quinta-feira, 28 de agosto de 2008

FICÇÕES de Jorge Luis Borges



O JARDIM DE VEREDAS QUE SE BIFURCAM (1941) tlön, uqbar, orbis tertius

O personagem que conta esta incrível história explica que ela nasceu da conjunção de dois elementos – um espelho e uma enciclopédia. A enciclopédia, Encyclopaedia Britannica de 1902, reimprimida em 1917(Nova York). O espelho ficava no fundo de um corredor. Nosso narrador e Bioy Casares polemizavam sobre um livro que deveria estar escrito na primeira pessoa e que ele desfigurasse os fatos, tornando-se, assim, apropriado a muito poucos leitores. “Os espelhos têm algo de monstruoso... eles e “a cópula são abomináveis porque multiplicam o número dos homens”. Essa sentença estava escrita no The Anglo-American Cyclopaedia em seu artigo sobre Uqbar. Pesquisando na obra não encontram nada, mas ao sair disse ao amigo que era uma região do Iraque ou Ásia Menor. Bioy ao chegar a Buenos Aires telefona avisando que achara o artigo, mas não o nome do heresiarca[1]. Lendo o resto do documento, ele se mostra um pouco tedioso. Dos nomes geográficos só reconheceram Jorasã, Armênia, Erzerum. Dos históricos Esmerides, o mago. Suas fronteiras eram indistintas. Na seção histórica vêem que os ortodoxos buscam um refúgio nas ilhas (sec.XIII). Em literatura descobrem que ela era de caráter fantástico e que nunca ninguém estivera em Uqbar e suas lendas e epopéias referem-se somente as regiões imaginárias de Mlejnas e Tlön. Herbert Ashe, engenheiro de ferrovias, possivelmente viúvo e sem filhos, ia regularmente à Inglaterra visitar uns carvalhos e um relógio de sol. Mantivera com o pai do narrador uma amizade inglesa “que começa por excluir a confidência, e logo depois omite o diálogo”. Herbert, em 1937, recebe um livro do Brasil, escrito em inglês, e antes de morrer deixa-o em um bar, onde é encontrado, meses depois, pelo narrador. Continha mil e uma páginas, não havia indicação de lugar nem data. Na primeira página continha a inscrição: Orbis Tertius. O livro contava a descrição de um planeta desconhecido com toda sua arquitetura, história, geografia, botânica, mitologia, geologia, matemática, teologia e metafísica. Tudo isso sem intenção droutinária. Mas quem são os inventores de Tlön? A princípio acreditava-se que era um caos, agora se sabe que não: é um cosmo e há leis que o regem. As nações que compõem esse planeta são idealistas e suas regras “pressupõem o idealismo”. Seu mundo é uma sucessão de atos independentes. É “sucessivo, temporal, não espacial”. Não há substantivos, os verbos são impessoais. Os substantivos são compostos por um grande número de adjetivos. A célula principal da língua é o adjetivo monossilábico. Sua cultura clássica é a psicologia. A maneira como raciocinam invalidaria a ciência, mas elas permanecem em grande número. Seus metafísicos “buscam o assombro”. Uma de suas escolas, por exemplo, diz que “o presente é indefinido, que o futuro não tem realidade senão como esperança presente, que o passado não tem realidade senão como recordação presente. (Analisemos esse depoimento. De fato o presente é o agora, o passado só lembrança e o futuro é um anseio! Essa é uma das afirmações mais belas e verdadeiras que já li!). Outra escola diz que nossa vida é pura recordação do que já transcorreu e mais outra que enquanto dormimos aqui, estamos acordados em outro local, conseqüentemente somos dois! O materialismo é simplesmente abominado nesse planeta. A geometria de Tlön é dividida em visual e tátil, sendo esta subordinada à visual. Sua base é a superfície “o homem que se desloca modifica as formas que o circundam”. Já na aritmética a base são os números indefinidos. Na literatura o sujeito é único. Os livros são raramente assinados, todas as obras acabam pertencendo a um só autor, pois não existe o plágio! O escritor torna-se anônimo e atemporal e um livro que não inclua seu contra livro é considerado incompleto. Em Tlön as coisas multiplicam-se, mas também se apagam e perdem “os detalhes quando as pessoas se esquecem”. O exemplo clássico disso é um umbral que durou enquanto um mendigo visitava-o, mas após sua morte, se perdeu. Em 1941 achou-se uma carta elucidativa do mistério de Tlön. Seu texto dizia que no século XVII, em Londres ou Lucerna, é fundada uma sociedade secreta a fim de inventar um país. Todavia diante de tantas dificuldades e o tempo exaurindo, seus membros viram que era impossível acabar essa missão e escolheram um discípulo cada um, para continuar a obra. Era uma “disposição hereditária”. Depois de dois séculos a mesma sociedade ressurge na América do Norte. Em 1824, Memphis, uma pessoa membro da sociedade procura um milionário, Ezra Buckley, e lhe propõe inventar um país na América. Contudo esse magnífico homem contrapõe com o projeto de inventar um outro planeta! Só um item é solicitado: “guardar no silêncio a empresa enorme”. Ezra sugere a feitura de uma enciclopédia “do planeta ilusório” Tudo será deixado, “mas a obra não pactuará com o impostor Jesus Cristo”. Serão elaborados quarenta tomos. Ezra, apesar de ser ateu, quer demonstrar ao Deus que não crê, que os mortais são capazes de conceber um mundo! Em 1828 Buckley morre envenenado e em 1914 essa sociedade secreta envia aos colaboradores o volume final da primeira Enciclopédia de Tlön: Orbis Tertius, escrito em um de seus idiomas. Um dos membros a recebê-lo foi nosso engenheiro Herbert Ashe. Em 1942, França, uma princesa recebe sua baixela de prata em um caixote, e entre os objetos se encontra uma bússola, cujas letras correspondem a um dos alfabetos de Tlön. Agora o mundo fantástico pela primeira vez, se mistura com o mundo real. A segunda intrusão de tal fato ocorre no sul do Brasil, tendo o nosso narrador como testemunha. Ele e o amigo Amorim hospedam-se em uma modesta venda. Durante a noite não conseguem dormir por causa de uma gritaria infernal. Seria um bêbado, mas no início de madrugada ele está morto, caindo de seu “cinturão algumas moedas e um cone de metal reluzente, no diâmetro de um dado”. Ao tentar pegá-lo não conseguem, pois ele é pesadíssimo, desproporcional ao seu tamanho. Amorim acaba comprando-o. Esses pequenos e pesados cones “são imagem da divindade, em certas religiões de Tlön”. Em 1944 em Memphis, um investigador do jornal The American testemunha a exumação dos quarenta volumes da Primeira Enciclopédia de Tlön: Orbis Tertius. Alguns traços do exemplar de Memphis foram eliminados. Isso seria parte de um plano, no qual coisas do mundo irreal seriam incompatíveis com o mundo real.” A realidade cedeu em mais um ponto”. “Há dez anos bastava qualquer simetria com aparência de ordem – o materialismo dialético, o anti-semitismo, o nazismo – para inflamar os homens. Como não se submeter à Tlön, à minuciosa e vasta evidência de um planeta ordenado?”Tlön e suas leis desintegraram este mundo. Tlön apesar de se caótico era criado por homens e destinado a ser compreendido por eles ao contrário das leis divinas, que são difíceis de se perceber inteiramente. Encantada com o rigor do planeta irreal, “a humanidade esquece que é um rigor de enxadrista, não de anjos”. Seu sucesso prossegue até nossos dias, um passado fictício e falso já ocupa nossas memórias. Talvez em um século se descubra mais cem tomos da Segunda Enciclopédia de Tlön. O narrador prevê que o mundo, então será Tlön, mas o narrador, no momento em que se encontra não se importa com nada e “continua revendo, na quietude dos dias do hotel de Androgué, uma indecisa tradução quevediana (que não pensa publicar) do Urn Burial de Browne”.

PIERRE MENARD, autor do Quixote


Essa é uma crônica sobre o grande romancista francês, Pierre Menard, que resolveu reescrever o Quixote de Cervantes de modo diferente, adaptado ao seu tempo. Borges diz que a obra dele “pode ser fácil” e relacionada sem dificuldades. Todavia madame Bachelier, escritora de um jornal de tendência protestante, teve a indelicadeza de formular um catálogo da obra do romancista com omissões e adições feitas por ela. Disse que “a obra visível de Menard é facilmente relacionável”. (sua lista não darei, pois encontra-se no livro). Nosso autor refere-se, agora, a obra “subterrânea” do escritor, a inconclusa. Consta do capítulo IX e XXXVIII da primeira parte do Dom Quixote e parte do capítulo XXII. Afirma que “aqueles que insinuaram que Menard dedicou sua vida a escrever um Quixote contemporâneo, caluniam sua límpida memória”. Ele queria que as palavras e linhas coincidissem com as de Miguel Cervantes. Ele precisava, para tal empreitada, conhecer bem o espanhol, voltar a ter a fé católica, esquecer a história da Europa de 1602 a 1918 e ser o próprio Cervantes! Isso se mostrou obviamente impossível. Ser um romancista popular do século dezessete “era uma diminuição” para ele e ser o próprio Cervantes “menos interessante”. Ele escreve: "Bastaria que eu fosse imortal para levá-la a cabo”. Borges diz depois de ler várias obras primas: “Minha lembrança geral do Quixote, simplificada pelo esquecimento e pela indiferença, pode muito bem equivaler à imprecisão da imagem de um livro não escrito”. Ele argumenta que foi uma empreitada razoável escrever o Quixote no início do século XVII, mas em princípios do século XX era impossível. O grande hiato de tempo modifica tudo. Atesta Borges que o Quixote de Menard é mais sutil que o de Cervantes. “É sabido que Dom Quixote... julga o pleito contra as letras e em favor das armas”. Menard também propagava suas idéias “no estrito reverso das que preferia”. A verdade histórica para Menard não era o que ocorreu, mas “é o julgamento que aconteceu”. Disse Menard: “O Quixote foi antes de tudo um livro agradável; agora é uma ocasião para brindes patrióticos, soberba gramatical, obscenas edições de luxo. A glória é uma incompreensão e, quem sabe, a pior delas.” Ele trabalhou, arduamente, para repetir num idioma estrangeiro “um livro preexistente.” Outra frase inesquecível de Menard é “Pensar, analisar, inventar não são atos anômalos, são a respiração normal da inteligência. Todo homem deve ser capaz de todas as idéias e entendo que no futuro será”. Menard enriqueceu com uma técnica nova o ato da leitura: “a técnica do anacronismo deliberado e das atribuições errôneas.” Esse método “povoa de aventuras os livros mais pacatos”.

AS RUINAS CIRCULARES
Um soturno homem de cor cinza desembarca de sua canoa de bambu, anônimo, e se arrastando chega a um recinto circular. “Essa arena é um templo que antigos incêndios devoraram que a selva e o pântano profanaram e cujo deus não recebe a honra dos homens”. Ao pé do altar o personagem deita-se no chão e com os olhos fechados dorme, não por cansaço, mas por determinação. Sentiu o frio do medo e queria sonhar com um homem. Esse homem é ele mesmo. A princípio sonhava coisas desconexas, mas aos poucos ele se viu no centro de um anfiteatro e inúmeros alunos o escutavam atentamente. “O homem ditava-lhes lições de anatomia, de cosmografia, de magia: os rostos escutavam com ansiedade e procuravam responder com entendimento”... Entre sonho e vigília tentava entender as respostas dos discípulos e escolher o melhor. Não encontrando nenhum, mando-os embora e ficou apenas com um deles. Era um jovem soturno, com traços semelhantes ao do mestre. Contudo sobreveio a catástrofe, compreendeu que não sonhara e que “o empenho de modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que os sonhos são feitos é o mais árduo que um varão pode empreender”. Assim buscou outro método de trabalho. “Para reatar a tarefa, esperou que o disco da lua ficasse perfeito”. Purificando-se caiu num sonho profundo, onde um coração rubro e forte palpitava. Por quatorze noites sonhou com ele. “Na décima quarta noite tocou a artéria pulmonar com o indicador e, em seguida, o coração todo por fora e por dentro”. Satisfeito não dormiu deliberadamente por uma noite, depois voltou a sonhar, invocando o nome de um planeta completou sua obra até o fim. “esse Adão de pó era o Adão de sonho que as noites do mago tinham fabricado”. Depois sonhou com uma estatua que sendo um múltiplo deus revelou que seu nome terreno era Fogo. O mago executa sua ordem. “Consagrou um prazo (que finalmente abrangeu dois anos) a lhe desvelar os arcanos do universo e do culto ao fogo”. Aumentava, então, as horas de seus sonhos. Pensava: “Agora estarei com meu filho”... “O filho que gerei me espera e não existirá se eu não for”. Seu filho, por fim nasce e ele o beija pela primeira vez, enviando-o ao outro templo muito longe donde se encontrava.. Agora se sente enfastiado por sua vitória e sua paz. “0 filho ausente se nutre dessas diminuições de sua alma. O propósito de sua vida fora cumprido; o homem persistiu numa espécie de êxtase”. Algum tempo depois, enquanto dormia, foi despertado por dois remadores que lhe relataram sobre um mago, num templo do Norte, que era capaz de pisar no fogo sem se queimar. Lembrou-se que de todas as criaturas do mundo só o Fogo sabia que seu filho era um fantasma. Temeu que seu filho descobrisse que não passava de um “mero simulacro”. “Não ser um homem, ser a projeção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem. Então, repetiu-se um fenômeno que ocorrera há muitos séculos, As ruínas foram devastadas pelo Fogo e o mago presencia o incêndio que se agarra aos muros. A morte viera “coroar sua velhice e absolvê-lo de seus trabalhos”. Caminhou em direção às labaredas vermelhas e fumegantes, mas elas não o queimaram, “antes o acariciaram, inundando-o sem calor e sem combustão”. Nesse momento humilhante e temido, “compreendeu que ele também era uma aparência, que o outro o estava sonhando”!<<

A BIBLIOTECA DE BABEL
Alguns dizem que a Biblioteca e o universo são o mesmo e é composto por infinitas galerias hexagonais, sendo sua distribuição e arquitetura invariável. Havia um jovem viajante e peregrino que buscava o catálogo dos catálogos. Agora, já um velho sábio e se preparando para morrer afirma que “a Biblioteca é interminável”. Os místicos almejam “que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua... Esse livro cíclico é Deus”. Todavia para o narrador a biblioteca é uma esfera cujo centro é qualquer hexágono e a circunferência impenetrável. O ancião crê que “por uma linha razoável ou uma informação correta há léguas de insensatas cacofonias, de mixórdias verbais e de incoerências”. Os velhos bibliotecários de outrora usavam uma língua extremamente diferente da que usamos. Um chefe bibliotecário encontra um livro com duas folhas de linhas homogenias, redigidas em português ou em iídiche, mas cem anos depois se concluiu que se tratava de um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Esse homem observa, também, que todos os livros são igualmente compostos: o espaço, o ponto, a vírgula e as vinte e duas letras do alfabeto. Chegou-se, nessa época, a conclusão que a Biblioteca abrangia todos os livros e o resultado dessa descoberta foi de possuírem “um tesouro intacto e secreto”. Falou-se também em Vindicações: livros de profecia e apologia. Nesse momento, todos abandonaram seu doce hexágono de origem e “se lançaram escada acima, instados pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação”. Digladiavam-se e se matavam nas escadarias para consegui-la, contudo a possibilidade de um homem encontrá-la é “computável a zero”. Queriam conhecer a origem e o tempo da Biblioteca. [6] As pessoas de esperançosas que estavam, tornaram-se deprimidas por uma busca sem solução. Alguns Purificadores, que avaliavam alguns livros imperfeitos, perpetraram grandes depredações. Outros procuraram o Homem do Livro e peregrinaram em busca d’Ele. “como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava”? “A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas”. Na sua venerável velhice nosso sábio teme que a espécie humana desapareça, mas certamente a Biblioteca[7] perdurará: “iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta”. Ele assegura que não é ilógico pensar que o mundo é infinito Ele reafirma que conclusão do problema é: “A Biblioteca é ilimitada e periódica”. “Se um viajante eterno a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao cabo de séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, repetida, seria uma ordem: a Ordem”. E o nosso velho sábio se alegra por isso!


Impressões sobre o livro

O autor nos premia com contos fantásticos e sobrenaturais. Os temas sobre os quais fala tem sempre um questionamento filosófico e teológico. (e porque não geométrico)? Suas imagens belíssimas e suas narrações fantásticas instigam-nos a pensar sobre nossa existência, a finitude das coisas materiais e complexidade da eternidade e do ilimitado.
Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1899. Faleceu em Genebra, Suíça, em 1986. Falava o idioma de sua avó, inglês, antes do próprio espanhol. Em 1914 muda-se com a família para a Suíça. Em 1919 para a Espanha, ligando-se ao movimento literário do ultraísmo. Voltando para a Argentina publica três livros de poesia e após 1930 contos, os quais ficaram famosos internacionalmente. Em 1956 professor de literatura americana e inglesa, na Universidade de Buenos Aires, começa a ficar cego sendo privado da leitura e da escrita. Em 1961 recebe o prêmio internacional Formentor dos International Publishers. Foi o primeiro de longa série.
Heresiarca – fundador de uma seita herética.
[2][2] Essa citação, em minha opinião, encerra tudo que se possa falar sobre inteligência, adaptação e criação.
[3] (Essa é uma belíssima imagem).
[4] ( O homem é sempre um ser insatisfeito).
[5] Esse talvez seja a peça literária que mais me assombrou e encantou, pois durante inúmeras vezes tive a sensação de que minha vida não passava de um sonho e que viver não era nada. Apenas um estranhamento.
[6] Os homens, sempre, desejaram conhecer o início do universo e o porque de sua formação.
[7] Provavelmente o universo com todas as suas estrelas e galáxias e sua ordem própria.
A humanidade pode ser mutável e finita, mas o universo permanece infinito.
[8] Aquilo que só existe na imaginação.
[9] O estilo de vanguarda da poesia espanhola e hispano-americana do séc. XX.

