quinta-feira, 28 de agosto de 2008

OS ESPÓLIOS DE POYTON Henry James



A senhora Gereth é uma viúva de cinqüenta anos culta, requintada, escrava da beleza e da estética. Seu maior orgulho é a lindíssima residência, localizada em Poynton, com seus valiosos objetos, móveis, esculturas e quadros. Tudo isso foi cuidadosamente colecionado ao longo de muitos anos, apesar do dinheiro não ser assim tão farto. Fora o fruto do bom gosto e requinte dela e de seu falecido marido, que a iniciou no mundo das artes. Entretanto seu filho único Owen Gereth, o qual apesar de belo é obtuso e pouco inteligente, não liga para nada disso. Encantado por Mona, a corteja, deixando sua mãe desesperada. Mona é uma garota sem graça e desprovida de qualquer aprimoramento, assim como sua família. A viúva pensa que “ele acabará casando com uma roceira”. Entretanto uma linda e refinada jovem, Fleda Vetch, apesar de não possuir nenhuma fortuna é considerada pela senhora Gereth a pessoa certa para casar com seu filho, pois tem delicadeza e finura interior inatas, além de ser muito inteligente e discreta.
Senhor Gereth havia comprado a casa, construída no tempo de James I, e a aprimorado, tornando-se, com sua decoração, uma residência esplêndida e cobiçada. Agora tudo isso iria parar nas mãos do filho, segundo as leis inglesas da época, deixando as pobres viúvas de então, sem quase nada, dependentes que ficavam dos humores de seus descendentes. Essa verdade choca a jovem Fleda. O Sr. Gereth, apesar de amável, deixara sua esposa em péssimas condições, tendo herdado apenas uma pequena casa de campo. A casa de Poynton com todo seu conteúdo formava um único e formidável objeto. O jovem Gereth agradece a Fleda a amizade e preocupação com sua mãe. Quando Fleda chegara a Poynton ficara tão extasiada diante da beleza do local, que se abraçando com a senhora. Gereth choraram de emoção ao se depararem diante de tal suntuosidade e a possibilidade de perdê-la. Era tudo França e Itália, mas a Inglaterra abraçava tal luxo! Owen permanece em Londres com Mona, mas manda uma carta avisando-a que seguirá para lá, a fim de apresentar a residência a Mona. Desesperada, conta com o fato de que essa moça rude não goste do local! “Para a senhora Gereth a síntese do mundo eram raros móveis franceses e porcelana oriental”. Ao chegarem cabe a Fleda acompanhá-la e disfarçar sua ignorância. Mona, todavia, não demonstra impressionar-se com a casa, deixando que a viúva a considere uma ignorante total. Fleda, entretanto, descobre que sua ignorância era absolutamente ativa. Mona está ciente que tem Owen e o lugar em suas mãos! Dizendo a sua mãe que Mona “gostara de tudo”, a primeira afirma que mãos vulgares e rudes poderiam acabar com tanta beleza. A senhora Gereth propõe abertamente a seu filho a mão de Fleda em casamento, deixando-a intimidada e aterrorizada. Contudo o jovem acaba se entendendo com sua namorada e a senhora Gereth promete a Fleda, que está muito constrangida, voltar a conversar com ela. Fleda percebe que seu próprio valor na casa não passava de uma boa funcionária, pois a viúva era despojada de humanidade. Mesmo sendo Owen tolo demais, ela não deixou transparecer que o amava. Dias depois, voltando a casa, discute com a mãe, que se recolhe e não fala com ninguém, deixando Fleda perplexa com a ingenuidade e complacência do filho, que não julgara Mrs. Gareth. Owen aprecia a amizade de Fleda, sem desconfiar do seu amor, então era fácil confidenciar a ela seus sentimentos. Nosso herói quer ficar não somente com a casa, mas com tudo que ela possui, não por ganância, mas porque já estavam lá. Contudo a “desajeitada” Mona quer todas as obras de arte e se algo for retirado, sua mãe deverá prestar rigorosa conta deles. Fleda não consegue encontrar uma solução plausível, “entregando-se na sua abençoada solidão”. “Desistirei da casa se eles me deixarem levar o que eu quiser”! Diz a viúva. Esse desejo, porém “era a necessidade real de ser fiel a uma responsabilidade