quarta-feira, 28 de julho de 2010

ÁSSIA - TURQUÊNIEV



I.S. TURGUÊNIEV

Este romancista do século XIX nos oferece uma noveleta que lhe causou muitos problemas, na época em que foi escrita.
Em um ambiente romântico e idílico nosso herói russo chamado de N.N., com vinte e cinco anos, rico e independente, resolve sair do país e conhecer o mundo, instalando-se na minúscula cidade de Z., às margens do rio Reno. Estava na romântica Alemanha, onde, apesar da paisagem deslumbrante, interessava-se mesmo por rostos e pessoas. Monumentos e a natureza não lhe chamavam tanto a atenção. Um dia resolveu atravessar a margem e ver L., vila que ainda não conhecia. Encontrava-se amuado por ter rompido seu namoro com uma viúva experiente. Em L. participaria de um banquete para alunos de diferentes escolas, Kommers, onde todos usavam alegres trajes de estudantes. “Essa liberdade tão espontânea me tocava e atiçava.” Acidentalmente, encontra um alegre e cativante casal que morava no alto de uma colina, Ássia e seu irmão Gáguin. Ela era bela, altura mediana, belos olhos e cabelos escuros; ele também bonito. Eram russos e sem querer começou a conversar, mesmo não querendo dialogar com patrícios por um tempo. A simpatia foi mútua e instantânea. Tornaram-se amigos, os três, e N. descobriu que não estava mais apaixonado, mas feliz. Gáguin era dono de grande fortuna e queria ser pintor, contudo era do tipo que não levava nada a sério. “Era uma verdadeira alma russa, franca, honesta, simples, mas infelizmente um pouco indolente...” N. tornara-se íntimo de Gáguin e se vê pensando continuamente em Ássia, concluindo que ela não era, de fato, irmã do rapaz. Ao mesmo tempo uma enorme saudade da Rússia assola seu coração. Ássia parecia-lhe uma verdadeira jovem russa, “quase uma criada”; absorta em seu bordado cantava uma canção popular russa. Estava totalmente diferente do dia anterior, quando se mostrara altiva, risonha e provocadora com seu sorriso forçado. Visitando o novo amigo com freqüência, partem para fazer um estudo de desenho ao ar livre, mas predominou “quase o tempo todo aquele tipo de conversa pela qual o russo de bom grado se deixa levar.” Voltaram e encontraram Ássia da mesma maneira em que a haviam deixado e N. não percebeu nenhum coquetismo na jovem. Assim mesmo, reafirma que irmã de Gáguin ela não é. O tempo foi passando e cada vez mais as diferenças entre os irmãos foi se acentuando. Ela parecia, agora, amargurada. A educação dos dois era visivelmente diferente, pois ele era fidalgo e ela não parecia uma bárichnia, ou seja, uma moça de família nobre. “Aquela planta silvestre fora cultivada há pouco. Aquele vinho ainda fermentava.” Casualmente, N. confirmou suas suspeitas, pois sob um caramanchão de acácias ela chorava e lhe jurava que a só ele amaria. N. fica confuso e quis saber o porquê dessa situação. Dormiu mal e resolveu passar três dias no cenário idílico das montanhas. Voltando, encontra um bilhete de Gáguin urgindo para que volte a visitá-los. Contra a vontade, dirige-se para a casa dos amigos em L. O reencontro fora difícil para Gáguin, pois ele lhe revelou que Ássia era sua meia irmã. Era filha de seu pai viúvo com a antiga camareira de sua mãe. Após a morte da esposa esse homem extraordinariamente bom trancara-se no campo com o filho, que aos doze anos fora levado