OS ESPÓLIOS DE POYTON Henry James



A senhora Gereth é uma viúva de cinqüenta anos culta, requintada, escrava da beleza e da estética. Seu maior orgulho é a lindíssima residência, localizada em Poynton, com seus valiosos objetos, móveis, esculturas e quadros. Tudo isso foi cuidadosamente colecionado ao longo de muitos anos, apesar do dinheiro não ser assim tão farto. Fora o fruto do bom gosto e requinte dela e de seu falecido marido, que a iniciou no mundo das artes. Entretanto seu filho único Owen Gereth, o qual apesar de belo é obtuso e pouco inteligente, não liga para nada disso. Encantado por Mona, a corteja, deixando sua mãe desesperada. Mona é uma garota sem graça e desprovida de qualquer aprimoramento, assim como sua família. A viúva pensa que “ele acabará casando com uma roceira”. Entretanto uma linda e refinada jovem, Fleda Vetch, apesar de não possuir nenhuma fortuna é considerada pela senhora Gereth a pessoa certa para casar com seu filho, pois tem delicadeza e finura interior inatas, além de ser muito inteligente e discreta.
Senhor Gereth havia comprado a casa, construída no tempo de James I, e a aprimorado, tornando-se, com sua decoração, uma residência esplêndida e cobiçada. Agora tudo isso iria parar nas mãos do filho, segundo as leis inglesas da época, deixando as pobres viúvas de então, sem quase nada, dependentes que ficavam dos humores de seus descendentes. Essa verdade choca a jovem Fleda. O Sr. Gereth, apesar de amável, deixara sua esposa em péssimas condições, tendo herdado apenas uma pequena casa de campo. A casa de Poynton com todo seu conteúdo formava um único e formidável objeto. O jovem Gereth agradece a Fleda a amizade e preocupação com sua mãe. Quando Fleda chegara a Poynton ficara tão extasiada diante da beleza do local, que se abraçando com a senhora. Gereth choraram de emoção ao se depararem diante de tal suntuosidade e a possibilidade de perdê-la. Era tudo França e Itália, mas a Inglaterra abraçava tal luxo! Owen permanece em Londres com Mona, mas manda uma carta avisando-a que seguirá para lá, a fim de apresentar a residência a Mona. Desesperada, conta com o fato de que essa moça rude não goste do local! “Para a senhora Gereth a síntese do mundo eram raros móveis franceses e porcelana oriental”. Ao chegarem cabe a Fleda acompanhá-la e disfarçar sua ignorância. Mona, todavia, não demonstra impressionar-se com a casa, deixando que a viúva a considere uma ignorante total. Fleda, entretanto, descobre que sua ignorância era absolutamente ativa. Mona está ciente que tem Owen e o lugar em suas mãos! Dizendo a sua mãe que Mona “gostara de tudo”, a primeira afirma que mãos vulgares e rudes poderiam acabar com tanta beleza. A senhora Gereth propõe abertamente a seu filho a mão de Fleda em casamento, deixando-a intimidada e aterrorizada. Contudo o jovem acaba se entendendo com sua namorada e a senhora Gereth promete a Fleda, que está muito constrangida, voltar a conversar com ela. Fleda percebe que seu próprio valor na casa não passava de uma boa funcionária, pois a viúva era despojada de humanidade. Mesmo sendo Owen tolo demais, ela não deixou transparecer que o amava. Dias depois, voltando a casa, discute com a mãe, que se recolhe e não fala com ninguém, deixando Fleda perplexa com a ingenuidade e complacência do filho, que não julgara Mrs. Gareth. Owen aprecia a amizade de Fleda, sem desconfiar do seu amor, então era fácil confidenciar a ela seus sentimentos. Nosso herói quer ficar não somente com a casa, mas com tudo que ela possui, não por ganância, mas porque já estavam lá. Contudo a “desajeitada” Mona quer todas as obras de arte e se algo for retirado, sua mãe deverá prestar rigorosa conta deles. Fleda não consegue encontrar uma solução plausível, “entregando-se na sua abençoada solidão”. “Desistirei da casa se eles me deixarem levar o que eu quiser”! Diz a viúva. Esse desejo, porém “era a necessidade real de ser fiel a uma responsabilidade e leal a uma idéia”. Owen encontra sua mãe percorrendo a casa como uma rainha na guarda de seu tesouro, mas ela anuncia o dia de sua partida, para dirigir-se a casinha de Ricks. Poderia levar tudo o que lhe pertencesse, mas nada era dela, tudo do marido, inclusive a residência. Ela via na prática inglesa uma aberração que agora se “tornara um ressentimento amadurecido”. Fleda “pergunta se ela pretendia encastelar-se e agüentar o sítio”... “Ah, eu prefiro os policiais arrastando-me”. Seu filho, representando Mona, aparece para dizer que haveria um limite quanto aos itens reservados para ela! Owen sofria e Fleda admirava-o por ele odiar tal situação. Nas suas idas e vindas sua mãe recusava-se a vê-lo, dando assim uma oportunidade para ele depositar sua confiança em Fleda, assim como sem perceber muito bem, começar a gostar muito dela. Mona e a futura sogra pareciam apáticas, mas estavam altamente ativas. Um mês depois a senhora Gereth vai visitar sua nova casa. Era menor e mais modesta do que Poynton, porém graciosa, decorada com calor humano e bom gosto. A viúva percebe isso, contudo não aprova imediatamente, pois estava temerosa de gostar dela! Resignada exclama: ”Bem é possível fazer alguma coisa com ela” e não queria admitir que a velha tia fosse adorável e fizera o mesmo com a casa. De volta, movia-se atormentada, a fim de escolher seus objetos preferidos. Impossível já que tudo era belo e precioso, tendo uma história a contar. Fleda tinha a impressão de não estar ajudando muito, contudo continua encantada por Owen e sua magnífica masculinidade e se perguntava por que vinha tantas vezes ao local. Ficavam calados e a jovem achava que um silêncio tão agradável por parte dele só poderia uní-los ainda mais. Fleda com sua conduta impecável desejava partir, pois já havia boatos que ela estaria tirando proveito da família. Tendo que se afastar para ajudar no casamento de sua irmã, a senhora Gereth cede-a, como se fosse um objeto precioso. Em Londres, fazendo compras para a irmã encontra-se, casualmente, com Owen, mas um homem diferente: falador, encantador e solto, prolongando excessivamente o encontro entre eles. Ele está ansioso, pois quer lhe dar um presente memorável e diante de tantos caríssimos objetos apresentados a ela, escolhe uma almofadinha de alfinetes com a letra F. Seu novo comportamento espanta Fleda, que nota o seu desinteresse em citar o nome de Mona no Hyde Park, por onde andam em silêncio. Ele queria ficar a seu lado e não a deixa partir. Mas, pensa Fleda, o que Mona acharia dessa atitude? Na hora da despedida dão-se conta de que essa será a última vez que se verão, pois seu casamento já fora marcado. Percebendo que Owen também gosta dela parte, quase fugindo, pegando um carro de aluguel, onde se desfaz em lágrimas! A pedido da viúva a jovem parte para Ricks. A senhora Owen já havia tomado posse do lugar. A amputação efetuara-se. Fleda ao chegar à nova casa prende a respiração e cambaleia. Ricks havia sido adornado com os melhores objetos de Poynton!! Não sabia se elogiava, ou se simplesmente não dizia nada. Ela considerava o que fora feito um roubo (todavia devemos lembrar que ela ficara estarrecida com a tal lei inglesa, quanto às viúvas). Ela exclama: “Você precisava das melhores coisas realmente – os morceaux de mussée, as jóias especiais!” A viúva fica feliz com a observação feita, pois “nunca era indiferente a um sinal de aprovação”. Esta diz que manobrara, preparara o terreno e então no final atacara! Tudo fora feito em dois dias por um pequeno exército de trabalhadores! Fleda horrorizada pela remoção chega a pensar que os objetos são FEIOS, pelo modo como foram deslocados. Sentia que havia traído Owen e que poderia vier a odiar sua mãe, pensando em partir imediatamente para não ter que se deparar com Owen e sua reprovação. Nesse momento chega o jovem que pergunta por Fleda e não por sua mãe, contudo ela acha natural, pois Fleda ainda era a intermediária entre os dois. Owen ficara sabendo da presença de Fleda em Ricks pelo cocheiro que a havia levado na noite anterior e com essa informação agarra-se a Fleda. O jovem acusa sua mãe de ter abarrotado Ricks com a metade das coisas de Poynton. O que mais o “afligia é que contratempos eram uma novidade para ele”, pensa nossa heroína. Inquirida por ele se achava justo a atitude de sua mãe responde: “Acho que ela foi longe demais”. Finalmente ele solta uma gargalhada e diz “Pobre e querida mamãe... Estas são justamente as coisas que ela tinha que ter deixado lá. A casa toda esta cheia delas?” “A casa toda – disse Fleda firmemente”. Ele tinha orgulho das peças de Poynton, apesar de nunca o ter mencionado. Pensa, se sua mãe não os devolver, em colocar um advogado em encalço dela, mas não gostaria de fazê-lo! Quanto à reação de Mona ela ficara furiosa e considerava tudo um consumado malogro! Presentemente, se recusa a casar-se até que Poynton volte a ser o que era. Fleda sente uma grande candura da parte de Owen e quer saber se queria a reposta da mãe, quanto aos objetos, em um zás - trás. Ele titubeia, pedindo que Fleda não revele que a “rebelião” partiu de Mona. Isso a faria ficar pior ainda. Ficando ao lado de Owen ela terá que acalmar sua mãe que não gostará nada dessa mudança. Refletindo Owen diz que acha sua mãe tremendamente orgulhosa e que se tivesse a inteligência de Fleda, talvez conseguisse persuadi-la. Os Brigstock consideram isso um roubo, mas não importava o que eles pensassem Não querendo partir e deixar Fleda ele se interpõe na passagem da porta para que ela não saia e diz se sentir tão bem naquela atmosfera, que poderia até morar lá com grande prazer. Explicando-se melhor, não são os objetos de Poynton que tornaram o local agradável, mas a casa por si só, mesmo como era antes, é que produzia essa mágica. Fleda escuta as palavras não faladas: que moraria lá com ela e sua mãe com suas riquezas voltariam para Poynton. Ao contrário dela, Mona não se casaria com ele se não tivesse todos os bens de volta. Após esse diálogo mental Fleda afirma que o ajudará. “Mona o rejeitaria se ele não tomasse medidas extremas: se as negociações com sua mãe fracassassem, ele estaria completamente livre”. Fleda pondera que ele deveria sair por si só dessa situação e não pedir ajuda a outra jovem (ela) para desfazer seu compromisso. Mais ainda, “se ela sucedesse na tentativa isso seria mantê-lo preso a uma afeição que morrera de uma morte súbita e violenta”. E se isso não fosse verdade? Ela não tinha nada a ver com isso. Fleda relata à senhora Gereth que seu filho viera para exigir suas coisas de volta “Uma exigência e tanto, querida, não é”. Mas ela era uma mulher de fazer valer os seus direitos e não recuaria. “Quando sei que estou certa, eu enfrento a fogueira”, declara a viúva. Queria saber, também, além da opinião de seu filho a de Mona. Fleda encolhe-se e não revela a verdade sobre oque conversara com Owen, mas a sagaz senhora Gereth afirma que Mona romperá o casamento se não tiver seus bens de volta. A situação torna-se muito embaraçosa e durante um chá em Ricks, a anfitriã pergunta como é que ela pretende convencê-la. Fleda responde, sinceramente, que fora um choque para ela, ao chegar a sua residência, ver como a senhora Gereth agira precipitadamente, mas que estará à sua disposição para ajudá-la. “Afaste-o dela” diz a viúva. Fleda não vê como fazê-lo, pois odeia Owen, mas a mulher mais velha sabe que ela não o odeia, mas que, na verdade, está apaixonada por ele, mas que isso não é nenhum mal. Ela própria estivera apaixonada diversas vezes em sua juventude, mas por ninguém do quilate de seu filho! Senhora Gereth resolve ficar com tudo, dando tempo para testar a atitude de Mona. O resultado de sua mediação fora uma crise, que “agora lançava-lhe enormes braços envolventes”. Fleda, intimidada, considera que se partir todo seu suplício acabará, pois é uma criatura com grandes princípios morais! Ela escreve uma carta a Owen sobre a decisão de sua mãe, mas sua resposta é grosseira e comum, inclusive com uma péssima caligrafia. Pobre jovem. “A imaginação de Fleda era uma faculdade que abraçava facilmente todas as alturas, as profundezas e as extremidades das coisas”. A viúva ao ler a carta, aborrece-se porque ele não mencionara o “dia”, o “Dia do Casamento”. Isso ela queria saber a todo custo. “Com seu silêncio ele lhe dá um aviso claro de que seu casamento está praticamente cancelado”. Esses dias se prolongam por uma quinzena. Fleda quer voltar para Londres, na casa de seu pai, mas não o faz. Ela nunca faz o que deseja, se mantendo sempre à mercê das decisões de outras pessoas. Finalmente, habilmente influenciada pela senhora Gereth volta para Londres, onde a possibilidade dos jovens se encontrarem é maior. Sua grande intimidade com a viúva, por tanto tempo, acaba por afastá-la do convívio com outras pessoas, principalmente de sua idade. A grande Londres garantia-lhe a obscuridade, contudo seu pai não esconde o incômodo que sua presença traz em sua casa e nossa pobre heroína “não tinha nem um lar, nem um projeto, nada... a não ser um sentimento de incerteza”. Ela acha que tem um dever para com Owen e está infeliz por não cumpri-lo, sentido uma terrível privação, comparando-se com Maria Antonieta[1] na Conciergerie[2]. “Fleda mergulha em fantásticas reflexões em que se via como a proprietária de Poynton, cedendo todo um território como domicílio para a magnífica rainha-mãe”. Voltando a realidade pensou em voltar a pintar e vender seus quadros, como vira muitos exibidos em vitrines próximas de sua casa. Seria uma fonte de renda para ela, entretanto não tocou num só pincel! O tempo passa-se em uma grande mesmice, quando se encontra com Owen Gereth. Não fora uma coincidência, mas uma bem dada informação de sua mãe que a traíra. Owen, elegantemente vestido em estilo londrino urbano, com finíssimas roupas e mais belo do que nunca, tem uma “tremenda” vantagem sobre a gentil Fleda. Sempre analisando os prós e contras de qualquer situação, se dirige a sua casa em companhia de Owen. Fleda convida-o para um chá, em pé, e se sentindo muito nervosa, explica ao jovem que voltara para Londres por não poder conviver em Ricks com os objetos de Poynton!!O problema entre filho e mãe para ela virara um caso pessoal e se culpava por não encontrar um desenlace feliz. Mesmo uma mente obtusa como de Owen poderia ver o grande sacrifício que ela fizera por eles, bastava olhar a péssima qualidade da louça! Fez “porque advogava em defesa dele”. Com conflitos interiores revela que se seu casamento com Mona não se realizar sua mãe devolverá tudo que pegou. Owen relata que Mona está ansiosissíma para que ele chame os advogados e pegue tudo de volta O sacrifício de Mona, para Fleda é desistir de um noivado, que assumira com prazer. O jovem declara que ela realmente quer os objetos, pouco importando se são dele, se não possuí-los não quer absolutamente nada! Ela gostava dele, mas com seus pertences. Mona acusa Fleda de desonesta, pois não tinha direito de interferir, mesmo por sua mãe ou ele, na vida deles. Ao saber do adjetivo que tinha sido qualificada, lágrimas vêm aos seus olhos, mas Owen piora ainda mais as coisas afirmando que as duas amigas haviam brigado por ele! Depois dessa disputa seu amor por Mona tinha ido “por água abaixo” e ela destruíra a felicidade e seu futuro, com seu péssimo humor. Mona agora não disfarça mais o ciúme que sente pela outra jovem. Quando Owen diz a Fleda que só ama uma pessoa no mundo que é... A campainha da porta é tocada. Fleda exclama “Sua mãe”. A criada anuncia “Mrs. Brigstock”!! O leitor fica perplexo, mais ainda por que é informado que já se passou um ano! Há um ano Fleda passara um dia em sua casa e nunca imaginara vê-la em seu apartamento! A jovem percebe, com sua perspicácia, que se puder ser gentil com a senhora Brigstock terá a admiração de Owen, o qual se encontra pasmo! Nosso herói tenta explicar o inexplicável: sua presença na casa de Fleda, que toma conta da situação, reagindo com sabedoria, convidando a velha senhora para conversar e sugerindo a Owen para partir. Owen não arreda pé, pois se julga necessário a fim de defender Fleda, expondo à sua futura sogra que a jovem era ótima pessoa e que ele mesmo responderia às perguntas relativas aos bens de sua mãe, conseqüentemente “ele falava com uma firmeza que ela não conhecia”. Senhora Brigstock diz que viera para fazer-lhe um apelo, mas já terminara. Agora queria falar só com Owen. Abrindo a porta saem os dois, mas não sem antes os jovens trocarem um longo olhar – o dela brilhante, o dele sombrio “que revelava bem o alvorecer do enleio”. Fleda decide que o melhor é fugir para a casa da irmã, Maggie, pois nesse momento não tinha mais nenhum plano a não ser o da separação. Contudo, a esperança a acompanhou à casa de sua irmã. Seu grande amor subira mais que nunca na sua estima! Fleda recebe uma carta dele, em que o autor faz com que você deduza que Owen precisa vê-la, no dia seguinte, para declarar seu desejo de se casar com ela. Essa é a esperança do leitor! Chegando, logo defende Fleda e acusa a senhora Brigstock de interferir em sua vida, perguntando se havia algo entre os nossos heróis. Fleda adverte-o que ela é uma pessoa simples e limitada, mas não é boba. Mesmo assim sempre a tratou muito bem em suas visitas à sua amiga Mona. Enfim, Owen com seu modo simples, inseguro e atrapalhado pede Fleda em casamento! Pobre inocente Fleda! Ela quer saber o que ele fará se Mona não desistir dele ou se ele pretende que ELA o faça. Trocando juras de amor, ele ao abraçá-la e beijá-la “transpusera o elevado muro de um pulo”. Estavam juntos sem disfarce! “Ah, esse tempo todo você sentia amor?” “Sentia, sentia, sentia! - ela se lamentava como se confessasse uma iniqüidade”. Ele se considera salvo! Fora tudo súbito demais. (Súbito? Já faz um ano que essa relação entre eles não se desenvolve, caro Henry). Owen já se considera um homem livre, mas nossa ingênua heroína diz: “precisa deixar-me sozinha... para sempre”. Ela quer que a própria Mona desista dele, pois após o compromisso assumido ele deverá honrar a sua palavra!! O jovem Owen fica desesperado com tal pedido. Ela acrescenta “que ele será feliz se for perfeito” e “se ela não o libertar é porque ela o ama”. Não ama, não ama: não é nada disso! “A gente percebe...” retruca o pobre Owen. (Esse último terço final do livro é bastante intrigante. Trata de problemas psicológicos, morais e éticos. Trata de doação e demanda. De ambição e honra à palavra dada, contudo sem nunca perder o humor e o suspense). “Você está dizendo que devo me casar com essa mulher?” . “Não tudo menos isso”. “Então em nome de Deus, o que devo fazer?” pergunta novamente o jovem. “A grandeza está em cumprir com a palavra”, responde ela. (Nossa jovem deixa-se levar por demasiado escrúpulo, em minha opinião). Dez dias depois, Fleda recebe de repente um telegrama: “Venha imediatamente...” assinado Mrs. Gereth. Depois de ponderar a jovem embarca para Londres, por causa de sua rígida honestidade. Fleda só pensava na rival “Ela era uma magnífica e pesada massa inerte”. Que jogo estaria tramando? “A compacta figura de Mona não recuava nem um milímetro”. Mas Fleda tem os belos sentimentos de Owen para compensar. O encontro das duas mulheres em Londres é muito tenso. Sem nenhum preâmbulo a senhora Gereth diz, enfaticamente, que a jovem deverá acompanhá-la em uma viagem para o exterior. Depois iria Owen. Fleda fica exultante com a perspectiva, mas para variar, nosso querido escritor começa a virar o jogo. Senhora Gereth informa-lhe que logo após o desastrado encontro entre os três personagens, em casa de seu pai, a senhora Brigstock fora visitá-la em Ricks, afirmando que seu filho gostava de Fleda e pedindo-lhe que advogasse a favor de Mona. A bela viúva, apesar da grande confiança depositada em sua jovem amiga, assustada espera que Fleda consiga convencê-lo a se casar com nossa heroína. A senhora Brigstock está ansiosa em saber se Mrs. Gereth aprovaria a união entre Fleda e Owen, mas astutamente, fala ter cortado relações com seu filho, portanto não saberia o que dizer. Ocorre, contudo, que a senhora Gereth havia mandado de volta a Poynton todos os seus preciosos bens, como desejava Fleda e que tudo seria dela “bobinha”. Fleda desespera-se com o fato, pois agora se tornara uma horrível traidora de sua amiga Mona. Fleda teria de ser conquistada pela ardilosa senhora, mas “era uma sedução calculada, opressiva”. Sentindo-se aprisionada queria gritar de dor! “Senhora Gereth tornara-se, num instante, a vítima” por ter devolvido seus tesouros. “Ela pensava somente no que era melhor para os objetos em si”. Agora Fleda ficara sabendo realmente o que se esperava dela. O que mais transparecia em Fleda era o desespero de seu coração. A vítima julga que Fleda perdeu seu filho porque não quis que ele quebrasse sua promessa. Henry James chega ao auge do suspense, pois até agora não sabemos literalmente nada sobre os caminhos que Owen está traçando para si mesmo, nem mesmo onde ele está! Diante de uma avaliação muito positiva que Fleda faz a respeito de seu filho, a senhora, irônica e furiosa, quer saber se faz parte da bondade dele abandonar nossa heroína e deixá-la sem notícias! Ao saber que Fleda havia exigido de Owen que Mona deveria espontaneamente desistir dele, a acusa de não ser ninguém para pedir tal exigência a seu filho, um verdadeiro cavalheiro. A senhora Gereth está tão envergonhada com os dois que não sabe nem para que lado olhar, mas garante que teria acabado com o problema primeiro e o resto poderia vir quando quisesse. “Seu papel era aparecer na minha frente como uma mulher honestamente casada”. Furiosa coloca o chapéu para saírem, falando que sofria pela incompetência deles. “Que ela o encontre! E o agarre!” As duas mulheres desesperadas começam a se agredir com palavras e gestos, contudo a senhora Gereth afirma veementemente que ela não soube agarrá-lo. “Você é uma pedintezinha canhestra, apesar de suas belas maneiras: e você é uma espantosa fingida”. Essa foi a avaliação de Mrs. Gareth sobre nossa leal heroína. Elas assimilam esse desaforo e vão à procura de Owen: no seu clube ou em qualquer outro lugar. “Uma febre de inventividade começara a ferver nela”. Podia ver seu reflexo nos olhos de sua censora. A viúva não podia entender a jovem, mas compreendia muito bem seu filho: era um pateta. Mas Fleda o amava justamente por isso, ele precisava dela. A senhora Gereth pondera que Mona é mais forte e astuta do que Fleda, sem dúvida. Ainda, cinicamente, diz que Mona seguiu seu coração e ela não. (Pobre, inocente e íntegra Fleda!). Nesse momento as pazes são feitas e seladas com um beijo de amizade, ambas saindo a procura do desaparecido. Fleda encontra-se tão triste que se prepara para o pior. Mesmo assim envia um telegrama ao amado endereçado a Waterbath. Chegando ao clube são notificadas que ele não aparece lá por mais de quinze dias. Apesar das ásperas palavras de ambas elas estavam quase serenas, pois não havia nada a dizer. Estavam em um vácuo e o silêncio era um vínculo estabelecido, “mas o reenchimento de Poynton era uma luz brilhante e constante”. Mrs Gereth possui uma espécie “de orgulho de eficiência” e Fleda “enrubesce diante da percepção de que essa mulher era extraordinária”. Esta, como uma punição velada, pergunta-lhe se a acompanharia ao exterior. Isso seria mais do que doloroso para a jovem, que entra no vagão do trem quando elas se separam. Fleda sente-se girando tão rapidamente como um pião. “era um equilíbrio ao qual não conseguia nomear: de indiferença, resignação, desespero, eram palavras de um idioma esquecido”. Está consciente de que seu amor pela arte fizera com que a coleção estivesse completa, conhecia-a de cor. “Era Poynton que lhes pertencia; eles simplesmente haviam recuperado o que era seu”. Algum tempo depois, a senhora Gereth aparece na casa de Maggie, para falar com Fleda, e com tal semblante que dizia tudo, após um silêncio, fala: “Eles se casaram”. Fleda tenta argumentar sobre o assunto, se excluindo dele, se referindo a Owen ou à sua mãe. A viúva havia visto o filho, o qual declara que estão casados: ele e Mona! A senhora Gereth, monotonamente, afirma que tudo o que lhes resta é que estão juntas. (Aqui o autor demonstra o egoísmo da viúva, pois Fleda é jovem e tem uma vida pela frente). A atitude de nosso herói mostra o quanto Fleda estivera certa quanto ao compromisso que ele tivera com Mona e sua decisão de esperar até que se separassem! Ele não pode desonrá-lo. Sua mãe raciocina que Mona agiu rápido quando soube que os tesouros foram devolvidos a Poyton e “ela fez o que Fleda se recusou a fazer!”. O trabalho fora rápido “antes que pudesse mudar de opinião já estava casado”. Uniram-se em um cartório “como um casal de miseráveis ateus”. Entretanto, ele se recusa a morar com ela em Poynton e Mona o terá todinho só para ela. Diante dessa cruel realidade, onde nossos heróis tiveram uma grande participação, Fleda acaba desmoronando e chorando amargamente. A única esperança é que Mona morresse, mas ela não iria morrer. Assim “Fleda toma-lhe a mão e seu silêncio a compromete tão solenemente como o voto de uma freira”. A jovem continua defendendo seu amado apesar de tudo. Após esses incidentes Fleda recebe uma carta da senhora Gereth convidando-a para ir até a mutilada Ricks. Está com nada mais do que quatro paredes, “você fará de qualquer modo, parte do mobiliário”. Essa posição de peça de mobília a jovem poderia aceitar. Isso a deixou mais à vontade. A viúva não estava exatamente na completa penúria e depois dos acontecimentos estava determinada a ficar sozinha consigo mesma, na pobre Ricks. O convite para a viagem ao exterior fora cancelado, pois os recém-casados estavam viajando para fora da Inglaterra. Fleda aceita o convite. Ao chegar fica perplexa e encantada com a magia que a viúva fizera em Ricks. Estava linda, mas a pobre senhora não consegue reconhecer a transformação que fizera com seu bom gosto nato. Fleda não compreende como tão lindos objetos, apesar de não serem raridades, não entram em seu coração, pois eles contam uma história de vida da sua adorável tia. Feliz diz que são três a morar lá, contando com o fantasma da tia e, exatamente esse, era o único defeito de Poynton. Lá não havia fantasmas, só felicidade. Três dias a contar de sua chegada o The Mornig Post traz afinal uma notícia sobre o casamento. Relata a festa, a viagem e a linda Poynton que agora terá nova dona. Mrs. Gereth se recolhe como já fizera em momentos de desespero, e Fleda fica sozinha para pensar e caminhar como gostava. “Os passos silenciosos de Mona na realidade nunca haviam se afrouxado”. Nossa heroína apesar de ter fracassado, mostra como era capaz de conversar com serenidade e lucidez. Com o tempo a relação entre elas muda, está mais clara e franca, decidida a se conhecer. O que se evidência é que a senhora Gereth era maior do que seus erros! A notícia de que os noivos estavam em Paris, faz com que ela declare: “Aparentemente ele está mesmo vivendo com ela”. A aversão dele por Mona fora dissipada por ela mesma! Mona era ardilosa. “Havia uma coisa na qual pôs seu coração e suas garras: a casa exatamente como a vira”. Quando soube que a casa estava exatamente como era antes sua ambição reafirmou-se e se aproximou de Owen agarrando-o. “Um enorme e esplendoroso sol apareceu na sua frente”. Esses são os raciocínios de Fleda, que também diz que não foi Owen quem falou a sua mãe que gostava dela, mas ela que gostava dele! Os meses se passam e a jovem se recupera, até que recebe uma carta, datada de Florença, cuja letra faz com que não queira abri-la. Era de Owen, onde ele pedia de maneira rebuscada que escolhesse em Poynton qualquer objeto, aquele que fosse de maior valor e que ela mais gostasse, a “jóia da coleção”. A carta fica sem resposta por um longo tempo e ela vai moldando suas idéias, pois quer descobrir o que há por detrás da carta. “O que a fez decidir-se foi a simples força de seu impulso de responder”. “Era hora de sonhar e de esperar: ser paciente era demonstrar doçura”. Aceitaria sua oferta? “ela vagueou por lá em pensamento... Pelas amplas salas que conhecia”. A sua escolha não teria nenhum escrúpulo! “mas olharia tudo novamente e decidiria então”. Antes do Natal, surgiu a oportunidade aguardada. Iria para Londres visitar seu pai, sua irmã e o motivo maior de sua viagem. Escolheria calculadamente o objeto, que deveria ser pequeno e muito valioso. Imaginava sua volta triunfal, com “o troféu escondido sob o casaco” Com energia precipitou-se para Poynton. O trem era rápido e chegaria em oitenta minutos. O tempo estava horrível e seu pai havia desaconselhado a viagem. O céu fica negro assim como tudo e uma angústia batia em seu coração como se algo ruim fosse suceder antes de cumprir sua missão! “Quando o trem parou, ela ergueu-se de seu humilde compartimento e se manteve orgulhosamente ereta com o pensamento de que a casa estava lá à disposição de Fleda Vetch”. Um velho e conhecido carregador ao vê-la olhou-a com espanto! “Eles voltaram”? Diz Fleda. Mas havia fumaça e o ar estava impregnado pelo cheiro. Ela ouve uma voz... “a uma milha da cidade”. Poynton está pegando fogo. “Destruída com esse horrível temporal”. “Destruída”? Ela agarra-se ao chefe da estação. Owen e Mona nunca haviam ficado um dia sequer cuidando da casa, a deixando nas mãos de empregados incompetentes. Ela sentiu-se mal, mas deu um pulo quando pensou que os objetos estavam sendo salvos. Passando pela porta que se abria para a vila quis ir até lá, contudo o mesmo presságio havia se transformado num espantoso impedimento. Sabia de que forma fora afetada. Renunciava a tudo. Misturado com os sons e o cheiro de cinzas estava “a crua amargura de uma esperança da qual talvez nunca mais em sua vida tivesse que desistir tão inteiramente e tão rapidamente. “Poynton acabou”? Ela conhecia a resposta. “Cobriu o rosto com as mãos. –“Vou voltar”.