e leal a uma idéia”. Owen encontra sua mãe percorrendo a casa como uma rainha na guarda de seu tesouro, mas ela anuncia o dia de sua partida, para dirigir-se a casinha de Ricks. Poderia levar tudo o que lhe pertencesse, mas nada era dela, tudo do marido, inclusive a residência. Ela via na prática inglesa uma aberração que agora se “tornara um ressentimento amadurecido”. Fleda “pergunta se ela pretendia encastelar-se e agüentar o sítio”... “Ah, eu prefiro os policiais arrastando-me”. Seu filho, representando Mona, aparece para dizer que haveria um limite quanto aos itens reservados para ela! Owen sofria e Fleda admirava-o por ele odiar tal situação. Nas suas idas e vindas sua mãe recusava-se a vê-lo, dando assim uma oportunidade para ele depositar sua confiança em Fleda, assim como sem perceber muito bem, começar a gostar muito dela. Mona e a futura sogra pareciam apáticas, mas estavam altamente ativas. Um mês depois a senhora Gereth vai visitar sua nova casa. Era menor e mais modesta do que Poynton, porém graciosa, decorada com calor humano e bom gosto. A viúva percebe isso, contudo não aprova imediatamente, pois estava temerosa de gostar dela! Resignada exclama: ”Bem é possível fazer alguma coisa com ela” e não queria admitir que a velha tia fosse adorável e fizera o mesmo com a casa. De volta, movia-se atormentada, a fim de escolher seus objetos preferidos. Impossível já que tudo era belo e precioso, tendo uma história a contar. Fleda tinha a impressão de não estar ajudando muito, contudo continua encantada por Owen e sua magnífica masculinidade e se perguntava por que vinha tantas vezes ao local. Ficavam calados e a jovem achava que um silêncio tão agradável por parte dele só poderia uní-los ainda mais. Fleda com sua conduta impecável desejava partir, pois já havia boatos que ela estaria tirando proveito da família. Tendo que se afastar para ajudar no casamento de sua irmã, a senhora Gereth cede-a, como se fosse um objeto precioso. Em Londres, fazendo compras para a irmã encontra-se, casualmente, com Owen, mas um homem diferente: falador, encantador e solto, prolongando excessivamente o encontro entre eles. Ele está ansioso, pois quer lhe dar um presente memorável e diante de tantos caríssimos objetos apresentados a ela, escolhe uma almofadinha de alfinetes com a letra F. Seu novo comportamento espanta Fleda, que nota o seu desinteresse em citar o nome de Mona no Hyde Park, por onde andam em silêncio. Ele queria ficar a seu lado e não a deixa partir. Mas, pensa Fleda, o que Mona acharia dessa atitude? Na hora da despedida dão-se conta de que essa será a última vez que se verão, pois seu casamento já fora marcado. Percebendo que Owen também gosta dela parte, quase fugindo, pegando um carro de aluguel, onde se desfaz em lágrimas! A pedido da viúva a jovem parte para Ricks. A senhora Owen já havia tomado posse do lugar. A amputação efetuara-se. Fleda ao chegar à nova casa prende a respiração e cambaleia. Ricks havia sido adornado com os melhores objetos de Poynton!! Não sabia se elogiava, ou se simplesmente não dizia nada. Ela considerava o que fora feito um roubo (todavia devemos lembrar que ela ficara estarrecida com a tal lei inglesa, quanto às viúvas). Ela exclama: “Você precisava das melhores coisas realmente – os morceaux de mussée, as jóias especiais!” A viúva fica feliz com a observação feita, pois “nunca era indiferente a um sinal de aprovação”. Esta diz que manobrara, preparara o terreno e então no final atacara! Tudo fora feito em dois dias por um pequeno exército de trabalhadores! Fleda horrorizada pela remoção chega a pensar que os objetos são FEIOS, pelo modo como foram deslocados. Sentia que havia traído Owen e que poderia vier a odiar sua mãe, pensando em partir imediatamente para não ter que se deparar com Owen e sua reprovação. Nesse momento chega o jovem que pergunta por Fleda e não por sua mãe, contudo ela acha natural, pois Fleda ainda era a intermediária entre os dois. Owen