham em comum somente “a aversão ao trabalho e a total dependência da mão de obra escrava.” Ele fez um retrato devastador da relação entre senhores e escravos. Em 1822, aqui habitavam cerca de 4,5 milhões de pessoas assim divididos: 800.000 índios, um milhão de brancos, 1,2 milhão de escravos, 1,5 milhão de mulatos, pardos, caboclos e mestiços. Isso devido à miscigenação entre portugueses, negros e índios. O mapa do Brasil possuia mais ou menos os contornos de hoje. Uma novidade, em 1818, fora a chegada de suíços em Nova Friburgo, a fim de iniciar o projeto de branqueamento do Brasil. Uma colona suíça foi a ama de leite do futuro imperador Pedro nascido em 2 de dezembro de 1825. Esse foi o fim do período colonial brasileiro. Com a chegada da família real, o principal fato de desenvolvimento deu-se com a abertura dos portos e a Inglaterra inundou o Brasil com seus produtos. Em 1822 a metade dos navios atracados no Rio de Janeiro era inglesa. A abertura de estradas para ajudar a romper o isolamento do país foi outro dado importante, estimulando a colonização. A navegação fluvial também foi beneficiada. Houve a abertura da Escola de Medicina em Salvador e outras diversas melhorias fazendo com que o número de habitantes duplicasse entre 1808 a 1821. O surgimento da imprensa deu-se em 1808, todavia as notícias eram censuradas e no mesmo ano lançou- se, em Londres, o Correio Brasiliense para fugir da censura. Esta caiu, finalmente, em 2 de março de 1821. D. Pedro escrevia nos jornais com pseudônimos. No ano da independência já havia 53 jornais circulando. Alguns eram republicanos. “A música, de longe, era a arte preferida da corte portuguesa.” Várias peças foram escritas por artistas famosos, contemporâneos de Hyden e Beethoven. A criação de modinhas foi dessa época, tendo como iniciador o violonista e compositor Joaquim Manoel da Câmara. As pessoas influentes encontravam-se em saraus, onde a música era apreciada e discutida por todos. Marcos Antonio Portugal, professor de piano de D. Pedro, é considerado o mais importante compositor da corte de D. João VI. O príncipe recebeu excelente formação musical. D. João era considerado homossexual, juntamente com D. João de Almeida e Melo e Francisco Rufino de Sousa Lobato. O Brasil foi coberto por estrangeiros em missões artísticas, científicas e culturais. Isso era proibido nos primeiros séculos de colônia. Eles redescobriram o Brasil com D. João VI, país que agora era a sede oficial da coroa portuguesa. Esse distanciamento de Portugal e prosperidade da colônia ocasionaram perdas enormes para seus habitantes, que iniciaram uma rebelião para a volta do rei e ainda eram contra o domínio inglês no Brasil. Lá se acreditava que com o desfecho da guerra de Napoleão, o tratado com a Inglaterra seria revogado e a corte voltaria a Portugal. Ocorre que D. João não queria voltar, entretanto o seu retorno virou uma questão de honra. Em abril de 1821, D. João e a corte embarcaram para Lisboa. O novo país encontrava graves dificuldades, no entanto esse episódio não assustou “os destemidos brasileiros de 1822 diante da perspectiva de conduzir seus próprios destinos depois de mais de três séculos de submissão a Portugal.”


Em 1821, as cortes constitucionais portuguesas precipitaram a ruptura com Portugal. Nessa época somente 46 deputados brasileiros tomaram posse em Lisboa. Os demais ficaram no Brasil por dificuldades de locomoção. O irmão de José Bonifácio, o deputado paulista Antônio Carlos, negou a existência de um partido da Independência no Brasil. O Brasil tinha interesse na continuação do Reino Unido com Portugal por motivos econômicos. Com a revolução liberal do Porto uma nova constituinte foi formada e aceita pelos brasileiros. Eles queriam uma monarquia constitucional e a volta imediata de D. João VI, o que ocorreu. Essa constituição tirava o absolutismo dos reis; era coisa nova e nunca testada em Portugal. Era uma revolução que tateava, apesar de inspirar-se na Revolução Francesa, anterior a essa. Além da nobreza e dos militares na delegação formada estavam inclusos padres, professores, advogados, comerciantes – a nova elite política e intelectual surgida com a permanência da família real no Brasil. Deputados brasileiros foram convocados para ir a essa sessão da nova constituinte. Foram de diversas províncias brasileiras incluindo os paulistas e inúmeros padres. Entretanto, “Só a representação de São Paulo levou instruções à constituinte portuguesa. Elaborado por José Bonifácio... defendia a integridade e a indivisibilidade do Reino Unido e igualdade de direitos entre brasileiros e portugueses.” Os deputados portugueses, entretanto, cassaram os privilégios concedidos por D. João VI nos anos anteriores e queriam recolonizar o Brasil. Desejavam a sua fragmentação para melhor controlá-lo. Desse modo D. Pedro, no Rio de Janeiro, ficaria cada vez mais isolado. Determinaram seu retorno imediato para completar a educação. O príncipe deveria viajar incógnito. Os portugueses diminuíram duramente as qualidades de D. Pedro e disseram: “O Soberano Congresso não dá ao príncipe opiniões, mas ordens.” “Não és digno de governar, vai-te!” A reação brasileira foi de revoltas e manifestos. Assinaturas a favor da permanência de D. Pedro começaram a ser organizadas em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O barão Wenzel de Marescha da Áustria registrou que as medidas das cortes desorganizaram o país e criaram um ódio profundo contra os portugueses, acirrando o desejo de independência. O dia 9 de janeiro de 1822 passou para a história do Brasil como o “Dia do Fico”, pois D. Pedro recusou-se a voltar para sua terra. Entretanto, por duas vezes os portugueses tentaram levar Pedro e a família de volta, à força, mas não foram bem sucedidos. Na segunda tentativa deixaram para trás a fragata Real Carolina, com 44 canhões. Durante essas invasões a princesa Leopoldina e os filhos pequenos refugiaram-se na Real Fazenda de Santa Cruz, mas o calor da viagem fez com que o principezinho herdeiro do trono morresse depois de 28 horas seguidas de convulsões. D. Pedro mostrava-se inconsolável ao dar a notícia a José Bonifácio e, ao pai, prometeu vingança. “A partir daí, as relações entre brasileiros e portugueses azedaram de vez.” Os deputados brasileiros em Portugal revoltaram-se, fugindo para a Inglaterra sem os passaportes e voltaram ao Brasil. José Bonifácio agiu rápido e restaurou a administração das províncias a partir do Rio de Janeiro. Ele anunciou aos diplomatas de nações amigas que o Brasil passaria “a proclamar solenemente sua independência.” “As cortes proibiram o embarque de armas e reforços para as províncias obedientes ao Rio de Janeiro e determinaram que D. Pedro dissolvesse o novo governo. Foram essas as ordens que o príncipe recebeu das mãos do mensageiro Paulo Bregaro naquele tarde de 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga.