Essa é uma história de amor feminino. Três personalidades são magnificamente relatadas por Henry James. Duas mulheres, que embora sendo notáveis como personagens, são fragilizadas pela época em que viviam. Mrs. Gereth, uma jovem e rica viúva, apaixonada pela estética e arte é uma figura poderosa, interessante e bem definida quanto aos seus valores morais e materiais. Era contundente, impiedosa quando necessário e podemos dizer até interesseira e aproveitadora de situações. Contudo havia nela um lado humano? Se analisarmos o livro, logo nas primeiras páginas, veremos que ela escolheu Fleda como futura esposa de seu filho, apenas por ela ter a mesma paixão pelas artes que ela tinha, não porque gostasse da jovem. Diria que era desumana. Fleda Vetch trata-se de uma figura de seus dias. Uma linda moça pobre, porém culta, refinada e grande conhecedora das artes em geral. Tem um raciocínio rápido, podendo manejar diversos assuntos em um só momento, com sucesso. Era muito articulada e discreta, mas o seu maior problema foi o excesso de escrúpulos que nutria por qualquer pessoa ou causa. Foi capaz de abrir mão de um amor em nome dele. . Owen Gereth, um rapaz sem grandes ambições, rico e bonito era atraído pela vida fácil e sem compromissos. Não sendo muito inteligente ou diligente nem mesmo consegue casar-se com quem pensava amar. Casa-se com uma mulher mais forte do que ele e aceita ser conduzido por ela. Henry James faz, nesse livro, uma apreciação sobre o esnobismo e os hábitos ingleses da época através de sua personagem neutra, a jovem Fleda. Sua obra merece ser lida e estudada por seu talento e habilidade de irritar ou estimular o leitor que é conduzido pelas mãos de mestre desse magnífico ficcionista.
[1] Rainha de França
[2] Local onde ficou presa antes de ser decapitada