ficara sabendo da presença de Fleda em Ricks pelo cocheiro que a havia levado na noite anterior e com essa informação agarra-se a Fleda. O jovem acusa sua mãe de ter abarrotado Ricks com a metade das coisas de Poynton. O que mais o “afligia é que contratempos eram uma novidade para ele”, pensa nossa heroína. Inquirida por ele se achava justo a atitude de sua mãe responde: “Acho que ela foi longe demais”. Finalmente ele solta uma gargalhada e diz “Pobre e querida mamãe... Estas são justamente as coisas que ela tinha que ter deixado lá. A casa toda esta cheia delas?” “A casa toda – disse Fleda firmemente”. Ele tinha orgulho das peças de Poynton, apesar de nunca o ter mencionado. Pensa, se sua mãe não os devolver, em colocar um advogado em encalço dela, mas não gostaria de fazê-lo! Quanto à reação de Mona ela ficara furiosa e considerava tudo um consumado malogro! Presentemente, se recusa a casar-se até que Poynton volte a ser o que era. Fleda sente uma grande candura da parte de Owen e quer saber se queria a reposta da mãe, quanto aos objetos, em um zás - trás. Ele titubeia, pedindo que Fleda não revele que a “rebelião” partiu de Mona. Isso a faria ficar pior ainda. Ficando ao lado de Owen ela terá que acalmar sua mãe que não gostará nada dessa mudança. Refletindo Owen diz que acha sua mãe tremendamente orgulhosa e que se tivesse a inteligência de Fleda, talvez conseguisse persuadi-la. Os Brigstock consideram isso um roubo, mas não importava o que eles pensassem Não querendo partir e deixar Fleda ele se interpõe na passagem da porta para que ela não saia e diz se sentir tão bem naquela atmosfera, que poderia até morar lá com grande prazer. Explicando-se melhor, não são os objetos de Poynton que tornaram o local agradável, mas a casa por si só, mesmo como era antes, é que produzia essa mágica. Fleda escuta as palavras não faladas: que moraria lá com ela e sua mãe com suas riquezas voltariam para Poynton. Ao contrário dela, Mona não se casaria com ele se não tivesse todos os bens de volta. Após esse diálogo mental Fleda afirma que o ajudará. “Mona o rejeitaria se ele não tomasse medidas extremas: se as negociações com sua mãe fracassassem, ele estaria completamente livre”. Fleda pondera que ele deveria sair por si só dessa situação e não pedir ajuda a outra jovem (ela) para desfazer seu compromisso. Mais ainda, “se ela sucedesse na tentativa isso seria mantê-lo preso a uma afeição que morrera de uma morte súbita e violenta”. E se isso não fosse verdade? Ela não tinha nada a ver com isso. Fleda relata à senhora Gereth que seu filho viera para exigir suas coisas de volta “Uma exigência e tanto, querida, não é”. Mas ela era uma mulher de fazer valer os seus direitos e não recuaria. “Quando sei que estou certa, eu enfrento a fogueira”, declara a viúva. Queria saber, também, além da opinião de seu filho a de Mona. Fleda encolhe-se e não revela a verdade sobre oque conversara com Owen, mas a sagaz senhora Gereth afirma que Mona romperá o casamento se não tiver seus bens de volta. A situação torna-se muito embaraçosa e durante um chá em Ricks, a anfitriã pergunta como é que ela pretende convencê-la. Fleda responde, sinceramente, que fora um choque para ela, ao chegar a sua residência, ver como a senhora Gereth agira precipitadamente, mas que estará à sua disposição para ajudá-la. “Afaste-o dela” diz a viúva. Fleda não vê como fazê-lo, pois odeia Owen, mas a mulher mais velha sabe que ela não o odeia, mas que, na verdade, está apaixonada por ele, mas que isso não é nenhum mal. Ela própria estivera apaixonada diversas vezes em sua juventude, mas por ninguém do quilate de seu filho! Senhora Gereth resolve ficar com tudo, dando tempo para testar a atitude de Mona. O resultado de sua mediação fora uma crise, que “agora lançava-lhe enormes braços envolventes”. Fleda, intimidada, considera que se partir todo seu suplício acabará, pois é uma criatura com grandes princípios morais! Ela escreve uma carta a Owen sobre