segunda-feira, 9 de julho de 2018

MATILDA DE ROALD DAHL




MATILDA LIVRO INFANTIL DE ROALD DAHL

Uma pausa para dar voz a uma menina de 8 anos, Betina Malheiros Horemans, minha neta de 8 anos que queria publicar um resumo do livro Matilda, que leu há vários meses. O relato, gramática, pontuação são feitos por ela. Minha parte foi apenas digitar. Betina não tinha o livro em mãos, portanto o trabalho é fruto de sua memória.


Esse livro infantil conta a história de uma menina de um ano de idade. Os pais só ligavam para aparelhos eletrônicos e TV. Aos dois anos já sabia cuidar de si mesma. Fazia
panquecas sozinha. Todas as tardes, sua mãe ia jogar bingo e Matilda ia à Biblioteca explorar
os livros. Seu irmão ia à escola todas as tardes e o pai ia vender carros roubados por preços altos.
Quando acabou de ler todos os livros infantis partiu para livros adultos de aventura. A Srta. Fleeps ajudava a escolher livros adultos.Quando tinha três anos de idade já sabia ler e escrever.
Foi para a escola quando já tinha cinco anos. A diretora era malvada e na sala dela havia um armário chamado Sufoco onde colocava crianças porque as achava "idiotas". A professora chamava-se Srta. Mel e se importava com cada aluno. As crianças estavam aprendendo a tabuada do dois, quando a professora Mel disse "Daqui a pouco vocês vão multiplicar 987x450!!" "kkkkkkkkk" Então Matilda disse: "O resultado é ... 444.150, acho que é o resultado". A professora Mel ficou perplexa e disse: "Só um minuto". E foi à sala da diretora contar sobre Matilda. No fim da aula, a professora Mel perguntou à Matilda se queria tomar chá com biscoitos na casa dela. Ela aceitou. Chegando em casa passaram pela casa da diretora e a professora contou que era sobrinha da Srta. Taurino, a diretora da escola. Contou que tinha tesouros como uma boneca de porcelana, que ganhara de sua mãe e uma caixa de chocolates que o pai sempre pegava um bom-bom, cortava pela metade e sempre dava o pedaço maior. Matilda disse: "Vamos pegar os seus tesouros." "Não, Matilda." Vocês sabem que  quem já viu o filme sabe que a diretora tinha comprado um dos carros do pai, os quais não duravam mais do que 150 km. O carro quebrou e a Taurino entrou na casa, viu a caixa de chocolates aberta e sentiu o cheiro de criança. Começou o maior bololô dentro da casa. Enfim, Matilda e a professora Mel conseguiram sair sã e salvas!Todas as tardes Matilda ia tomar chá com a professora. Então, Matilda descobriu que tinha poderes. Já que amava a sua professora, resolveu ajudá-la em uma das aulas que teve com a Taurino. Escreveu na losa com seus poderes: Agatha aqui é o Magnus. Magnus era o pai da Srta. Mel, que havia morrido. Agatha devolva os salários de minha abelhinha. Devolva a casa de minha abelhinha. Depois suma daqui, senão apago-a como você me apagou. Então a diretora desmaiou, fora da sala. Crianças pegaram seus lanches e começaram a jogar na diretora. A diretora nunca mais apareceu... Em uma das tardes que Matilda ia à casa da professora o pai foi descoberto pela polícia e foram buscá-la. "Vamos, Matilda, o voo já vai partir. Ela respondeu:"Quero ficar com a senhorita Mel!" "Por que ela iria  te querer?" Srta.Mel disse:"Porque ela é uma criança maravilhosa." Nós não temos documento de adoção ". "Temos sim," "Como?"
"desde que aprendi a tirar xerox. É só assinar. Os pais assinaram e Matilda encontrou uma família feliz com a Srta. Mel.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

13 DESENCONTROS E UM EPÍLOGO
WALTER WEISZFLOG




Esse delicioso livro de contos tem um estilo europeu (Chekhov- Weiszflog?). Trata-se de pequenos contos sobre o cotidiano da vida de pessoas, que ocasionalmente frequentam o querido Clube Pinheiros. Mas esse cotidiano pode ser tão imprevisto... Pessoas de classes sociais diferentes, interesses diversos e, em seguida, um fim inesperado. Esse é o ponto chave de um conto bem escrito e aqui temos, em todos eles, o desenrolar das mais diversas e surpreendentes histórias, apesar da singeleza das vidas descritas. Livro divertido, contudo comovente. O título é absolutamente perfeito, Treze Desencontros e um Epílogo. E a vida não é assim? Recomendadíssimo.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

1889
COMO UM IMPERADOR CANSADO, UM MARECHAL VAIDOSO E UM PROFESSOR INJUSTIÇADO CONTRIBUÍRAM PARA O FIM DA MONARQUIA E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA


LAURENTINO GOMES


“A proclamação da República foi o resultado mais do esgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais e da campanha republicanos.” “Durante 67 anos, o Império Brasileiro funcionou como um gigante de pés de barro...” “Nesse Brasil de faz de conta, destacava-se uma nobreza constituída, em sua maioria, por fazendeiros donos ou traficantes de escravos. Eram eles os sustentáculos do trono que, em contrapartida, lhes conferia títulos de nobreza não hereditária, tão efêmera quanto a própria experiência monárquica brasileira.”



1.       O príncipe e o astronauta
Nas últimas semanas de 1889 estava ancorado, na capital do Ceilão, o navio brasileiro, Almirante Barroso, para fazer a circum-navegação do globo terrestre. Seu comandante, Custódio José de Mello, ao atracar recebeu um telegrama inquietante – “Brasil República. Bandeira mesma sem coroa...” O governo de D. Pedro II havia sido derrubado, tendo sido a mais duradoura monarquia da América Latina durante 67 anos. O monarca fora enviado para a Europa com a família e o país encontrava-se nas mãos de um marechal doente e idoso, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca. A bandeira era a mesma, mas desapareceria a coroa imperial, sendo substituída por uma estrela vermelha, a mesma do Partido dos Trabalhadores. A bordo do navio encontrava-se o príncipe dom Augusto, segundo-tenente. Era filho de Leopoldina e neto de D. Pedro II.  Estava sem pátria assim como o astronauta russo em 1991, Sergei Krikalev, que permaneceu em órbita inúmeros dias em virtude do desmantelamento da antiga União Soviética. Dom Augusto comunicou-se com o avô por telegrama e este respondeu: - “Sirva o Brasil, seu avô Pedro.” Contudo o príncipe desembarcou no dia 20 de dezembro, seguindo para a França, junto aos familiares. Morreu na Áustria aos 32 anos.
2.       O golpe
Medeiros de Albuquerque foi enviado a São Paulo pelo jornalista Aristides da Silveira Lobo para avisar as lideranças republicanas da cidade que uma revolução estava para estourar na capital a qualquer momento. O advogado Francisco Glicério de Cerqueira Leite recebeu a carta e reuniu-se com Campos Salles e o mineiro Bernardino José de Campos Júnior. Os três maçons passaram a noite “preparando um código secreto de comunicações a ser usado por Glicério quando chegasse ao Rio de Janeiro.” A conspiração rondava pelos meios eruditos da capital e principalmente nos quartéis do Exército, onde a rebelião contra o governo era mais profunda. O desejo era a República no lugar da Monarquia. Todos concordavam que para a revolução ter êxito seria necessário o uso de armas. Era preciso comover os ânimos dos quartéis, estocar munição e armamento e ter um plano detalhado para o golpe que aconteceria em breve. Benjamin Constant queria saber do destino de D. Pedro II. As repostas foram curtas: “Exila-se.” e se resistir “fuzila-se” disse Joaquim Inácio Cardoso, avô de Fernando Henrique Cardoso. O imperador seria despachado para o exílio; foi a palavra final. Entre os republicanos civis a agitação também era geral. Artigos de jornais do baiano Rui Barbosa e o fluminense Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiúva aclamavam abertamente a República. Todavia eram raros os civis que conheciam a verdadeira movimentação dos quartéis. Já no Rio de Janeiro, Glicério encontrou-se com Deodoro da Fonseca, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Benjamin Constant, major Wandenkolk e o capitão de fragata Frederico G. Lorena. Com 62 anos de idade e herói da Guerra do Paraguai, Deodoro “era o depositário de todas as esperanças dos conspiradores republicanos.” Contudo estava muito doente e passava dias na cama, não podendo sequer vestir sua farda. Não conseguia falar e seu peito arfava. Obviamente, ele não gostaria de assumir a liderança desse importante movimento para o Brasil. A opção da proclamação da República era desanimadora. O encontro de 11 de novembro foi bastante tenso e preocupador. Benjamin afirmava que era necessário derrubar o ministério e trocar o regime. Era necessário proclamar a República. “Está provado que a Monarquia no Brasil é incompatível com um regime de liberdade política”, disse Benjamin. A ação deveria cobrir a destruição da Monarquia e a proclamação da República, seguindo para os quartéis e entregando o governo ao poder civil. Com uma crise de dispneia, Deodoro expôs: “Eu queria acompanhar o caixão do imperador que está velho e a quem respeito muito”, para perplexidade de todos. Finalmente acrescentou: “... façamos a República. Benjamin e eu cuidaremos da ação militar...” O sinal viera e cada um deles voltou para casa a fim de organizar a revolução, cuja data exata ainda não fora escolhida. Na tarde de 14 de novembro Deodoro ainda poderia morrer e tudo se evaporaria. Eles acabariam tirando o marechal da cama contra sua vontade. Os rumores foram espalhados pela rua do Ouvidor, chegaram rapidamente aos quartéis “e colocou em andamento a máquina da revolução.” Floriano Peixoto, monarquista e seguidor do governo do visconde Ouro Preto, encontrava-se agora envolvido com os republicanos.  As possibilidades de negociação não existiam mais e era hora de ação. Colocou-se a frente dos revoltosos.  Também estavam rebelados o Primeiro e Nono regimento de Cavalaria e o Segundo regimento de Artilharia. Floriano limitava-se a dizer que “tomaria as providências necessárias”. Às três horas da madrugada Ouro Preto transferiu-se para o Arsenal da Marinha e despachou um telegrama ao imperador, que estava quase tão debilitado quanto Deodoro. Até então a Marinha estivera mais fiel ao governo imperial do que o Exército, foco da rebelião. Nada havia sido feito para proteger o ministério. Despachou um segundo telegrama: “Senhor, dois batalhões revoltados. Venha. Ouro Preto”. A movimentação das tropas também era surpresa para os republicanos e para o próprio Benjamin, que se encontrava em casa dormindo. Então, despachou o tenente Pena para avisar os civis Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo e os comandantes Wandenkolk e Frederico Lorena, da Marinha. Seguiu ao encontro de Deodoro, que prometeu juntar-se a eles assim que melhorasse um pouco. Como queriam depor o governo, as tropas marcharam sem bandeira alguma. Estudantes também foram convocados. A adesão imediata. Como Deodoro encontrava-se muito mal, voltaram para seus alojamentos e não puderam testemunhar o fato. Grande parte dos soldados golpistas não sabia que pretendiam derrubar a Monarquia. No dia 15 de novembro, Deodoro consegue comandar as tropas, como por milagre, contra a vontade de sua esposa. Fraco seguiu em charrete até o fim da jornada. No Campo de Santana, montou a cavalo e transfigurado assumiu o “lugar na sela do baio número 6”. Agora, com voz firme, começou a organizar as tropas. Havia seiscentos homens aramados, dezesseis canhões em frente ao quartel onde estava Ouro Preto e seus ministros. Sem que soubessem, o general José de Almeida Barreto havia se comprometido com os republicanos. Não gostando do que via, Deodoro mandou que saísse imediatamente. Começaram a aparecer civis como Quintino Bocaiúva, também a cavalo. Floriano Peixoto mantinha-se em controle total, como se não soubesse de nada. O ministro da Marinha vem juntar-se ao ministério, no interior do edifício. Os tenentes Adolfo Pena e Lauro Müller prenderam o barão de Ouro Preto, por ordem do marechal Deodoro da Fonseca.  No último telegrama a Dom Pedro, Floriano acrescenta: “... não há possibilidade de resistir com eficácia, deponho nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido de demissão. A tropa acaba de confraternizar com o Marechal Deodoro, abrindo-lhe as portas do Quartel.” Dom Pedro II recebeu o telegrama do visconde por volta das onze horas da manhã. Decidiu retornar ao Rio de Janeiro, em um trem especial, direto ao centro da cidade. Enquanto o trem descia a serra o clima era de desolação entre os monarquistas e de confraternização entre os republicanos. Deodoro subiu ao salão dos ministros e fez-se silêncio profundo quando de sua entrada ao local. “De pé, diante do ministério, Deodoro fez um discurso permeado de queixas”.  Explicou que estava doente, mas assumira o comando das tropas por não ser homem de recuar em perigo algum, como já fizera na Guerra do Paraguai. “Temia somente a Deus.” Demitiu todo ministério e um novo governo seria organizado “de acordo com uma lista de nomes que ele próprio levaria ao imperador.” “Fatos e mitos se misturam nessa batalha pela verdade histórica.” Deodoro nunca negou ter dado um viva a D. Pedro II, saudação oficial, entretanto a história oficial tenta ocultar o acontecimento. Ouro Preto e Cândido de Oliveira foram presos até segunda ordem, naquele momento. O barão se submete à força do marechal. Deodoro monta no cavalo e desfila pelo centro da cidade. Aníbal Falcão sentenciou: “Agitem o povo. A República não está proclamada!” Deodoro, exaurido, chega a casa e “A República teria de esperar.” Aníbal Falcão correu para o jornal e em companhia de José do Patrocínio e outros dois líderes republicanos, “redigiu às pressas a única proclamação formal de República ouvida naquele dia.” A moção era endereçada aos “Senhores representantes do Exército e da Armada nacional.” O povo havia abolido a Monarquia no Brasil e o governo tornara-se republicano. Nos abaixo-assinados estavam “convencidos de que os representantes das Classes Militares, que virtualmente exercem as funções de governo no Brasil, sancionarão este ato.” O povo em massa era apenas alguns jornalistas e intelectuais! José do Patrocínio era filho de um padre com uma escrava e considerado um personagem controverso, pois era fiel à princesa Isabel e deu-lhe o título de A Redentora, após a assinatura da lei Áurea. Formou uma guarda negra com o objetivo de protegê-la e ao Terceiro Reinado. Contudo isso não foi suficiente para que se juntasse aos revolucionários.  Na improvisada cerimônia da proclamação cantou-se a Marselhesa e hasteou-se uma bandeira similar à dos Estados Unidos, com as cores verde e amarelo. Após a cerimônia na Câmara Municipal, encaminharam-se à casa de Deodoro com o fim de entregar-lhe a moção redigida no jornal de José do Patrocínio. Quem os recebeu foi Benjamin Constant, pois o marechal estava de cama, afirmando que “o governo provisório saberá levar em conta a manifestação da população do Rio de Janeiro... a nação seria consultada sobre a troca de regime.” Esse plebiscito ocorreu em abril de 1993, vencendo a República, 103 anos depois.
