terça-feira, 24 de maio de 2011

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL



DE LEANDRO NARLOCH

Quando os jesuítas tentaram evangelizar os índios em 1646, no Rio de Janeiro, não obtiveram sucesso porque os engenhos produziam vinho e aguardente com os quais eles se embebedavam, causando graves problemas. Os religiosos mudaram as três aldeias para mais longe, contudo ao perceberem o embuste, índios e fazendeiros, juntos, incendiaram as cabanas dos padres. Índios e brancos gostavam do convívio mútuo. Os indígenas preferiam as vilas às escolas pela liberdade dada a seus vícios e, por sua vez, os portugueses gostavam de se misturarem aos índios nas aldeias, participando de seus hábitos nas festas, vestimentas e tendo diversas mulheres. “Em 1583... o conselho municipal de São Paulo proibiu os colonos de participarem de festas dos índios...” Estudos mais atuais comprovam que os últimos, em número infinitamente maior, muitas vezes tinham suas vontades aceitas pelos portugueses que precisavam de proteção. Os indígenas apreciavam o convívio com os brancos para usufruir a nova civilização, mas não eram acumuladores de valores. Grandes guerreiros e, em número muito maior, assustavam os invasores que precisaram fazer um grande esforço para conquistar-lhes a confiança. Os índios da família linguística tupi-guarani eram originários da Amazônia e foram descendo para o Sul, provavelmente por alguma catástrofe ambiental. Na virada do primeiro século iam expulsando e exterminado os inimigos até chegarem a São Paulo. Em 1500, se espalharam de São Paulo à Amazônia e Nordeste. No território brasileiro atual, calcula-se que viviam de um milhão a 3,5 milhões de pessoas, divididas em 200 culturas. Um índio de uma determinada família considerava os outros tão estrangeiros quanto os portugueses e a idéia de assassinato e canibalismo não tinha a conotação cristã de pecado; muito ao contrário, demonstrava um ato nobre para suas crenças. A guerra fazia parte do calendário das tribos. “Sobretudo os índios tupis eram obcecados pela guerra.” Acreditavam assumir os poderes e perspectiva do morto, ou quanto mais forte o inimigo, mais direito a ter diversas esposas. Com relação às bandeiras, imagina-se que a influência indígena foi mais determinante do que a européia no seu modelo militar. Bandeirantes paulistas poderiam ser mestiços de primeira geração, pois tinham seus parentes mais próximos criados nas aldeias e pareciam mais índios do que europeus. “Seus líderes estavam interessados na parceria para derrotar outras tribos” percebeu padre José de Anchieta em 1565. A longa guerra dos Tamoios foi um bom exemplo de índios exterminando índios, em 1556 a 1567. Eles ganhavam posições privilegiadas como colaboradores dos portugueses, tornando-se os índios coloniais, um personagem pouco estudado. Os índios que fossem escravizados por fazendeiros podiam requerer à liberdade, entrando na justiça, e ganhavam. Sua escravidão tinha sido proibida em 1680 pelo rei D. Pedro II de Portugal. Isso prova a “presença inegável dos índios nos sertões e nas vilas durante todo o período colonial, demonstrando, portanto, que eles jamais foram extintos, como afirmou a historiografia tradicional.” Na década de 1750 expulsaram os jesuítas do país. Até a chegada dos europeus, os índios não conheciam a tecnologia e a domesticação dos animais. Ao verem uma galinha ficaram apavorados. Permaneciam aquém da Idade do Ferro e Bronze e não conheciam nem mesmo a roda. A vinda dos europeus abriu-lhes significativos avanços. “Eles são na verdade heróis do povoamento humano no fim do mundo, a América, o último continente da Terra a abrigar o homem.” No início, a humanidade em sua caminhada seguiu para o norte da África, depois contornaram o Mediterrâneo, encontraram-se no Oriente Médio. Alguns foram para a península Ibérica, outros para a Ásia. Acabando a era do Gelo viram-se separados por um grande oceano e já estavam na América, sem perceber. “Foi assim que chegaram ao Brasil, cerca de 15 mil anos atrás.” Isso ocasionou um isolamento cultural, diferente da comunicação entre europeus, asiáticos e africanos, pois o encontro desses povos ajudou na disseminação da tecnologia. Com a chegada dos portugueses o isolamento total desapareceu e “ao todo, foram 6500 anos de migração e melhoramento genético oferecidos aos índios brasileiros.” Plantas que são símbolos nacionais, na verdade vieram com os portugueses, que aqui encontraram um bom solo para plantá-las. Jaca, banana, laranja, limão manga, carambola, graviola, inhame, maçã, abacate, café, tangerina, arroz, uva e até mesmo o coco não havia no Brasil! Tudo isso, mais a domesticação e introdução de muitos animais tornaram a vida mais fácil e enriquecida. Quando o cavalo chegou ao Brasil era muito mais evoluído do que nos seus primórdios. “Os índios ficaram estupefatos.” No século dezoito montavam os animais a pelo e, com lanças, tornaram-se grandes guerreiros, chegando a auxiliar o Brasil na Guerra do Paraguai. O cão que lembrava o lobo-guará, arredio, foi o grande encantamento. O cachorro, no século dezesseis, já havia sido treinado para o pastoreio, caça e guarda e os índios beneficiaram-se muito com isso. Tornaram-se amigos inseparáveis. O poder do fogo foi importantíssimo tanto para os índios quanto para os portugueses. A floresta era o pior inimigo dos índios pela sua densidade e quantidade de animais: grandes ou agressivos e pequenos - insetos, aranhas, formigas etc. Ainda hoje em dia, nas ocas, mantêm-se a fogueira acesa contra os insetos. Em quinhentos anos, algumas tribos indígenas foram responsáveis pelo desmatamento assim como o homem moderno. O fato do índio não acumular riquezas encantou os europeus, mas os primeiros não preservaram a natureza, quem o fez foi o europeu, no século dezesseis. O rei Manuel I proibiu a derrubada de árvores frutíferas em Portugal e suas colônias. Os habitantes da Ásia e África eram fisicamente mais fortes do que os portugueses e estes ao chegarem ao Brasil acreditaram que adoeceriam. Eles não possuíam defesas contra vírus e parasitas estrangeiros. Teresa Rodrigues narra que Lisboa sofreu crises de grande mortalidade provocadas por “epidemias importadas por via dos contatos marítimos e terrestres.” Todos os invasores estrangeiros que chegaram à América padeceram com essas doenças, espalhando-as pelo mundo. Os nobres europeus consumiam o tabaco brasileiro, desde suas primeiras exportações. Foi o segundo produto de exportação atrás apenas da cana-de-açúcar. Atualmente os bandeirantes são considerados quase malfeitores. Eram os mamelucos paulistas que viajavam sertão a fora em busca de ouro, pedras preciosas e índios. Antonio Raposo Tavares era o mais temido, no século dezessete, e acusado do extermínio e aprisionamento de mais de 100 mil além “da destruição de dezenas de aldeias jesuíticas.” Os padres, depois de perderem os índios para os paulistas, trataram de escrever cartas com relatos horríveis e falaciosos para a Europa. Queriam lançar as autoridades européias contra os paulistas. Em um livro de Jaime Cortesão ele diz: “O bandeirante utilizou a espada e o bacamarte. O jesuíta espanhol, se não desdenhou o bacamarte, serviu-se mais da intriga e da pena. E abriu feridas mais profundas; daquelas que levam séculos para fechar...” A divergência de número de mortos pelos bandeirantes indica que não houve um critério científico no trabalho. A língua falada em S. Paulo, antes do português, era a língua geral, uma mistura de dialetos indígenas. Somente no século dezoito, o português virou