a decisão de sua mãe, mas sua resposta é grosseira e comum, inclusive com uma péssima caligrafia. Pobre jovem. “A imaginação de Fleda era uma faculdade que abraçava facilmente todas as alturas, as profundezas e as extremidades das coisas”. A viúva ao ler a carta, aborrece-se porque ele não mencionara o “dia”, o “Dia do Casamento”. Isso ela queria saber a todo custo. “Com seu silêncio ele lhe dá um aviso claro de que seu casamento está praticamente cancelado”. Esses dias se prolongam por uma quinzena. Fleda quer voltar para Londres, na casa de seu pai, mas não o faz. Ela nunca faz o que deseja, se mantendo sempre à mercê das decisões de outras pessoas. Finalmente, habilmente influenciada pela senhora Gereth volta para Londres, onde a possibilidade dos jovens se encontrarem é maior. Sua grande intimidade com a viúva, por tanto tempo, acaba por afastá-la do convívio com outras pessoas, principalmente de sua idade. A grande Londres garantia-lhe a obscuridade, contudo seu pai não esconde o incômodo que sua presença traz em sua casa e nossa pobre heroína “não tinha nem um lar, nem um projeto, nada... a não ser um sentimento de incerteza”. Ela acha que tem um dever para com Owen e está infeliz por não cumpri-lo, sentido uma terrível privação, comparando-se com Maria Antonieta[1] na Conciergerie[2]. “Fleda mergulha em fantásticas reflexões em que se via como a proprietária de Poynton, cedendo todo um território como domicílio para a magnífica rainha-mãe”. Voltando a realidade pensou em voltar a pintar e vender seus quadros, como vira muitos exibidos em vitrines próximas de sua casa. Seria uma fonte de renda para ela, entretanto não tocou num só pincel! O tempo passa-se em uma grande mesmice, quando se encontra com Owen Gereth. Não fora uma coincidência, mas uma bem dada informação de sua mãe que a traíra. Owen, elegantemente vestido em estilo londrino urbano, com finíssimas roupas e mais belo do que nunca, tem uma “tremenda” vantagem sobre a gentil Fleda. Sempre analisando os prós e contras de qualquer situação, se dirige a sua casa em companhia de Owen. Fleda convida-o para um chá, em pé, e se sentindo muito nervosa, explica ao jovem que voltara para Londres por não poder conviver em Ricks com os objetos de Poynton!!O problema entre filho e mãe para ela virara um caso pessoal e se culpava por não encontrar um desenlace feliz. Mesmo uma mente obtusa como de Owen poderia ver o grande sacrifício que ela fizera por eles, bastava olhar a péssima qualidade da louça! Fez “porque advogava em defesa dele”. Com conflitos interiores revela que se seu casamento com Mona não se realizar sua mãe devolverá tudo que pegou. Owen relata que Mona está ansiosissíma para que ele chame os advogados e pegue tudo de volta O sacrifício de Mona, para Fleda é desistir de um noivado, que assumira com prazer. O jovem declara que ela realmente quer os objetos, pouco importando se são dele, se não possuí-los não quer absolutamente nada! Ela gostava dele, mas com seus pertences. Mona acusa Fleda de desonesta, pois não tinha direito de interferir, mesmo por sua mãe ou ele, na vida deles. Ao saber do adjetivo que tinha sido qualificada, lágrimas vêm aos seus olhos, mas Owen piora ainda mais as coisas afirmando que as duas amigas haviam brigado por ele! Depois dessa disputa seu amor por Mona tinha ido “por água abaixo” e ela destruíra a felicidade e seu futuro, com seu péssimo humor. Mona agora não disfarça mais o ciúme que sente pela outra jovem. Quando Owen diz a Fleda que só ama uma pessoa no mundo que é... A campainha da porta é tocada. Fleda exclama “Sua mãe”. A criada anuncia “Mrs. Brigstock”!! O leitor fica perplexo, mais ainda por que é informado que já se passou um ano! Há um ano Fleda passara um dia em sua casa e nunca imaginara vê-la em seu apartamento! A jovem percebe, com sua perspicácia, que se puder ser gentil com a senhora Brigstock terá a admiração de Owen, o qual se encontra pasmo! Nosso herói tenta explicar o inexplicável: sua presença na casa de Fleda, que toma conta da situação, reagindo com sabedoria, convidando a velha senhora para conversar e sugerindo a Owen para partir. Owen não arreda pé, pois se julga necessário a fim de defender Fleda, expondo à sua futura sogra que a jovem era ótima pessoa e que ele mesmo responderia às perguntas relativas aos bens de sua mãe, conseqüentemente “ele falava com uma firmeza que ela não conhecia”. Senhora Brigstock diz que viera para fazer-lhe um apelo, mas já terminara. Agora queria falar só com Owen. Abrindo a porta saem os dois, mas não sem antes os jovens trocarem um longo olhar – o dela brilhante, o dele sombrio “que revelava bem o alvorecer do enleio”. Fleda decide que o melhor é fugir para a casa da irmã, Maggie, pois nesse momento não tinha mais nenhum plano a não ser o da separação. Contudo, a esperança a acompanhou à casa de sua irmã. Seu grande amor subira mais que nunca na sua estima! Fleda recebe uma carta dele, em que o autor faz com que você deduza que Owen precisa vê-la, no dia seguinte, para declarar seu desejo de se casar com ela. Essa é a esperança do leitor! Chegando, logo defende Fleda e acusa a senhora Brigstock de interferir em sua vida, perguntando se havia algo entre os nossos heróis. Fleda adverte-o que ela é uma pessoa simples e limitada, mas não é boba. Mesmo assim sempre a tratou muito bem em suas visitas à sua amiga Mona. Enfim, Owen com seu modo simples, inseguro e atrapalhado pede Fleda em casamento! Pobre inocente Fleda! Ela quer saber o que ele fará se Mona não desistir dele ou se ele pretende que ELA o faça. Trocando juras de amor, ele ao abraçá-la e beijá-la “transpusera o elevado muro de um pulo”. Estavam juntos sem disfarce! “Ah, esse tempo todo você sentia amor?” “Sentia, sentia, sentia! - ela se lamentava como se confessasse uma iniqüidade”. Ele se considera salvo! Fora tudo súbito demais. (Súbito? Já faz um ano que essa relação entre eles não se desenvolve, caro Henry). Owen já se considera um homem livre, mas nossa ingênua heroína diz: “precisa deixar-me sozinha... para sempre”. Ela quer que a própria Mona desista dele, pois após o compromisso assumido ele deverá honrar a sua palavra!! O jovem Owen fica desesperado com tal pedido. Ela acrescenta “que ele será feliz se for perfeito” e “se ela não o libertar é porque ela o ama”. Não ama, não ama: não é nada disso! “A gente percebe...” retruca o pobre Owen. (Esse último terço final do livro é bastante intrigante. Trata de problemas psicológicos, morais e éticos. Trata de doação e demanda. De ambição e honra à palavra dada, contudo sem nunca perder o humor e o suspense). “Você está dizendo que devo me casar com essa mulher?” . “Não tudo menos isso”. “Então em nome de Deus, o que devo fazer?” pergunta novamente o jovem. “A grandeza está em cumprir com a palavra”, responde ela. (Nossa jovem deixa-se levar por demasiado escrúpulo, em minha opinião). Dez dias depois, Fleda recebe de repente um telegrama: “Venha imediatamente...” assinado Mrs. Gereth. Depois de ponderar a jovem embarca para Londres, por causa de sua rígida honestidade. Fleda só pensava na rival “Ela era uma magnífica e pesada massa inerte”. Que jogo estaria tramando? “A compacta figura de Mona não recuava nem um milímetro”. Mas Fleda tem os belos sentimentos de Owen para compensar. O encontro das duas mulheres em Londres é muito tenso. Sem nenhum preâmbulo a senhora Gereth diz, enfaticamente, que a jovem deverá acompanhá-la em uma viagem para o exterior. Depois iria Owen. Fleda fica exultante com a perspectiva, mas para variar, nosso querido escritor começa a virar o jogo. Senhora Gereth informa-lhe que logo após o desastrado encontro entre os três personagens, em casa de seu pai, a senhora Brigstock fora visitá-la em Ricks, afirmando que seu filho gostava de Fleda e pedindo-lhe que advogasse a favor de Mona. A bela viúva, apesar da grande confiança depositada em sua jovem amiga, assustada espera que Fleda consiga convencê-lo a