3.       O império tropical
Quando da proclamação da República, o Brasil era um país de analfabetos, tanto entre os brancos e mais ainda entre os negros, número superior a 99%.  A agricultura era responsável por 70% das riquezas nacionais e oito em cada dez brasileiros moravam no campo. O café era o principal produto exportado, 60% da produção mundial. O Brasil tinha fronteiras definidas, com exceção de um trecho da região do Rio da Prata e do Acre. As guerras para manter as fronteiras resultaram em um sentimento de unidade nacional. Nossos símbolos foram valorizados. A Lei Áurea de 13 de maio de 1888 pôs fim a quatro séculos de escravidão e o exército se fortalecera. A presença política deste seria decisiva para a proclamação da República e queda da Monarquia.  As regiões mais distantes nessa época já estavam mapeadas graças às novas tecnologias de comunicação e transporte. Havia o correio e o telégrafo. A navegação costeira a vapor de 1838 reduzia a viagem entre o Rio e outros estados e até ao estrangeiro. Em 1874 o primeiro cabo submarino ligava o Rio de Janeiro à Europa. Outros estados se rearranjaram com novas capitais. O porto carioca era o mais movimentado do país, porém a cidade de São Paulo era a que mais crescia, com 239.820 habitantes no Censo de 1900. A vinda de novos imigrantes estrangeiros que chegavam para substituir a mão de obra escrava foi um fator propulsor de aumento da população. Na Amazônia ocorria a febre da borracha. “... transformando os seringais da Amazônia brasileira em um imenso eldorado verde.” Nas capitais as ruas centrais eram iluminadas por lampiões a gás. Os jornais proliferavam com circulação mais rápida de notícias. Nos últimos dez anos do Império o telefone chegou a São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre. Os bondes elétricos chegaram em 1892 e todos andavam de bonde, inclusive as grandes autoridades brasileiras. Mulheres e homens vestiam-se pelos figurinos francês e inglês. Outra novidade eram as “machinas de escrever”. Almoçava-se às dez horas da manhã e jantava-se às quatro da tarde. Havia uma ceia às oito horas. “Um prato típico era composto de sopa, bife, arroz com galinha, feijão, farinha, marmelada ou doce de figo, frutas. A vida noturna era animada.” Os teatros sempre lotados. O Rio de Janeiro era também uma cidade muito barulhenta. Além disso, havia sujeira e desordem, observou uma professora alemã. Ali funcionava o Imperial Colégio D. Pedro II, criado em 1837, o principal do Brasil. Obtinha-se o diploma de bacharel de Letras, podendo-se matricular automaticamente na Faculdade de Direito de São Paulo e de Recife. O imperador acompanhava pessoalmente essas provas. Sob um clima abrasador as pessoas se vestiam como se fossem europeus, observou o jornalista francês Max Leclerc. Acrescenta ainda que “a municipalidade não garante o saneamento adequado da cidade, periodicamente assolada pela febre amarela.” Durante o verão os ricos e poderosos mudavam-se para Petrópolis, com um clima mais ameno. A vida social era bastante agitada. “Essa ilha de sofisticação europeia estava plantada no meio de uma densa e luxuriante mata tropical brasileira...” O percurso era feito em duas horas, nos vagões da estrada de ferro Mauá. Essa ferrovia foi feita pelo homem mais dinâmico do Segundo Reinado, barão de Mauá. Possuía fábricas, bancos e estradas de ferro. “Mauá advogava a industrialização acelerada do Brasil.” Um homem de grande visão. Perto dos países europeus e dos Estados Unidos estávamos engatinhando na indústria. Mauá infelizmente foi à falência em 1875, com dificuldades de financiar seus projetos, pois o Império continuaria a investir na agricultura.  Era a sustentação do império tropical até “pelo menos meados do século XX.” A aristocracia rural é que mandava em tudo. “O Brasil é o café, e o café é o negro!”
O eixo financeiro do Brasil nos primeiros duzentos anos de colonização se concentrava no Nordeste, ciclo do açúcar, depois foi a vez de Minas Gerais, com ouro e diamante, durante o princípio do século XVIII. Finalmente o ciclo do café provoca alterações do eixo econômico no país. Francisco de M. Palheta, sargento-mor do Pará, contrabandeou as primeiras sementes e mudas de café, planta da Etiópia, cultivada na Guiana Francesa. Aclimatadas em Belém do Pará as mudas chegaram entre Rio de Janeiro e São Paulo, no Vale do Paraíba. Acompanharemos a febre do “Ouro Verde”, pois o cultivo na época da Independência era de 18% e, em 1889 vai para 68%, ou seja, 5,5 milhões de sacas em 1889 contra 18% do total da exportação de antes. A primeira intervenção foi a enorme transferência de escravos do Nordeste para o Sul e Sudeste do Brasil, através da venda dos escravos ociosos dos senhores de engenho. A segunda intervenção foi a chegada de “centenas de milhares de imigrantes europeus.” Com a proibição do tráfego negreiro o preço dos escravos disparou e a imigração tornou-se urgente. Entre 1886 e 1900 São Paulo acolheu um milhão de imigrantes europeus. “O estado de São Paulo sozinho concentrou mais da metade dos imigrantes, 529.187 no total.” O latifúndio improdutivo necessitava de um imposto territorial para acabar, segundo os abolicionistas Joaquim Nabuco e André Rebouças. “Acabar com a escravidão não basta; é preciso destruir a obra da escravidão.” O governo imperial resistiu a isso e ele nunca foi aprovado no Congresso. A imigração além de tardia foi feita de forma improvisada. Em 1846, quando iniciou o assentamento, os colonos assinavam um contrato pelo qual o fazendeiro se comprometia a pagar as passagens de navio, transporte e alimentação até o local de trabalho. Teriam de trabalhar até ressarcir inteiramente o proprietário, pagando juros de 6% ao ano.  Isso os colocava na situação de escravos brancos. Em 1857 uma revolta dessas pessoas eclodiu na fazenda Ibicaba. Esses imigrantes, quase todos, voltaram e escreveram denunciando o golpe da imigração para o Brasil. A culpa cabia tanto aos fazendeiros como ao governo imperial. “O Império era imenso, diversificado, complexo, difícil de administrar.” Apesar das imensas riquezas naturais, “havia escravidão, analfabetismo, isolamento e rivalidades políticas regionais.” Com a partida de D. Pedro I, houve um lapso de poder no Império, pois seu filho tinha apenas cinco anos e o país seria governado por regentes, entre os anos de 1831 e 1840. Organizou-se uma Guarda Nacional, sob controle civil, no lugar do exército. Vinte e duas revoltas regionais agitaram o país. Os pobres não entendiam as reformas e eram distantes do mundo, segundo Boris Fausto. Revoltas dos Cabanos, em Pernambuco e Alagoas; no Pará, a Cabanagem; no Maranhão a Balaiada; na Bahia a Revolta do Malês e a Sabinada; Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, que mais ameaçou a integridade nacional. “As rebeliões mostravam que o experimento político brasileiro pós-abdicação do imperador D. Pedro I era instável demais para ser deixado à própria sorte.” Cada província buscava a sua independência. Houve o movimento do Regresso para que tudo voltasse ao normal, então se iniciou uma campanha pela “antecipação da maioridade de Pedro II, a essa altura um adolescente ainda imberbe.” Pela Constituição teria de esperar até 18 anos. Então reformaram a lei antes de coroá-lo. O marquês de Itanhaém, seu tutor, concordou com a ideia. O projeto derrotado chegou às ruas.  No dia 22 de julho de 1840, o rapazote Pedro teria respondido: “Quero já.” Com o golpe da maioridade começava o Segundo Reinado, apenas interrompido com o advento do golpe da República, em 15 de novembro de 1889. 
4.       A miragem
De todos os raros monumentos históricos do Brasil, o mais representativo deles é a cidade imperial de Petrópolis, para onde a corte se locomovia no verão. Todos os edifícios importantes lembravam uma corte europeia do século XIX. A nova Petrópolis é mediana, moderna e “sem imaginação.” “Euclides da Cunha – engenheiro, escritor, ativista republicano em 1889 e autor de Os Sertões... certa vez definiu o Brasil como “O único caso histórico de uma nacionalidade feita por uma teoria política”. As instituições nacionais, segundo Euclides, “baseavam-se em conceitos políticos e filosóficos importados de fora” e nada tinham a ver com nosso país, um território imenso, pobre, atrasado e pouco habitado. Os raros aristocratas mandavam seus filhos estudar na Inglaterra ou França, adquirindo ideias modernas, mas seus pais tiravam a riqueza da mão de obra escrava. Para José M. de Carvalho “A elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos.” Nossa primeira Constituição de 1824 era uma das mais modernas na definição dos direitos individuais e na liberdade de imprensa, porém não mencionava a existência de escravos. Pobres, analfabetos e escravos constituíam a maioria do país e “as divergências regionais eram enormes.” A ex-colônia portuguesa “preferiu se congregar em torno do imperador D. Pedro I como forma de evitar o caos de uma guerra civil ou étnica que, em alguns momentos, parecia fatal.” Tínhamos uma nobreza tropical e, aqui, as honrarias terminavam com a morte de seus detentores. A distribuição de títulos não passava de uma troca de favores entre o imperador e os senhores da terra. Recebiam privilégios nos negócios públicos e títulos de nobreza. Essas honrarias eram maiores em momentos de crise, para angariar apoio. Quando Napoleão Bonaparte invadiu Portugal, ficaram muito fragilizados. Até 1889 foram distribuídos 1.400 desses títulos. Heitor Lyra criticava: “Estamos todos marqueses! “O primeiro reinado fez 150 nobres. Tivemos apenas dois títulos de duque. Isabel Maria e Luís Alves de Lima e Silva, duque de Caxias. Esses títulos custavam uma fortuna aos agraciados, que era arrecadada pelo Tesouro imperial. O estado imperial era forte e centralizado. O custo da máquina pública era enorme e o governo não tinha como pagar seus gastos, tomando emprestado da Inglaterra 10 milhões de libras esterlinas. A presença do Estado em quase tudo aumentou o “empreguismo público” que chegava, em 1889, a 70% das despesas governamentais. Nos Primeiro e Segundo Reinados tivemos 40% de nossos senadores com títulos de nobreza! “Entre os presidentes do Senado, a proporção de nobres era ainda maior, 80% do total.” Comentou Emília V. da Costa: “A sociedade brasileira estava permeada de alto a baixo pela prática e pela ética da patronagem.” Poetas e escritores como Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompéia, Carlos Gomes e Gonçalves Dias eram funcionários públicos! Quando os artistas vinham da Europa traziam modelos artísticos e iconográficos que nada tinham a ver com nosso país e nossa realidade. Os negros e mulatos, onipresentes no nosso dia a dia, eram ignorados e só começaram a aparecer nos trabalhos de Aluísio de Azevedo, Tobias Barreto, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. A história também era distorcida, nascendo a “história oficial”, enaltecendo certos heróis nacionais que vingaram até hoje. A Câmara dos deputados era renovada a cada quatro anos. Havia 120 deputados e as eleições eram de fachada, com roubos e fraudes. Por outro lado, ninguém poderia ser preso sem culpa comprovada. Nosso direito de liberdade de expressão era compatível com os países mais desenvolvidos. “Na prática, a execução da lei dependia dos chefes locais”, que agiam de acordo com seus interesses. “O braço da justiça não é nem bastante longo nem bastante forte para abrir as porteiras das fazendas”, escreveu Joaquim Nabuco em 1886. No Segundo Reinado tínhamos o partido Liberal e o Conservador. Os Conservadores eram mais fortes no Nordeste. Os Liberais no Sul e Sudeste, principalmente em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Defendiam uma maior descentralização em favor da autonomia regional. “Ambos refletiam mais rivalidades regionais do que programas distintos de governo.” O imperador podia nomear e demitir livremente os seus ministros, dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições parlamentares. O imperador brasileiro era “um monarca absoluto à moda antiga!” “Na realidade, a formação do governo dependia mais da vontade do imperador do que do resultado das urnas. Em geral, usando os privilégios do Poder Moderador, dom Pedro II primeiro dissolvia a câmara e depois nomeava o chefe de gabinete, cujo ministério se encarregava de assegurar a vitória nas urnas mediante a corrupção e o ataque aos adversários.” Gravíssimo. O que faltava nas vésperas da Proclamação da República era um povo que fosse bem organizado, povo de trabalhadores e pequenos empresários independentes. Nas eleições para a constituinte de 1823, para ser eleitor precisava ser do sexo masculino, proprietário de terra, com idade mínima de 20 anos. Estavam excluídos as mulheres, escravos, índios, assalariados, estrangeiros e quem não fosse católico! Em 1824 aumentou a restrição de idade para 25 anos e se introduziu o critério de renda mínima para os votantes! Em 1846 uma lei “dobrou a renda mínima dos eleitores para 200 mil réis. Era muito...” Em 1881, José Antônio Saraiva estabeleceu o voto direto para as eleições legislativas. “A manutenção do envolvimento popular em níveis baixos foi um traço constante da lógica do sistema político”, afirmou José Murilo de Carvalho. “Essa lógica se manteria nas primeiras décadas do regime republicano, também caracterizado pelo diminuto número de votantes.” “Fracassaria, no entanto, no segundo e maior desafio, o de forjar uma nação capaz de integrar todos os brasileiros em “um corpo sólido e político” – segundo José Bonifácio”. A construção da cidadania fora por água a baixo.