a língua oficial. Índios e mestiços se esforçavam para aprendê-lo. Domingos Jorge Velho mal falava a nossa língua. A maioria dos índios fugiu das missões por causa das regras cristãs muito duras e pelo cansaço. Os bandeirantes proporcionavam uma vida melhor perto da costa marítima. Tratava-se de revolta e não somente perda de confiança. Raposo Tavares, entre 1639 e 1642, percorreu uma distância imensa com seus homens. Foi à Bahia e Pernambuco ajudar na expulsão dos holandeses. De volta partiu para o norte do Paraguai, em 1648, com 1200 índios, mamelucos e brancos. Chegaram à Amazônia peruana, por um desvio obrigatório. Navegaram pelos rios Mamoré, Madeira e Amazonas até Belém. Estavam seminus, famintos e sujos. Esses heróis enganavam a fome com formigas, gafanhotos e raízes. Conseguiram voltar em 1651, com 100 mil quilômetros de odisséia. Quando chegou, Raposo Tavares estava tão desfigurado, segundo Roberto Pompeu de Toledo, que “não foi reconhecido pelos parentes.” Alguns escravos, como José Francisco dos Santos (Zé Alfaiate,) voltaram à África depois de alforriados (cerca do ano de 1830). Tornaram-se traficantes de escravos. José passou a enviar para a América e Europa ouro, negros e azeite de dendê. Muito cruel ele marcava seus escravos com ferro incandescente. Chegou a ficar bem rico. Nessa época, atacar os inimigos e depois escravizá-los era prática comum na África. Em Minas Gerais e na Bahia isso também ocorria. Muitos negros africanos importantes e abastados, como reis, aqui se refugiavam e os filhos vinham estudar na Bahia. Na corrida do ouro em Minas Gerais e nas fazendas de tabaco da Bahia “era comum africanos ou descendentes escravizarem.” “Com os mais de quatro milhões de escravos que vieram forçados ao Brasil, veio também a África.” Eles não eram mais classificados como vítimas passivas. Isso já é um alento para seus descendentes. Eram “sujeitos da história, protagonistas da escravidão, ainda que não aquilombado, quando não cúmplice do cativeiro.” Zumbi, o herói, na verdade capturava escravos de fazendas vizinhas para trabalhar para ele na mesma condição de escravos. Sequestrava mulheres e executava quem quisesse fugir do quilombo. Viveu no século dezessete e na sua época isso não era imoral. De Angola e Congo veio a maioria dos africanos de Palmares, até o século dezenove. Com o Iluminismo, o sistema escravocrata começou a desmoronar e, na Inglaterra, os protestos populares contra isso foram determinantes. O quilombo tinha uma hierarquia rígida entre reis e servos, muito parecidos com o regime africano. Ganga Zumba, tio de Zumbi, foi o primeiro líder do maior quilombo brasileiro. Descendia de guerreiros muito temidos e moravam em vilarejos fortificados. A decisão de morar voluntariamente no quilombo era sem volta, não mais poderiam sair de lá. Apesar de todos esses fatos, Zumbi foi retratado por historiadores marxistas de maneira bem diferente, um representante de uma sociedade igualitária. No livro, Mulheres Negras do Brasil, estuda-se as mulheres livres de Minas Gerais, no século dezoito. Elas economizavam para comprar a própria alforria e em seguida compravam escravos para si mesmas. Com a corrida do ouro, milhares de pessoas buscavam fortuna, movimentando Mariana, Diamantina, Sabará, Vila Velha e Ouro Preto. Com mão de obra barata, essas escravas forras fizeram fortuna. Elas gozavam de uma liberdade e autonomia muito maior do que as brancas, por sua condição de independência do homem ou marido. A mais bem sucedida, com sete escravos, parcerias comerciais com políticos e empresários, foi Bárbara Gomes de Abreu e Lima, morando em um casarão em Sabará. “Em 1830, 43% das casas de negros livres tinham escravos.” Essas mulheres praticavam atos terríveis contra os seus irmãos, que marcaram a história. O pior era separar uma família e elas tinham esse hábito, quando lhes convinha. Na área rural, o número de negros e pardos escravocratas era bem menor. O fato de comprar negros significava que se havia subido na vida, tanto para brancos ou pretos. No Rio de Janeiro do século dezenove havia tantos negros, que o número impressionava os estrangeiros; parecia uma capital africana. Esse contingente assustava os senhores, pois em disputas jurídicas quase sempre levavam a melhor. Eram protegidos pela lei. Ter sido escravo não impedia a subida social de uma pessoa determinada. “Os brasileiros livres de cor não eram, definitivamente, um grupo isolado ou marginalizado, sem acesso aos recursos da economia de mercado”. Os ativistas do movimento negro, por vezes, preferem não relatar esses casos bem sucedidos. Isso só serviria para enaltecer os negros, tendo a certeza de que não eram somente vítimas sem recursos para se defenderem. Existiam, no Saara, filas enormes de escravos conduzidos pelo vendedor, também negro. Usavam forquilhas no pescoço e traziam carregamentos de marfim, ouro, algodão. Eram vendidos a reis árabes como trabalhadores forçados e as mulheres como concubinas. A escravidão era “um traço comum” nas culturas africanas. “Com a venda de escravos, alguns reinos africanos viraram impérios, como Kano, atual Nigéria. Entre 1500 e 1535, os portugueses precisavam de escravos para comprar ouro na África, pois era a moeda corrente para esse fim. Durante esse período adquiriram em torno de 10 mil escravos no golfo de Benin, para trocá-los pelo metal. Assim os portugueses aprenderam, na própria África, a vantagem da escravatura, “tornando-se escravistas”. Os africanos estavam ricos vendendo escravos para os povos árabes, mas lucraram ainda mais com o envio de negros pela costa atlântica. Trocavam pessoas por armas e aumentavam seus reinos e domínios. O rei controlava o preço dos escravos e, quando oportuno, fechava o país para os europeus. O reino de Daomé, atual Benin, foi um desses exemplos de império bem sucedido com essa prática. Para se comunicar com os portugueses, o rei negro usava escravos portugueses (chamado de meu branco). Esses intérpretes, escravizados por algum motivo, ajudavam os nobres africanos em negociações e viagens diplomáticas. Os diplomatas africanos eram recebidos com luxo em Portugal e no Brasil. Tratavam, principalmente, do monopólio de vendas aos portugueses e aqui se exilavam quando derrubados de seus poderes. Comentou Alberto da Costa e Silva: “Há quem pense que o interesse de alguns africanos na manutenção do tráfico era ainda maior do que o dos armadores de barcos negreiros ou dos senhores de engenhos e de plantações no continente americano.” Foi a Inglaterra que interferiu para romper o ciclo da troca de seres humanos por objetos, uma vergonha da humanidade. “O ideal de liberdade dos negros... surgiu somente por causa dos protestos eufóricos e do poder autoritário dos ingleses.” O movimento abolicionista inglês tinha origem mais ideológica do que econômica, como alguns historiadores afirmam. Em 1787, foi organizado um movimento por 22 religiosos, homens comuns e mulheres defensoras do voto universal. Eles saiam batendo de porta em porta, com panfletos e abaixo-assinados. Os comitês arrecadavam fundos para a propaganda com discursos abolicionistas. As pessoas revoltadas com tal situação assinavam as petições apresentadas que chegaram, em 1833, ao número de 5000 e cada uma delas com centenas de milhares de assinaturas. “Esse radicalismo faria o tráfico de escravos ser extinto em 1807, forçando todo o Atlântico a tomar a mesma posição.” “Em 1787, um boicote dos abolicionistas ingleses ao açúcar feito por escravos conseguiu que 300 mil pessoas deixassem de consumi-lo na Inglaterra.”