D. Pedro havia partido, às pressas, para Minas Gerais onde existia uma rebelião separatista. Era um acontecimento grave, pois a província contava com o maior contingente habitacional do país (600.000), sendo poderosa política e economicamente. O príncipe saiu acompanhado de apenas dez pessoas. Representava um risco esse fato, já que se acontecesse alguma coisa ao herdeiro da coroa portuguesa tudo iria por água a baixo. Cavalgavam o dia inteiro por estradas perigosas e chovia torrencialmente. “Nada disso parecia abalar o ânimo de D. Pedro. Ao contrário, estava fascinado com o que via pelo caminho.” “Era a primeira vez que se embrenhava pelo interior do Brasil...” Foi bem recebido em Minas, visitou as principais cidades e voltou ao Rio de Janeiro, imediatamente, viajando os 530 quilômetros de volta em quatro dias e meio. Depois viria para São Paulo para o épico 7 de setembro, que o aguardava. A segunda viagem começaria três semanas antes do Grito da Independência, também com uma diminuta comitiva de cinco pessoas. Pernoitou na Fazenda das Três Barras, em Areias e em Lorena assinou um decreto dissolvendo o governo provisório de São Paulo e dispensou a guarda de honra. Passou pelas outras cidades do vale do Paraíba “e, finalmente, Penha, já nas vizinhanças de São Paulo.” Em todas essas cidades era aclamado. “Era a primeira vez que a população simples do Paraíba e cidades vizinhas viam um membro da família real portuguesa.” Afonso de Freitas comenta que “a São Paulo que hospedou D. Pedro era ainda uma pequena cidade, quase aldeia, acanhada e de ruas, estreitas e tortuosas.” O vilarejo de poucas casas abrigava na área urbana somente 6.920 habitantes. As mulheres formavam 60% da população. Havia três médicos, três boticários, dois advogados, nove professores, um tabelião, 92 costureiras, 48 rendeiras, 46 comerciantes, um fabricante de colchas, 24 carpinteiros, 21 alfaiates e assim vai a números cada vez menores. Chegando começou a trabalhar rapidamente, ouvindo, conversando e decidindo questões urgentes. Em 20 de agosto escolheu o novo governo provisório de sua confiança. Em São Paulo conheceu a futura Marquesa de Santos, que mudaria sua vida e a do país. Ele era um músico talentoso e segundo o historiador Alberto Souza já havia composto a música do atual Hino de Independência no Rio de Janeiro. O quadro de Pedro Américo foi apresentado ao imperador Pedro II, 66 anos depois da Independência! “A versão era mais importante do que a realidade. Começava ali a construção de um país mais imaginário do que real.”

O primeiro imperador viveu pouco, 35 anos, todavia seu mito permanece até hoje em obras que inspirou. De seu pai herdou a musicalidade. De sua mãe o amor ao sexo. Era elegante em público, mas simples em sua vida dentro do palácio, assim como seus hábitos alimentares. Todavia era extremamente centralizador, hiperativo e “se imiscuía em questões pequenas diante da importância de seu cargo.” Tinha espírito alerto para aproveitar-se financeiramente de seu cargo, fazendo falcatruas mesquinhas que não estavam a sua altura. “Tinha prazer em mandar e abominava ser desafiado... No tratamento com os ministros era sempre autoritário e inquisitivo.” D. Pedro era prático e comum, apesar de sua arrogância no cargo. Seu caráter era impulsivo, volúvel e propenso a mudanças de humor repentinas seguidas de reconciliações. Era também epilético, um grave problema para um imperador. Nascido em uma corte muito conservadora, foi a segundo filho de D. João e Carlota Joaquina. Segundo uma lenda o primogênito sempre morreria e assim ocorreu novamente. Ele seria o herdeiro a governar Brasil e Portugal em um dos piores momentos da história dos dois países. “São escassas ou imprecisas as informações sobre sua educação... cartas e registros revelam “domínio precário da língua portuguesa. Há erros de ortografia, concordância e, em especial, de falta de pontuação.” Seu pai chegou a recomendar-lhe que quando escrevesse tivesse vigilância, pois os escritos seriam lidos por todo mundo e deveria ter cautela com o conteúdo e as explicações. Era pleno em qualidades, mas sua educação havia sido relegada, o que é contestado por Octávio Tarquínio de Souza, seu biógrafo. Gostava de se atualizar com leitura e aí descobriu as novas idéias dos novos tempos. “O meu esposo, Deus nos valha, ama novas idéias” escreveu a jovem e alarmada princesa Leopoldina ao seu pai, imperador da Áustria, em junho de 1821. Na música seus professores foram os melhores maestros e compositores, como Marcos Antonio Portugal e Sigismund Neukomm. Em troca de cartas com o pai, mostra como se atualizou e evoluiu politicamente. Escreveu a ele “É um impossível físico e moral Portugal governar o Brasil, ou o Brasil ser governado por Portugal. Não sou rebelde... são as circunstâncias.” “De Portugal nada, nada; não queremos nada!”... “Triunfa e triunfará a independência brasílica ou a morte nos há de custar.” Comentou após o grito da Independência. Esse jovem destemido, todavia aventureiro e adúltero, teve sete filhos com Leopoldina e um com a segunda esposa, Amélia. Fora do casamento por volta de dezoito. Sua história sexual é bastante ruidosa e sombria, tendo começado muito cedo, na adolescência.

Maria Leopoldina pertencia a uma estirpe nobre e inigualável. Seu pai, Imperador Francisco I, vinha da linha dos Hasbsburgo austríacos, linhagem que estava no poder havia 350 anos. A intelectual e íntegra princesa “preferia colecionar rochas, borboletas, plantas e animais silvestres a participar das festas e noitadas que tanto fascinavam o marido.” Casou-se ao vinte anos, por procuração e chegou ao Brasil, em 5 de novembro de 1817. Estava iludida a respeito de seu marido e do país, mas foi fundamental para a independência. Engravidou 9 vezes em 9 anos, dos quais 7 filhos sobreviveram e morreu muito jovem, triste e totalmente solitária. “Passou necessidades e afundou-se em dívidas distribuindo esmolas para os pobres do Rio de Janeiro.” Cresceu em meio a guerras que mudaram o mapa político da Europa depois da Revolução Francesa. Sua tia Maria Antonieta fora decapitada em Paris. Em 1810 sua irmã, Maria Luísa, foi obrigada a se casar com Napoleão em troca da paz. As princesas de Viena eram educadas para servir ao estado, ou seja, engravidar o maior número de vezes. “Amor e felicidade no casamento eram coisas acessórias, com as quais jamais deveriam contar.” Leopoldina começou cedo sua vida de estudos e etiqueta. Havia exercícios de leitura e memorização, visita a museus e exposições, participação em eventos beneficentes e assim por diante. Sua formação privilegiava o protocolo e anulava qualquer desejo! O casamento com D. Pedro envolvia altos interesses políticos, pois D. João VI precisava estreitar os laços entre os dois países para contrapor a imensa influência inglesa sobre Portugal. Leopoldina levou cinco meses para chegar ao novo país, num trajeto de 8.000 quilômetros. Sua bagagem era espetacularmente grande, com 42 caixas da altura de um homem, além de enxoval, biblioteca, coleções de ciências naturais, presentes de casamento e três caixões caso viesse a morrer. Uma camareira-mor, um mordomo-mor, seis damas da corte, quatro pajens, seis nobres húngaros, seis guardas, seis camaristas, um capelão e a maior expedição científica que já viera ao Brasil, com pintores, naturalista e desenhistas que voltariam a Europa com cargas exóticas. A mineralogia era o assunto predileto de Leopoldina, que sonhara em vir ao Brasil para estudar suas rochas. “Era tudo um terrível engano.” Não havia pessoas cultas nem tão boas. Os habitantes digladiavam-se em conspirações, tornando o ambiente insuportável para a jovem. A realidade, nos trópicos, era bem outra. O Rio de Janeiro era sufocante, insalubre, cheio de insetos nos pântanos e esgotos sem tratamento e se transformava num lamaçal nas épocas de tempestades. Após o embarque, assuntou-se ao saber que o marido era epilético e tinha explosões de fúria que a assustavam. “Leopoldina ficava trancafiada para que o príncipe não fosse surpreendido pela mulher em suas famosas escapadas.” Relatou que só podia calar e chorar em silêncio. Nos três primeiros anos, apesar de tudo, o casamento foi relativamente feliz. Nasce a primeira princesa e futura rainha de Portugal, Maria de Glória. Depois dela viriam mais seis filhos. Após sete gestações, vivendo nos trópicos inóspitos e de tez muito clara, tornou-se uma matrona. Portanto D. Pedro abusava cada vez mais em suas escapadas. O marido não lhe dava um único presente ou atenção, no entanto a princesa envolvia-se cada vez mais nos acontecimentos que precederam a Independência. A psicanalista Maria Rita Kehl cita que o ano de 1821 foi o de mudanças decisivas na vida da princesa. Foi ela quem convenceu José Bonifácio a aceitar sua nomeação de ministro em janeiro daquele ano. A declaração da Independência do Brasil foi feita por Leopoldina e Bonifácio e depois enviada a D. Pedro, que se encontrava em São Paulo. Contudo, observou que, abandonada pelo marido e não tendo como voltar para sua pátria, “estava abandonada a própria sorte no Brasil.” O marido se apaixonara perdidamente por Domitila, futura Marquesa de Santos. D.Pedro levou a amante para o Rio de Janeiro, onde seria muito bem recebida e amparada, enquanto sua esposa era cada vez mais relegada e “humilhada em público.” Suas finanças tiveram um papel importante no declínio de sua saúde e bem estar. Em 1826, ano de sua morte, o parlamento brasileiro fez uma dotação orçamentária de emergência para cobrir seus débitos com os necessitados. De D. Pedro não recebia a mesada estipulada no contrato de casamento e ainda lhe emprestava dinheiro. Educada em uma rica e nobre corte não tinha noção de como enfrentar as dificuldades desse país falido. Gastando em excesso com a família e com os pobres, passa a depender de um agiota, Schäffer, um crápula sem escrúpulos, que arruína sua vida. Em novembro de 1826, D. Pedro parte para acompanhar de perto a Guerra Cisplatina. No dia 29, Leopoldina, muito “doente e deprimida, presidiu a reunião do conselho de ministros.” No dia 2 de dezembro abortou seu nono filho. “Morreu às 10,15 do dia 11 de dezembro, um mês antes de completar trinta anos.” Foi pranteada pelos pobres do Brasil.