5.       Dom Pedro II
Dom Pedro II governou o Brasil por 49 anos, três meses e 22 dias. Nessa época, só a rainha Vitória da Inglaterra permaneceu mais tempo no trono: 63 anos, sete meses e dois dias. Quando assumiu o poder tinha quinze anos incompletos. Aos 64 anos, quando deposto, era um homem de barbas brancas, envelhecido e muito cansado. Sofria de diabetes o que o tornava refém dos médicos e outras pessoas. Mas deixou um belo legado. A unidade do país fora alcançada e a escravidão abolida. A Constituição havia permanecido, sem rupturas, e a nação mais ou menos estável, bem diferente dos seus vizinhos da América do Sul.  Dom Pedro II era um homem tímido e se deixava fotografar sempre de preto e com um livro nas mãos. Certa vez escreveu à amiga condessa de Barral: “Cada vez me reconheço mais que sei muito menos do que muita gente e que não é pela inteligência que me distingo, muito embora a perseverança tudo possa aprender.” Pedro era o sétimo filho de Pedro I e Leopoldina, que só tinham tido filhas. Leopoldina morreria no ano seguinte, tendo sido maltratada pelo marido. D. Pedro II começou a se destacar com a abdicação do pai, Pedro I, o qual zarpou para a Europa. Deixava para trás D. Pedro II, de cinco anos, junto às irmãs mais velhas. Nunca mais se veriam, mas tinham uma correspondência cheias de emoções e sofrimentos até a morte do pai, três anos depois. O Brasil encontrava-se com problemas sérios devido às revoluções regionais desse período da Regência, acreditando-se que as chances de o manter unido eram muito pequenas. Segundo o botânico Auguste de Saint-Hilaire “Este menino é o único entre os brasileiros que liga o presente ao passado.” Seguia uma rotina diária junto ao tutor bastante severa. Tinha frei Pedro de Santa Marina como orientador espiritual e professor de latim e matemática. Em 1838 era considerado um aluno excelente e disciplinado, falando seis línguas. Estudou grego, latim, hebraico, russo, árabe, sânscrito e tupi-guarani. Como o pai, Pedro I, sofria de epilepsia e sua saúde era bastante precária. Seu nervosismo era certamente carência afetiva. Sem mãe e madrasta apegou-se a Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, futura condessa de Dadama. Foi um menino e jovem que precisou se envelhecer precocemente. Tinha 1,90 metros de altura e a cabeça grande em desacordo com sua voz fina e aguda. A sua cerimônia de coroação durou nove dias, encerrada com um baile de gala no Paço da Cidade. Seu cetro tinha 1,76 metros de altura maior do que o jovem imperador. A coroa pesada de dezesseis polegadas foi feita especialmente para a cerimônia. “Como me custa um cortejo, como mói” escreveu em seu diário o menino imperador. Antes de completar dezoito anos teve de casar-se com Teresa Cristina Maria, quase quatro anos mais velha do que ele. Descendia dos Habsburgo e dos Bourbon, importantes casas imperiais da Europa. Ela era feia, baixa, rechonchuda, mancava de uma perna e tinha cabelos lisos e negros partidos ao meio. D. Pedro, como primeira reação, a rejeita e passou várias semanas tratando-a com glacial indiferença. Manteve com ela uma relação morna e protocolar e Teresa, ao contrário, apaixonara-se imediatamente por ele. Teve dois filhos homens que morreram e “restou a D. Pedro uma descendência só de mulheres.” Izabel era a mais velha e herdeira do trono, nasceu em 1846. Contudo, fora do casamento, teve uma vida amorosa movimentada com quatorze namoradas, entretanto era bastante discreto, conseguindo preservar a figura de bom marido. Várias dessas paixões foram platônicas, apenas. Um desses relacionamentos foi bastante importante. Era com Ana Maria Cavalcanti de Albuquerque, condessa de Villeneuve mulher do conde e dono do Jornal do Commercio. Numa das correspondências ela escreveu “Eu te amo e sou tua de toda a minha alma.” Ana Maria era nove anos mais nova que D. Pedro II. Todavia nenhuma dessas paixões pode ser comparada com a da baiana Luísa Margarida Portugal de Barros, condessa de Barral, esta nove anos mais velha do que ele.  Seus cabelos lisos e quase grisalhos davam-lhe um ar de grande sofisticação. Falava alguns idiomas, pois havia passado parte de sua vida na Europa. Seu pai, além de deputado, foi o primeiro embaixador brasileiro em Paris, após a Independência. Casou-se m 1837 com um nobre francês. Em 1856, foi contratada para supervisionar a educação de suas filhas. Aí começaria uma paixão que se prolongaria até o fim da Monarquia brasileira. Eram almas gêmeas, observou Mary Del Priore. Foi sua mais íntima confidente até o fim da vida, magoando muito a imperatriz brasileira, que fingia não ver esse relacionamento. “Dom Pedro e a condessa morreram no mesmo ano, 1891, ela em janeiro, ele em dezembro, sem nunca deixar de se corresponder e se encontrar quando as viagens permitiam.” Dom Pedro viajava muito dentro do Brasil, principalmente para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O Rio Grande do Sul era sua preocupação, pois acabara de se reintegrar ao Império depois da Revolução Farroupilha. Percorreu o interior do Rio de Janeiro, reinado dos barões do café. Visitou o Nordeste e na volta passou pelo Espírito Santo. Ao exterior foi em 1871, onde visitou a Europa e Oriente Médio. Chegando a Lisboa, Eça de Queiroz o chamou de “Pedro da Mala”, por causa de uma pequena valise de couro escuro, que sempre levava durante suas viagens. Admirou, também, seu relacionamento com o povo nas ruas. Não gostava que o tratassem de Vossa Majestade, era Pedro de Alcântara, somente. “As viagens ao exterior incluíram diversos países europeus, Estado Unidos, Egito, Grécia, Jerusalém e outras localidades da Ásia Menor. Herdou da mãe a paixão pela ciência e livros, do avô o gosto por carne de frango e como o pai, comia depressa. As reclamações dos convidados eram frequentes, pois deveriam sair da mesa junto com ele e às vezes não haviam sequer comido. Era austero no uso do dinheiro público, como seu pai. Seus proventos nunca mudaram durante o Segundo Reinado. Gastava dinheiro para enviar jovens talentosos para o exterior, em bolsas de estudos. Em seu diário anotou: “Nada devo, e quando contraio uma dívida cuido logo de pagá-la... Não ajunto dinheiro.” Queria ocupar seu cargo, não por hereditariedade, mas por esforço. Era incansável, levantando cedo e percorrendo estabelecimentos públicos,  quartéis e estradas. Quando se ausentava do país, deixava instruções à princesa Izabel, com letra miúda e caprichada. Recomendava também tolerância aos adversários políticos internos. “Em resumo, para ele o exercício da política era, sobretudo, uma questão moral, de foro mais íntimo do que público.” “...nosso sistema de governo é o da calma e da paciência... O imperador deve ser o primeiro a respeitar, e fazer respeitar.” Escreveu à condessa de Barral, que “poderia ser mais feliz presidente da República do que Imperador constitucional.”
6.       O Século das Luzes
Em 1876, em comemoração ao centenário de Independência dos Estados Unidos, houve, em Filadélfia, a Exposição Internacional de Arte, Manufatura e Produtos do Solo e das Minas, onde reunia 60 mil expositores de 37 países. Ali se encontravam os produtos de ponta da nova tecnologia, tais como a primeira máquina da escrever da Remington & Sons, um modelo de motor a combustão que Henry Ford usaria para construir seu primeiro automóvel, um sistema de envio automático de mensagens telegráficas de Thomas Edson, inventor da lâmpada elétrica e do fonógrafo. Ali também estava o professor escocês Graham Bell, com 29 anos, e como se inscrevera atrasado, parecia deslocado. Lá se achava D. Pedro II, como convidado especial e ao se encontrar com esse jovem quis saber o que o tinha levado até lá. Acabara de patentear um protótipo do que viria a ser o telefone. “Escoltado pelo imperador do Brasil, por um batalhão de repórteres e fotógrafo e pelos juízes... esgueirou-se pelas escadas...” até o local em que haviam colocado sua invenção. Indo para um lugar distante e os dois em cada ponta de um fio de cobre, com uma delas na boca, pronunciou ao imperador: To be or not to be. Um trecho de Hamlet, D. Pedro II exclamou: “Meu Deus, isso fala! Eu escuto! Eu escuto!” Mais tarde esta seria considerada a maior novidade da feira. O século XIX foi muito importante para as ciências, o pensamento, as invenções, as artes, enfim, para os revolucionários. A independência dos Estados Unidos, em 1776, serviria de inspiração para a Revolução Francesa de 1789. O lema americano era: “Todo poder emana do povo e em seu nome dever ser exercido”. Adviera o início da sociedade organizada. Os franceses pregavam que as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos, Declaração Universal dos Direitos do Homem. Era necessária uma redistribuição de terras, riquezas e privilégios. Passaram a defender a reforma agrária. A burguesia exigia impostos mais justos. Operários melhores salários e se organizarem em sindicatos. “Proletários do mundo, uni-vos” falou o alemão Karl Marx em 1848, durante um Manifesto Comunista. Os brasileiros republicanos foram fortemente influenciados por essas ideais, que trouxeram muito sangue e desespero em países mais desenvolvidos. “Curiosamente, muitas dessas convicções eram compartilhadas pelo próprio dom Pedro II, cujo regime em breve tombaria vitimado pelas transformações do século.” O telefone, por exemplo, foi encomendado por ele e chegaria ao Brasil quatro anos mais tarde, antes de países mais desenvolvidos.  Foi pioneiro também no campo da fotografia e era chamado de “primeiro soberano-fotógrafo”. Foi um homem que, durante sua vida, cercou-se de celebridades artísticas, científicas e intelectuais. Foi amigo de Victor Hugo, apesar de estarem em campos políticos muito diferentes. “O respeito entre eles era tão grande que, ao saber da morte de dom Pedro, em 1891, a filha do escritor fez questão de prestar-lhe homenagens fúnebres.” No início de 1900 as pessoas já se locomoviam de trem, navios a vapor, automóveis e o metrô subterrâneo de Paris transportava 15 milhões de pessoas, no primeiro ano de funcionamento. O avião viria três anos depois, desenvolvido pelos irmãos americanos Wright e na França pelo brasileiro Santos Dumont. O impacto das novas tecnologias foi maior do que dos transportes. O telégrafo, o telefone e as impressoras mecânicas a vapor transformaram a comunicação e informação. “O planeta já era coberto por uma rede de cabos submarinos de 156 mil quilômetros, conectando lugares tão distantes quanto, Inglaterra, Canadá, Índia, Brasil, África e Austrália.” Com um gasto menor na matéria-prima, foi possível o aumento na circulação de jornais e, portanto, de leitores. Assim, bem informados, pressionavam os governos para que agilizassem suas decisões. Tanto liberais e capitalistas defendiam liberdade de mercado e de iniciativa e pouca interferência do estado. Socialistas defendiam o oposto e os comunistas eram ainda mais radicais. “O imperialismo serviu de desculpa para que os países europeus repartissem entre si vastas porções do planeta, em especial a África, em forma de colônias ou mercados dependentes do seu poder econômico e militar.” Suas ferramentas eram as metralhadoras, os fuzis, os trens de carga e os barcos encouraçados. O império britânico tinha um tamanho tão fantástico que nele o sol nunca se punha. Até a Primeira Guerra Mundial, 444 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da população mundial eram súditos da rainha Vitória. Em 1859, Charles Darwin argumentava que todas as espécies vivas da terra tinham evoluído de formas anteriores, através do processo natural, incluindo o homem. O livro colocou em cheque a doutrina da igreja católica. Isso também causou um grande impacto civilizatório. As cidades importantes triplicavam de tamanho em cinquenta anos. “Maior concentração urbana significava maior transformação política.” O resultado foi um grande movimento operário e de sindicatos, na França com a Comuna de Paris. Dostoiévski publicava seu famoso livro Crime e Castigo, com um rapaz que seria o personagem símbolo de um século. “Foi nesse clima de mudança e ruptura que se deu a Proclamação da República no Brasil.”
7.       Os republicanos
Em 26 de fevereiro de 1888, o advogado Antônio da Silva Jardim declarava, em Campinas, que haveria a execução sumária de membros da família imperial brasileira que resistissem à troca da Monarquia pelo regime republicano. Seria o exílio na Europa ou morte em praça pública, como ocorrera na França. Setenta e quatro jornais pregavam abertamente a queda do Império. Alguns republicanos eram mais ponderados que Silva Jardim, como Quintino Bocaiúva, que preferiam esperar o passamento do idoso Imperador. Concluía-se, enfim, que o remate deveria ser revolucionário. Sob o novo regime o poder iria para representantes eleitos pelo povo a fim de servir ao interesse comum, “à coisa pública.” Várias revoltas sangrentas espalharam-se pelo país antes desse momento e eram vistas como movimentos isolados. Em 3 de novembro de 1870 foi criado o primeiro clube republicano do Brasil, no Rio de Janeiro e eram quase todos dissidentes do Partido Liberal. Houve o Manifesto Republicano em 1870, que “lançou as sementes para que iniciativas semelhantes brotassem em outras regiões.” Nos dois anos seguintes, foram lançados 21 jornais republicanos em todo o país. Em Itu, 18 de abril de 1873, aconteceu o mais bem organizado movimento republicano brasileiro, a Convenção de Itu, que tinha “o objetivo de autorizar uma eleição de representantes para um futuro congresso republicano com sede na capital.” Foi presidida por João Tibiriçá Piratininga e secretariada por Américo Brasiliense de Almeida Prado. No dia seguinte os republicanos se encontraram no solar dos Almeida Prado, a fim de discutir “as bases do movimento que lutaria pela mudança do regime.” O cultivo do café fora deslocado do Vale do Paraíba para as terras férteis do oeste paulista, região de fazendeiros republicanos. O francês Louis Couty, professor de ciências agrícolas, diagnosticou: ”Em geral cultivamos hoje a terra como há um ou dois séculos, e o regime de trabalho escravo é a única explicação plausível para esse retardamento da principal de nossas indústrias em acompanhar o movimento das ideias.” Em Campinas, Rio Claro, Itu, Piracicaba, Pirassununga e outras cidades do oeste paulista a situação das novas fazendas era bem diferente. Substituíram o trabalho escravo pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus. Havia máquinas modernas que aumentavam a produtividade e elevavam a qualidade final do produto, com preços melhores do que o de seus concorrentes do Vale do Paraíba, diminuindo os custos. Para esses fazendeiros a República seria a única solução. “O Vale era um baluarte de reacionários, apoiados na tradição, enquanto os fazendeiros paulistas tinham uma consciência empreendedora.” O jornal, Província de São Paulo, que mais tarde mudaria para O Estado de São Paulo, foi lançado assinalando, até hoje, a história da imprensa brasileira. Américo Brasiliense, em 1874, “defendia a descentralização completa do Estado brasileiro, liberdade de ensino e aprendizagem obrigatória, separação entre Igreja e Estado, casamento e registro civil de nascimentos e mortes, secularização dos cemitérios, Senado temporário e eletivo, “eleição direta sobre bases democráticas” e, como meta particularmente desejada pelos paulistas, “presidentes de províncias eleitos por estas”. Os diretores e donos do jornal eram conhecidos chefes republicanos. O grande problema logo surgiria: a escassez de votos. Os candidatos não conseguiam se eleger. Isso ocorria porque o sistema eleitoral do Império era controlado pelos chefes da política local, que mandavam prender os adversários e fraudar as urnas, favorecendo seus protegidos. Em agosto de 1889, durante as eleições, a soma dos votos republicanos em todo Brasil não atingiu mais do que 15% do total de votos. Minas, entretanto, conseguiu eleger dois representantes: Martiniano das Chagas e Gabriel de Almeida Magalhães. Nas outras províncias, nomes bastante expressivos foram derrotados. No Maranhão não tinham candidatos. O partido Republicano estava dividido e só em maio de 1889 elegeu-se o primeiro presidente nacional, o jornalista Quintino Bocaiuva, que era considerado “moderado e tolerante com a política imperial.” A fórmula de República a ser implantada e como chegar a ela era divergente. Os cafeicultores do oeste paulista, parte dos jornalistas, professores, advogados e intelectuais do Rio de Janeiro sonhavam com uma democracia liberal e federalista, como nos Estados Unidos, mas havia os jacobinos, admiradores da Revolução Francesa defensores da República mediante insurreição popular. Outro grupo, os positivistas, seguidores do filósofo francês Auguste Comte pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Eles tinham grande apoio dos militares, onde se destacava “Benjamim Constant, líder da chamada mocidade militar.” Existia também a escravidão, o maior problema da época. Em uma população de 10.821 habitantes, o município de Itu contava com 4.425 escravos! Na opinião de Glicério o objetivo era proclamar a República e não libertar os escravos, que era herança da Monarquia. Pedia aos republicanos que se distanciassem do problema deixando o Império resolvê-lo. Alberto Sales admitia que os africanos eram inferiores, e existia ausência de “desenvolvimento e de consistência” em seus cérebros e que tinham “contribuído para a degeneração racial brasileira.” Um tremendo racismo e preconceito. “São Paulo ficou ainda por mais tempo livre do flagelo” devido ao número relativamente menor de miscigenação racial nas suas lavouras e isso teria tornado o estado “o centro de um notável desenvolvimento moral e intelectual.”! Até a data da proclamação da República esses grupos agiam de forma isolada. O Partido Republicano vislumbrou no Exército uma maneira de apressar a mudança de regime. “... o jornal A Federação, dirigido por Júlio de Castilhos, aproveitaria todas as oportunidades para explorar os ressentimentos e as fissuras abertas entre o comando militar e o governo imperial.” A República acabou se consagrando por um golpe tramado e “executado na calada da noite” e sem participação popular.
8.       A mocidade militar
Em 1879, o estudante cearense José Bevilacqua ficou fascinado com a vida no Rio de Janeiro, com seus bondes, elegantes vitrines, cafés, jornaleiros que apregoavam as últimas notícias, os vendedores ambulantes. Ele vinha, aos 16 anos, de uma pequena cidade do Ceará, sendo o pai mestre de obras e a mãe professora primária.  Os jovens pobres só tinham duas opções para ingressar no curso superior - ser militar ou padre. A Escola Militar da Praia Vermelha no Rio de Janeiro era o lugar mais adequado para formar esses rapazes que tomaram parte tão decisiva na proclamação da República. A mocidade militar, junto com marechais Deodoro e Floriano, os fazendeiros do oeste paulista, jornalistas, advogados e intelectuais republicanos forjariam a República. Euclides da Cunha, com 22 anos, aluno da Escola Militar afirmou que “o republicano brasileiro dever ser, sobretudo, eminentemente revolucionário.” Nessa escola estudava-se muito e os estudantes pobres tinham oportunidade de entrar em contato com novas ideias. Ela era chamada de “O Tabernáculo da Ciência” e seus alunos se identificavam com “os cientistas”, homens “imbuídos da missão de entender e transformar o mundo.” O filósofo francês Auguste Comte foi o pai do positivismo que seduziu “toda uma geração de intelectuais brasileiros na segunda metade do século XIX, em especial no meio militar.” Após a Revolução Francesa houve intervalos de Monarquia e República, sempre acompanhados de banhos de sangue. Posteriormente a derrota de Napoleão, apenas em 1870 haveria a consolidação de uma República na França. O sistema de Comte, com três estágios, era produto da “aplicação dos princípios das ciências exatas nas ciências humanas.” Comte é considerado o fundador da moderna sociologia e dela resultou a expressão “Ordem e Progresso” que está no centro de nossa bandeira nacional. Havendo ordem ela aceleraria o progresso, por meio da ditadura. Seus conceitos chegaram a germinar uma nova religião, a “Religião da Humanidade”. O Deus cristão era substituído pela própria humanidade. O golpe militar de 1964 teria “um eco positivista tardio”.