O IDIOTA Fyodor Dostoevsky




Capítulo 1
THE

Parte I
Capítulo 1
Um trem de Varsóvia aproxima-se a toda velocidade de Petersburgo. A terceira classe, naturalmente, é ocupada por indivíduos mais humildes e dois passageiros, face a face, sentados perto da janela, têm características ao mesmo tempo semelhantes e diferentes: o primeiro é um jovem, cerca de 30 anos, estatura média, cabelos ondulados e pretos, olhos causticantes e acinzentados, um permanente sorriso malicioso nos finos lábios e uma expressão passional. Estava completamente vestido para o terrível inverno russo. Suas roupas apesar de bem usadas eram muito quentes. O segundo personagem tremia de frio pelas roupas inadequadas, geralmente usadas por viajantes suíços, tornando suas mãos quase azuis, diante do frio russo. O jovem aparentava ter 26 ou 27 anos, mais alto do que média, grossos cabelos loiros, muito magro, com intensos olhos azuis e uma fina barba branca. Seu semblante era doente, pálido e gentil. Ambos quase não possuíam bagagens.
O rapaz moreno inicia um diálogo corriqueiro, mas é surpreendido pela facilidade com que seu companheiro de trem conta-lhe docilmente sua história de vida, sem reservas. Sim vinha da Suíça, onde esteve por quatro anos, em tratamento contra epilepsia, custeado por dois russos muito ricos, mas o Sr. Pavlishchev morrera. O médico continuou a tentativa de cura, com seu próprio dinheiro, tendo inclusive pago sua passagem para a Rússia, pois sua única parenta distante, Madame Epanchin, não respondera à sua carta. Não tendo se curado voltava a seu país, mas sem destino. Esse tempo todo havia sido observado por um gordo e pesado oficial, que escutava a conversa e resolve interferir. Ele é aquele tipo odioso de pessoa sem bens pessoais, mas que adora inteirar-se de tudo e se aproximar da elite para melhor se situar e tentar tirar algum proveito disso. O jovem de olhos azuis questionado pelo oficial sobre seu nome responde candidamente: Príncipe Lyov Nikolayevich Myshkin. O desagradável senhor não acredita em uma só palavra e Lyov explica-lhes que agora que não resta ninguém em sua família, ele é o único príncipe Myshkin. O russo de cabelos escuros se apresenta como Parfyon Rogozhin. Seu pai milionário, tendo brigado com ele por causa da compra que Parfyon fizera de uns brincos que custaram uma verdadeira fortuna para presenteá-los à sua amada Nastasya, está morto e ele, após ter fugido de casa, retorna para reaver sua herança, que se encontra em mãos de sua beata mãe e Semyon, um irmão em que não confia. O oficial toma uma atitude verdadeiramente servil e reverenciosa ao ouvir esses detalhes, o chamando de Sua Alteza, o que irrita ainda mais o sombrio rapaz. Ao final da viagem os ilustres companheiros tornam-se amigos, apesar das enormes diferenças, prometendo encontrar-se no mesmo dia, pois o príncipe, por sua pureza, desperta uma grande afeição em Rogozhin
Capítulos 2 - 3
O cortês príncipe parte em busca de sua parenta distante que é casada com o famoso general Epanchin, riquíssimo, com a reputação de ser muito ocupado e influente no governo russo. Apesar de seu poder, não era uma pessoa culta, vinda de uma família plebéia, mas honrada. Era muito inteligente e despretensioso. Homem de 56 anos tinha uma bela família: esposa e três filhas adultas, inteligentes, lindas e cultas. Sua esposa, apesar de não ter dinheiro quando se casaram, nem ele, pertencia a uma família nobre, os Myshkin, tendo lhe aberto as portas das casas influentes do país. Batendo à porta do casarão, o mordomo não o recebe muito bem, pela sua aparência, mas o seu falar franco e suave, mais uma vez, faz com que os empregados se sintam afeiçoados por ele e, finalmente é recebido por Epanchin, que ocupadíssimo não quer perder tempo com um rapaz que se diz ser parente de sua mulher. Myshkin, prevendo, sempre, o que se passa pela mente das pessoas, se desculpa e bate em retirada. No entanto, o general diante de uma pessoa tão leal e com a gentileza inerente à sua personalidade resolve ouvi-lo, proponde-lhe um trabalho com a anuência de um jovem amigo, Gravil Ardalionovich. Não se considera talhado para nenhuma função devido à sua doença e na verdade os ataques o fazem parecer quase um IDIOTA, porém sabe escrever em russo muitíssimo bem e tem uma ótima caligrafia. Ao ver um retrato de Nastasya, pela qual Ganya poderia estar interessado, observa sua grande beleza e lhes conta todo o episódio com Rogozhin. Apesar de esplêndida, nosso príncipe vê uma indelicadeza de coração nos olhos da moça, que o assusta. O general concorda que a história dos brincos é de grande paixão, pois valem milhões, uma fortuna. Ao depara-se com os magníficos escritos do príncipe, que o tempo todo da conversa estivera trabalhando, chama-o de ARTISTA, pois nunca vira tal variedade de caligrafias e tão finamente executadas. Com emprego certo e com alguns rublos no bolso, irá morar na casa de Gravil (ou Ganya), pois sua mãe aluga alguns quartos na bela casa para pessoas de fino trato. Myshkin tem um negócio a tratar com o general e por quatro vezes ele tenta abordar o assunto em vão, pois Epanchin é um homem muito ocupado.
Capítulos 4 - 5
As filhas do general estavam florescendo e eram belas, independentes e cultas, pois então não é de se admirar que o senhor Totsky estivesse interessado, aos 50 anos, em se casar com alguma delas, mais precisamente com a mais velha, Alexandra, no esplendor dos 25 anos. Nesse ponto do livro, nos é revelada a história de Nastasya. Seu pai morara nas vizinhanças da imponente mansão de Totsky, numa casa de madeira. Era muito pobre e possuía uma esposa e duas filhas. Todavia a família havia morrido de maneira trágica e ela fora resgatada por Totsky, que lhe oferece, a princípio, uma educação normal, mas diante de tal beleza e inteligência resolve dotá-la de um aprimoramento real, tornado-se uma lindíssima e requintada mulher. Seu semblante, todavia, com o passar dos anos ganha um expressão sombria e fechada, chegando a surpreender e aterrorizar Totsky. O milionário não leva o fato muito em conta, porém resolve que está na hora de casar a moça, antes que tenha maiores problemas, os quais aparecem quando ele deseja se casar. Totsky se defronta com uma Nastasya completamente diferente. Dura, imperiosa e ameaçadora que o proibi de se casar, porque ela simplesmente não quer! Elaborando um plano com o general, se dirigem à Nastasya como conselheiros, expondo-lhe que talvez se casando com alguém que goste e admire, possa ter novas perspectivas de vida e de futuro, já que têm diversos admiradores e entre eles Gavril (o rapaz amigo do general), que a ama verdadeiramente: Gavril é um rapaz bonito, inteligente e de ótima estirpe, que sustenta a família com seu próprio esforço. Para estupefação dos dois senhores, ela rege muito bem, pois o admira, além do que gosta das pessoas mais simples. Um colossal dote, uma riqueza lhe é oferecido. Ela aceita o dote, pelas perdas de sua infeliz vida e pede apenas tempo para pensar melhor, pois ambições mercenárias e de status social ele não valorizava. Para amaciar seu coração observam que ela decidirá o futuro da filha do general, pois se não concordar com o matrimônio de Totsky com Alexandra, ele não será realizado. Sensibilizada promete que na véspera de seu aniversário resolverá tudo. A sociedade russa era permeada por boatos que corriam em toda parte. Com relação a Gravil e Nastasya não eram poucos. Nastasya se casaria com Gravil, mas este estava atrás somente do dinheiro e era um mercenário. Esse detalhe faz com que ele passe a quase odiá-la, daí a hesitação do princípio. Amor e ódio são sentimentos muito próximos. “É difícil acreditar que o general, nesse venerável tempo de sua vida”, sucumbisse aos encantos de Nastasya e se tornasse totalmente apaixonado por ela. Pois foi o que ocorreu e comprou-lhe, para seu aniversário, um colar estupendo de pérolas, que foi o rumor mais comentado em sua casa, despertando a atenção de sua mulher. Pois bem, para amenizar a situação de Ivan Fyodorovich (o general), aparece caído do céu, Myshkin, para conhecer a família. Aproveitando-se da situação apresenta o príncipe, mas com grande relutância da esposa. O príncipe é recebido com frieza, mas logo se percebe que é um moço de fino trato e começam a conversar sobre o pedigree de ambos, assunto que essa senhora de cinqüenta anos adora. As quatro mulheres ficam encantadas com sua maneira de falar e o chamam de filósofo, com que ele concorda. A partir desse momento um diálogo interessante sobre amor, paisagens, felicidade, vida e morte é travado com oponentes muito hábeis e inteligentes. Adelaida, uma das filhas que é pintora, acha-se sem inspiração para um novo quadro, contudo após haverem discutido sobre a morte e suas dimensões mais imediatas, Myshkin sugere que pinte o rosto de um condenado, minutos antes de ser decapitado, ao ouvir o som da navalha que irá desmembrar sua a cabeça de seu corpo. Pensativa ela faz-lhe uma pergunta à queima roupa. “Você, certamente, já se apaixonou, creio que estou certa. Conte-nos como foi”. O príncipe responde que não, mas que tem sido feliz de maneira distinta. Como se estivesse meditando profundamente começa a narrar.
Capítulos 6 - 7
Havia muitas crianças na vila onde morava na Suíça, nesses quatro anos que lá permaneceu, sempre convivendo dentre elas. Contudo os adultos como o professor e seu médico passaram a ter ciúmes dele, por seu genuíno amor pelos pequenos. Não os tratava como crianças que não poderiam e não conseguiriam entender as coisas. Falava-lhes como se fossem amadurecidos, sem omissão da verdade e por isso era tão querido. Marie, uma jovem órfã é desprezada por todos, até mesmo por sua mãe, mas ele compreende sua dor até sua morte e a trata com carinho beijando-lhe o rosto e as mãos. Os meninos que a apedrejavam, passam a entender sua situação, com a ajuda do príncipe e no seu enterro, a acompanham até seu túmulo, com flores e muita bondade. “Ela morre quase feliz” diz o príncipe. Após esse incidente, seu médico Dr. Schneider descontente com seu “método” de tratá-los, manda-o de volta para a Rússia. Consternado, pois jamais imaginara viver em outro lugar, volta para a sua pátria. Está imbuído do firme propósito de ser bom e transparente com todas as pessoas, para que nunca fosse mal interpretado. Muitas vezes fora chamado de idiota, o que realmente refutava, pois se descobre muito melhor. Era uma pessoa digna e sóbria. Agora que chegara a Petersburgo, era a primeira vez que se sentia feliz, ao lado dessas mulheres de feições belas e compreensivas. Reconhece-se, entretanto, anti-social e anuncia que talvez não se encontrem mais. Começa a julgar os rostos das quatro mulheres. Adelaida é linda e a mais amável. Alexandra apesar de muito bela, esconde algum problema secreto, mas Madame Epanchin é como uma criança pura, para o bem ou para o mal. Sobre Aglaia, a julgaria mais tarde. É tão linda, que tem medo de olhá-la. Retirando-se, ao pegar o retrato de Nastasya com Ganya, tivera a infelicidade de falar sobre seu encanto por ela. Ganya, aborrecidíssimo por estarem falando sobre seu casamento com Nastasya, impõe a Myshkin que antes de mostrar o retrato, dê a Aglaia uma carta. Desconsertado, aquiesce e o faz. Porém ao levar o retrato, seduzido, o beija! O príncipe considera a beleza de Nastasya e Aglaia semelhantes e madame Epanchin quer saber se somente esse tipo de beleza o atrai ao que ele, sem hesitar, consente, porque na face de ambas reconhece certo sofrimento. Madame Epanchin diz a Aglaia:” I am a fool with a heart and no sense, and you are a fool with sense and no heart” . Que bela verdade! Madame despede-se e os dois homens ficam frente a frente. Ganya recebe a carta sem a reposta pedida e enfurecido exige que o príncipe lhe relate tudo. Ganya o insulta e ele reage, querendo morar sozinho, mas o esperto Gravyl desculpa-se para ter uma revanche!

Capítulos 8 – 9 - 10
Momentos aflitivos e hilários ocorrem nas próximas páginas. O altivo, vaidoso e rancoroso Ganya se vê em maus lençóis ao receber o príncipe em sua modesta casa. Sua mãe é uma orgulhosa e bonita senhora de cinqüenta anos, apesar das roupas muito usadas e decadentes. A irmã de 25 anos é autoritária e bela. O irmão, Kolya, é um garoto e o pai general, já em roupas de civil, está isolado do resto da família. É um senhor bonito e gentil , de bom porte, emocionando-se quando encontra o príncipe, pois fora o melhor amigo de seu falecido pai. Histórias desencontradas são contadas a Myshkin a respeito da morte de seu pai e de sua mãe, por quem também fora apaixonado. Após o falecimento do pai, na prisão, sua mãe morrera de desgosto. Ganya encontra-se num estado perpétuo de fúria e desordem emocional, brigando com sua família aos altos brados, pois não quer se casar com Nastasya. O príncipe é relegado e quando toca a campainha da casa, ao atendê-la, quase desmaia com o que vê. Não é outra pessoa senão a própria Nastasya, por quem agora nutre certa paixão. Entrando na casa, a jovem o toma por um simples footman , dando-lhe ordens para que a anuncie. Quando ele o faz, ela quer saber como sabia de seu nome e quem era. Durante o auge da briga entre os familiares, Nastasya é conduzida à sala e o grupo emudece, surpreso. Ganya quase falece de horror, ao ver “sua estirpe” exposta a tal personalidade. Após as atrapalhadíssimas apresentações, surge seu pai, com roupas caseiras. Graciosamente apresenta-se à Nastazya, elogiando sua formosura e requinte. Conta-lhe que fora um grande amigo do pai do príncipe e do general Epanchin, mas que não o vira mais, desde um incidente na estação de trem. Curiosa pergunta do que se tratava. Responde que há dois anos, já civil, comprara uma passagem na primeira classe de um trem e entrara fumando charuto e se sentara perto de uma janela aberta, para não incomodar. Não havia qualquer sinal de “proibido fumar”. À sua frente sentam-se duas senhoras. Uma mais tímida e outra mais atirada, falando inglês. No colo de uma delas está um pequeno cachorro de colo. Elas o olham, mas não reclamam da fumaça. Ele continua fumando, como se elas não existissem. Elas continuam olhando e ele as ignorando... Até que, repentinamente, uma delas agarra seu charuto, sem uma palavra de desculpa, e o atira janela abaixo. O general, estupefato, não diz uma palavra, mas agarra o cachorrinho e o atira janela abaixo, também. A partir desse instante, são lágrimas e desmaios por parte de seis princesas, relacionadas com Madame Epanchin, que não aturaram tal ousadia com o pobre cachorro. Desde este dia não pisou mais na casa do general Epanchin. Essa história torna-se motivo de risos, até que Nastasya diz ter lido no jornal a mesmíssima piada. Ganya, envergonhado, pede que seu pai se retire do aposento. Nesse momento, a campainha toca tão alto, que só poderia ser uma visita de grande peso e importância. Para espanto de todos, entra Rogozhin, com uma ruidosa, complexa e desconexa comitiva, uns ajudando aos outros a terem mais coragem para tal ato! Ao se deparar com Ganya, Rogozhin insulta-o e ao ver Nastasya confirma que tudo já estaria arranjado para o casamento, mas que se vingará.
Capítulos 11 – 12 - 13
Segue-se uma confusão total! Uma bofetada é desferida por Ganya na face de Myshkin, mas o príncipe não reage e apenas comenta que nem ele nem Nastasya estão no seu estado normal. Essa atitude pacífica desarma os ânimos. O príncipe recolhe-se em seu quarto, mas é visitado por seu agressor que lhe abre o coração e clama por sua amizade. Todos esses fatos ocorreram em poucas horas, a partir de sua chegada à Rússia, naquela manhã.
Capítulo 14
Myshkin, tomado de angústia, chega à festa de aniversário de Nastasya , sendo bem recebido por todos os presentes, principalmente por Nastasya, que se desculpa por não tê-lo convidado. A festa estivera morna, mas agora com sua presença, todos se animaram. Nastasya afirma que quem decidirá seu casamento com Ganya será o príncipe, pois é a pessoa mais honesta que conhecera. Boquiaberto com essa intervenção aconselha a jovem a não fazê-lo. O general Epanchin, que quer casar a filha, e o tutor de Nastasya, Totsy, se levantam. Ela se declara livre, devolvendo seu dote e as pérolas recebidas de presente, decidida a partir no dia seguinte. Rogozhin , totalmente bêbado, aparece com sua conhecida comitiva!
Capítulos 15 - 16
O tumulto é grande e Rogozhin atira sobre a mesa 100.000 rublos para a jovem, que indignada sente-se comprada por todos seus pretendentes. O príncipe, entretanto, a acolheria e viveriam honestamente, julgando-a uma mulher honesta. Emocionada, vê-se compelida a aceitar a oferta de casamento. Para surpresa dos presentes, Myshkin revela ter um documento em mãos que o tornará riquíssimo, uma herança de uma tia desconhecida. Os convivas o rodeiam saudando-o e Nastasya diz que será uma verdadeira princesa. Rogoszhin, que observava tudo com uma imitação de sorriso fixo no rosto implora ao príncipe que desista dela, mas ele não cede. Nossa história de hilária passa a densamente dramática, discutindo valores como caráter, moral, ética e dinheiro. Os três pretendentes encontram-se juntos, além do general e Totsky, que também gostam dela. Cada qual com seu objetivo. Ganya só queria seu dinheiro, Rogoszhin seu amor, carnal e lascivo. Nessa sofreguidão e febre Nastasya se decide por Rogoshin, aceitando os 100.000 rublos e os atirando no fogo da lareira para que Ganya os pegue. Será todo dele. Fora uma provocação cruel e mesquinha que o vaidoso e ganancioso Ganya não aceitou, deixando que parte do dinheiro se queimasse na lareira. As próximas atitudes de Nastasya são espantosas: ela se transforma em uma mulher vivida, sofrida, sem sonhos, ávida por liberdade, amarga e impregnada de sentimentos de culpa e baixíssima auto-estima. Nessas cenas vemos cada um dos convidados reagindo visceralmente a essa situação limite.