se casar com nossa heroína. A senhora Brigstock está ansiosa em saber se Mrs. Gereth aprovaria a união entre Fleda e Owen, mas astutamente, fala ter cortado relações com seu filho, portanto não saberia o que dizer. Ocorre, contudo, que a senhora Gereth havia mandado de volta a Poynton todos os seus preciosos bens, como desejava Fleda e que tudo seria dela “bobinha”. Fleda desespera-se com o fato, pois agora se tornara uma horrível traidora de sua amiga Mona. Fleda teria de ser conquistada pela ardilosa senhora, mas “era uma sedução calculada, opressiva”. Sentindo-se aprisionada queria gritar de dor! “Senhora Gereth tornara-se, num instante, a vítima” por ter devolvido seus tesouros. “Ela pensava somente no que era melhor para os objetos em si”. Agora Fleda ficara sabendo realmente o que se esperava dela. O que mais transparecia em Fleda era o desespero de seu coração. A vítima julga que Fleda perdeu seu filho porque não quis que ele quebrasse sua promessa. Henry James chega ao auge do suspense, pois até agora não sabemos literalmente nada sobre os caminhos que Owen está traçando para si mesmo, nem mesmo onde ele está! Diante de uma avaliação muito positiva que Fleda faz a respeito de seu filho, a senhora, irônica e furiosa, quer saber se faz parte da bondade dele abandonar nossa heroína e deixá-la sem notícias! Ao saber que Fleda havia exigido de Owen que Mona deveria espontaneamente desistir dele, a acusa de não ser ninguém para pedir tal exigência a seu filho, um verdadeiro cavalheiro. A senhora Gereth está tão envergonhada com os dois que não sabe nem para que lado olhar, mas garante que teria acabado com o problema primeiro e o resto poderia vir quando quisesse. “Seu papel era aparecer na minha frente como uma mulher honestamente casada”. Furiosa coloca o chapéu para saírem, falando que sofria pela incompetência deles. “Que ela o encontre! E o agarre!” As duas mulheres desesperadas começam a se agredir com palavras e gestos, contudo a senhora Gereth afirma veementemente que ela não soube agarrá-lo. “Você é uma pedintezinha canhestra, apesar de suas belas maneiras: e você é uma espantosa fingida”. Essa foi a avaliação de Mrs. Gareth sobre nossa leal heroína. Elas assimilam esse desaforo e vão à procura de Owen: no seu clube ou em qualquer outro lugar. “Uma febre de inventividade começara a ferver nela”. Podia ver seu reflexo nos olhos de sua censora. A viúva não podia entender a jovem, mas compreendia muito bem seu filho: era um pateta. Mas Fleda o amava justamente por isso, ele precisava dela. A senhora Gereth pondera que Mona é mais forte e astuta do que Fleda, sem dúvida. Ainda, cinicamente, diz que Mona seguiu seu coração e ela não. (Pobre, inocente e íntegra Fleda!). Nesse momento as pazes são feitas e seladas com um beijo de amizade, ambas saindo a procura do desaparecido. Fleda encontra-se tão triste que se prepara para o pior. Mesmo assim envia um telegrama ao amado endereçado a Waterbath. Chegando ao clube são notificadas que ele não aparece lá por mais de quinze dias. Apesar das ásperas palavras de ambas elas estavam quase serenas, pois não havia nada a dizer. Estavam em um vácuo e o silêncio era um vínculo estabelecido, “mas o reenchimento de Poynton era uma luz brilhante e constante”. Mrs Gereth possui uma espécie “de orgulho de eficiência” e Fleda “enrubesce diante da percepção de que essa mulher era extraordinária”. Esta, como uma punição velada, pergunta-lhe se a acompanharia ao exterior. Isso seria mais do que doloroso para a jovem, que entra no vagão do trem quando elas se separam. Fleda sente-se girando tão rapidamente como um pião. “era um equilíbrio ao qual não conseguia nomear: de indiferença, resignação, desespero, eram palavras de um idioma esquecido”. Está consciente de que seu amor pela arte fizera com que a coleção estivesse completa, conhecia-a de cor. “Era Poynton que lhes pertencia; eles simplesmente haviam recuperado o que era seu”. Algum tempo depois, a senhora Gereth