9.       A chama nos quartéis
“Começou no Piauí o rastilho do incêndio que atearia fogo aos quartéis e botaria abaixo o edifício imperial brasileiro.” A situação se agravou a tal ponto de a Monarquia não ter mais meios de impor a disciplina nos quartéis. Um coronel, Cunha Matos, usou a imprensa para queixar-se do Império e o governo considerou isso uma quebra de regulamento, já que eram proibidos de usar a imprensa. Cunha Matos foi punido com dois dias de cadeia. Esse ato foi considerado injusto por outros oficiais, “em uma reação em cadeia cuja velocidade pegaria de surpresa as autoridades governamentais.” Visconde de Pelotas, o general José Antônio de Correa da Câmara, senador do Partido Liberal saiu em defesa do coronel afirmando que “Matos fora ferido em sua honra militar, no que tem o soldado de mais respeitável. Portanto tinha o direito de se defender pela imprensa.” Esse gaúcho extraordinário havia matado o ditador paraguaio Francisco Solano López em Cerro Corá, determinando o fim da Guerra do Paraguai. Por esse feito, fora agraciado pelo imperador D. Pedro II com o título de visconde.  Sua posição deu “um grande peso aos incidentes.” Tinham ocorrido outros atos de indisciplina nos quartéis, que também haviam usado os jornais. A Questão Militar passou a envolver as mais altas autoridades do Império, inclusive o marechal Deodoro da Fonseca, comandante de Armas e presidente em exercício da Província do Rio Grande do Sul. Temos, então, uma situação muito grave, uma vez que os militares tornaram-se desprestigiados - mal recompensados, soldos congelados e demora nas promoções, frente à Monarquia. Isso aceleraria o clima de revolta e indisciplina. Em 1884 tinham ocorrido 7.526 prisões por indisciplina, sendo que o efetivo era de 13.500 homens! “Desses, 54 eram oficiais.” Em 1886, essa questão chegaria a tal ponto que havia troca de mensagens entre o presidente do Conselho de Ministros, João M. Wanderley, barão de Cotegipe, e o marechal Deodoro. Esse barão chegou a exonerar Deodoro das funções que exercia no Rio Grande do Sul e transferi-lo para o Rio de Janeiro, à espera de uma nova missão. Em solidariedade, Sena Madureira pediu exoneração do comando da Escola de Artilharia de Rio Pardo. Embarcaram no mesmo navio a caminho do Rio de Janeiro. Contudo, foram recebidos como heróis pela mocidade militar. Severiano Martins da Fonseca, irmão de Deodoro, ordenou o fechamento dos portões da Escola Militar na tentativa de diminuir as aclamações. Ato inútil, pois os alunos pularam os muros e foram saudar os dois militares vindos do sul. Lauro Müller falou em nome dos colegas. Deodoro, no dia 5, fardado e com o peito coberto de condecorações pela Guerra do Paraguai, entregou uma carta ao Imperador a qual solicitava a resolução da questão militar a favor dos militares ofendidos. Alarmado, o ministro da Guerra, “sugeriu a reforma do marechal”, mas D. Pedro II recusou-se, causando o pedido de demissão do ministro. Em 14 de maio de 1887, Deodoro e Pelotas assinaram um manifesto “ao Parlamento e à Nação”, criticando o governo. O Senado solicitou ao governo que cessasse com aqueles atos, o que de fato ocorreu. “Estava quebrada a cadeia de comando que durante todo o Segundo Império subordinara os militares ao poder civil e fizera do Brasil um país diferente de todos os demais vizinhos latino-americanos, permanentemente às voltas com quarteladas e golpes de Estado.” Uma nova aliança foi formada por três grupos, que agiam dispersos. Primeiro, a mocidade militar, segundo, os oficiais republicanos e terceiro, dos generais da velha guarda, Deodoro e Visconde de Pelotas. Essas lideranças passaram a agir articuladamente, fundando o Clube Militar, que teria um importante papel na formação da República. Os “casacas ou becas”, vindo de famílias ricas, dominavam os principais postos do governo e eram hostis aos militares, geralmente de origem mais humilde. Marechal Deodoro foi eleito presidente do Clube Militar. O marechal concorre ao Senado pelo Rio de Janeiro, mas fica em último lugar. Todavia esse ato “serviu para manter acesa a chama nos quartéis e aproximar os militares de outros movimentos, como os abolicionistas, que também se engajaram na sua candidatura.” O cadete Euclides da Cunha passa a ter seu papel na história. Foi expulso da Escola Militar por insubordinação, mas matriculou-se na Escola Politécnica e “de lá voltou para a Escola Militar após a Proclamação da República, um ano mais tarde.”
10.   O Marechal
Manoel Deodoro da Fonseca não era republicano. Em resposta às cartas de um sobrinho aconselhou-o a não se comprometer com questões republicanas, pois os brasileiros jamais estariam preparados para isso, “porque lhes faltarão educação e respeito”. Mesmo nos momentos mais cruciais da proclamação, ele relutara. “... só se converteu ao projeto republicano forçado pelas circunstâncias e a contragosto, ao perceber que a mudança de regime se tornara inevitável.” Nasceu em 5 de agosto de 1827, Alagoas, e cresceu em uma família pobre de militares.  Seu pai casou-se com Rosa Maria Paulina, dezessete anos mais jovem do que ele, e tiveram dez filhos, somente duas mulheres. Sem possibilidades financeiras, fez com que os homens se alistassem no Exército. Todas essas dificuldades influenciaram a personalidade do marechal. No exército era “tarimbeiro”, oficial veterano da Guerra do Paraguai, oriundo de família pobre. O historiador Oliveira Vianna qualificou-o como “um homem pobre, de alma franca e cavalheiresca.” Seu biografo, Raimundo Magalhães Júnior, descreveu-o como “uma figura imponente e bizarra, de olhar vivo, agudo, penetrante, revelando determinação em cada gesto e em cada atitude”. “O comportamento explosivo seria sua marca até o fim da vida.” Foi promovido a capitão em 1856. Casou-se, em Cuiabá, com Mariana Cecília de Souza Meireles e não tiveram filhos. Seu sogro fora capitão do Exército. Em 1864, foi despachado para a Guerra do Paraguai, “a grande experiência de sua vida.” Lá permaneceu por seis anos, chegando a coronel, por atos de bravura. Em 1874, repleto de honrarias, foi promovido a brigadeiro e, com essa patente, serviu em diversas regiões do Brasil. Em 1883, foi nomeado comandante de armas da província do Rio Grande do Sul, envolvendo-se com a política gaúcha. Em 1886, acumulou o comando de armas com a presidência interina da província do Rio Grande do Sul. Teve o privilégio de inaugurar a primeira linha telefônica de Porto Alegre. Deodoro estava nessa posição poderosa, quando estourou a Questão Militar, seguindo para o Rio de Janeiro e se envolveria com a mocidade miliar de Benjamin Constant, participando do golpe contra o Império. Deodoro conhecia latim e gostava de música.  Era vaidoso e quase sempre “usava chapéu alto, preto, fraque curto da mesma cor, um tanto apertado na cintura, calça larga, deixando ver pendente do colete a corrente do relógio.” Em 1888, o governo queria afastá-lo do Rio de Janeiro e do centro das conspirações, despachando-o para o Mato Grosso. “Na realidade tratava-se de um desterro mal disfarçado.” Deodoro deixa o posto sem autorização e volta para o Rio de Janeiro, sem exercer as novas funções. Ao desembarcar na cidade, em 13 de setembro de 1889, era o candidato natural da mocidade militar e dos oficiais republicanos para ser o líder da revolução. Pela imprensa os civis instigavam os militares contra o governo. Quintino Bocaiúva, em um artigo, anuncia que o governo preparava-se contra os militares rebeldes. O governo também autoriza “a demitir qualquer oficial sem processo prévio.” “Às vésperas do golpe de 15 de novembro, o governo havia transferido para o Rio de Janeiro alguns oficiais gaúchos conhecidos pela militância e pela radicalização na campanha republicana.” Esses oficiais eram Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro e o capitão Antônio Adolfo da Fontoura Mena Barreto. Estavam tentando abrandar a situação militar no Rio Grande do Sul, mas acabaram reforçando o poder dos conspiradores na cidade! Floriano Peixoto opinou “Estamos sobre um vulcão!”.
11.   O Professor
O mais famoso quadro da Proclamação da República, exposto na Academia Militar das Agulhas Negras, foi pintado por Henrique Bernardelli. O marechal Deodoro da Fonseca é retratado em um cavalo baio e com o braço direito segura um quepe, como se desse vivas à República. Ele domina todo o quadro, deixando os outros personagens em segundo plano. Todavia o cérebro da revolução foi Benjamin Constant, ídolo da juventude militar. Deodoro foi apenas o “catalisador das energias do meio militar.” Sem ele, provavelmente, tudo teria fracassado por falta de um líder de peso. “O historiador Vicente Licínio Cardoso definiu a Proclamação da República do Brasil como um caso único na História do Brasil – o de uma revolução politica dirigida por um professor de matemática”. Benjamin, aos treze anos, havia tentado suicídio e aos quinze tornou-se arrimo de família, sustentando quatro irmãos, a mãe e a tia, todos muito pobres. Alistou-se no exército por necessidade, mas preferia ser reconhecido como professor de matemática. Poderia ser descrito como uma pessoa depressiva, mas na verdade era um azarado. Anotou “parece que o mau fado acompanha-me e à minha família (e não) cansa de perseguir-nos”. Era baixo, bigode espesso e tinha um cavanhaque ralo. Sério e compenetrado, falava de forma cadenciada. Preferia se vestir com roupas civis, frequentava pouco lugares públicos e  era abstêmio. No início de 1889 tinha grande prestígio no Rio de Janeiro e a mocidade militar considerava-o mentor e líder espiritual em direção à revolução. Dava aulas de matemática aos netos de Pedro II no palácio da Quinta da Boa Vista. Estava bastante frustrado com as vicissitudes que se colocavam em seu caminho. Permanecia profissionalmente estacionado como tenente-coronel. Apesar de ter lutado na Guerra do Paraguai, sua promoção viera por antiguidade e não por merecimento. Trabalhava muito como professor e ganhava mal. Assim, era obrigado a ter vários empregos para se sustentar. Essas decepções o levaram a se distanciar da Monarquia e seus salões. Nasceu em 9 de fevereiro de 1837, próximo a Niterói. Seu nome foi uma homenagem ao pensador franco-suíço Henri-Benjamin Constant de Rebecque, cujos princípios inspiraram a introdução do Poder Moderador na Constituição Brasileira de 1824, com grande influência nas decisões políticas do Primeiro Reinado. Seu histórico escolar não era bom e revelava um aluno sem motivação. Na Escola Militar da Praia Vermelha foi reprovado no primeiro ano. Cursou engenharia e, no último ano, os estudantes foram acusados de roubo. Irritado tirou o papel das mãos do oficial e depois de pisoteá-lo, anunciou que a ordem do dia não seria lida, porque era um insulto aos alunos! Isso promoveu uma rebelião, no final, vários alunos foram expulsos ou presos, entre eles Benjamin, passando 25 dias preso na fortaleza da Laje. Esse comportamento de solidariedade e compreensão com seus colegas militares foi seu principal traço pelo resto da vida. Tentou cinco vezes ser professor titular e apesar de passar em primeiro lugar em todos eles, a vaga acabava ficando com um candidato menos qualificado, graças ao apadrinhamento politico, “comum no Segundo Reinado.” Aos 26 anos casou-se com Maria Joaquina, de 15 anos, filha do diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, homem de grande influência. Com esse enlace ocorreu em sua vida uma “alavanca social”, devido ao sogro importante. Tornou a prestar novo exame para professor titular, tirando primeiro lugar, mas desta vez foi nomeado para a vaga. Seu desinteresse pela carreira militar fica evidente em suas cartas. “Trago às costas uma pesada farda que nenhum futuro dá a ninguém neste nosso desgraçado pais...” Em 1869 assumiu a direção do Instituto dos Meninos Cegos, com a morte do sogro. Benjamin, após pedir demissão do exército, prosseguiu na carreira militar a contragosto. Benjamin Constant acolhe “o credo positivista e suas inclinações republicanas diante do próprio imperador do Brasil”, entretanto não perde a vaga de professor antes mesmo de iniciá-la. D. Pedro II afirmou não ver problema algum em suas convicções. “A junção do magistério com a fé positivista o levariam ao encontro da mocidade militar e ao destino que lhe era reservado na história republicana brasileira.” “... os jovens oficiais científicos irão se fixar na busca de um líder da conspiração republicana.” Benjamin recebe, quando promovido a coronel, um exemplar de Synthèse subjective de Auguste Comte, “ricamente encadernado” e dentro de um estojo com o lema do positivismo gravado: “O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim.” Sua ligação com esse jovens científicos seria indissolúvel. Recebeu, nos dias anteriores ao golpe, uma mensagem de 39 alunos da Escola Militar que dizia: “Mestre, sede o nosso guia em busca da terra da promissão – o solo da liberdade!” Nessa ocasião foram entregues seis abaixo-assinados secretos, os “pactos de sangue”, que lhe “hipotecavam solidariedade irrestrita até a morte em sua atuação como representante da classe militar contra o governo.” O governo tentou neutralizá-lo. O Primeiro Regimento de Cavalaria e o Segundo Regimento de Artilharia, unidades mais importantes da corte, marcharam para o Campo de Santana a fim de derrubar o império na madrugada de 15 de novembro de 1889. “São Cristóvão havia se tornado, assim, o novo reduto da mocidade militar.”
