quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Processo de Franz Kafka¹





Alguém certamente havia caluniado Joseph K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.”
Nunca havia lido Franz Kafka e quando iniciei a leitura desse livro tive a impressão de estar lendo Crime e Castigo de Fiodor Dostoievsk, não só pelo conteúdo, mas pela forma. Kafka, certamente, foi influenciado por esse grande escritor.
O início da narrativa do livro é totalmente caótico, lembrando vivamente um pesadelo, quando você quer encontrar alguma coisa e não sabe o que e quando a encontra não sabe o porquê. Os diálogos chegam a ser até pueris, de tão surrealistas e exaustivamente repetidos. Josef K., um alto funcionário de um banco, acorda na manhã de seu trigésimo aniversário, em uma pensão onde morava e após irritar-se por seu café da manhã não ter sido servido, é abordado por guardas que determinam sua detenção, mas não sabem relatar-lhe o porque dela, qual seria o seu delito. Irritado e abismado pela imposição vê-se obrigado a se dirigir a uma autoridade que lhe dê maiores explicações. Nenhuma é oferecida. Tendo que ir ao trabalho argumenta se estaria detido, mas para sua incredulidade, não está absolutamente detido, somente notificado que corre um processo contra ele. A lei dirá o que ele deverá fazer ou não, mas ele não tem como saber a causa e se defender. Terá que esperar durante o tempo que ela, a lei, quiser e prover. O livro discute exatamente a desumanização da burocracia monárquica da região do Danúbio (1914, quando inicia sua obra).
Nosso herói, desorientado, procura ajudas diversas, mas sempre de pessoas ao seu redor, pouco influentes. Chega a entrar em um tribunal popular, um local dentro de um edifício residencial, totalmente deteriorado, e seguindo a deriva, encontra uma escada que o leva a uma sala repleta de pessoas modestas, algumas também são acusadas como ele, e outras fazem parte de um júri ridículo. O local é sem ventilação, quente, poluído, decadente sujo e claustrofóbico. Parece para o leitor, ser uma central sindical de baixíssima categoria. Essa sensação angustiante, indigna, dúbia e claustrofóbica será expressa até o final do livro. Os inquéritos do processo são breves e repetidos várias vezes, não indicando hora, somente o local. O réu está sempre à disposição da lei. Numa manhã de domingo depois de muita espera, K. é questionado por um juiz se é o pintor de paredes. “Não, sou procurador de um grande banco”, responde K. A partir daí, se desenrola um verdadeiro TEATRO DO ABSURDO, pois não sendo o pintor de paredes, não tem razão para continuar lá, é a pessoa errada, mas ele não leva isso em consideração e prossegue numa defesa do NADA, sem QUESTIONAR nada, sem procurar IDENTIFICAR seu acusador. Não diz seu nome e se deixa interrogar! Além do irracional da situação o leitor se sente indignado com seu comportamento de se deixar levar! Ele se considera incorruptível, mas tenta seduzir algumas mulheres, entre elas sua vizinha de quarto, Senhorita Bürstner, por quem se sente muito atraído, para que o ajudem a encontrar uma solução, em vão. O personagem é, na maioria das vezes, descrito como um ser humano infantilizado, que acredita em qualquer coisa. Para a democracia contemporânea seu comportamento nos frustra e nos irrita. O tribunal quer provas de sua inocência, mas como pode oferecê-las se não sabe qual é seu delito? Josef, com tantos desmandos, vai tornando-se um homem dócil, enfraquecido, vulnerável, sem nenhum pragmatismo, é apenas conduzido, o que não ocorre no início do livro. Josef, depois de um longo interrogatório, perde o controle de sua mente e de sua aparência. Despenteado, desorientado e aturdido vê-se finalmente livre para sair à rua, mas se sente doente. “Será que por acaso seu corpo queria fazer uma revolução, preparando um novo processo, já que ele suportava o antigo com tão pouco esforço?” pensa.
Josef acaba se recuperando e a suspeita de que os altos funcionários são corruptos é cada vez mais exacerbada. Numa noite, quando saia do escritório, ouve gritos e gemidos. Num cubículo, testemunha o espancamento dos dois guardas que o prenderam, por um homem, espancador por ofício, que apesar de ter sido subornado por Josef com dinheiro para terminar com a barbárie, se nega a deixá-los, simplesmente por que é pago para espancar, então espancará até a morte, se preciso!
Sabendo dos processos contra K., seu tio Karl vai visitá-lo, pois tendo sido seu tutor, se acha responsável por ele, aconselhando-o a contratar o advogado Huld, que fora seu amigo de juventude, para ajudar a preservar o bom nome da família. Agora temos outras cenas surrealistas. Huld é um velho decrépito, doente, safado, que recebe os clientes em seu humilde quarto, pois não pode sair da cama, tendo uma enfermeira sedutora, Leni, que dorme com ele e seus clientes! Kafka pontilha este livro com muitas mulheres fáceis e desonradas. Sua opinião com relação às mulheres é machista ou irônica. O próprio Josef pondera “Faço a corte a ajudantes, pensou com espanto; primeiro a senhorita Bürstner, depois a mulher do oficial de justiça e finalmente esta pequena enfermeira...” Josef K. desiludido com o rumo das coisas, pois “Não conseguia mais deixar de pensar no processo. Já tinha refletido com freqüência se não seria bom redigir um documento de defesa e apresentá-lo ao tribunal.” Nesse contexto é inútil um réu se defender, pois uma vez acusado será condenado. Essa é a opinião de um paupérrimo e altivo pintor retratista, apresentado a K., pois se supõe que ele tenha alguma influência na corte, já que desde os tempos de seu pai, sua família retratava os juízes do país. K. deixa-se proteger pelo pintor, a princípio, mas o dispensa, não sem antes ter-lhe comprado três quadros que não queria e não gostava. O processo corre há meses, vagarosamente, entorpecendo o réu e mantendo-o sempre ligado à extensa e morosa burocracia, sem espaço para trabalhar ou se concentrar em seu benefício! O leitor se vê atordoado, atônito. Josef, agora descontente com o andamento das coisas, retira, a duras penas, a representação do advogado, resolvendo defender-se sozinho. “Embora K. confiasse na possibilidade de fazer tudo isso, a dificuldade para redigir a petição era esmagadora.” Os juízes são influenciáveis e as soluções dos casos não podem ser publicadas. É um regime governamental infernal, que se opõe a defesa de Josef. Sem espaço mental para trabalhar e produzir como era sua rotina anterior, negligencia sua clientela que, sem ser atendida, passa para o diretor adjunto do banco, o beneficiando com o estado deplorável de K.. As pessoas descritas na obra quer sejam importantes ou muito humildes, se comprazem em humilhar e espionar seus semelhantes mais fracos ou envelhecidos. Chega ao banco um importante cliente italiano e é confiado a Josef levá-lo a uma catedral para que ele aprecie o estilo arquitetônico e as obras de arte. K. irá antes, encontrando o italiano depois, já dentro dela. Ocorre que isso é uma armadilha. Na verdade ele se depara, depois de horas, com um sacerdote, capelão do presídio, que fazendo parte do júri o criva de perguntas, informando que o processo vai mal e provavelmente será julgado culpado. “... É um equívoco. Como é que um ser humano pode ser culpado? Aqui somos todos seres humanos, tanto uns como outros”, argumenta Josef. Chegando ao final temos um personagem completamente desconstruído. Na véspera de seu trigésimo primeiro aniversário, Josef K. encontra-se completamente indiferente ao seu destino. Decorrido um ano, sem nenhuma produção profissional ou pessoal, entorpecido e alquebrado, vestido de preto (luto pelo seu fracasso?) não se rebela contra os dois senhores, pessoas baratas, de cartolas “irremovíveis”, que o arrastam à luz calma do luar, até seu destino final. Conduzido a uma pedreira e colocado sobre uma pedra, seu leito de morte, seu olhar incide sobre a janela iluminada de uma casa. Uma pessoa se projeta e estica os braços mais para frente. “Quem era? Um amigo? Uma pessoa de bem?... Havia ainda possibilidades de ajuda?... A lógica, na verdade, é inabalável, mas ela não resiste a uma pessoa que quer viver. Onde estava o juiz que ele nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal o qual ele nunca havia chegado? Ergueu as mãos e esticou todos os dedos.” Esfaqueado na garganta ainda viu o momento da decisão.
“Como um cão- disse K.”
“Era como se a vergonha devesse sobreviver a ele.”
Nosso herói ou anti-herói questiona o poder repressivo, contudo se submete a ele e segue para o seu assassinato sem qualquer resistência.