José Bonifácio, em 1819, morando em Coimbra como funcionário graduado, pedia a D. João VI autorização para voltar a Santos, viver no sertão e morrer junto aos familiares. Esse pedido foi feito reiteradamente por mais de uma década e sempre negado. Com 59 anos, idade razoável para a época, conseguiu retornar ao Brasil. Entre 1790 e 1791, quando estava em Paris testemunhara o furor da Revolução Francesa e depois, em Portugal, lutou contra o exército de Napoleão Bonaparte. Portanto, considerava que já havia cumprido sua missão. Ocorre que caberia a ele ser o principal conselheiro do príncipe. Ficou apenas 18 meses à frente do Ministério, mas nesse período realizou os fatos mais importantes para nossa história.








“Sem ele, o Brasil de hoje provavelmente não existiria... Era um homem com um projeto de Brasil... Na sua visão a única maneira de impedir a fragmentação do território brasileiro após a separação de Portugal seria equipá-lo com um “centro de força e unidade” sob o regime de monarquia constitucional e a liderança do imperador D. Pedro I.” E assim foi feito. Coube a ele afastar as más influências e formar um elo entre a diversificada sociedade brasileira. Estranhamente, Pedro e José, homens tão diferentes se completavam “na forma inquieta de viver.” Bonifácio, tido com sisudo e rigoroso, era na verdade um poeta e boêmio. Adorava as mulheres e teve inúmeras amantes e dois filhos bastardos. Sua família pertencia à alta elite paulistana que observava com interesse os últimos acontecimentos da Europa e dos Estados Unidos. Os paulistas, considerados por alguns como matutos ou caipiras, na opinião do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, eram na verdade “homens altivos, intrépidos, habituados a uma vida áspera de lutas, fadigas e privações.” Os irmãos de José Bonifácio tiveram papéis importantes na Independência. Bonifácio tornou-se o tutor dos filhos de D. Pedro I. Seu papel político no Brasil foi igual ao de Thomas Jefferson na independência dos Estados Unidos. Ambos estiveram em Paris durante a Revolução Francesa. Thomas justificava o sangue derramado, José não. Percebeu que os brasileiros não estavam preparados para isso, com sua enorme quantidade de analfabetos, escravos e miseráveis. Em um país de analfabetos, Bonifácio poderia ser considerado o mais culto e preparado estadista de Portugal ou do Brasil. “Acreditava que a miscigenação racial brasileira era uma virtude da qual o país poderia se beneficiar no futuro.” Gostava da mistura mulata, com seu lado europeu e africano. Contudo, ao chegar ao Brasil com uma mulher irlandesa e três filhos, chocou-se com a exploração da mão de obra escrava. O Brasil continuava o mesmo de tantos anos atrás. A abolição da escravatura passa a ser sua questão fundamental. Por TREZENTOS anos, o tráfico negreiro funcionava como dínamo principal da economia colonial da época, como mão de obra barata para as diversas lavouras, minas de ouro e diamantes e outras atividades. Ele admitia que se a lei defendia a propriedade deveria ainda mais defender a liberdade pessoal de qualquer homem, pois não poderiam ser “propriedade de ninguém”. No final de 1821, José soube do clima de revolta contra os portugueses, no Rio de Janeiro e que a corte de Portugal ordenava o embarque imediato de Pedro para o país. Bonifácio redigiu um documento realista alertando para o “rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil”, caso Pedro acatasse aquelas ordens. Bonifácio chegou ao Rio uma semana depois do Dia do Fico e foi nomeado ministro contra sua vontade. Seu projeto de governo para o Brasil era de um país unido em torno do príncipe herdeiro, D. Pedro. José Bonifácio exigiu, desse modo, “a independência com a monarquia constitucional, as liberdades individuais garantida por uma autoridade estável e desinteressada,” segundo o historiador Tarquínio de Souza. O encontro com os paulistas era premente nesse momento. Queria a reforma agrária e educacional, na estrutura econômica e social do país, com a extinção dos navios negreiros e gradual abolição da escravatura. Foi preso e deportado para a França com a dissolução da primeira constituinte, em novembro de 1823. Daí em diante “José Bonifácio se converteria num áspero crítico de D. Pedro.” No exílio encontrou a paz com uma nova atividade intelectual – a poesia, sob o pseudônimo de Américo Elísio. Em 1831, vários anos depois, quando D. Pedro I foi forçado a abdicar do trono e partir para a Europa, nomeou Bonifácio como tutor de seus filhos, entre eles o futuro D. Pedro II. Ao assumir o novo posto foi alvo de inveja dos antigos adversários políticos e afastado da tutoria de D. Pedro II, em 1833. Isolou-se na ilha de Paquetá e morreu em 1838, em exílio voluntário e desiludido com a política brasileira. Seus restos mortais encontram-se na cidade de Santos.