12.   Os abolicionistas
O movimento abolicionista foi o primeiro de dimensões nacionais e com a participação popular. Esse fato mobilizou multidões, estava presente nas páginas dos jornais, mudando profundamente os debates de parlamentares e as relações políticas e sociais do Brasil. A escravidão era muito conveniente para o Brasil e “parecia imune às transformações e aos ventos libertários do século XIX.” Foi o maior território com escravos “do hemisfério ocidental por mais de 350 anos.” A alemã Ina von Binzer dizia que tudo no Brasil era feito pelos negros, pois os brancos não trabalhavam. Os britânicos tomaram severas medidas contra o tráfico de navios negreiros para o Brasil. Era uma vergonha! As autoridades faziam vistas grossas.  O contrabando era altamente lucrativo. No princípio de 1850, a Marinha britânica resolveu atacar os portos brasileiros a procura de navios negreiros. O governo assustou-se e aprovou uma lei acabando com o tráfico. Os donos de engenhos do norte e nordeste não tiveram nenhum pudor em vender seus escravos para os barões do café do Vale do Paraíba e de Minas Gerais. Na província de São Paulo, o número de escravos chegou a 174 mil e com isso o preço dos cativos aumentou tremendamente. Em 1862, a maior parte da arrecadação de impostos em Alagoas era fornecida pela exportação de escravos para o sul do Brasil. A Lei do Ventre Livre só veio em 1871. A criança ficaria na senzala com os pais até 8 anos, ou poderia continuar até os 21. Os fazendeiros preferiam mantê-los sob seu jugo em vez de entregá-los ao governo e receber uma indenização a que tinham direito. Os párocos locais eram coniventes falsificando a data de nascimento desses bebês. Clubes antiescravagistas brotavam em ritmo acelerado em todas as províncias do país. Essa mobilização precipitou a criação da Confederação Abolicionista. “Discursos e palestras dos líderes abolicionistas atraíam multidões.” O pernambucano Joaquim Nabuco e o fluminense José do Patrocínio fundaram a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Nabuco era filho de uma das personalidades mais importantes do Império. Foi colega de Rodrigues Alves, amigo de Castro Alves, Rui Barbosa e Afonso Pena. Foi também, junto a Machado de Assis, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Havia passado a maior parte de sua vida na Europa e Estados Unidos conhecendo Theodore Roosevelt. Em Londres aproximou-se do movimento abolicionista britânico. Era filho de um político de carreira e não de um rico fazendeiro, por essa razão fazia “trabalhos menores para ganhar a vida, como ser correspondente de um jornal carioca em Londres.” Casou-se aos quarenta anos com Evelina Soares, bem mais jovem do que ele, filha de barão e educada na França. O casal teve duas filhas e três filhos. Afirmava que o Brasil não teria futuro se não resolvesse a herança escravocrata, tão maligna para o país, que o impedia de ter uma sociedade evoluída. “É no Parlamento que a emancipação deve ser decidida – e não na praça pública.” “A grande questão para a democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão.” Essas eram algumas de suas frases contundentes.  José do Patrocínio viera de outras raízes. Nasceu em 1853 na vila de São Salvador dos Campos de Goytacazes, norte do Rio de Janeiro, e era filho de uma escrava e do vigário da cidade. Seu pai, o padre e fazendeiro João Carlos era famoso por suas desordens sociais. Justina, sua mãe, fora entregue a ele aos 12 anos. Teve várias amantes e escravas. Patrocínio saiu de casa, adolescente, sem que seu pai o reconhecesse como filho. No Rio de Janeiro trabalhou como aprendiz na Santa Casa de Misericórdia e conseguiu se formar no curso de farmácia. Com a ajuda do sogro rico, republicano e abolicionista comprou seu próprio jornal, Cidade do Rio, onde escreveram Olavo Bilac e o engenheiro André Rebouças. Era abolicionista e amigo da princesa Izabel. Jornalista que não poupava ninguém, polêmico e agressivo. Na tarde de 15 de novembro de 1889, tomou a iniciativa de proclamar a República diante da plateia da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Todavia, avaliava-se que era mais abolicionista do que republicano por ter dado à princesa Isabel o título de A Redentora. Esses dois grandes nomes se distanciaram na República. Joaquim Nabuco veio a ser o primeiro embaixador da República Brasileira nos Estados Unidos, em 1905. Morreu nesse país em 17 de janeiro de 1910. O governo americano “fez questão de lhe dar homenagens só reservadas aos chefes de Estado.” Foi sepultado no Recife, sob comoção popular. Nabuco e Patrocínio, amigos durante a abolição, se distanciaram na República. O último rapidamente desiludiu-se com o novo regime. Floriano Peixoto foi deportado para um local distante no Amazonas. Anistiado retornou a sua cidade, transformando-se em uma pessoa fascinada pelas novas invenções que ocorriam. Em 1892 importou um automóvel da França, movido à vapor. Já no fim de sua vida, tentou construir um balão dirigível, que estava em execução, quando Santos Dumont, na França, havia circundado a Torre Eiffel com um aeroplano. Morreu aos 51 anos, pobre e vivendo de favores. André Rebouças, Luís Gama, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio formavam o grupo de abolicionistas urbanos, mas a escravatura era uma chaga rural. Na segunda metade do século XIX houve um declínio acentuado de escravos urbanos. Em São Paulo o número caíra significativamente. Havia no Brasil abolicionistas advogados, professores, médicos, jornalistas, uma gama de pessoas cultas, que discutiam as modificações do século XIX. Contudo, havia o Brasil dos fazendeiros, similares aos da época da colonização, “agrário, analfabeto, sem comunicações e conservador.” Em 1884, Ceará e Amazonas foram as primeiras províncias a abolir a escravidão. Precisavam pouco deles, ao contrário do sul do Brasil, principalmente no Vale do Paraíba. Uma carta escrita por Victor Hugo dizia em seu termo: “Antes do final do século, a escravidão terá desaparecido da Terra. A liberdade é a lei humana.” O Imperador tinha uma atitude de reserva com relação à escravidão, pois não queria desagradar à aristocracia rural. Em 1885 ocorreu a Lei dos Sexagenários, libertando os escravos acima de 60 anos. Isso era quase desnecessário já que eles tinham uma vida breve. O combustível para a causa abolicionista foi a própria lentidão do governo. “Os Caifazes”, liderado por Antônio Bento, promoveu a fuga em massa dos escravos para o quilombo do Jabaquara, chegando a reunir 10 mil escravos fugidos. Outros quilombos foram surgindo e alguns proprietários apressaram-se em dar alforrias verdadeiras sob determinadas condições, como trabalhar nas fazendas por mais dois a cinco anos. Em São Paulo registraram-se 40 mil alforrias em menos de um ano. A abolição avançava e “cada metro quadrado conquistado merecia uma celebração.” Um manifesto assinado por Deodoro da Fonseca pedia “à regente princesa Isabel que o exército não fosse mais utilizado na caça aos escravos fugitivos.” Em 1888 até os filhos da princesa haviam aderido à causa abolicionista. No dia 13 de maio, Isabel assina a nova lei. O entusiasmo comoveu as ruas, com três dias de celebrações. Joaquim Nabuco via a Monarquia em perigo e condenada, a partir desse momento. “A princesa tornou-se muito popular, mas as classes conservadoras fogem dela e a lavoura está republicana” escreveu ele. Setecentos mil escravos estavam livres, sem nenhuma assistência governamental! O preconceito contra os mulatos e os negros dura até hoje. Machado de Assis, um brilhante mulato, passou sua vida atormentado pelos ataques epiléticos, as origens modestas e a cor escura de sua pele. “Todos sabiam que Machado era mulato, mas reconhecer isso publicamente seria uma gafe, uma ofensa a Machado”, resumiu Viotti da Costa.
13.   A redentora
Em 1888, a Câmara Municipal gaúcha propunha um plebiscito no caso de falecimento do Imperador. Os brasileiros seriam consultados sobre a existência ou não de um terceiro reinado. Isso partiu de uma parte da maçonaria brasileira contra a princesa Isabel e seu marido Gastão de Orleans, conde d’Eu. A iniciativa foi de Aparício Mariense da Silva, fazendeiro e vereador. A proposta foi enviada a outras maçonarias brasileiras. Mas o conservador presidente interino da província do Rio Grande do Sul, Joaquim Mendonça, determinou que os vereadores fossem afastados e processados. Houve uma celeuma nacional apoiando os gaúchos. Panfletos e jornais atacaram o governo imperial. A Monarquia havia tido um pequeno momento de solidariedade com a assinatura da Lei Áurea, principalmente dos negros. Mas essa lei “tirou do trono o seu mais sólido pilar de sustentação: a aristocracia rural e escravagista representada, principalmente, pelos barões do café do Vale do Paraíba.” Esses homens, agora, queriam indenizações pelo prejuízo causado pela libertação dos seus escravos. Essa indenização seria impossível ser honrada pelo altíssimo montante envolvido.  Nos meses que se seguiram os barões aderiram “em massa à causa republicana”. Os republicanos julgavam a princesa totalmente submissa ao conde d’Eu “o verdadeiro soberano brasileiro”. Nessa época a Igreja tinha uma forte influência no estado. “O bispo é um empregado publico” afirmou o pai de Joaquim Nabuco. Isabel era católica fervorosa e acreditava que os monarquistas deveriam em primeiro lugar obedecer à Igreja. “Mulher e candidata ao mais alto posto na administração pública do Brasil imperial, Isabel era uma excentricidade em um mundo masculino, conservador e patriarcal.” As mulheres eram proibidas, por lei, ao ensino superior, o que forçou a carioca Maria Augusta Generoso Estrela a obter seu diploma em Nova York, em 1881, sendo a primeira médica brasileira. Esse direito e ao de voto levou cem anos para virar realidade. O voto feminino só foi incorporado ao Código Eleitoral em 1932, por Getúlio Vargas, mas com restrições. Quando o imperador se ausentava, sua filha assumia o governo de um país de 10 milhões de habitantes. Ela nasceu em 29 de julho de 1846 e foi reconhecida como herdeira presuntiva ao trono. Sua educação e de sua irmã, Leopoldina, era “um formidável programa de educação concebido pelo pai”, com nove horas e meia de estudo, seis dias por semana. Eram aulas de francês, inglês, latim, alemão, história de Portugal, da França, da Inglaterra, literatura portuguesa e francesa, geografia, geologia, astronomia, química, física, geometria, aritmética, desenho, piano. “Chegou a escrever um tratado de astronomia para as princesas.” Com quatorze anos, 1860, foi oficialmente apresentada à corte em cerimônia pública, fazendo um juramento onde prometia manter a religião católica, observar a Constituição política do Brasil e ser obediente às leis e ao imperador. Estudou muito, mas não sabia sequer sobre o ciclo menstrual de uma mulher. O casamento com o conde d’Eu foi resultado de uma meticulosa discussão com famílias reais importantes da Europa. A negociação durou seis meses. Passaram a ela todas as informações possíveis, menos uma, a de que ele era um pouco surdo.  Os estrangeiros ao verem suas noivas não tiveram uma boa impressão, pois eram feias, afirmou conde d’Eu. Contudo achava o conjunto do porte de Isabel gracioso. Era feia, “mas tem um ar bom e evidentemente recebeu uma educação muito acurada.” Escreveu à sua irmã. Casaram-se em 15 de outubro de 1864, na capela imperial. Passaram duas semanas em Petrópolis, antes de seguir viagem de lua de mel para Portugal, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Áustria e Espanha. Esse relacionamento apaixonado durou a vida toda, mas demoraram dez anos para ter filhos. Os cunhados, por seu lado, tinham um filho por ano. Em 1869 Pedro II deixou-se convencer e enviou o conde d’Eu para a Guerra do Paraguai. Assim poderia assumir altas reponsabilidades na administração do Império. Solano López achava-se refugiado na cordilheira e D. Pedro não quis dar a guerra por encerrada. Caxias pediu demissão e “caberia ao conde d’Eu terminar a tarefa fazendo a caçada a Solano López.” O conde tinha, então 27 anos de idade. Uma das primeiras iniciativas do jovem foi abolir a escravidão no país vizinho! Isabel e seu marido eram o alvo principal dos ataques da campanha republicana, entretanto ele suportava tudo em silêncio. Ao pai escrevia que estava cansado de ser usado como bode expiatório pela imprensa. Isabel era atacava por ser conservadora e extremamente religiosa e o partido republicano julgava-a apegada muito mais à religião do que às suas obrigações com o destino do país. Criticada até após a República a princesa morreu no exílio, em 14 de novembro de 1921, aos 75 anos. Em 1953, seus restos mortais foram transferidos para a catedral de Petrópolis, ao lado do marido, do pai e de Tereza Cristina. Isabel sempre será “uma personalidade popular entre os brasileiros” e querida entre os pobres.
14.   O imperador cansado
D. Pedro II, apesar das ameaças ao seu cargo, permaneceu tranquilo, como se nada houvesse de errado. E seus ministros nada faziam para alertá-lo quanto à agitação dos quartéis. Proclamada a República nenhum comandante ou governador de província veio em defesa da Monarquia. Isso era um enigma. Um jornalista, Max Leclerc, assinalou que marechal Deodoro não era contra a Monarquia, mas contra Ouro Preto. Deodoro era presidente à força, pois apenas queria derrubar seu inimigo e “ninguém levantou um dedo para defendê-la.” Ninguém simbolizava melhor esse regime obsoleto e incapaz, que a própria Monarquia. Essa fora a causa do triunfo republicano. D. Pedro II era cansado e “velho antes do tempo”, definiu o sociólogo Gilberto Freire. Ele era portador de diabetes e ataques frequentes de epilepsia. Alguns auxiliares pensavam que “estivesse perdendo a sanidade mental.” Já na Europa duas sumidades médicas o trataram – Charles Bouchard e Jean-Martin Charcot.  Estava doente na Europa, quando soube que sua filha havia assinado a Lei Áurea e afirmou: “Demos graças a Deus. Grande povo, grande povo!” e chorou copiosamente. Havia um forte rumor que abdicaria em favor da princesa Isabel, que por sua vez abdicaria em favor de seu sobrinho, príncipe Pedro Augusto, filho de Leopoldina. Aos 22 anos era bonito, inteligente e formado em engenharia, todavia, em 1892, encontrava-se internado em um sanatório da Áustria, depois de tentar suicídio atirando-se das janelas do Palácio de Coburgo, em Viena. Morreu aos 68 anos, em 1934, sem jamais sair do sanatório. Ele atraiu a atenção do próprio Sigmund Freud. Em maio de 1889, preocupado, o conde d’Eu resolveu fazer uma viagem às províncias do Norte, a fim de defender a Monarquia, mas não obteve sucesso, pois era impopular. O conde, na realidade, era bem recebido em todas as cidades, mas sua falta de habilidade política arruinava as coisas. O governo perdia apoio também no Congresso. Visconde de Ouro Preto assumiu como chefe do último gabinete do Império. Sua nomeação foi vista como uma “preparação para o impopular terceiro reinado.” A República teria de ser gloriosa e era preciso preparar o Brasil para tal ato. O Império era incapaz “de reformar a si mesmo” e levar o país adiante. Dissolveram a Câmara, convocaram novas eleições e a maioria esmagadora do governo venceu, mas desta vez, “os novos deputados não teriam tempo de assumir seus mandatos. A República chegaria antes.”
     15. O baile
Em 9 de novembro de 1889, o encouraçado Almirante Cochrane, estava no Rio de Janeiro e o último grande baile da Monarquia brasileira seria realizado, em homenagem aos oficiais e marinheiros do navio. Os dois países mantinham relações muito cordiais, uma vez que eram vistos como politicamente os mais estáveis da região. Esse foi o famoso baile da Ilha Fiscal. A nobreza gostava de acertar seus negócios particulares e públicos nas festas. Mas nossa corte não era atuante socialmente. D. Pedro gostava dos livros. Houve apenas dois bailes nesse local, com quarenta anos de distanciamento, o primeiro em 1852. “A partir daí, a corte brasileira murchara por completo.” Sua irmã, princesa Francisca, pensava que o prestígio social da Monarquia poderia ficar abalado. “Vida social praticamente não existe fora dos limites do corpo diplomático; o imperador não dá recepções”, afirmara a professora alemã Ina von Binzer. O palácio imperial de Petrópolis era cuidado, mas o resto surpreendia os estrangeiros pela decadência e abandono. O andar térreo da corte, no Paço da Cidade, era alugado a negociantes e tinha a aparência de feira livre ou mercado público! Na noite do baile, os oficiais reuniram-se no Clube Militar, perto dali, para tratar dos últimos detalhes do golpe contra a Monarquia, sob a presidência do tenente-coronel Benjamin Constant. A ilha Fiscal havia se chamado ilha dos Ratos e esse local foi escolhido para a inauguração do palacete por sua localização especialmente segura. Foi projetado pelo engenheiro Adolpho José Del Vecchio e ocupava uma área de 2.300 metros quadrados. Sua belíssima arquitetura era uma homenagem à Monarquia, com vitrais coloridos. Em um tínhamos o busto de Pedro II com seu uniforme de almirante, a coroa e o brasão da casa imperial. O outro mostrava a princesa Isabel, emoldurada pela coroa. O piso era de madeiras nobres brasileiras e a heráldica da Monarquia era vista em todas as janelas e vitrais dos grandes salões “adornados de peças de bronze e portas vermelhas de ferro batido.” Um farol gigantesco de 60 mil watts, que iluminava grande parte da baía, facilitava a fiscalização do tráfego noturno de navios. Um cabo submarino fazia a comunicação entre o prédio principal da aduana e a ilha, através de “uma linha telefônica recém-chegada dos Estados Unidos.” Havia nada menos do que 14 mil lâmpadas e faróis em locais determinados a destacar “o ambiente e seus convidados”. A Confeitaria Paschoal, preferida do imperador, preparou o cardápio de onze pratos quentes, quinze frios, doze sobremesas distintas, incluindo 12 mil porções de sorvete de vários sabores. Os convidados acabaram chegando ao número de 4.500, ou seja, havia um penetra para cada dois convidados. Às 21 horas chega o imperador e a imperatriz, ao som de uma corneta. Trajando casaca preta, na lapela estava o “fiel carneirinho”, símbolo da Ordem do Tosão de Ouro, sua condecoração preferida. O longo vestido da imperatriz era negro, adornado de contas de vidro. Entraram no “salão principal ao som do Hino Nacional brasileiro.” Nenhuma daquelas pessoas poderia imaginar que ali perto se discutia o futuro daqueles monarcas e do Brasil. O imperador havia tropeçado em um tapete e momentaneamente se desiquilibrou, mas de bom humor disse: “A Monarquia tropeçou, mas não caiu...” O baile começou às 23 horas e o programa oferecia, como na Europa, várias opções de ritmos, entretanto o casal real dançou apenas uma vez. Lá estava o engenheiro negro André Rebouças, que passou a noite conversando com medo de ser rejeitado pelas damas brancas presentes, ao convidá-las para dançar. A princesa Isabel, seguindo a sugestão de seu marido, convidou-o para valsar, surpreendendo toda a corte. A família real se retirou bastante cedo, exceto o príncipe Pedro Augusto, que bailava animadamente. Ao longo do caís, quem não havia sido convidado testemunhava a festa ao longe, entre eles Benjamin Constant, ainda adolescente. “Os últimos convidados foram embora ao alvorecer do domingo.” Os banheiros haviam entrado em colapso devido ao número excessivo de penetras. Muitos perderam a compostura pelo abuso de bebidas alcoólicas. O resultado do lixo encontrado fora surpreendente, com 17 ligas femininas e outros itens inacreditáveis. Rui Barbosa e outros, após a República, foram inspecionar o palacete e um deles propôs derrubar as armas da Monarquia. Felizmente o engenheiro Del Vecchio estava também presente e suplicou que não tocassem naquele emblema que era uma obra-prima! O escudo está mantido até os dias de hoje.