aparece na casa de Maggie, para falar com Fleda, e com tal semblante que dizia tudo, após um silêncio, fala: “Eles se casaram”. Fleda tenta argumentar sobre o assunto, se excluindo dele, se referindo a Owen ou à sua mãe. A viúva havia visto o filho, o qual declara que estão casados: ele e Mona! A senhora Gereth, monotonamente, afirma que tudo o que lhes resta é que estão juntas. (Aqui o autor demonstra o egoísmo da viúva, pois Fleda é jovem e tem uma vida pela frente). A atitude de nosso herói mostra o quanto Fleda estivera certa quanto ao compromisso que ele tivera com Mona e sua decisão de esperar até que se separassem! Ele não pode desonrá-lo. Sua mãe raciocina que Mona agiu rápido quando soube que os tesouros foram devolvidos a Poyton e “ela fez o que Fleda se recusou a fazer!”. O trabalho fora rápido “antes que pudesse mudar de opinião já estava casado”. Uniram-se em um cartório “como um casal de miseráveis ateus”. Entretanto, ele se recusa a morar com ela em Poynton e Mona o terá todinho só para ela. Diante dessa cruel realidade, onde nossos heróis tiveram uma grande participação, Fleda acaba desmoronando e chorando amargamente. A única esperança é que Mona morresse, mas ela não iria morrer. Assim “Fleda toma-lhe a mão e seu silêncio a compromete tão solenemente como o voto de uma freira”. A jovem continua defendendo seu amado apesar de tudo. Após esses incidentes Fleda recebe uma carta da senhora Gereth convidando-a para ir até a mutilada Ricks. Está com nada mais do que quatro paredes, “você fará de qualquer modo, parte do mobiliário”. Essa posição de peça de mobília a jovem poderia aceitar. Isso a deixou mais à vontade. A viúva não estava exatamente na completa penúria e depois dos acontecimentos estava determinada a ficar sozinha consigo mesma, na pobre Ricks. O convite para a viagem ao exterior fora cancelado, pois os recém-casados estavam viajando para fora da Inglaterra. Fleda aceita o convite. Ao chegar fica perplexa e encantada com a magia que a viúva fizera em Ricks. Estava linda, mas a pobre senhora não consegue reconhecer a transformação que fizera com seu bom gosto nato. Fleda não compreende como tão lindos objetos, apesar de não serem raridades, não entram em seu coração, pois eles contam uma história de vida da sua adorável tia. Feliz diz que são três a morar lá, contando com o fantasma da tia e, exatamente esse, era o único defeito de Poynton. Lá não havia fantasmas, só felicidade. Três dias a contar de sua chegada o The Mornig Post traz afinal uma notícia sobre o casamento. Relata a festa, a viagem e a linda Poynton que agora terá nova dona. Mrs. Gereth se recolhe como já fizera em momentos de desespero, e Fleda fica sozinha para pensar e caminhar como gostava. “Os passos silenciosos de Mona na realidade nunca haviam se afrouxado”. Nossa heroína apesar de ter fracassado, mostra como era capaz de conversar com serenidade e lucidez. Com o tempo a relação entre elas muda, está mais clara e franca, decidida a se conhecer. O que se evidência é que a senhora Gereth era maior do que seus erros! A notícia de que os noivos estavam em Paris, faz com que ela declare: “Aparentemente ele está mesmo vivendo com ela”. A aversão dele por Mona fora dissipada por ela mesma! Mona era ardilosa. “Havia uma coisa na qual pôs seu coração e suas garras: a casa exatamente como a vira”. Quando soube que a casa estava exatamente como era antes sua ambição reafirmou-se e se aproximou de Owen agarrando-o. “Um enorme e esplendoroso sol apareceu na sua frente”. Esses são os raciocínios de Fleda, que também diz que não foi Owen quem falou a sua mãe que gostava dela, mas ela que gostava dele! Os meses se passam e a jovem se recupera, até que recebe uma carta, datada de Florença, cuja letra faz com que não queira abri-la. Era de Owen, onde ele pedia de maneira rebuscada que escolhesse em Poynton qualquer objeto, aquele que fosse de maior valor e que ela mais gostasse, a “jóia da coleção”. A carta fica sem