Parte II
Capítulos 1 – 2 - 3
Myshkin parte para Moscou em busca de sua fortuna, ficando seis meses fora. Os Epanchins, ressentidos com sua partida sem despedidas, mal falam sobre ele. Rumores e boatos eram espalhados sobre a festa, dentre eles que Nastasya, após a orgia com Rogozhin, havia desaparecido. Ganya tornara-se hipocondríaco e desaparecera da sociedade. Devolvendo o dinheiro à Nastasya, continua amigo do príncipe. Vanya, agora amiga dos Epanchins, se casa com Ptitsyn. A enorme fortuna de Myshkin, afinal não era tão grande, e o príncipe paga todos os débitos, inclusive os não devidos. O general mantinha vigilância sobre os negócios de Myshkin em Moscou, e acaba descobrindo que Nastasya morava lá e quase havia se casado com Rogozhin, por duas vezes. O nome Myshkin passou a ser discutido novamente. O livro torna-se, outra vez, recheado de bom humor e as mais variadas e impossíveis fofocas, como deveria ser o hábito daquela época na alta sociedade russa. Totsky enamora-se de uma marquesa francesa, abandonando seu projeto de casamento com a filha mais velha do general. Um riquíssimo e inteligente príncipe S vem a Petersburgo para construir uma nova estrada de ferro e, apresentado a Adelaida pede sua mão em casamento. O belo e conquistador Rodonsky conhece Aglaia, através do príncipe S, passando a freqüentar a casa também. A residência de Ganya encontrava-se vazia, pois os inquilinos partiram, sua irmã casara, sobrando apenas ele e sua mãe, que resolvem mudar-se. Kolya está estudando e seu pai fora aprisionado por débitos. Contudo encontrava-se feliz na prisão: sempre bêbado e contando anedotas aos seus novos amigos. Está em seu elemento! O garoto Kolya, solto das amarras da família, feliz continuava amigo de seu irmão e dos Epanchins. Durante a Páscoa, Kolya aproveita uma oportunidade a sós com Aglaia, e lhe entrega uma carta do príncipe Myshkin. O conteúdo é simples, o príncipe queria apenas saber se ela está feliz! A família partira para a casa de verão, em Pavlovsk. Três dias depois, Myshkin chega, finalmente, a Petersburgo. Ele está mudado para melhor em tudo, inclusive na aparência. Dostoevsky, retomando o humor, descreve-o de maneira muito espirituosa. Desembarcando, vai procurar o Sr. Lebedev e a família que estão morando em um belo bangalô de madeira, rodeado de jardins. Surpreso com a presença do jovem, o chama de Ilustríssimo Príncipe e passa a adulá-lo para ganhar tempo. Advogando, está ganhando algum dinheiro, que, infelizmente, perde nos jogos de azar. Dostoevsky, tendo sido um jogador compulsivo, descreve muito bem esses personagens. Myshkin encontra-se nessa casa, porque recebera uma carta de Lebedev e gostaria de saber o paradeiro de Kolya e Nastasya. Ela tornara-se irascível, violenta, sarcástica e orgulhosa de sua posição de mulher livre! Nastasya gostava de comunicar-se com Lebedev para saber a interpretação de revelações mediúnicas, pois ele era o melhor nesses assuntos, sem sombra de dúvida! Como a família estava partindo para a cidade de Pavlovsk, Lebedev oferece a casa para o príncipe alugar. Myshkin aceita e parte a procura de outra determinada casa. Desta vez encontra-se com Rogozhin, que o recebe com surpresa, mas com amizade. Tinham se encontrado em Moscou e continuavam bons amigos. Rogozhin lava sua alma quanto a Nastasya, apesar de saber que ela é devassa e ama o príncipe. Mesmo assim, Rogozhin quer se casar com ela. Myshkin pondera que o melhor seria que Nastasya se afastasse da cidade para tratar de sua saúde física e mental. Rogozhin encontra-se triste e amuado, vivendo com sua mãe numa casa limpa, todavia escura e amontoada de móveis. Ele não sabe quando se casará, pois Nastasya era infiel e cruel, mas prometera lealdade após o casamento. Myshkin revela que a ama por piedade, ao contrário de seu amigo que a ama por paixão. Apático e desorientado o príncipe despede-se.
Capítulos 4 - 5
Ao visitar Rogozhin, Myshkin depara-se com uma ótima cópia de um quadro de Holbein, representando Cristo após a morte. Seriamente, Rogozhin indaga ao príncipe se ele acredita em Deus, porquanto na Rússia atual existem mais ateístas do que no resto dos países, talvez pelo fato deles terem ido mais longe. Myshkin demora a responder e pondera que essa pergunta tem se repetido. Ele já encontrara um famoso e brilhante intelectual ateísta, porém humano e sincero. Encontrara um assassino, que matara o amigo por causa de um relógio e era mau e cristão. E, finalmente, encontrara o verdadeiro sentido da fé em uma camponesa paupérrima, com seu bebê nos braços, que após seu primeiro sorriso para a mãe, sentia-se agraciada por Deus. Mais ainda, um soldado bêbado que lhe vendera uma cruz de lata, como se fosse de prata, para gastar o dinheiro em bebidas. Rogozhin propõe que troquem suas cruzes para que sejam irmãos para sempre. Myshkin após esse ato desapareceu, sem olhar para trás, e dirigiu-se para a casa do general Epanchin. Myshkin passa a sentir uma sensação que já conhecia na época dos ataques epiléticos. A sensação de estranhamento, de mal estar e confusão mental, que após o sofrimento doloroso das convulsões, transforma-se em uma sensação de existência em seu maior grau! Aquele momento realmente vale pela experiência de uma vida inteira! Ao caminhar para o hotel, sente um desejo irresistível de ver Nastasya. Sente que a alma russa é realmente obscura. Não consegue voltar para o hotel e pressente sua doença voltando, abertamente. Chegando a casa de Nastasya, não a encontra, pois se dirigira a Pavlovsk. Lembra-se de quando vira os primeiros sinais de insanidade na jovem, a deixara com Rogozhin. Para ele amar com paixão era desumano e a compaixão seria a única lei da existência. Julgara mal o amigo, que atormentado lutava para reaver a fé! Acha-se ignóbil, sensível e cheio de pressentimentos! A sensação de perseguição se confirma e depara-se com Rogozhin, sorrindo com fúria, com um objeto brilhante na mão. Repentinamente Myshkin tem seu primeiro ataque epilético depois de muito tempo. O horror, a dor e o grito diabólico do ataque salvam o príncipe de ser esfaqueado por seu rival, que desaparece. Ele, todavia, rola os quinze degraus da escada e uma poça de sangue, devido ao ferimento em sua cabeça, se forma ao seu redor. O jovem Kolya voltando para Petersburgo, após ter um presságio, socorre o amigo e o leva à casa de Lebedev, que, três dias mais tarde, o conduz a Pavlovsk, hospedando-o em sua bela e confortável vila. Dostoevski alem de jogador, era epilético. Segue-se uma descrição pormenorizada e angustiante sobre esse mal.
Capítulos 6 – 7 - 8
Lebedev trata o príncipe com grande zelo, devoção e uma boa pitada de ciúmes. Seus amigos em férias na pequena cidade vão visitá-lo, mas seu anfitrião tenta impedir que alguns se aproximem dele. Myshkin está muito feliz com a presença de Kolya, de seu pai, da família de Lebedev e mesmo com o mudado Ganya. O general Epanchin e toda a família vão vê-lo, cercando-o de cuidados. Os Ptitsyn, também. O príncipe quer todos ao se lado! Madame Epanchin esperava vê-lo num leito de morte, por puro romantismo, e o fato dele estar tão bem a desagrada, assim como os serviços de Lebedev, por ciúmes! Essas visitas são descritas de maneira leve, verdadeira e espirituosa. A bela Aglaia, sempre irritadiça, está mais bonita do que nunca. Seus amigos aludem sobre um poema, para eles divertido, do “poor knight ”, que é de certa forma a descrição do príncipe - um cavaleiro que é capaz de ter um ideal. Mais ainda, uma vez traçado este ideal e tendo fé nele, desiste cegamente de sua própria vida pela utopia! Aglaia o descreve de maneira mais lúcida e clara: uma vez escolhida uma dama para amar, por sua pura beleza, será reverenciada para sempre, não importando mais que conduta ela tome. O poeta russo, Pushkin, pretende vincular numa só figura notável a grande concepção do honrado amor platônico medieval, exatamente como era sentido pelos cavaleiros de então. É um ideal e atingir tal sentimento significa muito, como num Don Quixote! Ela adora esse poema. Durante essas explicações, Myshkin vai ficando cada vez mais embaraçado e Aglaia mais ousada, chegando a declamá-lo somente para o príncipe, numa atuação fantástica com “um leve arrepio de inspiração e êxtase”, apesar da sala estar repleta de pessoas! Com essa interpretação Myshkin sente certo desconforto e depressão. O príncipe é apresentado a Yevgeny Pavlevich, que queria muito conhecê-lo. Aglaia e sua mãe não se interessam pelo senhor, contudo Myshkin gosta dele e o avalia muito bem.
Lebedev oferece um livro raríssimo e original das poesias de Pushkin à Madame Epanchin que agradece extasiada. Nesse ínterim, quatro homens querem ver o príncipe para falar de negócios e Aglaia o aconselha a fazê-lo, imediatamente, por se tratarem de niilistas russos, todavia muito bem informados e articulados. O grupo é composto por três jovens, sendo um deles de aparência muito pobre, apresentando-se como Antip Burdovski, filho de Pavlishchev (o tutor de Myshkin)!! Mais outros dois de idade bem juvenil e um de trinta anos, o boxeador, amigo de Rogozhin fazem parte da caravana. Reclamavam seus direitos por alguma coisa que os presentes não sabiam o que era. Myshkin que deduzira do que se tratava fica lívido e contrafeito. Madame Epanchin, nervosamente, mostra-lhes um artigo, tirado de um jornal, para que seja lido em voz alta! Os niilistas acusam o príncipe de tê-los feito esperar por duas horas para serem recebidos e queriam resolver, e já, a situação na frente de testemunhas. O artigo começa: “Proletários e filhos da nobreza, um episódio da roubalheira diária! Progresso! Reforma! Justiça!” A partir daí, uma nova versão de toda a vida de Myshkin é contada. Desde seu nascimento, a prisão e morte de seu pai, o falecimento de sua mãe. Como foi resgatado e educado pelo riquíssimo Sr. Pavlishchev, sua idiotice e seu tratamento que custara uma fortuna, na Suíça. Aludem ao nobre protetor como frívolo, maldoso e galante tendo engravidado uma pobre moça e, ao sabê-lo, faz com que se case com um comerciante e é criado como seu filho legítimo. Porém após a morte do pai, sua inválida mãe e ele seguiram para uma pobre província russa, onde, adulto dá aulas para sobreviver, mas sua mãe agora está morta e vem reclamar sua metade da fortuna, diga-se, mal gasta com o idiota Myshkin. O artigo descreve que esse idiota voltara para a Rússia para receber uma imensa riqueza, que lhe foi deixada após a morte de seu benfeitor e de outro parente. Rico, vê-se cercado de mulheres lindas, que o querem como marido. “O marido ideal, um idiota”. Eles gritam e exigem dinheiro o tempo todo! Os presentes ao fim da leitura estão todos constrangidos, principalmente as mulheres, e Myshkin lívido. Ao final, pede a palavra. Diz ter tido conhecimento do ocorrido através de um homem detestável e manipulador, Tchebarov. Avisara-lhe que entraria em contato com Burdosvky, mas não esperou e conduziu tudo com malícia e descrédito e, agora, o boxeador, Sr. Keller, se intitula autor do panfleto! Indignado por Burdovsky ter colocado o segredo da própria mãe em público, através da publicação e agora na presença de tantas pessoas, Myshkin o qualifica de ingênuo e manipulável, por pessoas de má fé. Defende, severa e corajosamente, a idoneidade de seu tutor e de seus pais, recriminando as horríveis mentiras publicadas e se mostrando disposto a doar dez mil rublos ao jovem, quantia maior do que fora gasta em seu tratamento. Os niilistas não aceitam. Ele diz que dará de presente ao Sr. Burdovsky a quantia, já que tudo não passa de uma farsa, pois tem provas irrefutáveis, oferecidas por Gavril, que tudo não passa de um embuste e que a mãe do jovem está viva e morando em Pskov!! Ele não é filho de Pavlishchev e foi levado por sua inocência, contudo não mudará de idéia, em memória de seu benfeitor. Nesse meio tempo, Gavril Ardalionovich, que estivera calado em um canto, começa sua narrativa colocando todos no mais absoluto suspense e silêncio, inclusive os leitores do livro!
Capítulo 9
“Você certamente não negará... que nasceu exatamente dois anos após sua virtuosa mãe estar casada com o Sr. Burdovski”. (Vemos iniciar-se uma verdadeira comédia de erros, onde ninguém entende ninguém). O Sr. Pavlishchev estivera no Exterior, por diversos anos, quando tudo ocorreu e como prova existe três cartas escritas por ele desta época e sua ortografia pode ser comprovada por qualquer perito. Os niilistas alarmam-se com os fatos! O jovem Burdovski, tímido, ao saber da verdade, recusa o dinheiro e quer sair do recinto. Contudo Gavril pede para que ele fique e saiba mais de sua própria história. Na verdade a mãe do rapaz era irmã de uma jovem serva pela qual o Sr. Pavlishchev apaixonara-se perdidamente e teria se casado com ela, não fosse sua morte prematura. Condoído ele pega a irmã da moça de dez anos, mãe de Burdovski, para educar e cuidar, oferecendo-lhe um ótimo dote e fina educação. Todavia, por vontade própria, se casa com um pobre escriturário, que larga seu emprego e gasta todo o seu dinheiro. Torna-se bêbado, doente e morre, após oito anos de casamento, a deixando sem nenhum dinheiro para viver. Eles só conseguem sobreviver, graças a uma boa importância que Pavlishchev mandava-lhes todo ano. Sendo um garoto muito problemático, o ajuda com aulas especiais, afeiçoando-se a ele. Num país de boatos, corre que ele seria o pai da criança. Morrendo, a família fica sem sustento e a mãe passa a ser assistida pelo filho, agora adulto. Ao terminar o príncipe sente-se culpado, como era seu hábito, pedindo desculpas ao jovem, pois ele sustentava sua mãe e a amava! Um pacote com cem rublos é jogado na mesa pelos niilistas, que se dizendo honestos não querem o dinheiro e os cento e cinqüenta que faltam irão pagar de algum modo, pois são honestos. Ippolit, agora mentor de Kolya, é o mais agitado, apesar do estado febril e estar às portas da morte. Um imenso tumulto começa entre todos os presentes, sem exceção. Madame Epanchin, como era de seu caráter, teve um ataque, o maior de sua vida, gritando: “Basta! É hora de acabar com este absurdo”! Descontrolada, acusou os baderneiros de ateístas, sem fé, desviadores de jovens, contra o bem e a paz, contra a sociedade ordeira e honesta e tudo aquilo que fosse digno e correto. Acusa Ippolit de perturbar Kolya. Inesperadamente, Ippolit declara-se admirador ardoroso de Madame pelo seu estilo e caráter, revelados por Kolya, e que gostaria muito de conhecê-la melhor!! Consternada pede que ele fale baixo e se sente, pois está quase morrendo. Os presentes acabam simpatizando-se com o bando. O paroxismo dela acabara! O chá é servido, a pedido do príncipe, por Lebedev, que já devia tê-lo preparado com muita antecedência, pois a louça era de porcelana fina do enxoval de sua falecida mulher! Myshkin inclui no convite Burdovski e seus amigos. O relógio badala onze vezes!!
Capítulos 10 e 11
Ippolit umedece seus lábios com o chá e observa a excelência da louça do anfitrião. Madame Epanchin ao saber que o próprio Lebedev, recebendo seis rublos de Keller, havia corrigido e sugerido alguns fatos do documento lido, indaga ao príncipe, arrebatada, se ele não se sentia envergonhado por conviver com indivíduos tão desprezíveis como aquelas pessoas. Ela nunca perdoará Myshkin, mas o acusado diz-se perdoado por ele devido aos seus bons sentimentos. Lebedev teve a ousadia de dizer que os erros de gramática não corrigira!! O general, criticando os estranhos, defende sua mulher. Ippolit continua rindo histericamente e desprezando os “nobres sentimentos de Madame” e do príncipe, arrasou Pavlovich sobre a liberdade de expressão. Incontido convida todos os presentes para seu funeral, o funeral de um jovem de dezessete anos. Afirma que os presentes têm muito medo da sinceridade dos jovens, apesar de desprezá-los, que não corrompeu Kolya e se achando um tolo pede a Lizaveta que socorra seus pequenos irmãos quando morrer. Ao ser convidado pelo príncipe, devido ao seu estado de saúde, a permanecer na casa, Ippolit diz odiar a todos, mas a Myshkin mais do que tudo no mundo: um príncipe milionário e filantrópico! Que ironia! Lizaveta Prokofyevna, emocionada com a situação do adolescente, critica duramente o procedimento de Myshkin naquela noite e diz ter tido uma visão mais clara de quem ele realmente era!! Ippolit finalmente é levado e Aglaia pede ao príncipe para abandonar aqueles tipos. Um caríssimo coche passa em frente a casa, com duas belas mulheres, uma delas em voz alta chama Pavlovich para avisar-lhe que Rogozhin empenhou-se em resgatar suas dívida (IOUs). Corando pergunta o significado daquilo, todavia o príncipe também não sabe. Após três dias de reservas, Príncipe S e Adelaida visitam Myshkin, com o pretexto de saber de sua saúde e, principalmente, quem era a jovem da carruagem. Dizendo trata-se de Nastasya, julga que ela está planejando algo, pois quando focada em um objetivo, não para. Gavril informa-lhe que há quatro dias Nastasya encontra-se na cidade e já há uma legião de admiradores atrás dela. Pavlovich e Ptitsyn, marido de Varvara, estão em Petersbugo a negócios e Aglaia está de péssimo humor com o ocorrido. Myshkin recebe Keller, o qual lhe pede um empréstimo com uma conversa filosófica e divertida. A narrativa continua cômica e bem sintonizada. Conversando com o amigo Kolya, este afirma que Myshkin está com ciúmes de Aglaia e seu irmão Ganya, desatando num riso prolongado. O general não escapa de uma visita ao príncipe e confidencia que Nasatsya quer se vingar dele, pelos acontecimentos do passado. Não sabe do paradeiro de Rogozhin, porém conhece o riquíssimo tio septuagenário de Pavlovich e esse também se encontra interessado por ela! Que mulher tão disputada!
Capítulo 12
No final da parte dois do livro, nos deliciamos com as confusões e duplos sentidos de Lizaveta Prokofyevna. Procurando o príncipe quer saber se ele escreveu para Aglaia e com que intenção e mais ainda, se estava apaixonado por ela. Gaguejando reconhece que sim, mas escrevera como para uma amiga. Furiosa a mãe reage dizendo que jamais se casará com sua filha! Por outro lado, lhe revela que Gravil está se correspondendo com Aglaia assim como com Nastasya e que ele é um crédulo e um simplório. Estupefato, reage dizendo que não pode visitar Aglaia, pois ela lhe enviara um bilhete para que ele não fosse mais vê-la! Lendo a nota, percebe que por de trás daquelas palavras havia outro sentido e arrastando Myshkin pela mão o conduz à sua residência. As normas, etiquetas e condutas russas dessa época são magistralmente descritas pelo autor, que nos presenteia jogando luzes e cores para esses acontecimentos tão particulares e pessoais.
Parte III

