segunda-feira, 19 de abril de 2010

MADAME BOVARY de GUSTAVE FLAUBERT










Este é um grande romance escrito no século XIX.
De algum modo se assemelha aos livros de seus grandes pares da época, mas tem muito de inovador. Nessa obra, Flaubert descreve admiravelmente bem a vida das pessoas simples do campo, assim como as de uma classe superior que gostariam de alcançar vôos mais altos e se projetarem de algum modo na sociedade. As descrições da natureza são fenomenais e pequenas frases soltas fazem toda a diferença: “Nada, contudo, era menos curioso do que aquela curiosidade.”
Trata-se da história de dois jovens bem diferentes, mas com o mesmo alicerce social. Charles deveria, segundo seus pais, tornar-se médico e assim ascender como pessoa, mas sendo despretensioso e pouco estudioso, envereda pelo caminho mais fácil, será inspetor de saúde. Casa-se cedo, por escolha de sua mãe, com uma herdeira bem mais velha do que ele, mas ela morre e, então desposa a graciosa e linda Emma, filha de um eternamente grato paciente. Emma é seu oposto. Educada em um convento, é apresentável e polida. Leitora voraz de livros românticos com heroínas apaixonadas e sonhadoras faz de sua vida uma meta para se tornar como elas, até adúltera se fosse necessário. Apesar de ser amada profundamente por Charles, obviamente não consegue corresponder a esse sentimento, por razões pessoais e por considerá-lo naïve, sem maiores ambições. Entretanto, para Charles amá-la perdidamente era sua missão e sua vida. Sentia-se o homem mais feliz do mundo por ter uma mulher tão formosa e refinada. “Quanto a Emma, ela não se interrogou para saber se o amava. O amor, pensava, devia chegar de repente com grande estrondo e fulgurações... Ela não sabia que no terraço das casas a chuva faz lagos quando as calhas estão entupidas e permaneceu assim... quando descobriu subitamente uma fenda no muro.” Essa fenda foi sua vida, seu matrimônio. Emma, uma figura que na época causou muito escândalo, não passava de uma jovem tola que queria ter um amor avassalador e ser objeto de paixão por alguém mais refinado, que realmente soubesse apreciar e retribuir seus anseios e eles não foram poucos.
Com o passar do tempo, o casal tem uma filha, a qual Emma despreza e relega aos cuidados da ama. Sua casa vai ficando cada vez mais sofisticada, assim como suas roupas e hábitos. A trama tem várias passagens muito divertidas, mostrando a presunção e pretensão de algumas pessoas como ela. São um farmacêutico, um escrevente, um homem sofisticado ou algum aluno de Direito que a admiram e agem de modo similar. “Ora – disse ele – não sabe que há almas constantemente atormentadas? Precisam alternadamente de sonho de ação, das mais puras paixões, dos mais violentos gozos, e atiramo-nos assim em toda espécie de fantasia, de loucura.” Essa é a lógica de um de seus amantes, a fim de conquistá-la. Ela gostou do que ouviu. A crítica que Flaubert faz contra o governo, os costumes e a hipocrisia da sociedade são inúmeras, sempre bem humoradas, além de sarcásticas. Os discursos são demagógicos e sem sentido prático. “ O agricultor, senhores, semeando com a mão laboriosa os sulcos fecundos dos campos... E precisaria eu, senhores, demonstrar-vos aqui a utilidade da agricultura?... Quem provê nossas necessidades? Quem fornece o necessário para nossa subsistência... faz nascer o trigo... com ele confeccionar um alimento tanto para o rico como para o pobre...”. E assim vai longe a demagogia e o povo aplaude!
Charles não consegue ver defeito nenhum em sua pacata vida. Está sempre feliz, apesar de trabalhar como um mouro e não ter mais tanta atenção da esposa virtuosíssima. “Charles acabava por dar mais valor a si próprio pelo fato de possuir tal mulher.” Suas dívidas vão se tornando a cada dia maiores, pois Emma gasta sem freios, com prazer e sem culpa. Gasta com ela mesma e com sua casa, que deverá ser uma extensão de seu corpo. No entanto Charles a aprova e assim vai dilapidando sua fortuna pessoal e de sua família.
Uma vez iniciada a ciranda de prazeres a Sra. Bovary não consegue dar um freio digno para si mesma e cada vez afunda mais seu psique e sua auto-estima. Ela é a heroína quase típica da época. Sem profissão, algumas mulheres sentiam um enorme vazio e acabavam por querer igualar-se às mulheres de livros picantes ou açucarados do momento e assim destruíam suas vida e das pessoas próximas. Em algum momento da história, Emma quer se redimir e se volta para a religião com o mesmo fervor que dedicou à volúpia. Mas isso duraria um breve período de sua jovem vida. Todo o erotismo do livro é descrito de maneira inteligente e imaginativa, tanto que as cenas mais picantes passam-se dentro de um fiacre, totalmente fechado, que percorre, aceleradamente, uma pequena cidade francesa, Rouen, de manhã à noite. Lá estavam Emma e seu jovem amante Léon. Flaubert mostra seu gênio impecável mesmo nos momentos mais tensos, quando um de seus personagens está perto da morte com uma perna amputada e o que se segue é um dos mais divertidos diálogos. Charles e Emma, de certa forma se completam, apesar de todas as manipulações da mulher. Na época do lançamento do romance, foi motivo de muita especulação quem teria inspirado Madame Bovary a ele; Gustave respondeu: Emma c’est mois. A narrativa cobre toda a trágica vida do Sr. e Sra. Bovary até o fim de seus dias. Flaubert discorre sobre os mínimos pensamentos humanos com uma habilidade invejável, pois seus personagens, apesar de simples, são complexos como seres humanos e podemos nos reconhecer neles, em suas ambições, vaidades, medo, amor e ódio. É um escritor realista que possuiu uma obra pequena, mas de altíssima qualidade, pois era um homem obsessivo pela palavra, pela construção das frases e pela elegância.
Flaubert nasceu em 12 de dezembro de 1821, em Rouen, Normandia, onde seu pai era um cirurgião de renome. Contudo ele seguiu o caminho da literatura. Fora um leitor ávido desde a adolescência. Em 1841 estuda Direito em Paris, mas depois de constatar que tinha epilepsia volta para a Normandia, em Croisset, onde se dedica inteiramente à escrita. Morre em 8 de maio de 1880. Madame Bovary é um de seus mais famosos romances.

Um comentário:

caixadagua33 disse...

Lí Madame Bovary há muitos anos. Foi bom ler a sua descrição. Me deu vontade de ler novamente.