16.   A queda
Na véspera da proclamação da República, D. Pedro II teve um dia calmo e encontrava-se despreocupado. Ele estava em Petrópolis e decidiu descer ao Rio de Janeiro indo assistir uma das provas do concurso para professor substituto de inglês, no Imperial Colégio Pedro II. Almoçou no Paço da Cidade e à tarde visitou a Imprensa Nacional e o Diário Oficial. Queria saber sobre as máquinas e o processo de impressão. No final da tarde, voltou de trem para Petrópolis. Nesse ínterim um golpe tomava corpo. Benjamin Constant planejava em “minúcias os passos necessários ao sucesso do golpe”. “... é preciso que se possa contar com o pessoal do batalhão de engenheiros da Escola de Tiro e da fábrica de pólvora. Contar com os guardas do Arsenal de Guerra, de Marinha e fábrica da Conceição, a fim de sorrateiramente à noite introduzir lá pessoal apropriado para depois podermos tomar conta... Prender no maior sigilo possível todo o ministério e mais aderentes importantes.” Eles temiam uma reação das autoridades imperiais. Nenhum sinal indicava a ocorrência da conspiração no Campo de Santana. O conde d’Eu recebeu um aviso sobre a revolta da Segunda Brigada e da Escola Militar. O barão de Ladário, ministro da Guerra, estava ferido. Finalmente o alferes Ismael Facão avisou que o marechal Deodoro da Fonseca, o tenente-coronel Benjamin Constant e o jornalista Quintino Bocaiúva encontravam-se à frente dos revoltosos, no quartel general. “Nesse caso, a Monarquia está perdida!” exclamou o conde. As informações continuavam e diziam que o visconde de Ouro Preto, chefe de gabinete, estava preso e que o ministério havia sido derrubado por ordem de Deodoro da Fonseca. Todavia a Monarquia não sabia o que decidir diante desse fato tão grave e inesperado. O engenheiro André Rebouças aconselhou a organização de uma resistência em Petrópolis e avisar o Imperador. Pelo perigo, optaram por um caminho mais longo, de barco pela baía de Guanabara, onde teriam a proteção da Marinha. Todavia os únicos a embargar foram os pequenos príncipes acompanhados do preceptor barão de Ramiz. D. Pedro fez o oposto, depois de receber um telegrama. Preparou-se às pressas e voltou em um trem. Isabel e o marido haviam telegrafado para avisar da ida dos netos para Petrópolis. Pedro II fez toda viagem despreocupadamente. “Veio lendo jornais e revistas científicas, declarando que tudo se arranjaria bem”. Dirigiram-se para o Paço da Cidade e foram saudados pela guarda de honra como de costume. O visconde de Taunay começou a expor o plano de André Rebouças. Era preciso retornar a Petrópolis imediatamente com o maior número possível de aliados e seguir para Minas Gerais, a fim de organizar a resistência contra o golpe. Pedro II era a única pessoa com absoluta tranquilidade nesse momento. Afirmou que conhecia os brasileiros e que tudo não daria em nada, era “fogo de palha”. Alegou que a solução seria “dissolver os batalhões”, desmobilizando as forças rebeldes. Todavia, o conde d’Eu afirmou que era preciso “primeiro construir um novo governo, pois o anterior se demitiu.” No entanto D. Pedro II não aceitava essa demissão! Mas se os ministros estavam presos pelos revoltosos como iriam poder tomar qualquer iniciativa, argumentou seu genro. Era uma situação ímpar, pois o governo imperial havia sido deposto, mas a República ainda não estava proclamada. Não havia mais regime monárquico nem republicano. O Parlamento encontrava-se em recesso. Atordoado, o Imperador insistia em ver o visconde de Ouro Preto, que chegou por volta das quatro horas da tarde. Deodoro o havia prendido, mas voltara atrás, permitindo que fosse para casa. Entretanto, às sete da noite seria preso e deportado para a Europa em um navio alemão, sem se despedir da família, dos amigos e sem fazer as malas para viajar. Depois disso, o Imperador convenceu-se que realmente era necessário arrumar outro ministério. Perguntado sobre quem seria o seu substituto, aconselhou-o a convidar o senador gaúcho Gaspar Silveira Martins, “o homem da situação”. Essa seria uma escolha equivocada, pois além de não estar no Rio de Janeiro, como senador encontrava-se a bordo de um navio que chegaria à cidade, na companhia de deputados gaúchos e todos tomariam posse no dia 20, portanto só chegariam dia 17, dois dias depois do golpe militar. O mais grave era o fato de ele ser adversário pessoal de Deodoro e isso seria insuportável para o marechal. Contudo D. Pedro II resolveu aguardá-lo e o Brasil ficaria sem governo nesse ínterim. O historiador Heitor Lyra qualificou essa indicação como “a gota d’água que fez transbordar o copo já cheio.” Esse fato fez com que todas as dúvidas de Deodoro se dissipassem e aceitou a “proclamação da República e a constituição de um governo provisório.” O conde d’Eu alarmadíssimo ficou admirado, pois o governo provisório já estava formado por Deodoro, Bocaiúva e Constant. O Imperador continuava sereno. Depois do jantar, servido às cinco horas, o conde d’Eu e Isabel resolveram fazer uma consulta aos conselheiros de estado que ainda estivessem no Rio de Janeiro, mas suas opiniões foram as mais divergentes possíveis. Tudo acontecia à revelia de D. Pedro II, o qual continuava alheio ao perigo. Dois senadores dos partidos imperiais, o Liberal e o Conservador, foram escolhidos para a missão de conversar com Deodoro. Eram o baiano Sousa Dantas e o paranaense Manoel Francisco Correia, que voltaram quase que imediatamente, por não terem sido recebidos pelos republicanos. A princesa Isabel, às onze da noite, conseguiu que o pai fizesse “uma reunião formal dos onze conselheiros presentes no Rio de Janeiro.” Essa foi a última reunião de governo do Império. Decidiu-se indicar o baiano José Antônio Saraiva para liderar o novo ministério. Mas Saraiva “nada faria sem a concordância do marechal.” Quem mandava no país, agora, era o Marechal Deodoro do Fonseca e não mais o Imperador! Deodoro, acamado, mandou dizer que “já agora é tarde.” O governo provisório já estava constituído. A República, realmente, estava proclamada, mas era uma situação provisória. “A cada hora que passasse, aumentaria a possibilidade de uma reação das forças imperiais.” Deodoro concorda com a proclamação da República, mas com a palavra “provisória” incluída nas comunicações do novo governo. O executivo ficou assim formado:
Deodoro da Fonseca - Chefe do Governo Provisório
Benjamin Constant - Ministro da Guerra
Quintino Bocaiúva – Ministro das Relações Exteriores
Rui Barbosa – Ministro da Fazenda
Aristides Lobo – Ministro do Interior
Campos Salles – Ministro da Justiça
Eduardo Wandenkolk – Ministro da Marinha
Demétrio Ribeiro – Ministro da Agricultura
Esse último era totalmente desconhecido de Deodoro, que o aceitou pela insistência dos demais e era gaúcho. No Instituto dos Meninos Cegos foi lavrado o primeiro decreto do governo republicano. Em seus artigos iniciais lia-se:
Art. 1° Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa.
Art. 2° As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estado Unidos do Brasil.
Oportunamente cada estado faria sua própria Constituição, “elegeria seus representantes e tomaria todas as providências para manter a ordem, a segurança pública, a defesa e a garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos.” Os membros do novo governo foram prestar juramento perante os vereadores, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Apesar da diferença de instâncias máximas, era um meio de dar legitimidade a uma República, sem qualquer participação popular. Essa mesma Câmara seria dissolvida em sete de dezembro de 1889 e em seu lugar foi criado um Conselho Municipal, composto de sete membros, todos nomeados, “sem referendo nas urnas”.
17.   O adeus




Raul Pompéia, escritor e jornalista, testemunhou a partida da família imperial para o exílio. Escreveu: “Às três da madrugada menos alguns minutos, entrou pela praça um rumor de carruagem... Apareceu então o préstito dos exilados. Nada mais triste. Um coche negro, puxado a passo por dois cavalos que se adiantavam de cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente duas senhoras de negro, a pé, cobertas de véus, como a buscar caminho para o triste veículo. Fechando a marcha, um grupo de cavaleiros, que a perspectiva noturna detalhava em negro perfil. Divisavam-se vagamente, sobre o grupo, os penachos vermelhos das barretinas da cavalaria. O vagaroso comboio atravessou em linha reta, do Paço em direção ao molhe do cais Pharoux... apresentaram-se alguns militares a cavalo... É aqui o embarque? Perguntou timidamente uma das senhoras de preto aos militares. O cavaleiro, que parecia oficial, respondeu com gesto largo de braço e uma atenciosa inclinação de corpo... Seguiu-se o coche fechado. Quase na extremidade do molhe, o carro parou e o senhor dom Pedro de Alcântara apeou-se – um vulto indistinto, entre outros vultos distantes – para pisar pela última vez a terra da pátria.” Essas horas compuseram as mais tristes cenas. “Todos compreenderam afinal que o Império estava definitivamente liquidado” escreveu Heitor Lyra. Uma ordem do governo provisório determinava que ninguém saísse do Paço Imperial. Pedro II era prisioneiro em seu próprio palácio. Sólon Ribeiro foi encarregado de comunicar-se com dom Pedro, mas não sabia como tratá-lo, se Vossa Excelência ou Vossa Alteza, optando por Vossa Majestade, como era chamado “nos 49 anos anteriores sob o regime monárquico.” Em uma nota Deodoro comunicou a D. Pedro II a firmação de um governo provisório, sua destituição e a mudança de regime.  A imperatriz e a princesa desesperadas choraram copiosamente. D. Pedro, auxiliado pelo barão de Loreto começou a redigir a resposta ao anúncio. Aparentemente calmo, deixou transparecer sua angústia na letra. Redigiu: “À vista da representação escrita... resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda a minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria..., à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação, durante quase meio século... Ausentando-me, pois, eu com todas as pessoas de minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889, Dom Pedro d’Alcântara.” Durante esse dia todos ficaram detidos no Paço Imperial. D. Pedro disse: “Pois se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo do infortúnio.” (Essa foi uma atitude digna de um Imperador que ele era). Porém sua postura serena modificou-se por volta da 1h30 da madrugada do dia 17, pois o prazo inicial de 24 horas tinha sido modificado e eles teriam de partir imediatamente para a Europa. Já estavam recolhidos e exaustos pelos eventos e teriam de se apressar. Essa mudança ocorreu porque o novo governo temia “manifestações  hostis à família imperial”, caso embarcassem à luz do dia. A princesa Isabel temia pelos três filhos, que estavam voltando de Petrópolis. Inconformado com essa decisão o Imperador disse: “Não sou nenhum fugido! – repetia. – Não sou nenhum fugido, para sair assim...” Mas as ponderações do barão de Jaceguai o fizeram acalmar. Às 2h46 da madrugada eles começaram a deixar o Paço Imperial. Um navio os esperava na baía de Guanabara. O Imperador, a Imperatriz, sua filha e genro foram de carruagem, os demais a pé. No cais, entraram em uma lancha e tiveram de ser encaminhados ao cruzador Parnaíba, aguardando a chegada das crianças, para depois embarcarem no vapor Alagoas, em direção a Europa. A noite era chuvosa e o mar estava agitado, dificultando o embarque. “E se o idoso imperador caísse no mar durante o embarque?” O oficial Mallet, entretanto, conseguiu colocar todos a salvo dentro do navio. D. Pedro preferiu ficar sobre o tombadilho. Somente às dez horas da manhã chegaram os meninos príncipes. “O alívio foi geral.” Antes da partida, D. Pedro ficou sabendo que receberia uma ajuda de 5 mil contos de réis, uma fortuna, para ajudá-lo no exílio, mas ele enviaria uma carta formal ao governo republicano renunciando a qualquer tipo de ajuda financeira. Somente aceitaria seu salário mensal, a que tinha direito. Sua atitude foi considerada arrogante pelo novo governo. Essa renúncia faria com que dom Pedro passasse por humilhações, recorrendo a empréstimos de amigos, até sua morte na Europa, em 1891. O Parnaíba foi para a ilha Grande, onde estava ancorado o vapor Alagoas, à espera da família real. Foram transferidos também de madrugada, no escuro, rumo ao exílio. Benjamin Constant ficou consternado ao saber dos fatos ocorridos com a partida do Imperador. “Está cumprido o mais doloroso dos nossos deveres.” Exclamou. O encouraçado Riachuelo foi designado para comboiar a família real. O último território nacional a passarem foi Fernando de Noronha. Essa viagem perdurou dolorosas três semanas. Atracaram em Lisboa e foram recebidos pelo rei Carlos I, sobrinho neto de D. Pedro II.  “A chegada da família imperial foi uma cena carregada de simbolismo para brasileiros e portugueses.” Havia duzentos e cinquenta anos que a mesma dinastia, a dos Bragança, governava os dois países. D. Pedro II recusou o palácio para morar e hospedou-se no Hotel Bragança, “como um cidadão comum”. Contudo nessa época já começaram os empréstimos e foi socorrer-se com Manuel Joaquim Alves de Machado, rico comerciante que fizera sua fortuna no Brasil. “Nas duas semanas seguintes, cumpriu na capital portuguesa um programa de despedias.” De Lisboa foi para o Porto, onde outra tragédia aconteceu. Foi chamado às pressas para o hotel, pois a imperatriz Teresa Cristina falecera, “vítima de ataque cardíaco.” “Não sei o que farei agora. Só o estudo me consolará de minha dor.” Exclamou o envelhecido homem. O filho do visconde de Ouro Preto, Afonso Celso de Figueiredo Júnior, pode registrar sua prostração, ao visitá-lo. O Imperador seguiu para a França, vendo “a verdadeira dona de seu coração”, condessa de Barral, a qual morreu em 1891. D. Pedro II faleceu na madrugada de 5 de dezembro do mesmo ano e acabara de completar 66 anos. Estava hospedado no modesto Hotel Berdford, na rua l’Arcade, em Paris. O caixão seguiu de trem para Lisboa, mas antes o governo francês prestou-lhe honras de chefe de Estado, na igreja Madeleine. Isso irritou os republicanos brasileiros. Foi sepultado ao lado de sua esposa, no mausoléu real de São Vicente de Fora. D. Pedro II havia expressado seu desejo de ser enterrado com um pouco de terra de seu país, o Brasil. Deixou um bilhete: “É terra de meu país; desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha pátria.” Em oito de janeiro de 1921 os restos mortais do Imperador e da Imperatriz foram depositados na catedral de Petrópolis, onde estão atualmente. D. Pedro II alimentava a ilusão de retornar ao Brasil!