Houve grande derramamento de sangue em 1822. Nas ruas o povo era agredido a golpes de porrete, pontapés ou assassinado. Os portugueses armados desafiavam os brasileiros que apoiassem a nova resolução. “Esta cabrada se leva a pau.” Uma guerra paralela ocorria com a mudança de nomes portugueses por denominações indígenas de árvores e animais silvestres para demonstrar a fidelidade à causa brasileira. Mesmo as grandes personalidades adotaram essa atitude. O mito da independência pacifica é desmentido pela longa e desgastante guerra, que durou 21 meses. Milhares de pessoas perderam a vida e o número de combatentes nesses conflitos foi maior do que das guerras da libertação da Américas espanholas nesse mesmo período. Isso ocorreu em todo o país. Contudo, Pará, Maranhão, Piauí, Alagoas ignoraram a independência, aderindo à causa portuguesa, por interesses pessoais. Outros estados também relutaram bastante, todos do nordeste. A guerra ocorreu em duas frentes: no sul e no nordeste. A sorte seria decidida na Bahia. A corte portuguesa enviara um grande contingente de armas e soldados para tornar Salvador um local “inexpugnável aos ataques brasileiros.” Os brasileiros se prepararam para a retaliação e deveriam incendiar ou afundar quaisquer lanchas ou navios portugueses. O príncipe determinou fortificações em pontos vulneráveis e recorreu à “crua guerra de postos e guerrilhas... até a vitória final contra os invasores.” A princípio os boatos impediram saber exatamente o que ocorria de ambos os lados. De início Portugal, organizado e muito mais experiente, contando com o apoio da Europa, parecia levar vantagem. No Brasil o exército era de esfarrapados. O país não tinha Exército ou Marinha de Guerra. “Sem reconhecimento internacional as perspectivas de apoio diplomático eram nulas. Empréstimos, só a juros escorchantes.” O domínio dos mares era a principal empreitada para o sucesso. No Brasil não havia nenhuma tecnologia moderna para os navios ou o que quer que fosse. A organização de uma força naval era o item mais importante a ser consolidado pelo gabinete, organizado por José Bonifácio. Listas para coletar fundos para a compra de navios foram organizadas. “Era a primeira vez que os brasileiros se mobilizavam em torno de uma causa comum.” Até mesmo as pessoas comuns doaram suas alianças de ouro. O brigue Caboclo foi o primeiro navio comprado nessa campanha. Os 160 oficiais de marinha eram quase todos portugueses e pouco confiáveis. “As dificuldades do mar se reproduziam em terra.” No Brasil existia uma aversão generalizada ao serviço militar. Os jovens eram laçados com cordas e despachados para o Rio de Janeiro. Muitos jovens amputaram pés e mãos para se livrar desse destino. Os ricos recorriam aos chefes locais para livrarem-se da convocação. Na verdade os mais humildes é que defenderam o Brasil e “ampararam a independência.” Com o fim das guerras napoleônicas, a Europa era um lugar perfeito para fornecer bons oficiais, navios militares e marinheiros. Felisberto Caldeira Brant voltou-se para lá, a fim de recrutar reforços. Duas fragatas equipadas foram compradas de um antigo oficial britânico. Depois compraram mais quatro com bônus do Tesouro Nacional. Essas compras e a contratação de soldados mercenários foram de grande ajuda ao exército nacional. Para burlar as leis européias que proibiam a contratação de soldados mercenários, o Brasil recrutava-os sob o disfarce de colonos agricultores. Os oficiais seriam supervisores ou feitores. “A Guerra da Independência foi decidida pela bravura dos patriotas brasileiros e dos colonos e mercenários estrangeiros...” Em julho de 1823 os portugueses abandonaram Salvador, depois Maranhão e Pará e finalmente o nordeste. Os brasileiros foram liderados por “Lord Thomas Cochrane, um escocês louco por dinheiro e um herói maldito da Independência do Brasil.”



Primeiro almirante da Marinha de Guerra brasileira, esse escocês é considerado herói e vilão ao mesmo tempo. Na época da Independência ele era uma celebridade internacional, mas hoje é odiado principalmente no Maranhão. Era uma figura alta, bela e intrépida. Impôs a Napoleão Bonaparte, que o chamava de El Diablo, derrotas humilhantes e, como mercenário, lutou pelo Peru, Chile, Grécia e Brasil, sendo sua ação decisiva em todas as vitórias. “Uma de suas especialidades era investir contra frotas de navios muito maiores e mais bem equipados usando barcos incendiários”, que explodiam e espalhavam chamas. “Suas inovações incluíram lâmpadas de comboio usadas em navios, propulsores a vapor, máquinas de alta pressão e armas químicas”, enfim tecnologia mais avançada. Esse homem narcisista era apaixonado por dinheiro. Em 1814 sua boa sorte inverteu-se quando se envolveu com a bolsa de valores, em Londres. Foi preso e multado por conspiração. Sua popularidade era invejável, pois apesar disso foi reeleito para o parlamento, na cadeia. Demitido da Marinha, perdeu o título de nobreza que havia conquistado nos tempos de glória. Aí começou sua fase mais importante: libertador de países sob jugo das metrópoles. Queria seqüestrar Napoleão da Ilha de Santa Helena, trazê-lo à América do Sul para, como imperador, servir de contraponto geopolítico ao poder dos Estados Unidos no novo continente. Os pernambucanos já haviam pensado nesse plano, em 1817, para combater D. João VI e depois Napoleão voltaria à França. Esse homem audacioso conseguiu libertar as colônias espanholas no litoral chileno e peruano. Mas o dinheiro era sempre o incômodo maior para os países libertados por ele, que praticava ações de pirataria e roubo. Ele estava no Chile quando foi convidado a ajudar o país com oficial mercenário, chegando em março de 1823. Foi indicado a José Bonifácio por Felisberto Brant Pontes. O governo dar-lhe-ia o que quisesse desde que fosse um ganho recíproco. O Brasil decreta que “Todas as presas (cargas) tomadas em guerra serão de propriedade de quem as capturar”. Isso foi o suficiente para convencê-lo. Trouxe consigo a inglesa viúva Maria Graham, de 37 anos, a qual se tornaria amiga de confidente da imperatriz Leopoldina e preceptora da princesa Maria da Glória. Deixaria, também, um registro valioso sobre o Brasil da época, com gravuras e diários de viagens. Os barcos brasileiros eram até bons, mas Cochrane chocou-se com a armada brasileira, a tripulação era da pior espécie de portugueses e assim a primeira investida sob seu comando, na Bahia, fracassou. As condições gerais eram péssimas, pois os portugueses sabotaram os brasileiros e o almirante preferiu fugir a ser capturado. Na segunda investida ele bloqueia o porto de Salvador, impedindo o abastecimento da armada portuguesa. Em dois meses, no dia 2 de julho de 1823, toda a esquadra de Portugal deixou a capital baiana. “Cochrane os perseguiu, conseguindo capturar 16 barcos de fazer 2000 prisioneiros.” A jovem Marinha brasileira passou a ser temida pelo inimigo. Depois atacou o Maranhão e o Pará com sucesso. Em São Luís, saquearam a cidade inteira, como se fosse um território inimigo conquistado. Os habitantes revoltaram-se, contudo nada puderam fazer. Os festejos pelas vitórias no Norte e Nordeste foram efêmeros, pois as relações entre as partes foram prejudicadas por motivos financeiros, como sempre. O almirante voltou a extorquir os maranhenses mais uma vez, depois de ter ajudado na Confederação do Equador, bloqueando o porto de Recife. Desse modo abrasivo, Cochrane dá por encerrada sua missão no Brasil. Partiu para a Grécia e morreu em 1860, enterrado com honrarias por parte dos ingleses. “Sua reputação de herói da independência, porém, estava irremediavelmente manchada.”