Essa inigualável história, considerada um dos maiores romances do século passado, ficou sendo um fragmento, pois suas partes separadas foram reunidas e só depois publicadas. Existe a possibilidade de que o romance tenha sido baseado em fatos reais ocorridos contra um deputado de direita, denunciado como informante da polícia secreta de Praga, junto ao governo vienense em 1914. O estilo realista de Kafka é sufocante, deixando o leitor refém de sua narração.

Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1883, em Praga, cidade que na época pertencia à monarquia austro-húngara. Filho de um abastado comerciante judeu, Kafka cresce sob as influências de três culturas: a judaica, a tcheca e a alemã. Formado em direito, trabalhou sempre em cargos burocráticos. Solitário, com a vida afetiva marcada por irresoluções e frustrações, Kafka nunca atingiu fama ou fortuna com seus livros, na maioria editados postumamente.A Metamorfose (1916) narra o caso de um homem que acorda transformado em gigantesco inseto; O Processo (1925) conta a história de um certo Josef K., julgado e condenado por um crime que ele mesmo ignora; n'O Castelo (1926), o agrimensor K. não consegue ter acesso aos senhores que o contrataram. Essas três obras-primas definem não apenas boa parte do que se conhece até hoje como "literatura moderna", mas o próprio caráter do século: "kafkiano". Autor de várias coletâneas de contos, Kafka escreveu também a avassaladora Carta ao Pai (1919) e centenas de páginas de diários. Deixou inacabado o romance Amerika. Morreu no dia 3 de junho de 1924, num sanatório perto de Viena, onde internara-se com tuberculose. Desde então, seu legado -resgatado pelo amigo Max Brod- exerce enorme influência na literatura mu
[1] Kafka nasceu em Praga no dia 3 de julho de 1883, Boêmia, (hoje República Tcheca). Formado em direito, numa deixou de escrever, apesar da tuberculose. Faleceu no sanatório de Kierling em 1924, aos 41 anos. Encontra-se enterrado no cemitério israelita de Praga. Atualmente é considerado um dos maiores escritores de século XX.

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