18.   Os bestializados
Os problemas políticos continuavam no Brasil. “Havia uma revolução em andamento, anunciavam os jornais, mas o clima geral era de ordem e tranquilidade.” Aristides Lobo, em um artigo, explicava que, “por ora a cor do governo é puramente militar”, “o fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula.” O clima era de insensibilidade, e a repercussão do golpe foi mínima. “A resignação foi geral.” Hermes da Fonseca colocou-se do lado de D. Pedro II e pretendia resistir à República. Ele ficou admirado ao saber que seu irmão liderara a proclamação e que a família real estava a caminho de Portugal. Deodoro brincou que ele era republicano de 15 de novembro, mas seu irmão, que estava na Bahia, era de 16. Os poucos protestos no país foram sem importância alguma. Gilberto Freire observou que “A Monarquia no Brasil caiu sem ter tido quem morresse por ela.” O sustentáculo do império como políticos monarquistas, condes, barões e fidalgos aderiram rapidamente à República. Esses diziam que a República era “um fato consumado”. O general Couto de Magalhães, então governador de São Paulo, herói da Guerra do Paraguai era monarquista convicto e entregou seu cargo a uma comissão formada por Campos Salles, Rangel Pestana, Martinho Prado Jr. O palácio era no Pátio do Colégio e ao sair foi tratado com dignidade, recusando o convite de homenagear as novas autoridades. As adesões ocorreram também entre os advogados, escritores, médicos, jornalistas e vários profissionais. Era preciso tornar o ato público. Noventa e quatro médicos assinaram uma lista aberta, no jornal O Correio do Povo apoiando o novo regime. Outros importantes centros também aderiram como o diretor e funcionários da Casa da Moeda, União Operária e Comissão dos Homens de Letras e vários outros. O “fato consumado” fizeram republicanos civis justificarem a “instalação do novo regime pela força das armas – e não pelo pronunciamento das urnas, como muitos defendiam até então.” Argumentavam que era uma ditadura para o bem. “É a ordem natural das coisas, resultado necessário de um movimento que obedece a leis indefectíveis.” O advogado Martim Francisco de Andrada, sobrinho de José Bonifácio deplorou a apatia dos paulistas, diante do golpe republicano. O jornal de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro bajulava os militares, “protagonistas e senhores absolutos da mudança de regime.” Haveria uma tremenda censura nos meses seguintes, contra quem ousasse atacar as decisões do novo governo. O poder que deveria acatar a vontade popular foi o oposto, nos dez anos seguintes. “Os militares... julgaram-se donos e salvadores da República, com o direito de intervir assim que lhes parecesse conveniente” declarou José Murilo de Carvalho. A censura à imprensa era bastante forte e “o porrete da polícia passou a funcionar nas redações com frequência alarmante.” O jornal O Estado de São Paulo, antes A Província de São Paulo, protestou contra essa situação em 26 de março de 1890. “tem hoje na República garantias menos seguras e menos eficazes do que as que lhe dava a Monarquia.” Em Pernambuco, Pará, Rio Grande do Sul, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Bahia a situação era a mesma contra os jornais. No Rio de Janeiro, o jornal A Tribuna, cujos jornalistas criticaram o governo provisório, foi ocupada pelos militares. Todos os funcionários foram espancados, até clientes do jornal e um dos revisores, Jerônimo Ferreira Romariz, morreu em consequência dessa violência. Um telegrama foi enviado por Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, ex-senador, ao filho Joaquim Inácio Cardoso, alferes e ativo participante da Proclamação da República que dizia: “Vocês fizeram a República que não serviu para nada. Aqui agora, como antes, continuam mandando os Caiado.” Joaquim Inácio seria o avô do presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que contou com o apoio do deputado Ronaldo Caiado, em Goiás! Era ex-presidente da UDR contra o MST, que reivindicava a reforma agrária, nunca verdadeiramente efetuada.
19.   Ordem e Progresso
Com a proclamação da República houve uma febre no Brasil de mudanças de nomes nas ruas, estradas, praças, chafariz, logradouros públicos. Também estátuas, obeliscos e outros monumentos foram construídos de maneira açodada para celebrar o golpe.  Vias com  nomes portugueses “singelos e poéticos... foram vítimas da síndrome rebatizatória do governo.” O Beco das Cancelas virou travessa Dr. Vicente de Sousa, rua da Misericórdia passou a ser a rua do Batalhão e assim por diante. Esse fenômeno aconteceu na maioria das cidades brasileiras. Queriam eliminar qualquer vestígio da Monarquia. A ferrovia D. Pedro II passou a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil. Criaram datas cívicas, tentaram mudar a bandeira e gostariam de alterar até o Hino Nacional Brasileiro. Queria eliminar a apatia dos cidadãos brasileiros, mas o movimento, infelizmente, não havia vindo do povo e sim da elite militar. Buscava-se “uma nova identidade ao país”. “Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação” escreveu o mineiro José Murilo de Carvalho, autor de A Formação das Almas. Tiradentes foi tirado do quase anonimato para tornar-se herói, depois de um século, e o dia de seu martírio e morte tornou-se feriado nacional assim com a Proclamação da República. O hino nacional e a bandeira deram muito trabalho e várias discussões, contudo o povo insistiu no velho hino nacional do tempo do império! Em 15 de janeiro de 1890, no segundo mês da existência do novo regime, houve um desfile e, no final, um lanche. Deodoro, “generalíssimo”, trouxe uma banda militar que começou a tocar a Marselhesa! “O povo... reagiu mal aos acordes... começou a pedir aos gritos: O Hino Nacional! O Hino Nacional!” E o nosso velho hino foi executado, pois estava gravado na alma dos brasileiros. Foi mantida a composição de Francisco Manuel da Silva. A bandeira brasileira havia sido idealizada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, no centro do losango amarelo havia o brasão e a coroa imperiais emoldurados por ramos de café e tabaco. Os positivistas queriam adotar sua própria bandeira e a encomendaram ao pintor Décio Villares. Nesse desenho, mantinha-se tudo igual, substituindo a coroa por um círculo azul com as estrelas que apareciam no céu do Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1889. Assim mesmo houve grande controvérsia, a primeira pela posição das estrelas e a segunda pelos dizeres “Ordem e Progresso”, pois essa expressão incorporava a filosofia do francês Auguste Comte. Apesar da oposição “a divisa foi mantida na bandeira graças ao apoio de Benjamin Constant, um admirador de Comte.” O inesperado é que apesar dos dizeres da nova bandeira o que prevaleceu no Brasil nessa época, foram “pouca ordem, minguado progresso – e, definitivamente, nenhum amor.”

FLORIANO PEIXOTO 'MARECHAL DE FERRO', PRUDENTE DE MORAIS


20.   O difícil começo
Nos quinze meses de duração do governo provisório “cada ministro era uma fábrica de leis. Cada ministro valia por um Congresso.” Essa foi a avaliação de Raimundo Magalhães Júnior. Houve a separação entre Igreja e Estado, estabelecendo o casamento civil. Havia muitas dificuldades e nenhuma experiência dos novos governantes. “A rotatividade nos governos estaduais foi altíssima.” Barbosa, Bocaiúva e Glicério receberam títulos de general de Deodoro, assim como outros ministros de seu governo. O governo passou a ser militar e os seus soldos foram ao patamar mais alto já visto. Em 1889 o ano terminou com aumento de 50% nesses soldos, superior ao pago na Guerra do Paraguai.  Mesmo pessoas que não haviam participado dos eventos de 15 de novembro acabaram beneficiadas de alguma maneira. A patente de general aos ministros deu-se em 25 de maio de 1890. Um passo importante, porém, foi dado com a nomeação de uma comissão formada por cinco juristas para elaborar o projeto da nova Constituição brasileira. Uma nova comissão constituinte, composta por representantes de todos os estados, iria aprová-lo. O Diário Oficial publicou em capítulos a íntegra da Constituição dos Estados Unidos da América. Divulgou também a Constituição da Confederação Suíça e finalmente a da República da Argentina, a fim de conhecerem as peculiaridades de cada sistema republicano e dessa maneira escolherem o mais conveniente para o nosso país. Essa comissão de juristas formulou três pareceres que, “depois de fundidos e editados por Rui Barbosa, resultaram no projeto submetido à Constituinte.” Nessa época, a  impopular imunidade parlamentar foi aprovada, apesar dos protestos do marechal Deodoro. Ele relutou em aceitar o princípio de independência entre Executivo e Legislativo. A Constituinte foi, afinal, aprovada em 15 de novembro de 1890. Era composta de 205 membros, entre eles 40 militares. Instalada no Cassino Fluminense transferiu-se para o antigo Palácio Imperial da Boa Vista. O dirigente dos trabalhos era Prudente de Morais, líder republicano paulista que após quatro anos tornar-se-ia o primeiro presidente civil da República. Em 24 de fevereiro de 1891, o Brasil adotou sua nova Constituição republicana: 1. Já como República Federativa era constituída por vinte estados autônomos e um distrito federal, a sede do governo. 2. A União compunha-se de três poderes harmônicos e independentes entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário. 3. O presidente da República seria eleito a cada quatro anos, sem direito a reeleição. 4. O vice-presidente, eleito por quatro anos, exerceria também a presidência do Senado Federal, substituindo o presidente sempre que necessário, inclusive em caso de morte. 5. O Poder Legislativo incorporaria o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.  6. O Poder Judiciário compunha-se de duas jurisdições: a Justiça Federal e, a outra, a Estadual com possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal Federal. 7. Eleitos pelo voto direto, governadores e deputados estaduais teriam a competência de tomar decisões e legislar sobre vários temas: orçamento regional, cobrança de impostos e criação de polícias locais. 8. A Constituição assegurava a todos os residentes no Brasil, brasileiros ou estrangeiros, direitos à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Também direitos de associação, de representação aos poderes públicos, de locomoção, de inviolabilidade do domicílio, de liberdade de imprensa e de tribuna, independentemente de censura prévia e liberdade religiosa. 9. O sufrágio seria universal e secreto para todos os cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos. Propuseram o direito do voto feminino, mas ele seria transformado em lei somente quatro décadas depois, em 1932.
21.   A roda da fortuna
Nos jornais do Rio de Janeiro, apareceram anúncios de várias instituições particulares onde convidavam os cidadãos a participar dos empreendimentos “na condição de acionistas.” Isso seria uma oportunidade de rápida fortuna. “Tudo muito fácil e muito simples.” Quem lesse esses anúncios teria certamente “a impressão do surgimento de um novo e arrojado Brasil.” No lugar de um país analfabeto, pobre e de economia agrária, rudimentar, “agora nascia uma nação empreendedora, ousada, de economia complexa e variada.” Tudo isso do nada. Ledo engano! Essa situação durou poucos meses. Passou para a história com o nome de Encilhamento. “Cascatas de ideias, de invenções, de concessões rolavam todos os dias...” “Encilhamento vem do verbo encilhar, colocar e apertar os arreios dos cavalos antes das provas do turfe.” Esporte que era bastante popular, nas cidades grandes no final do século XIX. O encilhamento foi “a primeira grande corrida especulativa no Brasil.” Rui Barbosa, jurista baiano e ministro da Fazenda, estimulou um decreto para o Encilhamento em janeiro de 1890, sem aconselhamento dos demais colegas de ministério. A emissão do papel-moeda estava atrelada ao ouro. Era uma garantia para não gerar inflação, entretanto, Rui Barbosa “alterou esse parâmetro ao autorizar a criação de dez novos bancos que... poderiam fazer emissões lastreadas em títulos da dívida pública federal.” “Os bancos emitiam dinheiro e o governo garantia.” Mas o resultado foi catastrófico. Apesar do lema do novo regime ser austero e organizar a amortização, não contrair novas dívidas e reservar, a dívida externa brasileira somava 30 milhões de libras esterlinas e a interna o dobro disso. A suposta política de austeridade ruiu com o decreto dos bancos emissores, e a inflação disparou. Em dois anos o governo republicano emitiu 320 mil contos de réis, 167% acima da base monetária herdada da Monarquia! Essa dívida deixou de ser paga e aumentou nos anos que se seguiram. Os bancos quebraram e os cofres públicos perderam mais de 2,5 milhões de libras esterlinas, 720 milhões de reais de hoje. Esse ato afetou muito a biografia de Rui Barbosa. Esse endividamento vinha da Monarquia, mas com o Encilhamento as coisas degeneraram muito. Ele também mandou queimar os registros de comércio de escravos, uma vergonha para o Brasil, contudo para a pesquisa histórica foi uma grande perda. Quem ficou milionário no Encilhamento perdeu facilmente a fortuna comprando joias, fazendas, casas, e títulos de nobreza vendidos por Portugal, que custavam uma fortuna. Houve alguns sucessos como a Companhia Antarctica Paulista, a Companhia Melhoramentos de São Paulo e o surgimento das bolsas de ações que ajudariam a organizar o mercado brasileiro. A Bolsa de Valores de São Paulo foi criada em 1890 “e hoje é uma instituição sólida e respeitada.” O ministério de Deodoro passou por essa crise e outra viria com a concessão do porto das Torres no Rio Grande do Sul, com empréstimo e juros privilegiados, o que parecia um caso de favoritismo político. Os ministros pediram demissão coletiva. O governo provisório, com problemas imensos que não estavam previstos, acabou em 25 de fevereiro de 1891. “Nesse momento entraria em cena... o alagoano Floriano Peixoto, também conhecido como o Marechal de Ferro.”