Em Campo Maior, sertão do Piauí, deu-se o pior e mais trágico confronto na Guerra da Independência e foi batizado como a Batalha do Jenipapo. As perdas brasileiras foram de 500 prisioneiros de 200 mortos, pois o exército era improvisado e frágil. Do lado inimigo houve apenas 16 mortos. Piauí era tipicamente brasileiro, misturado e miscigenado. “Na verdade a independência nessas regiões foi conquistada palmo a palmo ao custo de muito sangue e sofrimento.” A província, em 1822, era um “fundo de quintal do Brasil”, habitado por vaqueiros e jagunços. Levaram um ano para receber sua carta régia na qual ganhavam autonomia. “Nesse sertão, por costume antiqüíssimo, a mesma estimação têm brancos, mulatos e pretos e todos, uns e outros, se tratam com recíproca igualdade, sendo rara a pessoa que se separa deste ridículo sistema.” Assim escreveu de maneira preconceituosa seu governador em 1776. Em 1822 “uma onda revolucionária varria o sertão nordestino.” Começando na Bahia logo se espalha pelas outras províncias. A tragédia de Jenipapo, com muitos mortos e “o chão coalhado de sangue”, mais parecia uma derrota, mas demonstrava a determinação dos brasileiros em lutar pela liberdade. Piauí afundou na desordem. Bandos armados andavam pelas cidades e fazendas espoliando os portugueses ou qualquer um que fosse contra a Independência. Contudo, no final de julho, as cortes haviam sido dissolvidas em Portugal e o inimigo rendeu-se, voltando para a Europa.



Os baianos comemoram a Independência do Brasil com mais entusiasmo do que o resto do país. A festa é no dia 2 de julho, data em que seus algozes foram expulsos em 1823. Esse povo foi o que mais sofreu e lutou pelo acontecimento. A guerra durou um ano e cinco meses, custando centenas de vidas. Os portugueses haviam deixado o Sul e Sudeste para D. Pedro, mas o Norte e Nordeste queriam preservar para a corte. Eles criam que, com esta região conquistada, poderiam voltar-se contra o resto do país. “A resistência baiana decidiu a unidade nacional” relata o historiador Tobias Monteiro. A Bahia era a terceira província mais populosa. Salvador agrupava uma importante indústria naval e era centro exportador de açúcar, tabaco, algodão e outros produtos agrícolas, porém a principal atividade era o tráfico negreiro. “Negros altos e atléticos podem ser vistos movendo-se em duplas ou grupos maiores... com pesadas cargas entre eles... lembrando uma serpente negra enrolada sob o sol... Cantam e dançam enquanto caminham, mas o ritmo é lento e melancólico, como numa marcha fúnebre”, escreveu estarrecido um observador estrangeiro que passava pela Bahia. Em 19 de fevereiro centenas de oficiais, soldados e civis aquartelaram-se no Forte de São Pedro. Um mensageiro trazia uma ordem do general Madeira exigindo a rendição dos revoltosos, mas Sabino da Rocha Vieira, mulato de olhos claros, médico, jornalista, culto, homossexual e obcecado pelos ideais franceses, liderou com o apoio dos escravos, a Sabinada, onde tentou em vão fundar uma República Baianense. Madeira mandou bombardear o quartel rebelde e, em quatro dias trezentas pessoas foram mortas. Em alguns dias o restante da Bahia colocou-se a favor da Independência, “formando um cinturão de isolamento aos portugueses encastelados em Salvador.” A conquista sobre os inimigos pelos empobrecidos e famintos baianos “foi a mais singela, e talvez a mais heróica, de todas as batalhas navais da independência brasileira.” “Os soldados estavam descalços, famintos e com os soldos atrasados. Muitos morriam de tifo e impaludismo, febres endêmicas no Recôncavo.” Faltavam remédios, médicos, absolutamente tudo. No Rio de Janeiro, organizaram um exército carente e indisciplinado que foi comandado pelo francês Pierre Labatut. Desembarcaram em Alagoas e seguiram até o Recife, a fim de arregimentar mais homens, então se dirigiram à Bahia em uma viagem árdua de quase três meses. Ali estabeleceram um quartel general que Labatut comandou por dez meses, o que causou constrangimento à província. Labatut, oficial importante para o Brasil, acabou destituído de seu comando, cinco semanas antes do final da guerra. Ele ainda combateria em outros rincões do Brasil. Promovido a general de campo, morreu em 1849 - Salvador, aos 73 anos. Enquanto o exército brasileiro se fortalecia, o comando português ficava refém da ajuda de Lisboa. A inflação disparou. Uma heroína brasileira destacou-se nas batalhas, Maria Quitéria de Jesus de trinta anos. Em todos os combates destacou-se por sua bravura. Labatut conferiu-lhe o posto de primeiro-cadete. Foi recebida e condecorada por D. Pedro I com a Ordem do Cruzeiro. Maria Graham dizia ser ela uma moça viva, inteligente de modos femininos, gentis e amáveis. A vitória final dessa província viria no dia 2 de julho de 1823. “O mar estava sereno e calmo, havia sol e céu azul



O novo Brasil formara-se frágil, pois havia grandes diferenças de opinião sobre como organizar e conduzir a nova nação. O país queria liberdade geral e os jornais foram os primeiros veículos a anunciar as mudanças desejadas e novas medidas. Defendiam: “Pedro I sem II.” A monarquia deveria ser uma solução em curto prazo. “O uso de uma flor na lapela, a sempre viva, indicava adesão às idéias republicanas e federalistas. Outra flor, a camélia, era o símbolo dos abolicionistas” e assim por diante. A primeira constituinte foi instalada em 3 de maio de 1823 e dissolvida seis meses depois. José Bonifácio não queria que D. Pedro I jurasse “às cegas”, uma constituinte ainda inexistente. Os liberais como ele defendiam que a autoridade do imperador, por tradição e herança histórica, sustentar-se-ia por si mesma. Seria, assim, superior à constituinte e de todo o “restante da sociedade brasileira.” Ele seria um imperador constitucional e, portanto, estaria limitado à constituição. Teria de jurá-la antes que fosse elaborada. Bonifácio revelou-se tão autoritário e conservador quanto D. Pedro. A imprensa voltou a ser censurada e nesse clima foi que se instalou a constituinte. As alas de Bonifácio e as de Clemente Pereira e Gonçalves Ledo discordavam. D. Pedro só poderia cumprir, como qualquer brasileiro, o que ela determinasse. Os deputados teriam de ser alfabetizados e possuírem bens, em um momento em que o analfabetismo atingia 99% do país. De cem candidatos, 89 tomaram posse. “Era a elite intelectual e política do Brasil, composta de magistrados, membros do clero, fazendeiros, senhores de engenho, altos funcionários, militares e professores.” Muitos deles haviam representado o Brasil em Portugal. D. Pedro I declarou, finalmente, que deveriam elaborar uma constituinte que fosse “digna do Brasil e de mim.” Os liberais se apavoraram com a mensagem, pois a constituinte deveria ser digna do Brasil, “cabendo ao imperador cumpri-la como todo mundo.” Cipriano Barata, liberal, acreditava que o “nosso imperador é um imperador constitucional e não o nosso dono.” Reivindicações vinham de todo o Brasil. O projeto da Constituinte foi vitimado por várias crises e não vingou, além do mais, Bonifácio era a favor da proibição do tráfico negreiro que aumentava os lucros dos grandes latifundiários e senhores de escravos. O gabinete de Bonifácio esfacelou-se e caiu em meados de julho. O ministro foi demitido pelo seu desejo de abolir o comércio de escravos e emancipar gradativamente os cativos, declarou no seu exílio, em Paris. O Brasil permaneceria escravocrata por mais 66 anos. A Lei Áurea foi assinada em 1889. O parlamento brasileiro, após a dissolução da constituinte, seria submetido às forças armadas por diversas vezes. O três irmãos Andradas foram deportados para a França. A primeira Constituição brasileira, de março de 1824, “era uma das mais avançadas da época na proteção dos direitos civis.”



