quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O JOGADOR de FIODOR M. DOSTOIEVSKI





“Eu tinha dezesseis fredericos e lá... talvez lá estivesse a fortuna! Coisa estranha, ainda não ganhei nada, mas ajo, sinto, penso como se fosse um homem rico e não posso me ver de outro modo”.
Narrado na primeira pessoa do singular e com esses pensamentos podemos imaginar as alegrias e tristezas de um jovem jogador russo que se unira a um grupo heterogêneo de pessoas que se passavam por milionárias, mas eram nobres falidos, pretensos marqueses, mulheres de várias origens e golpistas. Reunidos, na Alemanha, em uma estação de águas à beira do Rhin, o general tem sua comitiva da qual Alexis Ivanovich, jovem preceptor de 25 anos e bacharel em Universidade, faz parte. Estão hospedados em um caríssimo hotel e o grupo chama atenção de todos por sua imponência. Um francesinho esnobe, um inglês simpático e algumas mulheres também incorporam essa confraria. O herói tinha um gênio forte, era confiante e desprezava a igreja e os franceses que, por sua vez, desprezavam os russos. Essa narrativa impagável passa-se em 1814, quando havia ocorrido a guerra entre França e Rússia. Por esse motivo, o preceptor e o francês têm uma discução acirrada sobre a atitude destes dois exércitos. “Em 1812 vi um homem contra o qual um fuzileiro francês disparou somente para descarregar sua arma. Este homem era então um menino de dez anos e sua família não tivera tempo de abandonar Moscou”, conta o preceptor. Esse fato gerou a discução e o general ficou deveras descontente, mas não Mr. Astley, o inglês, que observava tudo com curiosidade. Paulina, bela jovem enteada do general e figura enigmática, precisava desesperadamente de dinheiro e pedira para Alexis vender seus diamantes, mas conseguira pouco com a operação. A avó estava doente e todos, sem exceção, esperavam por um telegrama anunciando sua morte e com isso a resolução de todos os problemas através da rica herança. Paulina precisava se casar com um milionário e bastava. Desesperada pede ao pobre Alexis que jogue tudo que tinha e que deveria ganhar o máximo possível. Apaixonado por ela, não sabe bem como agir, pois ela o tratava como lacaio e não o considerava como um homem. Chegando ao cassino, aproxima-se da roleta e vê no jogo uma forma como outra qualquer, como um trabalho, a fim de ganhar dinheiro. Aqui Dostoievski nos brinda com uma descrição minuciosa sobre uma mesa de jogo. “O pensamento de que estava debutando como jogador de outra pessoa me perturbava. Era uma sensação muito desagradável...” “sentia ganas de sair dali... Deram-me mais oitocentos florins e, reunindo tudo, fui ao encontro de Paulina.” Porém prometera a si mesmo que não jogaria mais por ela. Paulina era ciente de seu amor, mas mostrava-se indiferente. Essa jovem sabe que o general está nas mãos do francês, pois lhe havia pedido dinheiro emprestado e hipotecado tudo em nome dele, Des Grieux. O inglês, Mr. Astley, “era colossalmente rico. Foi quando a senhorita Blanche foi levada a olhá-lo.” Não tenhamos dúvidas de que aqui quase todos estão endividados e mulheres desejosas de fazer fortuna com qualquer um que tenha posses. Alexis, apesar de sua decisão, volta a jogar para Paulina, mas sob a condição de que contasse porque precisava tanto daquela importância. Ela, porém, não esclarece nada. Na sala de jogos “Observava e fazia anotações... de fato na sucessão de probabilidades fortuitas, há, senão um sistema, uma espécie de ordem.” Ele devia essas observações a Mr. Astley, “que passa toda a manhã junto às mesas sem jamais apostar.” “Perdi tudo até o último vintém e em muito pouco tempo”, mas voltou a ganhar e, em um devaneio contra o destino, colocou tudo em jogo e perdeu novamente. Assim, retorna de mãos vazias para Paulina. O francês observa de forma sarcástica que apesar dos russos serem “com freqüência jogadores, eles eram, a seu ver, incapazes de jogar.” Os russos são ávidos pela roleta “e como jogamos a torto e a direito, sem nos cansarmos, nós perdemos”, replica