Alguns escritores geniais defendiam, em sua juventude, causas sem embasamento algum e muitos, mesmo na velhice, perpetuaram seus erros. “as frutas pobres contam boas histórias sobre a época e a personalidade dos artistas – além de serem bem divertidas.” (Pg.114 do livro). Machado de Assis, por exemplo, aos vinte e seis anos era uma personalidade genial, respeitada e temida. José de Alencar dizia que ele “era o primeiro crítico brasileiro.” Ele dizia que “o teatro tinha um missão nacional, uma missão social e uma missão humana.” Machado foi nomeado censor do Conservatório pelo imperador D. Pedro II, tal a sua importância. Ele chegou a avaliar, entre 1862 e 1863, dezessete peças, proibindo três delas. O professor João Roberto de Faria, em um artigo, explica o critério de censura – “assuntos e expressões que ferissem o decoro” e “as contrárias à religião e às autoridades brasileiras.” Mas ele achava que deveria censurar também os textos de baixos níveis, assim foi “obrigado a aprovar várias peças em que não viu mérito literário algum.” Leandro Narloch cogita que, hoje em dia, Machado de Assis não seria nada mal, com tantos textos de baixo nível literário. José de Alencar era contra a abolição. Em 1867 publicou três cartas que defendiam a escravatura, as quais sumiram até 2008, quando foram descobertas. Os motivos são simpáticos aos negros. Não os considerava uma raça inferior, como quase todos os seus pares. O senador Barreto de Vasconcelos, escravocrata, dizia que “A África civilizava o Brasil, portanto a imigração de negros africanos enriquecia a cultura brasileira.” José de Alencar via nisso “um potencial de crescimento e enriquecimento do país.” Nos negros, viu um grande potencial civilizatório e “sem a escravidão africana e o tráfico que a realizou, a América seria hoje um vasto deserto”. Dizia... “Desde as origens do mundo, o país centro de uma esplêndida civilização é, no seu apogeu, um mercado, na sua decadência, um produtor de escravos.” A partir daí discorre sobre as civilizações antigas. Jorge Amado, aos 28 anos, defendeu dois dos piores exterminadores da história mundial – Adolf Hitler e Josef Stálin, fazendo propaganda do nazismo já em 1940. Era redator de um jornal de propaganda nazista no Brasil, Meio Dia. O seu motivo era o pior de todos, “provavelmente financeiro”. Jorge tenta convencer Oswald de Andrade a escrever para os alemães, recusando 30 contos de réis. Isso surpreendeu o famoso baiano. Logo saiu do nazismo, mas continuou a venerar Stálin por mais 10 anos. Em O Mundo da Paz ele faz propaganda socialista louvando Stálin. Desse modo ficou famoso na União Soviética, contudo, em 1956, renegou a obra enaltecedora de Stálin. Até morrer apoiou o Nacionalismo e Regionalismo, chegando a adular o deputado nada eficaz, Antonio Carlos de Magalhães, no livro Navegação de Cabotagem. Graciliano Ramos, segundo Leandro, marcou um frango no futebol. Normalmente bons colunistas apontam tendências aos leitores, mas ele não acertou quanto a esse esporte. Em 1921, afirmou que o futebol não seria assimilável no Brasil, pois “não combinava com a personalidade bronca dos brasileiros.” Continuou, “Ora, parece-me que o football não se adapta a estas boas paragens do cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.” Nos anos vinte o futebol era elitista assim como o turfe. Gilberto Freire, escritor de Casa Grande e Senzala, 1933, era, na verdade, um defensor do branqueamento do Brasil e contrário à mistura de raças. Esse antropólogo defendia essa questão como fizeram na Argentina. O livro mencionado foi uma mudança repentina para ele mesmo. Em sua defesa de tese na Universidade de Colúmbia, Estados Unidos, em 1922, elogiou os esforços dos cavalheiros da Ku Klux Klan americana. “Em 1964, quando sua dissertação foi republicada, os trechos condescendentes à KKK foram retirados. Nessa ocasião, Freyre divulgou o estudo como embrião de Casa Grande e Senzala. Ocorre que ele sentia falta da maneira aristocrática de viver. Adorava os hábitos sulistas (dos brancos) onde “havia lazer, havia fausto, havia escravos e havia maneiras gentis” antes de ser destruída pelo Norte industrial. Lamentava pela falta dos negros “fiéis”. Gregório de Matos, poeta barroco, apelidado de Boca do Inferno, por seus poemas satíricos contra a elite, teve a fama de um escritor libertino, o que não era. É-lhe atribuída a defesa dos escravos e pobres, mas não se sabe ao certo se são de sua autoria, pois a poesia barroca da época era de autoria coletiva. Assim tudo que falasse de baianidade foi atribuído a ele. A inovação que ele propôs seria reconhecida um século depois pelos poetas românticos. Alguns de seus poemas atacam os judeus e negros, principalmente os cristãos-novos. Desde 1591, a Bahia abrigava os agentes do Santo Ofício, os quais condenavam bruxas, homossexuais, judeus e hereges. Aqui não se usava a fogueira, mas outras punições cruéis. Os católicos de século 16 condenavam o banho na sexta-feiras, cruzar as pernas na igreja e ler a Bíblia em espanhol, prática luterana. As delações eram anônimas, facilitando essas ações. Euclides da Cunha, em 1909, ao saber que sua mulher, Anna, tivera um filho de seu jovem amante, Dilermando de Assis, campeão de tiro da Escola Militar, resolveu lavar sua honra. Pegou um revolver emprestado e encaminhou-se para a casa do jovem, desferindo-lhe três tiros, sendo que um atinge seu irmão. Contudo, Dilermando mesmo atingido pega sua arma e mata o grande escritor com apenas um tiro. Euclides, autor de Os Sertões, era um marido relapso que não se preocupava com a família. Isso faz com que Ana sinta-se solitária, abandonada e humilhada, decidindo ir morar com o amante. Entretanto esses fatos ainda são mal esclarecidos. Euclides lança Os Sertões, depois de testemunhar alguns fatos da Guerra de Canudos, Bahia. Seria consagrado com essa obra, descrevendo o sertanejo nordestino. Em 1904, abandonando Anna e os filhos, partiu para a Amazônia, Acre, a fim de obter mais material para outro livro. Sua mulher, sem nenhum dinheiro ou casa, fica com o caçula em uma pensão barata do Rio e coloca os mais velhos em um colégio interno. “Euclides era um homem nervoso, temperamental, pouco generoso com a família.” O pai de Anna, major Sólon Ribeiro, reclamou-lhe da “forma estranha como tratas tua mulher e filhos.” Na pensão, Anna da Cunha conhece Dilermando de Assis, anos mais jovem do que ela, e se apaixonam. Viveram em paz por dois anos, até que Euclides chega do Acre. Ao descobrir a gravidez da mulher, ele começa um difícil período de agressões físicas e morais. Dando a luz, Anna é imediatamente separada do filho, não podendo amamentá-lo e, depois de uma semana, a pobre criança morre de inanição. Esse seria um assassinato bem sucedido. O irmão de Dilermando, atingido por ele na nuca, quando disparara seu revolver, fica paralisado e, em 1921, o jovem de 21 anos, deprimido, atira-se do cais de Porto Alegre e morre afogado. Segunda morte causada por suas ações. “O tempo e a fama de Euclides da Cunha apagaram essas sombrias relações familiares.” Enviado como repórter pelo atual Estado de São Paulo, para a Guerra de Canudos, não participa dela, mas mandava ao jornal notícias velhas e inverídicas. Ficou hospedado em Salvador, preparando sua expedição “a 30 quilômetros da guerra.” Mesmo ficando apenas duas semanas no campo de batalha, pode escrever Os Sertões, que foi reverenciado pela crítica e “ainda hoje é considerado um dos mais importantes do pensamento brasileiro.” Essa obra sempre foi difícil de ler pelas palavras complicadas, tempos parnasianos, termos científicos e frases muito longas. “José Veríssimo, um dos críticos mais famosos daquele começo de século, elogiou o livro, mas alfinetou o estilo.”