Há duzentos anos, Pernambuco era uma das maiores províncias do Brasil. No começo do século dezenove ela foi retalhada, por razões políticas, até resumir-se a 98.311 quilômetros quadrados. Pernambuco foi o único estado brasileiro fatiado pela rebeldia, pois se lançara em guerras e devoluções. Perderam cerca de 60 % de seu território transferido “provisoriamente” para Minas Gerais e depois uma área para a Bahia. Os pernambucanos temiam as intenções do imperador “na condução dos negócios brasileiros.” Em 1817, eles haviam entregado a D. João VI 32% da arrecadação para sustentar a corte. Temiam que os sulistas tomassem o lugar dos portugueses, no caso de opressão. Os federalistas gostariam de ter um país mais parecido com o atual. Frei Caneca foi o líder dos federalistas pernambucanos. Estudou no seminário de Olinda, centro intelectual do Brasil colônia, onde se discutia as idéias vindas da Europa e dos Estados Unidos. A dissolução da Assembléia, em 1824, aumentou as suspeitas da autoridade do imperador. Até o final do século 18, a classe dominante pernambucana eram os senhores de engenho, que exportavam o açúcar para o exterior através de Portugal. Com a expansão do algodão no agreste, essa classe muda e quer ter liberdade de exportar, sem intermediação de Portugal, pois isso encareceria as relações comerciais com a Inglaterra, que já possuía modernos teares. Eles tinham necessidades revolucionárias que permitissem a quebra de monopólios. Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará se enquadravam nesse perfil. Gervásio Ferreira, rico comerciante de Recife, era um dos que não concordavam com D. Pedro e recusou-se a enviar os estoques de pau-brasil para o Rio de Janeiro, com a finalidade de amortizar a dívida do Banco do Brasil. Foi substituído pelos senhores da “açucarocracia”, mediante a promessa de não abolir a escravidão. Em dezembro um conselho formado por colégio eleitoral dos fazendeiros, comerciantes, juízes, padres e intelectuais substituiu a antiga junta por outra presidida por Manuel de Carvalho Paes de Andrade, que detestava os portugueses e admirava os Estados Unidos. Dizia “A perfídia e a crueldade são as duas notas que distinguem os portugueses dos outros povos da Europa.” Paes de Andrade e seus asseclas exigiram que D. Pedro I cancelasse a dissolução da constituinte e trouxesse de volta o grupo preso e deportado após a Noite da Agonia, composta pelos Andradas e um padre. Nesse ínterim, Portugal havia enviado uma grande frota para recapturar a capital brasileira. A Confederação do Equador, de 1824, convocava as províncias do Norte a juntarem-se a Pernambuco e formarem uma constituição que fosse análoga ao sistema americano e não parecida com a velha Europa. A nova nação teria outra bandeira e obviamente outras fronteiras no norte. Paes de Andrade enviou um representante aos Estados Unidos com o intuito de pleitear o reconhecimento da nova Confederação, mas os americanos simplesmente ignoraram o documento. A província do Ceará foi a que mais aderiu a esse movimento separatista. “A reação de D. Pedro a esses fatos foi devastadora e imediata.” Tentou subornar Cochrane com quatrocentos contos de réis ou 80.000 libras esterlinas para que mudasse de lado, mas o almirante recusou, pois tinha muito mais dinheiro a receber do português. Caxias intimidou os revolucionários. Em 12 de setembro a capital pernambucana foi ocupada e Paes de Andrade fugiu para a Inglaterra e voltaria apenas após a abdicação de D. Pedro I, quando seria um importante senador do Império. Frei Caneca foi executado em janeiro de 1825. Teve uma morte humilhante e sangrenta. Depois de fuzilado foi recolhido pelos carmelitas e sepultado em uma das catacumbas da ordem.


“A maçonaria teve um papel fundamental na Independência, mas é um erro apontá-la como um grupo homogêneo.” Várias disputas foram travadas nesse local. A corrente de Joaquim Gonçalves Ledo defendia a república e a de José Bonifácio queria manter D. Pedro I como imperador e monarca constitucional. D Pedro participava ativamente dos dois grupos e jurou promover a “integridade, independência e felicidade do Brasil como reino constitucional.” Manuel de Oliveira Lima, historiador, afirmou que a maçonaria “funcionou em 1822 como uma escola de disciplina e de civismo e um laço de união entre os esforços dispersos e dispersivos.” Como não havia partidos políticos organizados, mas sociedades secretas elas levavam a idéia de independência para todo o Brasil. No começo do século dezenove, a maçonaria era tão subversiva como a Internacional Comunista, no século vinte. Essas idéias eram espalhadas de um país para outro e de um continente para outro “com celeridade e eficácia.” A maçonaria promoveu grandes avanços políticos e sociais que a colocava em confronto com a nobreza. Ela foi a responsável pelas transformações que ocorreriam nos dois séculos seguintes. Foi essencial na independência americana, pois dos 56 homens que assinaram o documento, 50 eram maçons, incluindo Benjamin Franklin e George Washington. No Brasil o grão-mestre D. Pedro proclamou a independência do Brasil e a República foi proclamada por outro, marechal Deodoro da Fonseca. As primeiras lojas apareceram no país no final do período colonial. Havia “lojas maçônicas em funcionamento na própria corte do rei D. João VI.” Ele as tolerava. D. Pedro era errático nessa atividade e, em 1831, foi obrigado a abdicar do trono por outro movimento da mesma maçonaria.


Em 1814, o Corpo do Comércio de Salvador alertou D. João com “um documento de tom premonitório”, no qual advertiam: “É notório que há três para quatro anos os negros tentam rebelar-se e matar os brancos, e tendo nos anos anteriores feito duas investidas... deram a terceira com muito mais estragos e ousadia... Estes ensaios, senhor, bem prognosticam que.... chegará um dia em que eles de todo acertem e realizem inteiramente o seu projeto, sendo nós as vítimas da sua rebelião e tirania”. Em 1820 Francisco C. de Geines, coronel francês, enviou um documento com teor parecido. Um panfleto também alertava sobre o derramamento de sangue semelhante ao ocorrido em 1794, na ilha de São Domingos, Haiti. Os escravos eram em número generosamente maior do que os homens livres. Em 1824 foi solicitada pelo Brasil a importação de mercenários europeus, altos e claros para promover uma melhoria e branqueamento da raça brasileira. Isso tudo demonstrava um pessimismo com o futuro do Brasil. A revolução escrava era o maior perigo que os portugueses e brasileiros brancos teriam que enfrentar. Contra essa situação houve a adesão de todas as classes sociais brancas. Poderia haver uma guerra civil “de natureza étnica.” As novas idéias libertárias poderiam dar força para uma rebelião promovida por escravos contra seus opressores. Os negros “reivindicavam a alforria nos tribunais.” Os deputados preconceituosos resolveram enviar as petições para D. Pedro I, que também se negou a ouvi-los. “Na Guerra da Independência, milhares de cativos recrutados pelo Exército e pela Marinha defenderam a causa brasileira esperando que, em troca, teriam a liberdade.” Contudo nada mudou, nem mesmo para analfabetos, pobres, mestiços e mulatos. Há mais de trezentos anos o tráfico sustentava a economia colonial! Ele seria mantido em benefício dos proprietários rurais e latifundiários. “Os brasileiros acostumados a não fazer nada... estão convencidos de que os escravos são necessários como os animais de carga.” Mas alguns homens brancos poderosos eram totalmente contra o tráfico de negros e ansiavam pela abolição da escravatura, uma vergonha para nosso país. A abolição só viria sessenta e cinco anos mais tarde, por pressão política, uma vez que a elite brasileira era habituada ao ócio e ao dinheiro fácil. Os lucros desse negócio espúrio eram verdadeiramente astronômicos e fáceis. A metade dos comerciantes do Rio de Janeiro era traficante de escravos! Nem mesmo as pressões da Grã Bretanha exigindo a absolvição da escravatura foi suficiente para libertar os negros. O tráfico só terminaria depois de 1850. O Brasil de hoje ainda carrega esse passivo.