22.   O caboclo do Norte
Deodoro da Fonseca encontrava-se, em novembro de 1891, doente e enfraquecido. O senador Quintino Bocaiúva havia apresentado uma moção declarando Benjamin Constant, falecido há pouco, “o verdadeiro fundador da República brasileira e um belo modelo de virtudes.” Deodoro achou inaceitável, pois se considerava o pai do novo regime. No Golpe de Três de Novembro, publicou dois decretos que dissolveram o Congresso e instauravam o estado de sítio. Como reação houve rebelião e protesto em todo país. Atacado e incapaz de encontrar uma saída, o velho marechal renunciou ao seu governo. Ele morreu nove meses depois desse fato, em 1892, enterrado à paisana e sem honras militares, como desejava. Em seu lugar entrou o vice-presidente Floriano Peixoto, alagoano e marechal, que teve o governo “mais tenso e violento dos primeiros anos da República.” Deparou-se com uma crise financeira de grandes proporções, intensas divergências entre as lideranças, a Marinha em oposição ameaçando bombardear a capital do Brasil e crise política no Rio Grande do Sul, que desencadeou em guerra civil. Floriano começou com uma faxina no aparelho da República. Aproveitou-se da crise e reforçou “o seu poder pessoal”, passando a ser chamado de “Marechal de Ferro”. Obrigou o Congresso a encerrar seus trabalhos e governou sob estado de sítio. Os opositores foram presos e deportados. Houve muitas mortes de brasileiros em defesa de suas opiniões políticas. Muito sangue foi derramado e isso definiria para sempre os rumos da República brasileira. Esse homem magro e franzino apresentava-se sempre impecavelmente fardado, com todas as medalhas conquistadas na Guerra do Paraguai. Sua vida particular nunca era exposta e desconfiava-se que fosse um alcoólatra. Euclides da Cunha descreveu-o como “uma figura insolúvel e dúbia... aspecto de eterno convalescente... olhar perdido... sem se fitar em ninguém.” Os sonhos republicanos não haviam sido realizados como se pensava e se queria. Euclides fez críticas a ele para o jornal O Estado de S. Paulo e Rui Barbosa, no exílio, também lhe fez duras recriminações. Floriano nasceu em 30 de abril de 1839 e era filho de um pobre agricultor. Foi entregue a um tio poderoso, que iria educá-lo. Aos 16 anos muda-se para o Rio de Janeiro, aos 18 anos alistou-se no Exército. Em 1861 matriculou-se na Escola Militar da Praia Vermelha, sendo colega do futuro barão do Rio Branco. Aos 25 foi enviado para a Guerra do Paraguai e lá ficou por cinco anos, até o término da guerra. Seus atos de bravura foram além disso, na batalha do Tuiuti, Itororó, Lomas Valentinas e Angustura. “Inteligente, zeloso e honrado no cumprimento dos deveres” foi promovido a capitão, major e tenente-coronel. Ele participou das forças brasileiras que mataram Solano López. Com o fim da guerra, sua carreia burocratizou-se. Em Mato Grosso alistou-se no Partido Liberal. Foi promovido a marechal de campo nas vésperas da Proclamação da República. Ele, entretanto, nunca conspirou contra a Monarquia. Dizia que era “carneiro de música de batalhão, para onde vai a música, lá vai o carneiro...” Tinha, desse modo, um papel dúbio. Governou o Brasil com mão pesada durante todo o seu mandato, prendendo, deportando, executando os adversários da República para salvá-la, assim como sua Constituição. Em uma carta ao general Neiva em 1887, escreveu: “... Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai por este pobre país e, portanto, a necessidade da ditadura militar para expurgá-la.” Precisava guardar a Constituição na gaveta, ou seja, “ignorar todos os princípios constitucionais e baixar o porrete nos adversários...” Apesar de seu comportamento violento foi considerado salvador da pátria e alcançou uma surpreendente popularidade. Tinha verdadeiro desprezo pelos rituais de seu cargo. Tomava o bonde para voltar para casa e pagava a passagem do próprio bolso! “Gostava de receber cartas anônimas, com denúncias e mexericos às vezes contra os próprios aliados.” A oposição a esse marechal era quanto à legitimidade do seu governo. Caberia a ele convocar novas eleições de imediato, mas ignorou a disposição constitucional e “se manteve firme no cargo por mais três anos.” Precavido, usou sempre o título de vice-presidente. Em 1892, treze comandantes das Forças Armadas exigiam a convocação imediata das eleições, em um documento assinado por todos. Floriano mandou demitir os generais e reformou-os por medida administrativa. Decretou, então, estado de sítio por 72 horas, para acautelar-se contra novos protestos. Diversos opositores foram presos e deportados para a Amazônia. Ameaçado falou: “Se os juízes do Tribunal concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão.” O Supremo negou o habeas corpus. Saldanha da Gama desabafou em uma frase famosa: “Não era essa a República dos meus sonhos!”
23.   Paixão e morte
O escritor americano Ambrose Bierce, correspondente do Tribune em Buenos Aires leu um artigo que o fez dirigir-se imediatamente ao Rio Grande do Sul. Em Rio Negro havia ocorrido um espetáculo dos mais sangrentos: setecentas pessoas haviam sido degoladas. Chegando lá verificou que na porteira do curral de uma fazenda de gado, “havia lama ressequida empapada de sangue humano”, que exalava a carniça e bandos de urubus sobrevoavam o local. Ele relatou detalhadamente essa situação em uma reportagem. Encerradas no curral as vítimas era degoladas uma a uma ao receberem “um golpe certeiro de facão na garganta.” Esse horror, ocorrido em 1893 durante a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, ocasionou a morte de impressionantes números – 10 e 12 mil pessoas perderam a vida, inclusive degolas coletivas de 2 mil vítimas. Nesse sangrento episódio de nossa história encontravam-se os republicanos apoiadores de Floriano Peixoto e o governador Júlio de Castilhos, “os legalistas” ou pica-paus. Do outro lado, sob a chefia de Gaspar Silveira Martins e o comando militar do caudilho uruguaio Gumercindo Saraiva, “os maragatos”, descendentes de espanhóis de origem berbere, que chegando ao Rio da Prata, no século XIX, introduziram a bombacha, calças largas apertadas no tornozelo, ainda encontradas entre os gaúchos. Mestiços de europeus, índios e negros eram um povo rústico, lutando por comida e saqueando as regiões ocupadas por eles. Combatiam a cavalo, sendo exímios no uso do facão, espada e lança. Cerro Largo no Uruguai, com fazendeiros gaúchos donos de 70% das terras, era seu principal reduto. O liberal Silveira Martins, nascido nessa região, era um dos donos dessas terras.  Eles foram os responsáveis pelo massacre descrito. Semanas mais tarde, os legalistas de Floriano, de Júlio e de Castilhos, em represália, promoveram outra degola em Boi Preto, próximo a Palmeira das Missões, onde morreram 370 maragatos. Nos anos seguintes à Proclamação da República, com Floriano Peixoto e até a posse de Campos Salles, “esses massacres, fuzilamentos, prisões e exílios forçados foram o preço que o novo regime pagou pela própria consolidação.” Joaquim Nabuco observou que “a fatalidade das revoluções é que sem os exaltados não é possível fazê-las e com eles é impossível governar.” O Rio Grande do Sul era “o ponto nevrálgico da República”. Durante o século XIX, a região esteve sob permanente estado de conflagração. Na Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845, 3.400 mortes ocorreram. “A população masculina havia sido devastada pelas guerras regionais.” Os importantes teóricos da República como Joaquim Francisco de Assis Brasil, José Gomes Pinheiro Machado e Júlio Prates Castilhos se encontravam lá, cada um em uma vertente. Assis Brasil, liberal. Pinheiro Machado, conservador, Castilhos, positivista. Gaspar Silveira Martins, por sua vez, monarquista convicto e conhecido como “o rei do Rio Grande.” Isso arruinou a política local, pois em dois anos o estado teve dezoito governadores. Era tão ingovernável quanto seus países vizinhos, escreveu o americano Ambrose Bierce. Júlio de Castilhos, advogado formado na Faculdade de Direito de São Paulo, adotou a doutrina positivista de Auguste Comte. Era gago para seu desespero, mas quando discursava ela desaparecia completamente. Juntou-se, no Sul, a Venâncio Aires através do jornal A Federação. Ali pode combater o Império, a escravidão. Gaspar Silveira Martins era também um “orador inflamado.” Muito culto, Martins sabia de cor vários trechos escritos por Shakespeare, Allan Poe, Baudelaire, Renan e Victor Hugo. Amava mais a pátria do que os negros e chamava Castilhos de “gaguinho de A Federação.” Ele foi o homem que D. Pedro II nomeara para chefe do Ministério, mas foi exilado e voltaria em 1892. Castilhos, positivista, acreditava em uma fase ditatorial para salvar a República. Queria “a centralização do poder na figura do ditador republicano”, mas na Constituinte “essas ideias não vingaram”. Tornou a expô-las e “o texto foi aprovado de forma esmagadora pela Assembleia Constituinte Estadual” controlada por Castilhos. A constituição gaúcha tinha o voto aberto e era manipulado pelos chefes regionais favoráveis a Castilhos e o dispositivo da reeleição garantiu-lhe o poder por período indefinido. Essa posição e sua rivalidade brutal com Silveira Martins foram uma das causas da sangrenta Revolução Federalista do Rio Grande do Sul. Ele apoiou o golpe de Deodoro, que fechou o Congresso. Acabou deposto e substituído por uma junta de governo, “o governicho”. A junta durou pouco, passando o governo para o general Barreto Leite, mas Castilhos e seus aliados arrombaram um edifício público em Porto Alegre e instalaram um governo paralelo como o legítimo para os gaúchos. O general refugiou-se a bordo da canhoneira Marajó. Em nova eleição foi eleito em janeiro de 1893, usando mão de ferro. Em represália, os federalistas de Silveira Martins contra atacaram. O caudilho Gumercindo da Silva deixou o Uruguai e formou uma tropa de 500 homens, que invadiu o Rio Grande do Sul. O general João Nunes da Silva Torres ocupou outra região com três mil homens. O governador convenceu o presidente que o levante federalista não era somente uma guerra dos gaúchos, “mas a tentativa de restauração da Monarquia chefiada por Silveira Martins”.   Vários homens do sul do país desejavam a retomada do antigo regime. Floriano “usou habilmente o temor da restauração para esmagar os adversários.” Estado de sítio foi declarado por tempo indeterminado, pois a República tinha um inimigo poderoso. “Floriano venceu a Segunda Revolta da Armada pelo cansaço” e os navios rebelados dispararam “um único tiro”, que atingiu a torre da igreja Candelária, sem outros problemas.  Floriano, vencedor, decide romper com Portugal. Gumercindo travou cinco grandes batalhas e setenta combates contra as tropas federais e os pica-paus de Júlio de Castilhos. As forças de Gumercindo tentaram avançar rumo a São Paulo e Rio de Janeiro, mas a batalha decisiva foi o Cerco da Lapa, no Paraná, que resistiu ao bloqueio, graças à reorganização das tropas efetuada por Floriano Peixoto. Gumercindo Saraiva chegou a intimidar Floriano a “renunciar sob ameaça de levar suas tropas até o Rio de Janeiro.” Derrotado, Gumercindo teve de enfrentar uma longa e penosa retirada para o território gaúcho. “Em 23 de agosto de 1895, um armistício colocou fim à República Federalista.” Entretanto seu sucessor e amigo Antonio Augusto Borges de Medeiros governou o Rio Grande do Sul por incríveis 25 anos, caso nunca visto na história republicana brasileira.
24.   O desafio
O paulista Prudente José de Morais e Barros, em 2 de novembro de 1894, chegou ao Rio de Janeiro para sua posse como o primeiro presidente civil da República. Incrivelmente, encontrava-se sozinho e desamparado. Em sua chegada ninguém foi recebê-lo! Dirigindo-se para o Hotel dos estrangeiros também não encontrou ninguém.  Já no hotel passou um telegrama para Floriano Peixoto pedindo uma audiência para a transmissão do cargo e não foi atendido! “A audiência nunca aconteceu.” Em 15 de novembro, Prudente de Morais vestiu-se como mandava o protocolo, esperando que fossem buscá-lo, mas, também desta vez, ninguém compareceu. Veio em “um calhambeque em péssimo estado”, com um “cocheiro mal-ajambrado” como descreveu Hélio Silva. Foi nesse veículo que chegou ao centro da cidade. Então surge Cassiano do Nascimento, secretário de Floriano, que em nome do marechal, com um pequeno discurso, transmitiu “o cargo ao novo governante.” Para voltar ao hotel, o novo presidente pediu carona com o embaixador da Inglaterra. Foi pessimamente acolhido pelos militares da época, que não queriam deixar o governo. Prudente, em seu primeiro dia de trabalho, encontrou um palácio abandonado, sem ao menos “uma escrivaninha ou cadeira onde pudesse sentar”. Os móveis encontravam-se puídos, rasgados e as gavetas vazias. “Tudo indicava ao fracasso”. Eça de Queiroz chegou a dizer que “derrubado o Império, o Brasil também desapareceria” e seria “um antigo nome da velha geografia política.” Outros personagens da elite mundial da época tinham a mesma opinião. Todavia o caos dos primeiros anos republicanos forçou o afastamento militar. Francisco Glicério fundou o Partido Republicano Federal, PRF, e esse foi o primeiro movimento para colocar ordem na casa, com “ênfase nas liberdades individuais e na autonomia dos estados”, que agora estavam sob a liderança civil. Floriano Peixoto teve de ceder à determinação do PRF, uma vez que sem o apoio dos paulistas jamais conseguiria vencer os federalistas Silveira Martins e Gumercindo Saraiva. “Apenas, dois por cento da população brasileira participaram da escolha do primeiro presidente civil da República.” O partido conseguiu também a totalidade da Câmara de Deputados e um terço do Senado, cuja presidência ficou com um dos membros do PRF. Sua vitória foi confirmada em março de 1894, entretanto, Floriano continuava sendo cultuado. “A posse de Prudente de Morais ocorreu em clima de tranquilidade, sem nenhuma reação por parte do Exército ou dos jacobinos.”  Floriano, tal qual seu sucessor, rumou sozinho de bonde para sua casa modesta de subúrbio carioca e sumiu da vida pública. Morreu em junho de 1895. Sua morte foi pranteada nas ruas de todo o Brasil. Seu cortejo foi “acompanhado por milhares de pessoas”. Prudente de Morais modifica fortemente a estrutura do governo brasileiro. Tinha o objetivo de desmilitarizar o país, demitir os funcionários irregularmente contratados, exonerar oficiais irregulares e “um veto ao aumento dos quadros do Exército...” Reatou as relações com Portugal, anistiou os rebeldes da Revolução Federalista e da Revolta Armada para reencontrar a paz no país. Preferia, em casos graves, sempre o arbitramento internacional à guerra. Contudo o conflito de Canudos, no sertão baiano, custaria “a vida de cerca de 25 mil pessoas e uma história de humilhação para o  exército brasileiro, derrotado em três expedições consecutivas por uma bando de jagunços e sertanejos pobres, analfabetos e mal aramados, sob a liderança do messiânico Antonio Conselheiro.” O historiador americano Frank D. McCann escreveu que “depois de Canudos, o Exército ficou em ruínas” e como se veria em Os Sertões de Euclides da Cunha, Canudos foi um espasmo violento de um Brasil ermo, miserável, analfabeto, dominado pelo fanatismo”. Prudente recepcionou dois batalhões do Exército que retornavam de Canudos. De 12.000 homens em luta, 5 mil haviam morrido. Quando Prudente de Morais foi atravessar o pátio para a cerimônia um anspeçada (cargo militar muito baixo) tentou matá-lo a facadas, mas foi salvo pela iniciativa do ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, que recebeu os golpes, morrendo em seguida. O inquérito instaurado depois de sua morte, mostrou que havia um enorme complô contra o presidente. Além do anspeçada, Marcelino Bispo, mais outras 22 pessoas foram responsabilizadas,  inclusive o próprio vice-presidente, o baiano Manuel Vitorino Pereira e o chefe republicano paulista Francisco Glicério! E essa não fora a única tentativa de assassinato. A população ficou do lado de Prudente de Morais. Depois disso ele teve chance de realizar seus objetivos sem perturbações. O Clube Militar foi fechado, o grande foco de conspirações. Transferiu seu governo ao segundo presidente civil, Campos Salles. O Brasil encontrava-se sem dinheiro para honrar seus débitos no exterior. Em 1900 a situação era de tal gravidade que a metade dos bancos faliu. Durante sua posse, Campos Salles anunciou uma “política nacional de tolerância e concórdia.” Houve uma vasta aliança entre o governo central e os chefes políticos regionais. O país encontrava-se em regime de moratória. A fraude eleitoral estava espalhada por todo país, com o voto a descoberto e falta de independência do eleitorado.  A verdade é que o novo sistema era parecido com o da Monarquia. Os figurões e governantes trocaram apenas de nome e de lugar. “O antigo sistema de toma lá dá cá, inaugurado por dom João na chegada da corte ao Brasil... manteve-se inabalável.” Observou Raymundo Faoro “depois de dez anos de tropeço, descarta-se, como o Império... do mais sedicioso e anárquico de seus componentes: o povo.” Por cem anos prosseguimos com tal política, “com golpes e rupturas entremeados por breves e instáveis períodos de democracia.” Depois da longa e funesta ditadura militar, finalmente tivemos a Campanha das Diretas, pondo fim ao antigo regime e esperamos que a República acolha o povo para a formação de um país melhor. 
Regina Maura de Sant’Anna Horemans: Alguma semelhança com o sistema atual?





MARECHAL DEODORO DA FONSECA, JOAQUIM NABUCO, JOSÉ DO PATROCÍNIO