pelo tio para São Petersburgo, a fim de ter uma educação formal e conviver com pessoas de sua idade e condição social. Quando N. já era adulto seu pai adoeceu seriamente e queria ver o filho para contar-lhe que a menina magrinha de dez anos que lá morava era sua irmã. Fora levada para a casa do pai, aos nove anos, com a morte da mãe, a qual não quisera envergonhá-lo com o casamento proposto. Fora cuidada com muito amor, mas “na mais completa independência”. Assim seu “coração não se deixou corromper e a razão permaneceu incólume. Apenas sete anos marcavam a diferença de idade entre eles, ela tinha treze e ele vinte, com o encargo de cuidá-la. Foi colocada em um dos melhores internatos da Rússia, mas apesar de sua aguda inteligência não se adaptou. Era zombada pelas meninas nobres, porém nunca se curvara. Aos dezessete anos sai de lá e Gáguin teve a idéia de passar com ela dois anos no exterior. Ássia jamais tinha se interessado por qualquer rapaz, ao contrário, só amava o irmão. Segundo Gáguin ela “precisava de um herói, de um homem extraordinário, talvez um pastor pitoresco no desfiladeiro de uma montanha.” N. passa a compreender as atitudes que ele recriminava como exibição de si mesma, sua quietude e incapacidade de se conter. Ela o atraia. O contato com essa jovem faz com que tenha um brutal desejo de felicidade. Ássia descobre que tem asas, como os pássaros, entretanto não tinha para onde voar e N. gostaria que ela o amasse. Novamente, Gáguin procura N. e, preocupado, afirma que Ássia apaixonara-se por ele, que sofria e queria partir imediatamente. Ao ler o bilhete que mandara para N., os dois puderam se assegurar de sua fragilidade e ambivalência. O jovem tenta decifrar seus sentimentos. Ele a ama, sem dúvida, mas casar-se com Ássia de apenas dezessete anos e frágil seria uma grande ousadia. “Afligia-me por Ássia , seu amor alegrava-me e ao mesmo tempo desnorteava-me.” O peso desse enlace tornara-se tão grande que N. resolveu que não se casaria com ela e não diria que a amava! O encontro entre os dois amantes fora um desastre. Ela com medo e finalmente apaixonada. Ele a beijou, mas depois, inseguro, censurou-a por não deixar que aquele amor amadurecesse e aflorasse. Magoada e ferida ela desapareceu sem dizer uma só palavra. “Olhei-a boquiaberto – e sai.” Coberto de censuras N. procura Gáguin e esperam que ela volte, mas Ássia não aparece. Preocupados vão procurá-la, separados, e voltam em uma hora, como combinado. Enquanto a procura N. sente “um pesar dolorido, o amor – sim, o mais terno amor!” Isso dilacerava seu coração. Enlouquecido avista alguma coisa branca no rio e resolve, transfixado, voltar e falar com Gáguin. Ássia havia chegado e ele ponderou: “foram asas fortes e amplas que me ergueram... ouvi um rouxinol... tive a impressão de que cantava meu amor e minha felicidade.” Na manhã seguinte, ao chegar à casinha branca, não fora afortunado, eles haviam partido às seis horas para Colônia. E N. não havia pronunciado o que sentia por ela – eu te amo! Assim ele partiu. Apesar de ir ao encalço dos irmãos, vinte anos depois, nunca mais os vira. Era um solteirão infeliz, sem família. Restaram apenas os bilhetes de Ássia e o aroma de uma flor que lhe jogara da janela. Esse aroma de uma “planta insignificante”... “sobrevive ao próprio homem.”
Ano de 1857