A Marquesa de Santos não era uma beleza no sentido pleno da palavra, mas sim altiva insinuante e determinada. Possuía “um exterior agradável para um país onde não havia beleza. Apesar de poderosa ela escrevia com muitos erros de ortografia, mas seu romance com Pedro I “é a grande historia de amor que serve de moldura à Proclamação da Independência do Brasil.” Há várias histórias quanto ao local onde D. Pedro e Domitila estariam nos momentos que antecederam o grito. No entanto há evidências de que ele teria uma agenda paralela para encontrar a amante, sua paixão mais avassaladora. Ela era um ano mais velha do que D. Pedro, filha de um coronel, João de Castro Canto e Melo, nascida em S. Paulo em 1797. Em janeiro de 1813 casou-se com o alferes mineiro, Felício Pinto Coelho de Mendonça. Essa mulher fértil teve 14 filhos de três homens diferentes. O marido traído tentou matá-la a facadas. Domitila sobreviveu e foi morar com o pai, onde encontrou duas vezes com D. Pedro I antes do grito do Ipiranga. O marido reinvidicava a guarda dos filhos do casal e D. Pedro ajudou-a nessa empreitada, passando a conhecê-la. “Ambos pagariam um alto preço pela paixão avassaladora eu os uniu desde então.” Assim foi reforçada a imagem dele como uma pessoa promíscua e inconsequente. O pai de Leopoldina, ao saber do romance, classificou-o como “miserável”. Em S. Paulo passou a manter um romance com ela e também com sua irmã casada. Seu marido fingiu que não sabia e aceitou o filho bastardo do imperador, obtendo favores políticos com esse gesto. “A ascensão de Domitila na corte de D. Pedro foi meteórica.” Segundo Octávio Tarquínio de Sousa, Domitila era “acessível a negociatas.” Mudou-se para o Rio de Janeiro e, finalmente, instalou-se em um luxuoso palacete ao lado do Palácio da Quinta da Boa Vista, onde estaria muito próxima do amante. As mulheres da nobreza do Brasil não aceitaram sua presença, mas como revanche elevou-a ao posto de dama de honra da imperatriz Leopoldina e após isso promoveu-a a Marquesa de Santos, título com o qual passaria através da história. “As regalias e os privilégios estenderam-se à família da amante... receberam empregos, títulos e benesses de D.Pedro I. Os estrangeiros que residiam no Rio de Janeiro impressionaram-se com o poder concedido a essa mulher. Domitila engravidou de seu amante cinco vezes, em sete anos de convívio. D. Pedro acabou por expulsá-la do Rio de Janeiro para se casar com a segunda imperatriz, Amélia, após a morte de sua primeira esposa. Através de 170 cartas que o imperador escrevera a Marquesa de Santos, sabe-se que a cobrira de presentes e jóias caríssimas, em um momento que o país não tinha dinheiro algum. À medida que a força de Domitila crescia a infelicidade e depressão da imperatriz Leopoldina acabaram por levá-la à morte prematura. “Desesperada com as demonstrações públicas de infidelidade do marido, Leopoldina chegou a pedir ao pai, Francisco I, que a aceitasse de volta em Viena.” Em uma viagem à Bahia, com quatro navios e duzentas pessoas, D.Pedro adicionou entre elas sua amante. Foi uma das maiores humilhações para sua esposa. Essa viagem que incluía a imperatriz, sua filha mais velha e Domitila foi um choque para o mundo. Viúvo D. Pedro sabia que era premente casar-se novamente com uma princesa européia, mas por sua reputação nada mais do que dez princesas o recusaram. Desconsolado, aceitaria uma jovem de segunda linhagem, mas que fosse virtuosa e bonita. Assim casou-se com Amélia Augusta Eugênia, neta da imperatriz Josefina, primeira mulher de Napoleão, que chegou ao Rio três anos após a morte de Leopoldina. D. Pedro encantou-se tanto com a jovem que desmaiou no convés do navio! “Trocou os criados e camareiros e impôs nova etiqueta nos maus modos da corte do Rio de Janeiro. Mudou até o idioma.” Falar-se-ia o francês. Ele tornou-se fiel a Amélia, mas teve de livrar-se de Domitila, que retornou a São Paulo e oito anos mais tarde casou-se com Rafael Tobias de Alencar, em Sorocaba. Ela morreu em 1867 e, no testamento, mandou distribuir dinheiro aos pobres e libertar quatro escravos.



D. João VI morreu antes de completar 59 anos, em 10 de março de 1826, cercado de mistérios. A hipótese de envenenamento era discutida e confirmou-se, recentemente, quando encontraram, em seu organismo, alta dose de arsênico nas vísceras. Os maiores suspeitos eram a rainha Carlota Joaquina e seu filho mais novo, D. Miguel, que tentara um golpe contra seu pai. A decisão mais importante tomada por D. Pedro I foi criar uma nova constituinte para Portugal, que era muito parecida com a brasileira. “O Brasil e sua antiga metrópole ficavam a partir daquele momento sob a égide da mesma lei”, uma constituição moderna e liberal para a época. Quando D. João VI morreu deixou o país e seus súditos em uma situação muito precária. D. Pedro, envolvido com os assuntos portugueses, ficou dividido entre os dois países, governando-os concomitantemente. O Brasil foi incluído na política externa dos Estados Unidos, presidido por James Monroe, que declarava: “A América para os americanos.” Eles reconheceram a independência do Brasil. A Inglaterra, através de um tratado comercial assinado em 1810, com tarifas de importação muito baixas, se valeu de seu poder para tirar vantagem da Independência. Em 1825, o Brasil era o terceiro mercado mais importante de produtos importados da Inglaterra. Com a assinatura desse país, todas as monarquias européias reconheceram a Independência brasileira. D. Pedro pagou com seu próprio trono, em 1831, a indenização assegurada a Portugal.



Em 1831 após a abdicação, D. Pedro I mantém uma troca de cartas das mais tristes da história brasileira entre ele e seu filho Pedro, de cinco anos que ficara no Brasil, pois jamais esperava encontrá-lo novamente. Portanto, quase como um fugitivo, deixou o ex-adversário José Bonifácio de Andrade e Silva como tutor de seus quatro órfãos reais que ficaram no país. D. Pedro enviava conselhos valiosos ao filho de como continuar com o império, estudar e educar-se o mais abrangentemente possível, pois o mundo havia mudado e a sabedoria era essencial. Quatro razões forçaram a abdicação em 1831. O rumoroso relacionamento com a Marquesa de Santos, a morte prematura da bondosa princesa Leopoldina, amada por todos. A indenização aos portugueses pelas perdas de guerra também foi crucial para o descontentamento do Brasil. A desgastante guerra com a Argentina para obter o controle da província Cisplatina, o atual Uruguai, contou para seu enfraquecimento. Não havia recursos financeiros para manter essa campanha no Sul e o império foi derrotado em 1827, quando argentinos e uruguaios massacraram os soldados brasileiros. D. Pedro mudou o ministério e o marquês de Barbacena tentaria “conduzir um governo conciliador.” O imperador teria de se desfazer do “gabinete secreto”, então Chalaça e Rocha Pinto foram despachados para a Europa, onde viveram com uma grande pensão vitalícia patrocinada inteiramente pelo Brasil. Chalaça consegue intrigar o imperador contra o ministro, que é “demitido e humilhado publicamente.” O fim do reinado de D. Pedro I foi trágico e colocou o país em sobressalto. Foi acusado de preparar um golpe absolutista, através do qual mudaria a Constituição de 1824, com o intuito de aumentar os poderes e subjugar o parlamento. Esses boatos tinham fundamento. Com a subida do rei burguês Luís Felipe, que era apoiado pela nova classe rica dominante francesa, responsável pela Revolução, os ânimos dos brasileiros liberais se acirraram. Líbero Badaró, do jornal O Observador Constitucional, foi assassinado por ajudar as manifestações de júbilo brasileiras. D. Pedro refugiou-se com a família, em Ouro Preto, de onde voltou devido às manifestações hostis com que foi recebido. Ao retornar ao Rio, em 11 de março, os brasileiros estavam frios e ocorre a Noite das Garrafadas, uma vez que os portugueses resolveram homenageá-lo. Os brasileiros atacaram e foram revidados, com violência, pelos adeptos do imperador com pedras, cacos de vidro e fundo de garrafas. Isso durou três dias e esgarçou totalmente as relações entre os dois grupos. Se D. Pedro não castigasse os portugueses, o povo brasileiro estaria “autorizado a vingar ele mesmo por todos os meios a sua honra e brio maculados.” O imperador destitui o ministério, novamente. Os militares começaram a abandoná-lo. Assim, “D. Pedro entregou a carta de abdicação ao major Miguel de Frias” e o texto foi lido para a população. (texto pg. 304). O imperador deixou o palácio em roupas de civil e dois diplomatas, francês e inglês, o acompanharam até a fragata Warspites, onde permaneceu por seis dias. A sua lista de bens era enorme e havia acumulado um patrimônio de 1.000.000$000 (mil contos de réis), uma grande fortuna, mas nem de longe a maior do Brasil. A abdicação foi comemorada com maior entusiasmo do que a Proclamação da Independência, ocorrida há nove anos.