Capítulo 1
Novas revoadas de censuras e ironias assertivas! Fyodor Dostoevski comenta que, na Rússia, se ouvem reclamações sobre a abastança de políticos, generais e homens de negócios, mas que homens práticos, ou seja, não teóricos e experientes, não há no país do século dezenove! Há falta deles. Com tantos funcionários públicos que estão nas repartições, estiveram lá, ou pretendem estar lá, e com tanta abundância de material, mesmo assim não conseguem manter em ordem uma estrada de ferro ou uma linha de vapores! Ele critica a política de governo, excesso de funcionários públicos sem nenhuma capacitação e até ironiza os gênios e inventores! Repreende a especulação financeira e a falta de decoro que assola o país, exatamente o que ocorre no Brasil, mais do que nunca. “He shall dress in gold, the pet-wear a general’s epaulette” . Originalidade e criatividade não há. As mães dizem: “Não, melhor deixá-lo ser feliz e viver no conforto, mesmo sem originalidade”. O ápice da felicidade russa é ser general! Os Epanchis são completamente diferentes do que se encontram nas outras famílias militares. Eles são respeitados, honrados e apesar da excentricidade de Madame, o general é inteligente e natural. O maior pavor de Lizaveta era que suas filhas se tornassem como ela: excêntricas, pois estão crescendo numa atmosfera niilista! Elas discutem os direitos humanos e Aglaia chega a cortar os maravilhosos cabelos, pela praticidade. Ao menos Adelaida era diferente, tendo se unido a um príncipe rico, inteligente e bonito. Alexandra era a quem mais ela ouvia, no entanto, Aglaia era seu maior temor, era seu ídolo! Fyodor descreve esses personagens com graça e bom humor demonstrando ser profundo conhecedor da alma feminina. Preocupando-se com as atitudes da filha, Lizaveta joga toda a culpa nas costas do marido. Comicamente, o culpa da aproximação do príncipe idiota com Aglaia. Numa reunião na casa deles, Pavilovich esnoba os liberais russos, os classificando como antipatriotas estrangeiros e vindos de duas classes sociais: velhos proprietários de terra e seminaristas . Acossado por Alexandra nomeia três escritores nacionalistas que admira: Lomonosov, Pashkin e Gogol. Pavlovich continua falando sem parar, como “uma caixa de palavrório.” Ele assegura que os liberais russos não são contra a ordem das coisas ou o regime, como deveriam ser, mas odeiam os hábitos, a história e tudo da Rússia, a pátria em si! Afirmando que toda literatura russa foi escrita por donos de terras da velha escola, pergunta a Myshkin sua opinião sobre o exposto. Não tendo ainda um conceito formado sobre esses assuntos, assegura que está os ouvindo com o maior prazer! Tendo estado com pouquíssimos liberais, acredita que essa opinião pode não ser a verdade para todos. A extraordinária naïveté de sua atenção pelas coisas era sua melhor característica e o que encantava a todos. Pavlovich observa-o com seriedade. Sabendo que Ippolit ficara na vila, o príncipe diz ser preciso perdoá-lo e receber seu perdão. Diante desse paraíso na terra, todos se levantam para ouvir “A Banda Passar”(Banda russa que tocava músicas folclóricas).
Capítulos 2 – 3 - 4
Myshkin resolveu partir do bangalô, por causa de seus problemas de saúde. Conversando com as pessoas da casa é surpreendido por Aglaia, que furiosa, diz não querer se casar com ele, contudo Myshkin retruca que nunca pedira sua mão em casamento! Num misto de alegria e embaraçamento, se mostra feliz e todos vão ouvir a orquestra tocar. Diversas pessoas encontram-se no local, pois é uma oportunidade de ouvir boa música. Os jovens conversavam animadamente, porém o príncipe só pensava em estar só, nas montanhas e nunca mais voltar! Sua atenção é desviada por algo que se meche, quando aparece Nastasya com seus companheiros e dirige-se diretamente a Pavlovich dizendo que seu tio havia se matado pela manhã, deixando uma dívida. O jovem recebe a notícia como se “um raio caísse sobre ele”. Sente-se exposto, pois estava cercado por muitas pessoas e aquilo fora dito em voz muito alta. Quase todos saem constrangidos. Contudo Rogozhin aparece com Keller, e segurando o braço de Nastasya também partem. O general Epanchin igualmente relata a Myshkin a morte do tio de Pavilovich e a grande soma de dinheiro público que havia sumido. Finalmente, Myshkin abre um bilhete que Aglaia havia lhe dado, pedindo que a espere às sete horas, no espaço verde onde ela costumava ficar. Só e refletindo sobre seus sentimentos, considera que jamais poderia imaginar-se apaixonado por Aglaia, devido à sua enfermidade mas agora, segundo as evidências, teme ser verdade e estaria até sendo correspondido! Myshkin sendo um personagem dual, pensa uma coisa em um momento e logo em seguida refaz seu pensamento. Os sentimentos de Rogozhin a respeito dele são muito conturbados, pois não gostava do príncipe e sente ciúmes por Nastasya amá-lo. Mesmo assim ela se esforça para casá-lo com Aglaia, a fim de que sejam felizes. Myshkin conversando com Rogozhin, tarde da noite, lembra-se do seu aniversário e o convida para celebrarem, juntos, uma nova vida para o príncipe. Uma agradável surpresa o espera, pois todos os seus amigos e “inimigos” estavam em sua casa. Chegaram espontaneamente sem serem convidados. Lebedev e sua filha lhe prepararam uma linda festa, a expensas do próprio, se sentindo muito felizes por agradarem Myshkin. Os amigos discutem calorosamente sobre a liberdade de expressão do parlamento inglês, onde cada pessoa pode falar o que pensa e se tratam com respeito. “All those expressions, all this parlamentarism of a free people, that’s what’s so fascinating to people like us ”, proclama Keller. Lebedev acha que “a ferrovia, por exemplo, é amaldiçoada”! O embate é sobre os últimos inventos e os avanços da ciência, nos últimos séculos, que são malditos. Ganya crê “que a necessidade universal de viver, comer e beber, sem um poder associado à ciência e materialismo, é impossível para o desenvolvimento das futuras eras da humanidade”. Outro relata que “a lei de autodestruição e de autopreservação são igualmente fortes no ser humano”. “As estradas de ferro correm com barulho, clamor e pressa, deixando pouco espaço espiritual”, exclama outra pessoa. Outro afirma que alguns povos são excluídos desses benefícios. Os paradoxos se seguem acalorados por muito tempo. Alguns contra e outros a favor do desenvolvimento das ciências modernas.
Capítulos 5 – 6 – 7 - 8
Esses capítulos ponderam muito sobre o nosso jovem moribundo, Ippolit, que se encontrava dormindo no sofá e repentinamente acordou assustado, como se tivesse perdido todo o sentido dos debates e da festa. “Acabou? Tudo já acabou? O sol já raiou?”, foram suas perguntas, mas ele havia dormindo poucos minutos e a festa corria solta. Ippolit tem o intuito de chamar a atenção dos presentes e tira do bolso um envelope lacrado, contendo um artigo, escrito de próprio punho, que ele pretende ler, antes do fim da noite. Inicia a leitura do texto de maneira inaudível, mas com a continuidade sua voz se faz forte e expressiva. “Motto: Depois de mim o grande dilúvio! ”. Eis “o artigo resumidamente:”

“My Essential Explanation. ”
“Aprés moi le déluge!”