Não tão conhecido no Brasil como Tolstoi ou Dostoievski, IVAN SERGUÊIEVITCH TURGUÊNIEV, forma com eles um tríade de grandes romancistas russos do século XIX. Filho de família aristocrática e riquíssima. Estuda em Moscou e Petersburgo, gosta de leituras românticas e traduz Lord Byron. Em 1838, em Berlim estuda filosofia hegeliana , vivendo entre o Ocidente e Oriente. Tem uma filha ilegítima e terá uma relação platônica com uma cantora. Escreve uma série de esboços rurais, que reunidos dão o livro Memórias de um Caçador. É entusiasta da abolição do regime servil. Sua vida é nômade com parca saúde. O auge de seu sucesso vem em 1862. Morre nas cercanias de Paris em 3 de setembro de 1883 é enterrado em S. Petersburgo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

SHAKESPEARE E A ECONOMIA


GUSTAVO H. B. FRANCO - HENRY W. FARNAM

A ECONOMIA DE SHAKESPEARE
GUSTAVO H.B. FRANCO

Este interessantíssimo livro com textos de Gustavo Franco e Henry W. Farnam fala sobre a economia, no século XVI, quando ainda não tinha o nome ou a abrangência como hoje a conhecemos. Era o nascer do capitalismo.
Gustavo Franco, baseado na obra de Shakespeare, faz, através de seus escritos, uma análise profunda de como esse grande bardo estava vinculado às finanças e à economia em geral de seu período. Todas as suas peças eram escritas a fim de que ele se aproximasse mais do povo e para, em uma linguagem compreensível, entretê-los, desde a rainha Elizabeth e sua corte até as famílias de mendigos que acorriam para seu famoso teatro, O Globo. Para tal era imprescindível conhecer profundamente suas necessidades políticas, financeiras e sociais. As peças eram escritas para a população em geral, para que se identificassem com elas. Não eram publicadas, somente mais tarde, pois a língua ainda estava em formação e muitas palavras eram tiradas do latim, a língua culta da época, ou inventadas por esse gênio. Os teatros eram a única diversão oferecida para a população desse século e havia diversos ótimos autores que também escreviam, assim como ele. O Teatro era muito lucrativo para a corte, que cobrava generosos impostos sobre as apresentações. Uma peça para dar lucro deveria ser representada por muitas vezes e em algumas ocasiões eles paravam devido às pragas ou diferentes motivos, como incêndio. Shakespeare soube enriquecer como nenhum outro de seu tempo com essa função. Gustavo Franco esclarece alguns mitos da época que não eram verdadeiros, como a presença da rainha em sua casa de espetáculos. As moedas eram muito importantes em vista de seu valor intrínseco, mas mesmo isso foi sendo falsificado com o passar dos anos. Pouco ou quase nada se sabe sobre o grande escritor e o mais concreto está em seu testamento, que não foi redigido por ele. A importância do crédito era enorme, pois havia grandes mudanças, graças às descobertas de novos territórios e o desenvolvimento agrícola. Práticas comerciais e financeiras se acumulavam. Seu livro nos mostra o início do venture capital, privateering, bonds, e outros nomes agora tão usados, ligados nesses tempos à economia do teatro.
Realmente é um livro muito significativo, mesmo para quem não quer saber de textos shakespearianos ou economia como uma ciência. Belíssimo trabalho de pesquisa e fluidez.

A ECONOMIA EM SHAKESPEARE
HENRY W. FARNAM

A segunda parte do livro foi escrita por Henry W. Farnam, no início da década de 30. Foi ele quem notou as alusões à economia, contida nas peças shakespearianas, e após longo estudo demonstra, como nos diálogos e nas descrições dessas obras, o quanto se mencionava sobre essa ciência, como hoje é vista. É um relato interessantíssimo, pois Shakespeare, tendo nascido no campo, tinha grande conhecimento sobre essa atividade, bem como sobre o comércio das grandes navegações (O Novo Mundo, Índia e Ásia). Em sua obra podemos saber quais os principais produtos da época e quais eram usados comumente. Quando se muda para Londres, torna-se um citadino, cobrindo tudo o que se apresentava na intelectualidade. Trechos das peças muito engraçados e outros elucidatórios, nos surpreende pela modernidade em uma época em que o capitalismo começa a florescer.
A junção desses dois trabalhos excelentes e simples faz do livro uma leitura culta e muito agradável.