resposta por um longo tempo e ela vai moldando suas idéias, pois quer descobrir o que há por detrás da carta. “O que a fez decidir-se foi a simples força de seu impulso de responder”. “Era hora de sonhar e de esperar: ser paciente era demonstrar doçura”. Aceitaria sua oferta? “ela vagueou por lá em pensamento... Pelas amplas salas que conhecia”. A sua escolha não teria nenhum escrúpulo! “mas olharia tudo novamente e decidiria então”. Antes do Natal, surgiu a oportunidade aguardada. Iria para Londres visitar seu pai, sua irmã e o motivo maior de sua viagem. Escolheria calculadamente o objeto, que deveria ser pequeno e muito valioso. Imaginava sua volta triunfal, com “o troféu escondido sob o casaco” Com energia precipitou-se para Poynton. O trem era rápido e chegaria em oitenta minutos. O tempo estava horrível e seu pai havia desaconselhado a viagem. O céu fica negro assim como tudo e uma angústia batia em seu coração como se algo ruim fosse suceder antes de cumprir sua missão! “Quando o trem parou, ela ergueu-se de seu humilde compartimento e se manteve orgulhosamente ereta com o pensamento de que a casa estava lá à disposição de Fleda Vetch”. Um velho e conhecido carregador ao vê-la olhou-a com espanto! “Eles voltaram”? Diz Fleda. Mas havia fumaça e o ar estava impregnado pelo cheiro. Ela ouve uma voz... “a uma milha da cidade”. Poynton está pegando fogo. “Destruída com esse horrível temporal”. “Destruída”? Ela agarra-se ao chefe da estação. Owen e Mona nunca haviam ficado um dia sequer cuidando da casa, a deixando nas mãos de empregados incompetentes. Ela sentiu-se mal, mas deu um pulo quando pensou que os objetos estavam sendo salvos. Passando pela porta que se abria para a vila quis ir até lá, contudo o mesmo presságio havia se transformado num espantoso impedimento. Sabia de que forma fora afetada. Renunciava a tudo. Misturado com os sons e o cheiro de cinzas estava “a crua amargura de uma esperança da qual talvez nunca mais em sua vida tivesse que desistir tão inteiramente e tão rapidamente. “Poynton acabou”? Ela conhecia a resposta. “Cobriu o rosto com as mãos. –“Vou voltar”.


Essa é uma história de amor feminino. Três personalidades são magnificamente relatadas por Henry James. Duas mulheres, que embora sendo notáveis como personagens, são fragilizadas pela época em que viviam. Mrs. Gereth, uma jovem e rica viúva, apaixonada pela estética e arte é uma figura poderosa, interessante e bem definida quanto aos seus valores morais e materiais. Era contundente, impiedosa quando necessário e podemos dizer até interesseira e aproveitadora de situações. Contudo havia nela um lado humano? Se analisarmos o livro, logo nas primeiras páginas, veremos que ela escolheu Fleda como futura esposa de seu filho, apenas por ela ter a mesma paixão pelas artes que ela tinha, não porque gostasse da jovem. Diria que era desumana. Fleda Vetch trata-se de uma figura de seus dias. Uma linda moça pobre, porém culta, refinada e grande conhecedora das artes em geral. Tem um raciocínio rápido, podendo manejar diversos assuntos em um só momento, com sucesso. Era muito articulada e discreta, mas o seu maior problema foi o excesso de escrúpulos que nutria por qualquer pessoa ou causa. Foi capaz de abrir mão de um amor em nome dele. . Owen Gereth, um rapaz sem grandes ambições, rico e bonito era atraído pela vida fácil e sem compromissos. Não sendo muito inteligente ou diligente nem mesmo consegue casar-se com quem pensava amar. Casa-se com uma mulher mais forte do que ele e aceita ser conduzido por ela. Henry James faz, nesse livro, uma apreciação sobre o esnobismo e os hábitos ingleses da época através de sua personagem neutra, a jovem Fleda. Sua obra merece ser lida e estudada por seu talento e habilidade de irritar ou estimular o leitor que é conduzido pelas mãos de mestre desse magnífico ficcionista.
[1] Rainha de França
[2] Local onde ficou presa antes de ser decapitada

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