A origem do Carnaval cristão vem das festas pagãs da Roma antiga e da Idade Média. A inversão de papéis era aceita por um dia – os servos mandavam e os senhores obedeciam. Durante os primeiros carnavais no Brasil não havia tantas inversões de papéis. “Atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d’água pela rua.” Em 1832, Charles Darwin não gostou do que viu em Salvador. Considerou uma atitude indigna. Na época de Mussolini, os carnavais na Itália passaram a ser muito organizados e em filas, como um exército, exatamente como são hoje os desfiles das Escolas de Samba. Esse modelo foi copiado por Getúlio Vargas do líder italiano, pois sendo populista queria se misturar com o povo desse modo. Vê-se então, que “a maioria das regras da apresentação moderna nasceu com o fascismo.” Em 1937, com Getúlio no poder, tornou-se obrigatório que os enredos homenageassem a história do Brasil. Primeiramente, os sambistas eram perseguidos pela polícia, pois ela reprimia as manifestações culturais dos negros. Depois disso, o governo observou que o samba fazia parte das festas dos ricos, mesmo antes dos desfiles das escolas de samba, resolvendo reconhecê-la como festa oficial. “Até mesmo em Portugal os músicos populares brasileiros eram bem recebidos.” O músico mulato “Caldas Barbosa encantou a corte de dona Maria I, a Louca, tocando lundus.” Os primeiros sambistas eram eruditos no quesito música e se inspiravam em estilos europeus e americanos. O samba atual dos morros cariocas é assunto mais recente que quase emudeceu as primeiras obras. Vianna em seu livro O Mistério do Samba diz: “Nunca existiu um samba pronto, “autêntico”, depois transformado em música nacional.” O samba não era folclórico. Pixinguinha e Donga, em 1917, registraram o primeiro samba brasileiro gravado. Começaram a tocar juntos em 1910, na casa da baiana Hilária Batista da Silva, tia Ciata, no centro do Rio. O samba significava um evento e não uma canção e lembrava mais o maxixe. Em 1919 esses dois músicos criaram a banda Os Oito Batutas e se apresentavam na sala do Cine Palais. Os integrantes da banda tocavam piano, instrumentos de sopro e apresentavam-se elegantemente de terno e sapatos bem polidos. Pareciam mais um jazz band. Apresentava-se pelo mundo todo e quando a princesa Izabel se exilou com a família na França, tocaram para eles. Entre 1922 e 1923 apresentaram-se em uma boate parisiense, viajando em seguida para Buenos Aires. O flautista paulista, Sinhô, também era muito conceituado. Compôs valsas, maxixes, charleston, toadas e fados, acompanhado de orquestras. Sua marchinha Pé de Anjo foi um sucesso do carnaval de 1920. Assim foi até que o nacionalismo abraçou o Brasil. A imagem que os brasileiros tinham de sim mesmos era variável e insegura, pois fora alicerçada sob traumas. “Até a década de 1930, tudo aquilo que hoje achamos naturalmente brasileiro – o samba, a feijoada, a capoeira, o futebol – não eram ícones da identidade nacional.” O futebol era considerado estrangeirismo. Nas colônias imigrantes não se falava português e “os brasileiros não se reconheciam como um povo alegre e cordial.” Com a república, “o Brasil, sem a coroa, tinha ficado sem cara.”, Os intelectuais brasileiros apressaram-se em reconhecer que os problemas nacionais vinham da mistura de raças. Em 1933, com a publicação de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire esse conceito modificou-se. Para ele a mistura de negros, brancos e índios é que enriquecia a nação. “A absolvição dos mestiços era o que faltava para se fortalecer um novo nacionalismo no Brasil.” Todas as nações valorizavam o folclore, o mesmo ocorreu no Brasil, tentando resgatar as danças, melodias e projetos populares. “Era preciso defender a raça brasileira como Hitler defendia os arianos.” O escritor Mario de Andrade fez intensa pesquisa e criou a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo. Em 1937, organizou o Congresso da Língua Nacional Cantada. Almeida Júnior, pintor, inspirava-se no caipira tocando viola. Luiz Câmara Cascudo do nordeste escreveu tudo sobre temas populares do Brasil. O líder integralista, Plínio Sampaio, era muito ligado a esses modernistas. Menotti Del Picchia, poeta, e Guilherme de Almeida, escritor, também foram participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Foi criada a Escola da Anta, símbolo nacional. Esse nacionalismo acabou criando o “complexo de Zé Carioca.” Depois do folclore, os primeiros sambistas foram desprezados. Cruz Cordeiro, diretor da RCA Victor “não recomendou a seus leitores o disco que continha nada menos que Carinhoso, a obra-prima de Pixinguinha.” Afirmava que era um fox-trote e música popular yankee. Essa perseguição ideológica é o que ocorria nesses tempos. Os intelectuais só apreciavam o “exótico” de nossa cultura. O samba do Estácio surgiu no final da década de 1920. Era a marcha, “pontuada em tamborins e surdos.” O samba tornou-se mais elementar, cheio de técnicas primitivas e improviso. Foi-se a bela era de Donga, Sinhô e Pixinguinha. Os novos sambistas, apesar de origem abonada, exaltavam a periferia e os morros. Braguinha, autor de tantos clássicos, estudava arquitetura e era filho de industrial. Noel Rosa, o melhor dos sambistas do Estácio, chegou a cursar medicina. “Noel vestiu rigorosamente o figurino do samba do Estácio e desconsiderou o resto.” Esse novo marketing da pobreza floresceu e, na década de 1930, era um novo modo de retratar a cultura dos negros do morro. “Tinha se tornado folclore” e era preciso protegê-lo de estrangeirismos. Os primeiros sambistas, desiludidos, afirmavam que o novo ritmo era marcha e não samba. Outro mito é a origem da feijoada tão brasileira, feita por escravos com restos de carne e feijão. Também é européia, pois a técnica de misturar esses ingredientes vem do Império Romano, espalhando-se pela Europa latina. Voltando ao samba do Estácio, ele fez muito sucesso pelas rádios e pela propaganda política de Getúlio Vargas. Imaginem que a Estação Primeira de Mangueira teve seus sambas transmitidos para a rádio nacional da Alemanha nazista. Os músicos lisonjeavam o presidente com o “samba-cívico”. “O Novo Estado veio para nos orientar. No Brasil não falta nada, mas precisa trabalhar” compunha Ataulfo Alves e Felisberto Martins. “Sua Excelência mostrou o que é de fato, agora tudo ficou barato, agora o pobre já pode comer, até encher”, outra quadrinha histórica. Mas, o mais famoso clássico do gênero foi composto por Ary Barroso: Aquarela do Brasil. “Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos.” Walter Disney produziu Alô Amigos, em 1942, tendo como trilha sonora essa bela composição. Pato Donald, Zé Carioca e Carmem Miranda sambam juntos nessa animação. Desse modo o Brasil ganhou notoriedade nos outros países. O “interesse de um presidente fascista e a influência de um desenho animado” nacionalizou-se. João Gilberto criou a bossa nova juntando samba com o jazz. Foi criticado. Ariano Suassuna criticava todos e só gostava do que era folclórico – a parte Chico. Guerra do Paraguai – outro mito. Lê-se nos livros escolares: “O Brasil matou 95% da população masculina do Paraguai... a Inglaterra, devido a seus próprios interesses, levou o Brasil à guerra, temendo que o Paraguai, uma potência em crescimento, desafiasse seu imperialismo.” Nas escolas os professores tinham um discurso de esquerda “que criaram a base de senso comum dos anos 2000.” O historiador inglês Leslie Bethell, em 1995, afirmou que se a Inglaterra teve um papel nessa guerra foi o de tentar evitá-la. Francisco Doratioto, historiador e diplomata brasileiro, afirma que o Brasil não sabia do risco militar do Paraguai e não queria destruí-lo. Solano López foi insensato ao declarar a guerra e deveria ter se rendido em 1865. Os livros didáticos não mostram o lado cruel do ditador López. “A história do genocídio no Paraguai fazia parte de um discurso político.” (pg. 177) Essa guerra ocorreu pelo caráter de López. Poderia ficar em paz quando o Uruguai foi invadido pelos brasileiros. Em 1864 aquele país confiscou o navio brasileiro Marquês de Olinda. Perto do Natal, 7.700 soldados paraguaios invadiram o pantanal brasileiro, que estava desprotegido. A região era vigiada por apenas 875 militares. Em apenas dois dias, ganharam o de Forte de Coimbra, sul de Corumbá. Subindo o rio Paraguai, o barco brasileiro Anhambaí, superlotado, foi atacado e vencido. Nesse momento o Brasil certificou-se da necessidade de tentar abatê-los. O inimigo possuía 77 mil homens e o Brasil 18 mil. “O Brasil teve de reinventar seu exército, aumentando os salários e criando uma campanha nacional de soldados voluntários...” Reuniram-se em Uberaba no ano de 1865. Esses dois mil homens viajaram a pé até o Pantanal, marchando sob tempestades e com pouquíssima comida. Um terço morreu vítima disso e de epidemias, antes de chegarem ao destino. Lópes não quis fechar acordo com a Argentina e as tropas tiveram que cruzar províncias do norte argentino. Solano resolveu declarar guerra à segunda maior nação da América do Sul. Foi um grande erro. Os soldados paraguaios ao se depararem com a sofisticada Corrientes não puderam deixar de saquear suas casas. Isso fez com que os argentinos apoiassem o Brasil e em maio de 1865, Brasil, Uruguai e Argentina formaram a Tríplice Aliança. Avançando até o Paraguai por via fluvial, no rio Paraná, nove navios brasileiros depararam-se com uma emboscada. “O Paraguai acabou se atrapalhando no esquema tático e perdendo a batalha.” Ficou conhecida como a Batalha Naval do Riachuelo e o país ficou isolado. Outra derrota viria três meses depois. Em 1865, 50 mil paraguaios estavam mortos e 20 mil aliados. O presidente argentino era Bartolomé Mitre e o imperador brasileiro dom Pedro II. López foi “um presidente louco.” Antes de entrar na guerra que o destruiria, o Paraguai era um país burocrático, atrasado e rural e os empresários da região, em 1820, tinham sido expulsos pelo ditador José Gaspar Francia e a exportação quase inexistente. A política quase paralisada, pois López ameaçava seus cidadãos e mandou matar seu irmão, por conveniência própria. Mas o fato é que apesar de alguns acadêmicos considerarem “Solano López um herói, ele agia como um general despreparado... O ditador sacrificou assim tropas inteiras, jogando soldados indefesos contra os brasileiros e argentinos.” (Pg.188) O Brasil, como sempre atolado em dívidas, foi à falência com a guerra. Quem saiu ganhando com o impasse foi a Argentina, pois grande parte da fortuna do Brasil foi para aquele país, a fim de abastecerem as tropas brasileiras.