Quando meninos, Pedro e Miguel gostavam de brincar jogos de guerra, juntamente com os filhos dos escravos que se dividiam em dois exércitos. Em 1832 os dois irmãos fariam parte da pior guerra civil de Portugal. Foi o confronto entre os liberais de D. Pedro e os absolutistas de Miguel. Pedro herdara o temperamento inquieto da mãe e Miguel o modo de ser do pai. O rei D. Miguel I teve o apoio da nobreza portuguesa e da igreja Católica. O Vaticano chegou a excomungar todos os liberais portugueses e em 1834 o próprio D. Pedro I seria excomungado. “O clima de terror se instalou sobre os portugueses”, com milhares de pessoas nas prisões. Outros 40.790 migraram para a América e países vizinhos, e 1.122 opositores foram assassinados. Os insurgentes tiveram as cabeças decepadas e expostas nas cidades do Porto, Feira, Aveiro e Coimbra. Algumas foram açoitadas em praça pública e o governo confiscou 17.137 propriedades, sendo a metade queimada. O inglês Hugh Owen registrou que “o pior era o ódio, o ódio que se alastrava como uma nódoa corrosiva.” Os liberais iniciaram uma revolta nos Açores, que seria o seu santuário. Fortalecidos começaram a ocupar as ilhas vizinhas, até dominarem o arquipélago inteiro. D. Pedro sentiu-se atraído por sua terra natal, para mais uma vez, cobrir-se de prestígio e glória. Antes da guerra, D. Pedro havia enviado sua filha, Maria da Gloria, para Viena e a princesa partiu do Rio sob proteção do marquês de Barbacena, que desconfiado da situação em Portugal, levou-a para a Inglaterra. Sem o suporte da França e Inglaterra, D. Pedro, agora Duque de Bragança, inicia a campanha de guerra em condições muito precárias. Comandava um “exército romântico e a tropa era de 7.500 voluntários.” D. Miguel contava com 80.000 homens entre oficiais e soldados. D. Pedro gastara parte de sua fortuna nessa causa, assim procurou aliciar portugueses ricos em troca de vantagens. Os moradores do Porto acreditavam que a cidade seria atacada por liberais, mas que o exército de Miguel a defenderia corajosamente, mas o contrário ocorre e fogem da cidade deixando ali “milhares de armas, balas e munições, incluindo cinquenta canhões.” Isso fora um grande erro, pois o exército liberal estava faminto e exausto. “Na falta de um cavalo, D. Pedro entrou no Porto cavalgando um burro”, que lhe foi oferecido por um morador. Curioso que também uma besta de carga o ajudara na proclamação do Grito do Ipiranga. As forças miguelistas haviam se retirado, mas não abandonaram a guerra, fechando um arco em torno da cidade. Os liberais haviam caído em uma armadilha. Nada chegava de fora diante desse cerco. Todavia, D. Pedro saiu-se triunfante inteirando-se de todos os fatos, provando ser um grande militar. “Descia às trincheiras, orientava os atiradores, supervisionava os armazéns, visitava os hospitais e feridos, participava das reuniões para a tomada de decisões estratégicas. O cerco do Porto iniciado em 1832 durou até o final de 1833. De cada dois voluntários um morreu e as vítimas civis foram inúmeras, mas o exército miguelista registrou maiores baixas. Finalmente o embaixador dos liberais, D. Pedro de Souza Holstein, conseguiu o apoio inglês que D. Pedro tanto necessitava com cinco navios de guerra, marinheiros, artilharia e soldados treinados que chegaram ao rio Douro. A capitulação só veio em 1834 e D. Miguel, de acordo com os termos de rendição, pode sair em segurança. D. Pedro deixou como legado a constituição liberal que seria usada até 1910, ano da Proclamação da República do país. Ele impediu a vingança dos liberais, permitindo que o irmão fosse para o exílio seguro, concedendo anistia aos adversários. Porém o povo português não se conformou com sua atitude pacífica e revidou com violência. “Certa noite, ao chegar ao teatro São Carlos, em Lisboa, D. Pedro foi cercado pela multidão enfurecida, que atirava lama e pedras em sua carruagem... A platéia o recebeu com demorada vaia... A glória alcançada nos campos de batalha cobraria dele um preço altíssimo, ainda maior do que já havia pago ao abdicar o trono brasileiro em 1831: a própria vida.”


D. Pedro morreu junto à esposa em 24 de setembro de 1834, quando iria completar 36 anos. Ele considerava-se saudável, mas na verdade sofria de epilepsia, alimentava-se mal e era hiperativo. Sofria de deficiência renal, vomitava muito e havia contraído diversas doenças venéreas. “D. Pedro enfrentou a morte como viveu, mantendo um ritmo intenso de atividades.” Sonhara que morreria em 21 de setembro, errou por horas apenas. Esse homem agonizante, no palácio de Queluz, promoveu várias reuniões com deputados, pediu providências, deu conselhos e homenageou a todos que o haviam ajudado. Decretou, também, a maioridade da rainha D. Maria II. Queria um enterro sem honrarias, um acontecimento bem simples. O pequeno futuro imperador do Brasil recebeu duas cartas de Portugal. A primeira enviada pela madrasta comunicando o falecimento do pai e uma mecha de cabelo do mesmo, que gostaria de ter nos momentos de dificuldade. Outra de José Bonifácio, honrando os feitos de D. Pedro. Na cidade do Porto e em Lisboa estátuas homenageiam esse personagem intrigante. Esses monumentos não retratam o jovem D. Pedro, pois as feições são austeras e ele parece mais velho. “Curiosamente, os portugueses de hoje tampouco sabem a respeito do jovial príncipe quase imberbe que fez a Independência brasileira.” Na primeira metade do século XX mais de um milhão de portugueses migraram para o Brasil. Seus descendentes formam um contingente de 25 milhões de pessoas. Nos anos noventa, o movimento foi inverso, como tudo na história. Brasileiros migraram para Portugal e eram constituídos de dentistas, publicitários, enfermeiros e administradores de empresa, totalizando cerca de 120.000 pessoas. Hoje em dia, finalizando um acordo de “Reino Unido”, existem cerca de setecentas empresas portuguesas em nosso país, sendo o relacionamento entre Brasil e Portugal consistente e duradouro.