Afirma que o príncipe acolhera-o em sua vila e, entre outras coisas, que se alguém principiasse a torturá-lo naquele momento começaria a gritar, pois só tinha mais quinze dias de vida. Ele descreve um sonho singular, em que é ameaçado por um escorpião grotesco, mas sua mãe e sua cadela o salvam. Entretanto a pergunta que fica é: Quem enviou o escorpião? A platéia entediada, o chamando de supérfluo, ameaça se retirar. Agora ele fala sério. Irritava-o os lamentos das pessoas com saúde sobre as dificuldades inerentes da vida, quer fossem pobres ou ricas. “Têm-se a vida, têm-se tudo”! Reconhece que desde que soubera de sua tuberculose incurável desligara-se da família e dos camaradas. Passara a se agarrar à vida, queria viver, não importava como. Contava histórias de fada para si mesmo, durante as noites insones. Resume, enfim, que podem olhar para ele com sendo um louco, ou um jovem estudante. Sendo um homem condenado à morte, é natural que ele ache que todos pensam muito pouco em suas vidas e as gasta pobremente, preguiçosamente e desavergonhadamente. Contudo, a VIDA é o que importa, o que importa é o processo de descobrimento e não o descobrimento em si. O ser humano tem dentro dele um pensamento que jamais poderá comunicar aos outros e assim morrerá com ele a mais importante de suas idéias! Conta alguns fatos interessantes em que ajudou pessoas necessitadas e em que também as arrasou. Descreve uma conversa com um amigo em que discutem a necessidade da ajuda pessoal para o bem do ser humano. Quando se planta a semente da compaixão e da compreensão ela se espalha e será lembrada para sempre! O indivíduo olhará para seu trabalho como uma ciência: as sementes crescerão e tomarão forma. Quem sabe a caridade mudará o destino da humanidade? Ippolit, assim como Myshkin, ficara impressionado com o quadro da casa de Rogozhin, onde Cristo é retratado de forma humana, machucado, inchado, ensangüentado, com suas dores, medos e incertezas. Isso choca o jovem Ippolit... Agora, finalmente chegamos ao episódio em que Rogozhin vai visitá-lo em seu quarto e entrando silenciosamente encara-o, sem falar uma palavra durante um longo tempo, saindo sem dizer nada com o sarcasmo estampado no seu rosto. Ippolit, estando muito doente e febril, crê que poderia ter sido uma alucinação. Não, estava errado. A partir daí toma uma última resolução. Não queria continuar vivendo uma vida que tomava formas estranhas e humilhantes. Tendo uma pistola de bolso, que ganhou quando criança, ameaça matar-se com um tiro na fronte e não permitirá que ninguém o julgue, apesar de saber que o será dito, já que estando “mudo não terá voz para defender-se”. Lamuria-se da simpatia das pessoas por seu estado, da natureza, dos verdes parques, do nascer do sol, do por do sol, do belo céu azul, porque este festival de beleza sem fim começará por excluí-lo dele! A harmonia do universo é muito estranha e injusta, já que a vida e a morte são imprescindíveis. Ippolit acredita que haja outra vida, mas aceitá-la sem uma racionalização lógica, só com FÉ. Não pode escolher quando nascer, todavia poderá escolher quando morrer. O suicídio ainda é uma ação de protesto. A leitura termina... Contudo o seu olhar reflete desdém e repugnância ressentida. Sua “platéia” encontra-se nervosa e indignada com tais palavras. Nenhuma comiseração lhe é oferecida! Ippolit vê o erro que cometera abrindo seu coração. Lebedev, o dono da casa concorda, a pedido do príncipe, que ele passe a noite sob seu teto, mas deveria partir no dia seguinte e entregar sua arma. Ippolit, chegando à varanda, pega do bolso algo brilhante e dispara um tiro em sua têmpora. Ironicamente o tiro é ouvido, mas não detonado. Escuta-se uma grande gargalhada dos presentes e o jovem chora histericamente. Esquecera de colocar a munição na arma! Um grande ato falho, em minha opinião, mas Keller sai em sua defesa. Conduzido ao quarto acaba adormecendo, então Pavlovich aconselha Myshkin a ter cuidado com Lacenaire . Myshkin lembrando-se da beleza da Suíça acaba adormecendo no parque, ao som da música que era tocada. Acorda com Aglaia rindo, à sua frente. Conversam, particularmente sobre ela, de como gostaria de fugir de casa, ter uma vida produtiva e ter Myshkin como seu guia. Aglaia sentindo ciúmes de Nastasya afirma que ele a ama e é correspondido, pois recebera três cartas da jovem, insistindo que se casasse com Aglaia. Isso demonstrava seu amor por ele! Continuam as situações bilaterais e dúbias no romance de Dostoevsky. Já que o príncipe dissera que a ama, o natural seria Aglaia casar-se com ele e não jogá-lo nos braços de Nastasya. Entretanto, o príncipe relata os horrores que se passavam com Nastasya: Sua crença em ser a pessoa mais decaída e depravada do mundo. Afastara-se dele só para provar que não o merecia. Aglaia pede-lhe que devolva as cartas da moça e que se afaste dela definitivamente. Lizaveta aproxima-se do casal e Aglaia, furiosa, anuncia que vai se casar com Gavril e fugir de casa! Sua mãe volta para casa na companhia de Myshkin, pedindo-lhe, amigavelmente, uma explicação. Nesses capítulos notamos a obsessão de Dostoevski pela morte. Ippolit reflete, como um espelho, o fato de Fyodor ter sido condenado à morte e no último minuto, literalmente, ter se salvado da condenação, como ocorreu com o ato falho de nosso jovem suicida. Suas convicções parecem ser as mesmas, inclusive no tocante a Previdência Divina e a fé.
Capítulos 9 - 10
Myshkin volta para casa às nove horas e não consegue dormir, pois todos querem falar com ele. Lebedev, com seu estilo floriadíssimo e submisso, conta que lhe foram roubados quatrocentos rublos, durante a festa, e depois de explicações e conjecturas filigranadas dá a entender que só pode ter sido o nada confiável Ferdyshchenko, mas o príncipe aconselha cautela na acusação. Depois de dormir na varanda, ao tocar com os dedos as três cartas de Nastasya, congela temeroso do conteúdo. Lê-las era como um sonho mau ou um pesadelo, em que você acha que perdeu algum fato crucial e não se aquieta, sentindo grande ansiedade. Nastasya declara à Aglaia que a ama perdidamente, mas que não está à sua altura. Que a jovem é como um raio de luz e que tendo renunciado ao mundo por sua causa, mas agora ela lhe pertencia totalmente! Insinua que seu casamento e o de Aglaia serão realizados na mesma época. Myshkin desespera-se com o que lê. Relata, também, que Rogozhin age como um conhecido assassino russo, que tem uma navalha embrulhada num lenço de seda e que teme que ele a mate. Myshkin, emocionado, dirigi-se para o parque. Nota que está perto da residência dos Epanchins, encontrando Alexandra. Todos estão se recolhendo para dormir. Subitamente tem a mesma aparição dos seus sonhos. Não era uma aparição, mas a própria Nastasya, que ajoelha a seus pés e pergunta se ele é feliz. Essa será, absolutamente, a última vez que o verá. Myshkin implora que ela se levante e depois do adeus vai embora correndo. Mas o príncipe viu que Rogozhin a segurou pelo braço. Voltando, sozinho, afirma já ter lido as cartas e sarcasticamente afirma que o príncipe não respondeu à pergunta de Nastasya se é realmente feliz. “Não, não, não!” Exclama Myshkin com uma tristeza sem palavras. Rogozhin, maliciosamente, concorda e sai sem olhar para trás. E Ippolit... Onde estará? Continua dormindo o sono dos justos? Logo saberemos.
Parte IV
Capítulos 1 – 2 – 3 – 4
Dostoevsky discorre sobre as dificuldades de se criar os personagens de um livro. Na tentativa de delinear uma personalidade, o mais vividamente possível, ele se torna mais real do que a realidade. Podkolyosim, personagem de Gogol, é um exemplo a ser considerado. E o que fazer com as “ordinary people” que compõem a maioria da humanidade? Elas não podem ser deixadas de lado, pois soaria artificial. Compor um livro só com pessoas especiais ocorreria o mesmo. Vavara Ardalionovna, seu marido Sr. Ptitsyn e seu irmão Gavril pertecem ao grupo de pessoas comuns, as quais ainda não foram suficientemente descritas no livro! Esses “comuns” são divididos em duas classes. De inteligência limitada e os mais espertos. Os primeiros são mais felizes, pois se acham geniais, apesar da simplicidade de raciocínio. Gavril pertence à segunda classe (inteligentes), pois apesar de estar infectado da cabeça aos pés pelo germe da genialidade e vaidade, não conseguia ser original. Os da segunda classe acham que se não fosse a rotina imposta pelas suas vidas, teriam descoberto a pólvora ou a América! Não sabem o que fariam, mas seria algo grandioso! O marido de sua irmã vivia de emprestar dinheiro a juros, o que era uma ofensa ao nosso jovem, mas a natureza seria gentil com o agiota. Varvara era bem diferente. Casara-se não por interesse, mas porque achava seu marido agradável, quase educado e relativamente honesto. Para melhorar as condições de seu irmão e casá-lo com Aglaia, aproximara-se dos Epanchins. Um dia chegando a sua casa depara-se com uma horrorosa briga entre seus familiares. Gavril não suporta mais seu pai, que há três dias não bebia e estava muito agressivo. O velho general fora pedir emprego ou dinheiro aos Epanchins. Apesar de revoltado nota que a irmã está desolada e ela revela que o príncipe e Aglaia iriam se casar, que Myshkin encontrava-se na maior felicidade e o anúncio seria feito publicamente em breve. Ganya não lamenta o ocorrido “só que de agora em diante seria cobrado pela irmã e cunhado a arranjar um emprego”! Aglaia aborreceria a família casando-se com o príncipe, mas nisso consiste sua maior alegria... Achamos Ippolit!!! Está morando a alguns dias na casa de Gavril, a seu convite, e se encontra até mais gordo e corado. Estes capítulos são particularmente divertidos pelo perfil e linha de reflexão de Gravil Ardalionovich (o bom homem presunçoso). Uma grande confusão ocorre na casa dos Ardalionovichs (só para variar um pouco) e todos atacam o Sr. Ptitsyn. Ivolgin, Nina, Kolya e por fim Ippolit. O general está furioso com o jovem ex-suicida e o chama de screw , pois há três dias está tentando convencer o general a se tornar ateu, logo ele que antes do rapaz nascer já havia recebido inúmeras honrarias! Na casa ficaria ou ele ou o maldito. Ganya, apesar de irritado com o pai, o defende e afirma que só graças a ele estava sob um teto e encontrava-se até gordo. Ippolit numa tacada de mestre afirma não estar gordo e que mudaria, naquele mesmo dia, com sua mãe para outra casa nas redondezas, pois os ares eram muito bons para ele. Continuando profere que Ganya só o convidara para morar em sua casa com segundas intenções. Que ele seria seu aliado para desmoralizar o príncipe e se casar com Aglaia. Agora, porém, ele se apaixonara por ela, a qual lera seu artigo sobre o suicídio e lhe fora simpática. Ippolit revela que o odeia, porque simplesmente Ganya representa o símbolo, o tipo, a encarnação o acme do “lugar comum”. Invejoso e pretensioso pensa ser um gênio! Prediz que ele não ganhará a mão de certa dama... Finalmente parte da casa. Ganya recebe uma nota de Aglaia, pedindo que ele se encontre com ela, acompanhado da irmã. O barulho continua e o general sai de casa, com um séquito atrás dele. Os vizinhos ouvem a gritaria. Ganya beija a nota de Aglaia. Em outras circunstâncias a partida do general não significaria nada, mas agora não. Ele adorava a mulher, por seu amor e devoção, apesar da figura grotesca e degradada que havia se tornado. Ippolit queria agora doutrinar sua Nina. O general Evolgin refugiou-se na casa de Lebedev e não se separavam por nada. Evolgin, há três dias morando lá, deseja falar com o príncipe, mas seu comportamento bajulador e submisso atrapalha-o muito. Agita-se, fala sentenças desconexas, palavras soltas e finalmente anuncia ao príncipe que voltará outro dia, pois o que tem a falar é muito sério! Myshkin nota que todos os seus amigos querem congratulá-lo com sorrisos e alusões, contudo não sabe do que se trata. Lebedev que sumira por três dias, diz estar triste com o jovem e este, perdendo a paciência, afirma que Lebedev quer alguma coisa dele, contudo quer saber qual o motivo da conduta surrealista do general e dos quatrocentos rublos que foram roubados! Sua resposta aborrece nosso herói, pois assegura que achou, por acaso, a carteira em baixo de uma cadeira e fez questão que o general a visse. Agora, a carrega para todos os lados, no bolso, tentando matreiramente incriminar o general. Myshkin aborrece-se com ele, por não perdoá-lo, contudo só um homem com o coração do príncipe poderia perdoar tudo! O general volta a falar com ele, mas inteiramente mudado. Esnobe, relata que voltará ao convívio com a esposa e acaba a amizade entre eles, por não ser merecedor de seu afeto. Começa uma narrativa que é, realmente, uma jóia rara. Dostoevski narra com maestria os sentimentos dos personagens comuns como nenhuma outra pessoa. Da dignidade do homem que se leva muito a sério e sofre com suas atitudes indignas, comuns a alguns, até a culpa da mentira e simulação e da tolerância e compaixão que poucos mostram a esses indivíduos... O general brigara com Lebedev, pois ele ousara lhe contar uma grande mentira. Em 1812 quando nem era nascido, discorre ter sido baleado pelo inimigo canhão francês que decepara sua perna, mas ele consegue levá-la ao cemitério Vagankovsky, em Moscou, enterrando-a com uma placa comemorativa do feito. Logo após coloca uma prótese perfeita, que o possibilitou andar sem dificuldades. Mishkin argumente que não passa de uma mentira inocente, contudo ele se sente desrespeitado. Mas... O general Ivolgin, neste ano, aos dez anos de idade, admirador de Napoleão, arrasta sua mãe de casa e a leva para presenciar sua entrada triunfante na Rússia. No meio da multidão delirante, o imperador francês antes de adentrar ao palácio, desmontando de seu cavalo, olha nos olhos do garoto, trocando duas palavras com a criança e, impressionado, imediatamente se encanta com sua inteligência. Myshkin enrubesce e quer gargalhar com tanta besteira, mas fazendo-se sério ouve-o atentamente. A história chega a tal ponto que o próprio Napoleão Bonaparte recebe-o como pajem e não deixa de dar atenção às suas opiniões, apesar de sua pouca idade! O príncipe declara que suas memórias devem ser muito interessantes... “São! Já estão até escritas de próprio punho!” Após duas horas de relatos napoleônicos históricos, o general bate em retirada. Ivolgin pertencia, segundo Fyodor, a uma classe de mentirosos, para os quais elas se tornam “uma paixão cega” e quando, enfim, voltam à realidade sentem-se muito humilhados!!! Essa é uma afirmativa, a meu ver, corretíssima, pois existem muitos Ivolgins por aí. Myshkin tinha uma infinita compaixão pelo general, apesar disso recebera dele uma carta rompendo a amizade desde que provas de indulgência eram aviltantes à dignidade de um velho! Na rua encontra-se com Kolya e falando sem parar e chorando é acolhido pelo filho, que carinhosamente o conduz para casa. Entretanto ele continua no assalto de mentiras, quando é censurado pelo filho e enfim tem um ataque e desmaia. Essas mentiras são inocentes e muito divertidas, pois falam de alguém super dotado, um verdadeiro gênio ingênuo.
Capítulos 5 – 6 – 7 – 8 – 9
Varvara e os Epanchins pressentem que alguma coisa vital aconteceu com Aglaia e que seu destino está sendo selado neste momento. General Ivan Fyodorovich até que encara com bons olhos e certa simpatia a união de sua filha com o príncipe. Lizaveta é literalmente contra, pois Myshkin não passava de um idiota, um tolo, um democrata sem lugar no mundo. Não seria o par ideal para Aglaia, mas no fundo de seu coração de mãe, uma centelha faísca e pergunta: Por que o príncipe não é o que se desejava? Lizaveta vai aconselhar-se com a velha princesa, madrinha de sua filha, que acha tudo uma bobagem e, no momento, acalmar-se seria o melhor a fazer. Nesse ínterim, Aglaia rompe, novamente, com o príncipe porque ele ganhou no jogo de cartas! Vendo-o sair de casa, se arrepende e lhe envia um porco-espinho de presente! Myshkin, nesta noite, vai jantar com os Epanchis, mas Aglaia não aparece. Entretanto mais tarde ela desce, senta-se à mesa e pergunta, em um estalo, se o príncipe iria fazer a proposta ou não! Os pais ficam petrificados, as irmãs silenciosas e Myshkin boquiaberto. Responde que não viera para fazer um pedido de casamento, mas a ama e gostaria de se casar com ela. Questionado por Aglaia, “como iria assegurar sua felicidade” nosso herói pergunta “se é necessário”? Se for por fortuna não tem muita e diz que pretendia fazer um exame para tornar-se tutor particular. “Kammerjunker?” Pergunta Aglaia e todas as três caem na risada. Agora afirma não querer mais se casar com ele. O príncipe parece não entender ou finge não entender e se sente muito aliviado por não precisar pensar mais em matrimônio. Quer apenas estar apaixonado e era isso que Lizaveta temia. Bem humorado como não se sentia há muito tempo, começa a conversar sobre diversos assuntos. Aglaia observa-o e não diz uma palavra sequer. Ippolit aparece em cena e estando muito melhor de saúde começa a fazer intrigas sobre o assunto do suicídio, mas o príncipe não o julga por isso. Os Epanchins, por fim resolvem apresentar o príncipe à sociedade, pois os jovens reataram outra vez. Aglaia não gosta da idéia de seus pais misturarem-se à nobreza, já que pertencem à classe média russa. Myshkin dará uma má impressão com todo o seu desajeitamento. Com certeza quebrará o caríssimo vaso de porcelana de sua maman. Ameaça-o de nunca mais falar com ele se tocar no assunto de política econômica russa ou pena capital. Nervoso, assegura que fará tudo isso e ainda escorregará no chão ou terá um ataque, por ser uma pessoa muito desastrada. Lebedev aparece embriagado, abatido e desabafa com o príncipe que fora levar uma carta a Lizaveta, que lhe proferiu uma bofetada na cara e a devolveu sem abri-la. A bofetada fora moral... não física, o que é ainda pior. Roubara umas cartas de Vera e ao invés de dá-las ao príncipe entregara-as “à mãe de nobre coração”. A carta era destinada a Gavryl, seu rival, mas Myshkin obriga-o a entregá-la ao destinatário certo! Era uma ação abominável. Encontrando-se com Kolya pede que a entregue a seu irmão. Myshkin corre à casa de Kolya, pois seu pai passava mal. Chamara três médicos, um farmacêutico e um barbeiro, que juntos conseguiram reanimá-lo. Chega a hora da festa e nosso príncipe, magnificamente vestido, falando pouco e muito bem, sem gesticular, impressiona bem todos os presentes. Aqui Fyodor faz uma das mais duras e divertidas críticas ao cinismo e falsidade da nobreza. Pessoas vaidosas que ganharam um título só por herança. São vazias, simuladas, hipócritas e sem escrúpulos. Mas o ingênuo príncipe vê-se encantado com tanta atenção e gentileza, se acha “entre os seus”. Pela primeira vez ele vê um pequeno corner daquilo que tem o nome horrível de “society”. Ele os toma por “true coin” •, por “pure gold without alloy” . O pobre Myshkin não percebe que tudo não passa de um verniz e que esses indivíduos se cercam e se toleram pelo mais puro interesse! Os bons Epanchins também não percebem. Imediatamente algo muito importante acontece. Ouvindo falar o nome de Pavlishchev, seu tutor, o príncipe fica imediatamente atento. Ivan Petrovich havia conhecido Myshkin quando era pequeno e doente e se lembra de seus problemas pessoais e das senhoras que o educaram com muita severidade, após a morte de seus pais. Myshkin tem os olhos brilhantes de emoção e encantamento e lamenta não ter ido visitá-las, quando estivera perto de sua cidade! Myshkin também se encanta por Petrovich ser aparentado de seu tutor. À medida que Petrovich vai descrevendo os fatos de sua infância ele atinge tal estado de êxtase, totalmente fora de proporção, que os convidados começam a encará-lo com desaprovação. Pavlishchev, seu tutor, apesar de ser erudito, bom e riquíssimo, repentinamente, largara tudo o que possuia (fortuna e posição) para tornar-se jesuíta da Igreja Católica Romana!! Myshkin horrorizado e pálido afirma calorosamente ser o catolicismo uma religião unchristian ! Assegura ser o catolicismo romano ainda pior do que o ateísmo, pois prega um Cristo destorcido, oposto ao Cristo real. O catolicismo romano não teria alcançado sua posição sem a supremacia política universal! Afiança que o ateísmo surgiu dele e que na Europa uma enorme massa de pessoas estão perdendo a fé. Falando tanto, com tanta veemência e gesticulando sem parar, está sem fôlego e faz uma pausa. Compara o socialismo ao catolicismo e é frontalmente contra os dois. Proclama o povo russo a levar seu Cristo e sua civilização para a Europa, reprovando os atos dos jesuítas. O povo russo deveria dedicar-se ao seu Cristo e seu Deus, assim o mundo verá que civilização forte e verdadeira eles são e um gentil gigante crescerá diante de todos, admirados, pois esperam deles somente a espada e a violência! Um grave incidente corta a sua fala e a audiência permanece estupefata. De tanto gesticular acaba batendo no caríssimo vaso chinês, fazendo exatamente o que tanto temia! Após balançar de um lado para outro o objeto cai e seus preciosos cacos são espalhados pelo chão. Todos correm para colhê-los, contudo Aglaia observa-o atônita, mas com certa afeição, também. A gargalhada é geral. Ivan Petrovich segura sua mão e o convida a sentar-se ao seu lado. Tendo sido recebido com simpatia anima-se a continuar discursando. Desculpa-se por parecer uma criança desajeitada apesar de seus vinte e sete anos. Julgam-no um teorista e utópico, mas isso não é verdade. Myshikin no auge do seu clamor e exuberância, repentinamente, empalidece e tem um ataque epilético! Ninguém espera por isso e a velha princesa, madrinha de Aglaia, diz à madame Epanchin que há coisas boas e más nele, mas em sua opinião, há mais mal do que bem. Aglaia afirma que jamais o olhou como consorte. Os pais da jovem decidem que jamais haverá casamento entre eles. Sobre as palavras frias da filha a respeito do príncipe, é repreendida por Lizaveta! Após o incidente a família Epanchin visita o jovem, que se desculpa pelo ocorrido. Aglaia prepara uma armadilha e pede para que ele não saia de casa entre sete e nove daquela noite. Entretanto, Ippolit relata-lhe que Nastasya vai encontrar-se com Aglaia, à noite, por interesse da última. Fyodor Dostoesvsky, nesses capítulos, continua escrevendo com seu usual bom humor e sarcasmo. Aglaia pede ao príncipe que a acompanhe na visita à Nastasya. Somente elas, ele e Rogozhin estarão presentes. Aglaia, falando em voz baixa e pausadamente, irrita Nasatsya por forçar a sua presença ali, findando por discutirem. Olham-se com desprezo. Todavia Aglaia compõe-se e propõem falarem como dois seres humanos. Aglaia culpa Nastasya por torturar e não amar Mishkin por ser simples de coração, o oposto dela que quando o viu, pela primeira vez, observou uma nobreza singular e uma confiança sem limites. Sua rival concorda que fugiu dele, mas que o ama. A jovem quer saber o porquê de suas cartas absurdas e a insistência para que eles se casassem. Deveria casar-se com Rogozhin que a amava. Atacando-a, fisicamente, percebe que ela é mais frágil e melhor pessoa do que demonstrava ser. O olhar sofrido do príncipe para Nasatasya fez com que Aglaia tremesse! Nastasya contesta sua visita e percebe que veio por ciúmes, para descobrir quem era a favorita do príncipe, desaprovando sua atitude mesquinha. Pedindo para que o príncipe jure jamais abandoná-la, assusta Aglaia, que apreensivamente desiste dele. Myshkin sai do aposento atrás de Aglaia, mas Nastasya interpõe-se no caminho, desmaiando em seus braços. A sós com ela, a conforta, acariciando seus cabelos. Um grande escândalo acontece, duas semanas após o ocorrido, e o rumor corre como rastilho de pólvora por todas as casas, vilas, cidades, inclusive nos distritos vizinhos! O boato era que certo príncipe, após o vexame dado na festa dos Epanchins, se ligou a uma cocotte , andava com ela e pretendiam se casar. Tudo isso de cabeça erguida! Cada pessoa acrescentava alguma coisa ao fato e detalhes picantes eram somados a essa falsa tragicomédia. A verdade é que Myshkin ficara dias e noites na companhia de Nastasya. Mesmo assim tentara inúmeras vezes explicar-se com Aglaia, mas fora impedido. Após saber que Aglaia não se sentia bem, tentara novamente aproximar-se dela. A jovem depois de ter renunciado ao príncipe refugiou-se na casa de Gravyl, que numa oportunidade, confirma seu amor por ela, sendo rechaçado de novo. Seus pais aparecem e caindo nos braços deles volta para casa. Todos seus amigos, todos, resolvem cortar os laços com nosso herói. Os Epanchins partem e se encaminham para uma belíssima propriedade em Kolmino. Temos, a essa altura do livro, um episódio muito bem costurado e psicologicamente perfeito armado por Pavlovich, que visitando Myshkin relata todos os fatos ocorridos com os Epanchins. Aglaia não poderia dividi-lo com outra mulher! Pavilovich acrescenta que tal escândalo ocorreu por sua “inexperiência inata, excesso de cultura, extraordinário amor às pessoas, falta de medida de proporção sentimental e finalmente a enorme massa de convicções intelectuais, as quais, nele, com sua extraordinária honestidade, têm até agora sido consideradas como convicções reais, inatas, e intuitivas”. Que o príncipe possuía um sentimento democrático convencional. Pavlovich sabe de todos os detalhes de como conhecera Nastasya. Tantos elementos associados, como saudades da Rússia, após tantos anos na Suíça, a visita aos Epanchins mais a beleza de Nastasya, seus nervos, sua doença e cansaço, contribuíram para acabar mal sua visita! Pontua que depois de pedir a mão de Aglaia em casamento, não poderia ter ficado ao lado da rival e sim ao lado dela! O príncipe alega que ela fugira e não conseguiu explicar-se. Num ímpeto, quer viajar imediatamente e conversar com a jovem. O amigo pondera que se ele vai mesmo se casar com outra mulher e está feliz, não pode fazê-lo. Myshkin responde “que não está feliz”, só vai se casar porque sua atual noiva assim o deseja! “Ele ama as duas”! Myshkin reafirma que não sabem tudo. As pessoas precisam saber tudo. Ele é o culpado. Pavlovich contesta que Aglaia não entenderia, ela o amava como um ser humano, não como um espírito abstrato. Talvez Myshkin nunca as tenha amado! Ele concorda. Talvez! Pavlovich parte pensando como o jovem poderia amar duas mulheres tão diferentes entre si. Pobre IDIOTA.
Capítulos 10 – 11
Dizem que os Epanchins “com seu imenso amor no coração” foram os responsáveis pela visita de Pavlovich para salvá-lo de si mesmo. Seus amigos se afastaram, contudo não deixaram de pensar em nosso herói. O velho general bêbado morreu e o príncipe, sabendo do fato, passou horas consolando Nina, agora viúva. O funeral afeta profundamente Myshkin, pois é a primeira vez que participa de um ofício mortuário Ortodoxo. Os dias passam e Keller está feliz por ser convidado para padrinho do noivo. O povo de Pavlovsh fala abertamente sobre o casamento e Keller desconfia que Lebedev intriga contra Myshkin - controlando sua fortuna e liberdade. Chega até a chamar um médico para atestar a sanidade mental de Myshkin. Conversando com ele por duas horas, o doutor encanta-se com sua cultura, inteligência e sua perspicácia em se casar com Nasatasya, tão bela e riquíssima! Lebedev se dá por vencido. Ippolit, de volta, aconselha ao príncipe que tenha muito cuidado com Rogozhin, pois quando tem um objetivo, nada o detem. Quanto à Nastasya, Myshkin está tranqüilo, pois aquela pobre alma havia se partido, mas agora estava muito melhor. Parecia olhar para seu casamento “como uma formalidade insignificante”, ele avaliava “barato” seu futuro, mas Nastasya sabia muito bem o que Aglaia significava para ele e se encontrava insegura. Myshkin redobra sua vigilância sobre Nastasya, principalmente quando dissera ter visto Rogozhin, no jardim, querendo matá-la. Às vésperas de seu casamento, dissera a Myshkin que, na cidade, havia indignação quanto ao matrimônio deles, todavia ela entraria na igreja ainda mais altiva do que nunca. No dia das bodas, todos os mais famosos costureiros e cabeleireiros de Petersburgo estão em sua volta, enfeitando-a. Felicíssima e mais bela do que nunca queria que Aglaia a visse no altar e se prepara para isso! Uma multidão começa a se formar em torno das casas dos noivos e da igreja a partir da seis horas e o casamento será às oito horas! Porém são poucas as pessoas convidadas, dentre elas o médico. As sete e trinta, o príncipe sai de casa e uma pequena multidão o acompanha, deixando Keller cada vez mais preocupado. Depois de deixar Myshkin na igreja já aglomerada, vai buscar Nastasya e se horroriza com a quantidade de curiosos que havia ali. Keller, atormentado, a considera “tão pálida quanto à morte”. Sua beleza estarrece a multidão que ao invés de hostilizá-la, começa a aplaudi-la e se divide em fileiras para que ela possa passar. Nesse momento, ela visualiza Rogozhin e se desviando da aglomeração parte para ele, abraçando-o e dizendo “Salve-me. Leve-me.” Dando uma gorda gorjeta ao cocheiro pede que os conduzam à estação de trem! Porém, dentro da igreja, um rumor sobre a fuga chega instantaneamente e ninguém sai. Falam muito alto, sacodem as cabeças e até riem. Queriam ver a reação do príncipe, que apesar de muito pálido recebe a notícia dignamente e acrescenta “Entretanto... nas condições dela... isso é a ordem natural das coisas”. Myshkin sai calmamente, querendo ficar só. Entretanto sua casa é literalmente tomada por uma iddle crowd . Ele deixa que entrem em sua casa, os recebendo com educação e gentileza, lhes servindo até um chá e respondendo a todas as perguntas formulas com compreensão. Assim as perguntas indiscretas acabam morrendo por sim mesmas. A sua postura digna em calma, sua sabedoria em compreender a alma humana desarma os curiosos, que após uma hora, acabado o chá, se despedem desejando-lhe felicidades! Keller assegura que qualquer outra pessoa teria feito um escândalo, “mas Mishkin só fizera novos amigos”! Deus e seus Santos o salvaram! Agora só, decide viajar para Petersburgo com um firme propósito. Aliando-se a Vera pede-lhe que o acorde às sete horas, antes da partida do primeiro trem e que guarde sigilo sobre isso. Uma hora depois se encontra na cidade, tocando a campainha da casa de Rogozhin. Está à procura de Nastasya e Rogozhin. Não os encontrando, perambula pela cidade, nos mais diversos pontos possíveis para encontrá-los. Finalmente é aconselhado a procurá-la na casa de sua bela amiga germânica. Chegando percebe que elas brigaram e não o auxiliaria. Seu estado é precário. Todas as possibilidades se esgotaram. Sua alma está esmagada pelo desespero absoluto. Então ele se lembra que Rogozhin o esperara, neste mesmo corredor de hotel, com uma faca na mão. Ele certamente viria a seu encontro! Sente que o jovem talvez estivesse precisando dele e muito infeliz. Agitado sai para a rua, quando alguém toca seu cotovelo. Era Rogozhin! O príncipe fica feliz em encontrá-lo é chamado de irmão. Rogozhin pede ao príncipe que o siga, vigiando-o continuamente até chegarem a sua casa. Com o coração batendo muito forte e mal podendo respirar, pergunta se eles se encontravam o tempo todo em sua residência. Sim, é verdade, recebe como resposta. As cortinas brancas de sua casa parecem ainda mais conspícuas e evidentes. Unem-se em total desespero. Introduzindo-o em seu apartamento, escurecido pelo acortinado, ascende uma vela. Nastasya estava lá! Rogozhin finalmente o convida para vê-la. Entram e o coração de Myshkin bate tão violentamente, que é como se a quietude da morte pudesse ser ouvida naquele quarto! Deparam-se com alguém dormindo, num sono sem movimento, sem barulho, sem a menor respiração. A pessoa estava coberta da cabeça aos pés com um lençol branco. O quarto em desordem, continha, além do mobiliário, um vestido branco, flores e fitas jogados pelo chão. O brilho dos diamantes, que haviam sido atirados, reluzia. Uma mosca voa e pousa sobre o travesseiro! Fui eu, diz Rogozhin, sussurrando para que não fossem ouvidos por ninguém. Nastasya fugira, explica Rogozhin, por estar louca de terror por Myshkin! Pedira para passar a noite ali e em seguida rumariam para Orel. O jovem milionário, sempre chamando o príncipe de lad , e Myshkin se aliam para poder ficar com ELA. O ambiente era claustrofóbico, fúnebre, alienado e depressivo. O cheiro de cadáver começava a exalar, apesar de todos os cuidados tomados por Rogozhin. Este o trata com fraternidade. Um grande amor e cumplicidade renascem entre os dois rapazes! Myshkin, agora mais circunspeto, quer saber se o fez com a faca! A mesma? “A mesma”. Queria saber se Parfyon intencionava matá-la antes do casamento. Ele não sabe responder e diz que nunca andava com a faca em seu poder. Achara-a naquela manhã, tudo acontecera naquela manhã. “Estava escrito num livro todo o tempo... E... e... outra coisa parece estranha: a faca entrou três ou quatro polegadas... sob o seio esquerdo... e não havia mais do que meia colher de sopa de sangue em sua roupa, não havia nada mais...”. Myshkin explica que o fato chama-se “sangramento interno... vai direto ao coração”! Acreditando ouvir passos voltam a sussurrar e após um breve silêncio Myshkin quer saber se realmente jogavam cartas. Essa peculiaridade na narrativa, possivelmente, se deve ao fato de Fyodor adorar jogar cartas. Em um breve espaço de tempo Rogozhin começa a chorar e a rir desesperadamente. Pulando da cadeira, Myshkin debruça-se com delicadeza sobre o amigo, com seu coração palpitando violentamente, e encara-o. O seu semblante é tal que parece, de fato, que ele o tinha esquecido! Começa a clarear o dia. Rogozhin principia a gritar e gargalhar. Então Myshkin estica sua mão trêmula de encontro a ele e suavemente toca sua cabeça, seu cabelo, os afagando, afagando seu rosto... ele não podia fazer mais nada! Coloca sua face no travesseiro, junto à face pálida e imóvel do amigo, lágrimas escorrem do rosto de Rogozhin! Depois de muitas horas as portas são arrombadas e pessoas entram, encontrando o assassino completamente inconsciente e delirante. Myshkin sentado ao seu lado acariciava-o cada vez que murmurava ou chorava. “Mas agora ele não podia entender nenhuma pergunta que lhe faziam e não reconhecia as pessoas à sua volta: e se o próprio Schneider tivesse vindo da Suíça para cuidar de seu antigo aluno e paciente...... teria dito como o fez então, “Um idiota!”
Capítulo 12 – Conclusão
A viúva do professor, correndo para Pavlovsk, vai direto ver Darya. As duas se juntam a Lebedev, dono da casa e amigo do inquilino. Partem juntos para Petersburgo, o mais rápido possível, para o local do crime. A porta é arrombada na presença da polícia, de Lebedev, das damas, e do irmão de Rogozhin, Semyon Semyonovich, que morava na residência. O porteiro havia notado a presença deles na noite anterior. Durante dois meses, Rogozhin ficara prostrado com inflamação no cérebro. Já reabilitado, dá um depoimento exato e acurado do assassinato, deixando o nome de Mishkin fora do inquérito. Rogozhin mantém-se taciturno durante seu julgamento. “Ele é sentenciado a cumprir apenas quinze anos de serviços forçados na Sibéria”, devido a graves problemas mentais. Ouviu sua sentença inflexivelmente, silenciosamente e “sonhadoramente”. Sua grande fortuna seria passada para seu irmão e sua mãe tornou-se mentalmente isolada, sendo poupada da melancolia que se abateu sobre sua casa. Ippolit morreu duas semanas após o assassinato de Nastasya, em um estado de terrível excitação. Lebedev, Keller, Ganya, Ptitsyn e muitas outras pessoas da novela continuaram vivendo como antes e mudaram muito pouco de comportamento. Kolya foi grandemente afetado pelo que sobreveio e se uniu ainda mais à mãe. Ele poderia se tornar um homem ativo e muito útil. Os arranjos sobre o futuro de Myshkin deveram-se em grande parte a ele. Notara que Pavlovich Radomsky era diferente das outras pessoas com quem tinha feito amizade. Indo contar-lhe sobre o sucedido com Myshkin não estivera enganado quanto à sua estimativa. Graças aos esforços de Pavlovich, Myshkin voltou a se tratar com o Dr. Schneider na Suíça. Pavlovich pretendia passar um longo tempo na Europa, já que se julgava um homem supérfluo na Rússia, assim, lhe seria possível visitar freqüentemente seu amigo enfermo. Depois de cada visita escrevia cartas detalhadas a Kolya e também a outra pessoa, com a qual passou a se identificar muito. De fato uma calorosa amizade cresceu entre eles. O corresponde que merecia tanta atenção e respeito era Vera Lebedev! Na troca da correspondência com ela teve notícias dos Epanchins, especialmente de Aglaia. Esta se casara, repentinamente, com um “certo conde polonês exilado”. Numa visita a Myshkin encontra os Epanchins e Prícipe S. Ele e Adelaida ainda não estavam em perfeita harmonia, mas tudo indicava que acabaria bem. Lisaveta chorou amargamente ao ver Myshkin em sua condição aflita e humilhante. A recente aventura de Aglaia no exílio produzira uma forte impressão na jovem. O conde não era conde, mas fascinou Aglaia pela enorme nobreza de sua alma e, mesmo antes de se casar, tornara-se membro do comitê para a restauração da Polônia. Visitou um famoso padre confessor católico, o qual ganhou uma completa ascendência sobre ela. Esse padre conseguiu afastá-la da família que não a via mais. Lizaveta estava ansiosa para voltar à Rússia. Myshkin sequer a reconheceu. “Toda essa vida no estrangeiro, e essa sua Europa é tudo fantasia, e todos nós no exterior somos somente fantasia... lembre-se de minhas palavras, você verá por si mesmo”, ela conclui quase colericamente, quando se despediu de Yevgeny Pavlovich.