“Um personagem comum entre os artistas do romantismo é o belo-horrível.” Caso de Frankenstein da inglesa Mary Shelley, do conto popular francês a Bela e a Fera e, em 1831, Quasímodo, o corcunda do romance de Notre-Dame de Paris escrito por Victor Hugo. Aqui no Brasil, em 1858, um jurista e deputado estadual mineiro, Rodrigo Ferreira Bretas, resolveu escrever a biografia de Antônio Francisco Lisboa, um dos vários artesões que construíram as igrejas e imagens, na época da corrida do ouro em Minas Gerais. O escultor já havia morrido há cinquenta anos e dele só se sabia que, segundo um mito, tinha as mãos paralisadas por uma doença grave. Bretas resolveu publicar um “relato minucioso”, com vários detalhes e histórias sobre esse artista. Tudo era obra de suposições, então se formou o mito do Aleijadinho, que sem as mãos e pés, só conseguia andar de joelhos e conseguiu executar uma obra gigantesca em diversas cidades mineiras. “Bem a costume do romantismo, o estilo literário de seu tempo, o biógrafo criou a história de uma pessoa defeituosa e assustadora que teria executado com as ferramentas amarradas ao braço, as obras mais belas do barroco mineiro.” A verdadeira história desse personagem já foi tema de diversas controvérsias acadêmicas. Guiomar de Grammont, em 2008, escreveu como tema de tese o livro Aleijadinho e o Aeroplano. “Ela mostrou como as histórias contadas por Bretas e outros escritores são ecos de personagens e cenas da literatura.” Com esse personagem fantástico, Bretas ganhou de D. Pedro II o prêmio da Ordem da Rosa, dado apenas para grandes escritores do Brasil. Isso incentivaria o povo brasileiro a ter mais orgulho de seu país. Assim, Aleijadinho passou de lenda “à condição de documento de um personagem histórico.” Entretanto não era uma unanimidade, pois alguns achavam suas formas grosseiras, principalmente se comparadas à arte européia. A visão dos viajantes estrangeiros da época exibia preconceitos, obviamente. Contudo os modernistas gostaram de sua “brasilidade, do talento mestiço e popular do Brasil.” Oswald de Andrade, em 1923, propõe que “a arte mineira parecia encaixar-se bem na raiz popular da cultura brasileira.” Afirma que Aleijadinho tinha feito aquelas obras por que as queria daquele modo e não porque não saberia fazê-las melhor. Mário de Andrade opina que via em suas estátuas sua personalidade atormentada. “A deformidade imaginária virou um ponto essencial da crítica dos modernistas. A arte do período barroco era feita de modo coletivo “em louvor a Deus e não ao próprio artista”. Trabalhavam em conjunto, patrocinados por irmandades religiosas e amigos. O romantismo chega ao Brasil, no final do século dezoito, com os poetas. Há cinquenta anos 160 obras eram consideradas de Aleijadinho, hoje são três vezes mais. Em abril de 2009, encontraram mais sete obras para a alegria dos colecionadores.
Em 2006, Evo Morales afirmou que a Bolívia dera o território do Acre ao Brasil, mas ele nos custou 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. A Bolívia aproveitou de uma situação favorável a eles para livrar-se do Acre. Isso ocorreu por causa de seringueiros que não queriam deixar a região, pois a semente da borracha já se encontrava na Ásia, onde a extração era mais fácil, e já havia dominado o comércio mundial com preços mais atrativos. (pg.226) Luís Gálvez Garcia, um diplomata espanhol, resolveu fugir de seu país e vir para o Brasil, onde acalentou o sonho de arrendar o Acre para o Anglo-Boliviano Syndicate e a Companhia de Borracha dos Estados Unidos. Eles dariam 60% do lucro das exportações para o governo boliviano. “O caso virou manchete do jornal Província do Pará de 3 de julho de 1899 e incendiou a Amazônia.” Rui Barbosa chegou a comentar a questão dizendo que se repetiria aqui, o que havia acontecido no Havaí. Houve a reconquista do Acre, alertados que foram pelo ardiloso espanhol. As utopias de alguns grupos do século dezenove, na Europa, eram formar um estado socialista na América do Sul. Tentaram no Paraná e em Santa Catarina. “O espanhol deveria nutrir um sonho parecido para o Acre.” Euclides da Cunha escreveu, em 1905, o seringueiro “não se rebela”, “não murmura”, “não reza”, “não tem diluições metafísicas” e é resignado o suficiente para acreditar que “os grande olhos de Deus não podem descer até aqueles brejais, manchando-se.” Pobres homens! Em 14 de julho de 1899, Gálvez se apoderou do território para formar um novo país, já que o governo não se incomodava com a região. A capital era Cidade do Acre, hoje Porto Acre. Formaram um “conselho ministerial, uma bandeira e um selo comemorativo.” O palácio do governo era um barracão de madeira e havia a Força Pública Nacional e a Força da Instrução. O novo imperador enviou um documento, anunciando a proclamação da nação com 6742 cidadãos, aos países da América do Sul. A Argentina reconheceu sua legitimidade. O governo brasileiro não queria incorporar o novo país e tentou se livrar dele pela terceira vez. Em 1900, navios de guerra brasileiros chegaram e desfizeram a República Independente do Acre. Luiz Gálvez foi preso e repatriado para a Espanha, via Pernambuco. O Acre pertenceria aos americanos ou bolivianos não fosse pelo gaúcho José Plácido de Castro, militar da revolução federalista. Líder militar saiu derrubando instalações bolivianas e em janeiro de 1903 sua tropa venceu os bolivianos de Porto Acre. Agora era o Estado Meridional do Acre. No final de 1903, com o Barão do Rio Branco “os dois países fecharam um acordo.” Foi quando os 2 milhões de libras esterlinas foram pagas aos bolivianos. A expressão “ir para o Acre” passou a ser sinônimo de “morrer”, pois 2 mil operários morreram na construção da ferrovia Madeira-Mamoré estipulada pelos vendedores. A exportação da borracha asiática, nessa época, passou de 45 toneladas em 1900 para 107 mil em 1915. O custo ACRE continua até os dias de hoje com prejuízo de milhões de reais por ano (400 milhões) superando muitas vezes essas cifras. Alagoas nasceu de um castigo, uma retaliação do governo brasileiro contra a Revolução Pernambucana de 1817. Perderam essa faixa de terra correspondente ao atual estado e Alagoas emancipou-se. Quarenta anos mais tarde foi a vez do Paraná, cujo espaço pertencia a São Paulo. “Em São Paulo, uma marcha de 1500 homens, chamada Coluna Libertadora, saiu de Sorocaba para derrubar o presidente (conservador) da província de São Paulo, José da Costa Carvalho, o barão de Monte Alegre.” Outras cidades paulistas apoiaram a decisão. Curitiba e Paranaguá, antes paulistas, nada fizeram e com o desagravo a São Paulo houve a separação em 1853. E “os paulistas não reclamaram”, pois se tratava de uma localidade que não dava dinheiro, devido ao seu isolamento.
Alberto Santos Dumont, filho de um riquíssimo cafeicultor, era uma personalidade conhecida nos cafés e restaurantes de Paris, durante a Belle Époque. Eram tempos movimentados, o cinema fora inventado pelos irmãos Lumière, o expressionismo surgia nas telas dos pintores e Dumont fazia balões, que encantavam e alegravam as pessoas. Mas o mito de inventor do primeiro aeroplano é derrubado pela afirmação documentada dos irmãos Wright. Ocorre que Dumont, em novembro de 1906, ao voar no 14-Bis por 220 metros de distância, registrou esse vôo. Os aviões dos Wrights não saíam do chão usando a própria força, eram catapultados. “Já o 14-Bis de Santos Dumont realizou um vôo autônomo, impulsionado por um motor próprio.” “O Flyer I usa correntes de bicicleta, madeiras de construir casas e, exatamente como os aviões do futuro, hélices, um motor a gasolina e asas levemente curvas.” O Flyer não era um balão, mas “máquina de voar”. Os irmãos Wright queriam ganhar dinheiro para a fabricação de seu projeto e não se importavam com os prêmios que a França oferecia. Eles eram discretos quanto ao trabalho, porquanto temiam que alguém patenteasse o avião antes deles. Em 1904 já haviam realizado 45 minutos de vôo e chamaram testemunhas confiáveis para dar credibilidade ao feito. Em 1905 encerraram os testes e tentaram vender o projeto ao Departamento de Guerra dos Estados Unidos. Esses documentos existem e, em maio de 1906, registraram a patente sob o n°821393, “referente a controles de uma máquina de voar”. Mais uma contra o pobre Santos Dumont (pg. 253). A princesa Elizabeth I (1533-1603) já usava relógio de pulso e “em 1868, a Patek Philipe reinventou a peça, que também foi usada por militares nos campos de batalha do século 19, como na Guerra Franco-Prussiana.” Dumont percebe que os irmãos Wright já não se interessavam mais por balões e essa tecnologia era totalmente dominada por ele. Esse fato lhe rende prêmios e muitas homenagens. Mas, com o sucesso dos americanos passou a interessar-se pela nova metodologia. Em abril de 1907 ele voaria com o 14-Bis, mas foi um fracasso. Uma companhia aérea francesa resolveu comprar a patente dos projetos americanos e fabricas aviões. Em 1908 Wilbur Wright voa de Le Mans a Paris a trinta quilômetros de distância. Fora um feito e tanto. Contudo os irmãos usavam trilhos e uma catapulta para impulsionar o Flyer. Os técnicos franceses questionaram o uso da catapulta, mas Wilbur achou uma solução e consegui voar sem esses equipamentos. Nosso herói, finalmente com o projeto do Demoiselle, conseguiu fazer um verdadeiro avião, percorrendo a 90 quilômetros por hora, em setembro de 1909. O Demoisellhe N-20 inspirou o ultraleve. Dumont, nessa época, descobre que está com esclerose múltipla e isola-se em Benerville, Normandia. Depois da declaração da primeira Guerra Mundial, volta ao Brasil, onde foi reconhecido pelo povo como herói, mas ficou magoado pelo esquecimento a respeito dele pelos franceses. “Doente, deprimido e enraivecido, Santos Dumont se suicidou em 1932, num hotel do Guarujá, São Paulo, enforcado por duas gravatas vermelhas dos tempos de pioneiro dos céus de Paris.” Os professores de história mostram um Brasil de se envergonhar durante o século 19. Ensinavam que as mudanças ocorridas no Brasil deram-se por iniciativa da elite sem participação do povo. Já a América Espanhola, no século 19, fragmentou-se com as revoluções populares, destruindo a economia que viria a se revitalizar dezenas de anos depois. Os homens influentes desse século, no Brasil, iam estudar fora do país, em Portugal. Entre 1822 e 1831, todos os ministros brasileiros com ensino superior haviam cursado a Universidade de Coimbra, a melhor da época naquele país. Com o iluminismo francês, ela isolou seus estudantes. Os livros de Voltaire e Rousseau eram contrabandeados. O iluminismo de Coimbra seria mais filtrado e cauteloso. Estudavam os livros de Adam Smith e de Edmund Burke, ambos ingleses. Esses autores foram traduzidos para o português por José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Os ex-alunos de Coimbra tornaram-se os líderes do Partido Conservador, que procuravam evitar revoluções e desordens no Brasil. Bernardo Pereira de Vasconcelos, o mais influente de nosso Parlamento, ator do Código Criminal de 1830 dizia vir “dos capitalistas, dos negociantes, dos homens industriosos, dos que com afinco às artes e ciências: daqueles que nas mudanças repentinas têm tudo a perder, nada a ganhar.” Mesmo os opositores tinham a mesma visão de comedimento “para garantir as liberdades individuais. A maioria era contra o absolutismo, mas ninguém queria as cabeças de padres e reis como acontecera na França a partir de 1789. Esses políticos são chamados de liberais-conservadores. Era uma ação consciente e raciocinada a fim de conservar a unidade e modernidade do Brasil, sem riscos maiores. O Império brasileiro teve muitas virtudes, que não são discutidas. Fazem acusações injustas contra a monarquia. 1) O Brasil foi o último da América a virar República. Um grupo liderado por marechal Deodoro da Fonseca proclamou a república e enviou a família real de volta a Portugal, em 1889. Entretanto um perspicaz observador, Raja Pául, presidente da Venezuela proferiu: “Foi-se a única república da América.” Com D. Pedro II a liberdade política atingiu seu ápice. Era notada pelos europeus e pelas repúblicas vizinhas a liberdade de imprensa. Tudo podia ser publicado nos jornais sem que houvesse processo contra os autores de tais artigos. “Os jornais publicavam dia a dia ilustrações satíricas – como a de D. Pedro II, sonolento, sendo atirado para fora do trono.” Mesmo assim ele era contra a censura. “Imprensa se combate com imprensa” era sua visão. Nesses 120 anos de República brasileira os presidentes são mais absolutistas do que os próprios reis. Contudo, “Nosso último monarca, chefe do Poder Executivo e do Poder Moderador , descendente dos Bragança e dos Habsburgo, duas das mais tradicionais famílias reais européias, atuou quase sempre com a humildade que os presidentes deveriam ter.” Ao acumular os dois poderes, D. Pedro II poderia ter sido absolutista, mas não tomava decisões autoritárias. Acreditava que “seria melhor e mais feliz presidente da República do que imperador constitucional.” Homem muito severo com despesas, recebia uma dotação anual de 800 contos de reis para viver com sua família, mas nunca permitiu que ela fosse reajustada. Além do mais financiava com esse dinheiro os estudos de estudantes brasileiros no exterior, instituições de caridade, colégios e doou um quarto dessa dotação para a Guerra do Paraguai. Os estrangeiros não se conformavam com a simplicidade e franqueza de seus palácios. Tornaram-se decadentes e abandonados por falta de uso, principalmente o Paço da Cidade, segundo a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. D. Pedro I, entretanto, era o oposto do filho, um homem rústico, temperamental, devasso e corrupto com o dinheiro da corte. Ele maltratava sua mulher, a imperatriz Leopoldina, demitia seus ministros e dissolvia a Câmara sem qualquer motivo sério. Isso tudo causou uma revolta contra ele, exigindo que partisse do Brasil em abril de 1831. Em 1824, fechou a assembléia constituinte e no ano seguinte apresentou uma das cartas mais modernas da época. Apesar da centralização permitia o voto dos analfabetos, porém havia uma exigência de renda mínima de 100 mil-réis, um valor muito baixo. A carta de tão liberal causou insatisfação dos que pregavam a superioridade da Igreja ao Estado. Em 1824, determinou que quem mandava era o Estado e oficializou a tolerância religiosa. Neil Macaulay, historiador, afirmou: “Dom Pedro , de fato, deu ao Brasil uma carta que assegurou por 65 anos os direitos básicos dos cidadãos – não perfeitamente, mas melhor do que qualquer outra nação do Hemisfério Ocidental naquela época, com a possível exceção dos Estados Unidos...” 