Algumas Considerações sobre o Romance


Encontro-me diante de uma jóia preciosa e rara, não simplesmente um livro. Essa obra de arte escrita magnificamente por Fyodor Dostoevsky descreve a alma humana com uma precisão e compreensão nunca vistas. As dores, amores, anseios, desapontamentos e alegrias estão retratados na exata medida da realidade. Dostoevsky era um escritor tremendamente politizado e moderno, pois suas narrações poderiam ocorrer nesta época contemporânea. Seus personagens, em O Idiota, transpiram verdade e realidade, como ele escreveu durante o romance, chamando a atenção do leitor para a dificuldade de relatar protagonistas que pareçam verdadeiros. O príncipe Lyov Nikolayevich Myshkin representa o que há de melhor e mais puro no indivíduo, apesar de não ser possível encontrarmos tal pessoa, pois ela não poderia sobreviver na sociedade de qualquer época, como ele não pode, sucumbindo ao realismo do mundo. As mulheres retratadas são calorosas e fortes, à seu modo. Especialmente Aglaia e Nastaya são conseqüências de suas resoluções de viver sozinhas, ter vida própria e ser livre, política e socialmente. Nastasya sofre com sua autodestruição e seu sentimento de culpa é maior do que o valor inegável que possuía. Aglaia é uma jovem que quer se libertar, se tornar independente, mas está sempre presa a um personagem masculino que a guie. As famílias dos dois generais são ao mesmo tempo adoráveis e caóticas. Rogozhin é o típico apaixonado homicida. Possuidor de grande determinação não se afastaria de qualquer ideal que tivesse, mesmo tendo de pagar um alto custo por isso. Kolya é um garoto que se tornou homem através de seu sofrimento, inteligência e compaixão. Sua família reflete a famosa classe superior, que perdeu o dinheiro e poder, mas continua atada a esses valores. O autor descreve, em algumas passagens, a maldade e imoralidade da alma humana e a atração delirante que o dinheiro exerce sobre certas pessoas. Outro grande personagem é o adolescente Ippolit, que apesar da pouquíssima vivência e idade já formara um ideal e uma filosofia de vida que muitos adultos nunca sonhariam ter. Fyodor debate o cristianismo católico romano e o ortodoxo russo, o niilismo, liberalismo, economia e socialismo, através das discuções filosóficas de seus personagens, sem medo de expor suas opiniões à sociedade de então. Os sintomas da epilepsia, doença que passou a sofrer na infância, são motivo de estudos nos meios médicos pela clareza na definição dos efeitos desses ataques. Seu conhecimento e abrangência da figura e anseios femininos são preciosos. Creio que o início da industrialização não tornou o homem pior, como é dito por um de suas figuras, mas se bem distribuído, facilitou e auxiliou muitas pessoas, como outro personagem avalia. O amor sem sexo, pelo simples fato de amar e perdoar, como fazia Myshkin é amplamente analisado (por vezes criticado e por vezes elogiado) parece ser impossível, pois somos apenas seres humanos com todos nossos defeitos, qualidades e objetivos diversos. Mesmo os ateístas tirarão proveito da leitura, pois ele respeita a pessoa que apenas prega que não crê, mas não tenta influenciar ninguém, bem diferente dos socialistas e outras correntes políticas. Suas narrativas refletem muito bem sua época e lugar. Fyodor estava constantemente em débito e seus editores adiantavam muito dinheiro. Isso significava que tinha que escrever muito para pagar seus custos, que nunca eram completamente saldados. Sem dúvida foi o psicólogo do anormal, tinha um fantástico poder de transformar as pessoas mais execráveis em seres que na verdade tinham suas facetas de humanidade e benevolência. Nasceu em Moscou, em 30 de Outubro de 1821. Estudou em Petersburgo, numa escola preparatória, tornando-se engenheiro em 1843. Depois de servir na guerra, recebeu uma pequena herança do pai e se torna apenas escritor. Passou dez anos preso, inclusive três na Sibéria, o que moldou muito seu estilo literário. Sua vida foi marcada pela morte de sua esposa, Maria, e seu irmão, Mikhail. Começou sua escalada de jogador compulsivo pelo exterior. Morreu em Janeiro de 1881 em Petersburgo, com hemorragia pulmonar, com apenas cinqüenta e nove anos.