2) A independência foi um jogo de cartas marcadas. Em 7 de setembro de 1822 o Brasil tornou-se independente através de D. Pedro I, mas a impressão de “dominação colonial” surgia na época, pela maneira como se efetuou. Até meados de 1822, ninguém se incomodava pela independência do Brasil. Os jornais e panfletos não abordavam o assunto. A historiadora Lúcia de Bastos Pereira das Neves, analisando uma farta documentação, descobriu que a idéia de um Brasil livre só se concretizou em abril daquele ano. Os problemas eram outros, pois as monarquias da época estavam divididas. Luis XVI e Maria Antonieta haviam sido guilhotinados, Napoleão conquistara vários impérios da Europa Continental, de tal modo que os nobres dividiam-se entre absolutistas e constitucionais. Os constitucionais acabaram vencendo a contenda. Melhor “baixar a cabeça à Constituição.” Outro assunto importante era o lugar onde o reinado português deveria ter sua sede. “Teriam governos independentes e o mesmo poder político.” A insistência dos parlamentares portugueses em tornar o Brasil politicamente mais baixo, foi a causa da cisão. Em dezembro de 1821, chegaram decretos que exigiam a volta de D. Pedro I à Corte, com o fechamento de departamentos administrativos e tribunais, com grande número de desemprego. Em 9 de janeiro de 1822, 8000 assinaturas fizeram com que o monarca decidisse pela independência. Em 28 de agosto do mesmo ano, mais ordens foram enviadas, descredenciando as medidas de José Bonifácio de Andrade e Silva. D. Pedro, aconselhado pela esposa e por José Bonifácio, foi forçado a fazer o que temia: anunciou a Independência do Brasil. 3) O Brasil foi o penúltimo país da América a abolir a escravidão. Os líderes brasileiros não foram os únicos responsáveis pela demora na abolição da escravatura. Para aprovação da lei era necessário que deputados e senadores avalizassem o ato, como representantes do povo. Os próprios escravos, os proprietários rurais e o povo não estavam seguros de que queriam isso. A escravidão estava tão alicerçada por milênios de tradição que a injustiça desse ato demorou a ser percebida em sua imoralidade. “Mesmo as revoltas escravas não largavam o sistema escravista. É o caso de Malês, organizada por escravos muçulmanos na Bahia, em 1835. Os escravos queriam conquistar a liberdade – e escravizar os brancos e os negros que não fossem mulçumanos.” (pg.286) José Bonifácio defendia a abolição da escravatura antes da Independência do Brasil. Em seu sítio na cidade de Santos só trabalhavam homens livres. D. Pedro II insistia na liberdade gradual dos escravos. Ele aceitava a ajuda de ministros que apresentassem leis abolicionistas à Câmara dos Deputados. “A abolição, como se sabe, foi um dos fatores a provocar o fim da monarquia no Brasil.” D. Pedro II analisa a situação política da Bahia: “Aqui não havia republicanos, e agora não somente não os há, com não há liberal que não se mostre disposto a sê-lo: na grande propriedade então parece firmado o divórcio com a monarquia.” Em 16 de novembro de 1889, D. Pedro II, ao ser destituído do trono, foi embora do Brasil, mas levou um travesseiro com terra brasileira. Assim foi-se a liberdade política do império. Em 23 de dezembro, no novo regime republicano, “marechal Deodoro da Fonseca instituiu a censura prévia.” No Segundo Reinado presos políticos e exilados não existiam, todavia passaram a se avolumar na Republica. Era o adeus à liberdade de imprensa e dos políticos em geral.
Luís Carlos Prestes é o nome mais lembrado no comunismo brasileiro. Gaúcho, liderou uma rebelião militar em 1924, mas nunca chegou a um cargo político de real relevância. Foi senador em 1945 e destituído em 1948. Possuía uma personalidade intolerante e não acatava idéias que não fossem iguais às suas. Provavelmente, “seria um dos tantos tiranos socialistas que ainda hoje estarrecem o mundo.” (pg.295). Nesse ano de 1924, jovens militares invadiram São Paulo e forçaram a queda do Presidente Artur Bernardes. As tropas federais forçaram a fuga dos revoltosos, que seguiram para o Paraná. Em Foz do Iguaçu, rebeldes ligados a Prestes e paulistas tentariam investir contra São Paulo, novamente, e o Rio de Janeiro. Prestes sugeriu que rumassem às regiões mais remotas e pobres do Brasil, como Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e estados do nordeste. Por dois anos cavalgaram 15 mil quilômetros, sem chegar ao Rio. Em 1927 refugiaram-se na Bolívia e Paraguai. Os livros escolares ensinam que eles queriam conhecer, denunciar e conscientizar a população mais pobre. Mas isso seria sem dúvida de alto custo. O que provavelmente queriam era arregimentar um exército paralelo, que enfrentasse o exército brasileiro. “... Os integrantes da Coluna Prestes estiveram bem longe de ter apoio popular ou mesmo de tentar conquistá-lo.” Descobriu-se, em 1999, no meio de farta documentação que Juarez Távora, Miguel Costa e Prestes eram os líderes da Coluna. No decorrer de sua missão saqueavam, estupravam e cometiam todo tipo de atrocidades contra esses povoados. O padre José Amorim de Goiás escreveu em 1925: “Em poucos dias, nosso povo, na maioria pobre viu-se reduzido à quase completa miséria.” A jornalista Elaine Brum descobriu, ao refazer esse trajeto, a mesma calamidade pública. Eles roubavam gado, estupravam mulheres para conseguir seu fim. “A maioria de seus integrantes, pelo que sugerem os documentos e depoimentos, queria se aventurar pelo Brasil tirando proveito de cidades sem proteção do Estado. Só isso.” O gaúcho Getúlio Vargas tomaria o poder do Brasil, passados três anos do fim da Coluna Prestes. Refugiado na Argentina, Prestes declara-se comunista e une-se a Josef Stálin. Em 1934, volta ao Brasil com uma equipe internacional de conspiradores. Esse grupo era de grandes terroristas e revolucionários bem experientes. Prestes e o Partido Comunista Brasileiro tramavam um golpe com os russos vindos de Moscou. Eles viviam clandestinamente em Ipanema e Copacabana recebendo dinheiro diretamente de Stálin, através de homens do Uruguai e comerciantes laranjas brasileiros. Esses conspiradores queriam apoiar oficiais nordestinos contra Getúlio Vargas. Marcaram o golpe para 27 de novembro, contudo descobriu que o apoio seria insuficiente. “Genialmente” Prestes avisou os inimigos, convidando-os a participar do golpe. Entre essas pessoas estava Newton Estillac Leal, comandante do Grupo de Abuses de São Cristovão, que jamais apoiaria o comunismo. Avisou imediatamente o governo, mas até Londres já sabia que haveria rebeliões no Brasil. Esse golpe fracassado chamou-se Intentona Comunista. O povo não apareceu e a polícia dominou a situação. O jornalista William Waack comenta o episódio. Os conspiradores começaram a cair e a polícia foi atrás de Prestes e Olga, sua companheira, mas já haviam sumido. Entretanto deixaram, dentro de um cofre, vários documentos sobre a revolta. Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, não quis abandonar o esconderijo no Rio de Janeiro e em 9 de março de 1936 foi preso com Olga. A judia alemã Olga Benário foi extraditada para seu país, já grávida de sete meses. A diplomacia soviética não a auxiliou e ela morreu seis anos depois, em um campo de concentração de Bernburgo. Outra jovem, Elvira Cupello Calônio, também conhecida por Garota, foi vítima desses revolucionários. Sem tanta divulgação, sua vida terminou com a execução pelos próprios companheiros, em fevereiro de 1936. Em uma biografia, a jovem é retratada como tendo 16 anos, pobre e semianalfabeta, natural de Sorocaba e filha de operários. Influenciada pelo namorado Antonio Maciel Bonfim, o Miranda, entrou para o comunismo em 1930. Empregada doméstica era fiel e uma entusiasta de suas funções no partido. O casal foi capturado pela polícia em janeiro de 1936, mas sua desgraça começa quando ela saiu do presídio. Teria sofrido poucas agressões na prisão e poderia voltar a ver o namorado que permanecia preso. Fazia papel de correio entre Miranda e seus companheiros. Mas para esse grupo ela era considerada espiã da polícia. Luís Carlos Prestes se convenceu de sua culpa e que os bilhetes eram falsos, escritos por outra pessoa. O Partido Comunista Brasileiro decide levar a menina para uma casa em Guadalupe, interrogando-a com “base em um questionário criado pelo espião Stuchevski.” Na verdade, Elza não havia traído ninguém, contudo foi morta em 2 de março de 1936. Foi estrangulada com uma corda e seus ossos quebrados, colocados em um saco e enterrada no quintal da casa de Guadalupe! Seu corpo foi encontrado em 1940. Os integrantes do partido foram presos, confessaram o crime e o local da cova. Luís Carlos Prestes e mais três pessoas envolvidas foram condenados a penas de 20 a 30 anos, mas libertados em 1945, pois Getúlio havia dado uma anistia. Em Moscou, o crime foi investigado e Prestes apontado como mandante, Martins e Francisco Lyra como executores. O crime notabilizou-se, mas logo foi esquecido. Olga surgia como “heroína e vítima”. Nas apostilas escolares a Garota não é mencionada.
Em 1964, guerrilheiros comunistas lutaram contra o regime militar e o regime “torturou 2 mil pessoas, com choques, empalações, palmatórias nos seios das prisioneiras, entre outras selvagerias.” Ocorre que a militância comunista de esquerda foi absolvida por seus atos “tão violentos e autoritários quanto dos militares.” Antes da derruba de Jango Goulart os guerrilheiros já planejavam ações. Em 1959, Fidel Castro apoderou-se da ilha de Cuba, demonstrando que era possível vencer um governo com pequenas guerrilhas organizadas. O deputado pernambucano Francisco Julião, encontrando-se com Fidel em Cuba, voltou da ilha querendo “reforma agrária na lei ou na marra.” O apoio tornou-se público em novembro de 1962, pois um avião correio cubano caiu no Peru e, entre os documentos, havia alguns que provavam as dificuldades que um dos agentes enfrentava para formar a guerrilha brasileira. Doze militantes estavam aprendendo a luta armada no país comunista. Quando isso foi publicado nos jornais houve uma certeza de golpe iminente: “a esquerda ou a direita tomariam o poder à força no Brasil.” (pg. 315) Leonel Brizola, conselheiro de João Goulart, tinha planos semelhantes. Em 1963, Brizola discursava na Rádio Mayrink Veiga, chamando o povo para unir-se a luta dos Grupos de Onze Companheiros (Comandos Nacionalistas). Queriam formar, em todo o território brasileiro, guerrilhas para atacar caso houvesse uma tomada de poder. A Rádio CBN, em 2009, descobre uma investigação militar sobre os Grupos dos Onze. Os G11 seriam como a Guarda Vermelha da revolução Socialista de 1917, na antiga União Soviética. Existia uma cartilha com ensinamentos para isso. “No caso de derrota do nosso movimento, os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados.” Brizola tinha o apoio de militares para o Grupo dos Onze. A ditadura começou em 1964 e até 1968 o governo levava as leis para serem aprovadas no Congresso e os indivíduos respondiam a processos criminais em liberdade. Acreditava-se que eleições indiretas seriam realizadas e o poder civil seria restabelecido. Com o Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968, as coisas pioraram. O poder executivo governa por decretos-lei e o habeas corpus desaparece do cenário. O governo prendia os indivíduos sem explicações. Ocorrem barbaridades como vinte assaltos a bancos, automóveis, explosões, ataques a quartéis, execuções, resultando em mortes até de pessoas não envolvidas. Em 1968, por exemplo, o estudante Orlando Lovecchio Filho, de 22 anos, foi atingido por uma bomba, no Conjunto Nacional onde havia o consulado americano, e acabou com o terço inferior da perna esquerda amputado. Apesar de inocente foi declarado culpado até que o ator do atentado apareceu, em 1992. Era o artista plástico Sergio Ferro. Outras tantas pessoas foram assassinadas ou presas por engano. Muitos ativistas importantes, além de Dilma Rousseff, atentaram contra pessoas que discordavam de suas ideias. O historiador Marco Antonio Villa afirmou: “Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força... Muitos grupos existiam antes de 1964... “a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.” “O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.” “A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos.” A ditadura realmente tentou aniquilar jovens estudantes imaturos e com belas ideias utópicas, os quais jamais poderiam sozinhos, tomar o poder. Qualquer movimentação comunista era preocupante. No livro A Ditadura Escancarada, de Elio Gáspari lê-se que “a luta armada fracassou porque o objetivo final das organizações que a promoveram era transformar o Brasil numa ditadura, talvez socialista, certamente revolucionária. Seu projeto não passava pelo restabelecimento das liberdades democráticas.” (pg.322, 323) Havia dezoito grupos de luta armada entre 1960 e 1970. O objetivo de quase todos era promover uma ditadura similar aos regimes comunistas da China e Cuba. José Serra participou de uma desses grupos, o Ação Popular. Os grupos citavam o cruel chinês Mao Tse-tung e o objetivo era transformar o Brasil em um “Cubão”. “Como não houve socialismo no Brasil, nunca saberemos como teria sido o sistema por aqui”. As ações antiterroristas vitimaram 380 pessoas. Muito menos do que na Argentina ou no Chile. Em 1971 a Ação Popular aderiu ao leninismo e acrescentaram ao nome “Marxista-Leninista” (AP-ML). Seu programa básico era muito similar a um texto bíblico do Livro de Isaías, capítulo 65. Analisavam o comunismo como quase uma religião. “Uma das religiões da salvação terrena” acreditavam. Karl Marx já divulgava essa idéia no século dezenove. Após a Idade Média, a revolução científica, a partir do século dezesseis, acabou com a configuração de um mundo ideal e harmônico sob a proteção divina. Depois dos estudos científicos de Galileu e Darwin, o planeta tornou-se um lugar desequilibrado, real, com extinções em massa por fenômenos naturais. As imagens espirituais foram desaparecendo com os novos pensamentos e se percebeu que o homem seria o responsável pelo futuro. “Assim como o cristianismo, o socialismo se baseava em paisagens idílicas... As organizações deixaram à mostra o fato de serem muito parecidas com religiões ou seitas radicais.” Lutar na selva era similar ao “romantismo de guerra”. Os movimentos revolucionários, infelizmente, colocam seus ideais acima do bem estar da população e suas regras. Muitos jovens revolucionários brasileiros ao se tornarem adultos foram forçados a encarar a realidade e alguns chegaram a se retratar. “Nos últimos cinquenta anos, enquanto a população quase triplicou, os índices de qualidade de vida mais que dobraram. Existe aí até mesmo um motivo para trair a proposta deste livro e expressar um êxtase de patriotismo. Viva o Brasil capitalista.” Com estas palavras, entre aspas, o autor fecha seu livro.

Leandro Narloch nasceu em Curitiba, Paraná.
Em 2011, está com 32 anos e vive em São Paulo.
Foi repórter da revista Veja e editor de Aventuras na História e Superinteressante.
A curiosidade que cerca este escritor é muito grande e existem pessoas que aplaudem
seu livro, como outras que se indignam. Cabe a você, leitor, dar a última palavra, já
que sua obra é baseada em vasta documentação e livros.