o jovem. Alexis compara, também, os russos e alemães na forma de enriquecer. Os alemães são trabalhadores, não gastam nada, e ao fim de cinco ou seis gerações estão ricos e “e aparece o barão de Rothschild em pessoa ou Hoppe & Cia, ou que diabo seja. Prefiro mergulhar na devassidão à maneira russa ou fazer fortuna na roleta!” São críticas bastante amargas e apropriadas. Enviavam vários telegramas à Rússia para saber se a avó já estava morta e resolver suas pendências. O herói questiona Paulina a esse respeito, que para ele é indecente. Afirma que para ser feliz é preciso ganhar, pois é sua única saída. Paulina o considera “desordenado e instável.” Ele tem uma meta de vida. “Ocorre que com dinheiro me tornaria outro homem, mesmo aos seus olhos, e deixaria de ser um escravo.” Ela considera seu discurso de “fedelho”. Alexis afirma que até mataria por ela, mas não acreditava que pediria isso, entretanto Paulina pediu que ofendesse a mulher de um Barão e ele o fez! Isso causa quase um problema de estado, pois os nobres afastam-se correndo. O Barão queixa-se ao general, o qual despede Alexis. Agora está sozinho para pagar as contas do hotel etc. O Barão de Wulmerhelm acha pouco e quer que seja preso! Contudo, com muita perícia Alexis implora para continuar como preceptor, e ponto final. Os argumentos usados são estritamente parecidos com os dos políticos brasileiros que se vêem presos em maracutaias e não têm explicação lógica. Alexis inverte o jogo e diz que foi ofendido e que processará a baronesa e seu marido. São momentos de comicidade inteligente. Com seu pequeno pagamento no bolso dirige-se ao cassino e observa: “eu ainda não ganhei nada, mas eu ajo, sinto, penso como se fosse um homem rico e não posso me ver de outro modo”. Detesta Des Grieux e sua postura e acha que “é raro o francês ser espontaneamente amável, poderíamos dizer que é amável por ordem, por cálculo.” Procurado por esse homem, a pedido do general, roga-lhe para que desista de seus planos advocatícios. Recusa-se veementemente, “pois ele, a baronesa e todo mundo pensariam sem qualquer dúvida que fui lhes oferecer desculpas por temor e para reaver meu emprego.” “Arre! Que suscetibilidade e que refinamentos!” Des Grieux declara que o General está apaixonado por mademoiselle Blanche da comitiva e quer casar-se com ela. Além do mais aguardava notícias da Rússia para por sua vida em ordem. Irritado diz “que diable! Um Blanc-bec comme vous quer desafiar para um duelo um personagem tão importante quanto o barão!” Paulina escreve-lhe um bilhete para que desista de tudo. Evidentemente existia algo entre esses dois. “Ele a tem em suas mãos, ela está sob seu jugo...” Claro, não nos esqueçamos das dívidas de toda a família. Mr. Astley avalia que isso poderia afetar o casamento do general com a jovem francesa e Alexis descobre, também, que o marquês ganhou o título e o próprio nome há pouco tempo e que a senhorita Blanche é uma oportunista conhecida, que muda sempre de sobrenome. Agora emprestava dinheiro a juros e seria possível que o general lhe devesse dinheiro! Todos aguardavam ansiosos o telegrama dizendo que “a velha bruxa” havia morrido. Entretanto, eis que aparece no hotel alguém transportado em uma cadeira e “rodeado por criados, servos e da incontável criadagem obsequiosa do hotel, na presença do próprio maître... acompanhado de pessoas, de uma multidão de valises e de cofres, carrega num trono... a avó!” A rica e poderosa Antonina Vassilievna Tarassevitch, com setenta e cinco anos, morrendo, no entanto viva! Falava alto, “se mantinha reta e gritava com um tom de comando...” Petrificado e sendo reconhecido, Alexis, tem a certeza de que ela vai colocar a casa de cabeça para baixo!” Um andar inteiro havia sido reservado para essa grande senhora. “Ela se mantinha ereta como um i sem se apoiar em sua cadeira.” Alexis abriu “a porta de dois batentes e ela fez uma entrada triunfal.” Estavam todos reunidos e o impacto foi demasiado e inesquecível. Diante da figura da avó, o general parou estupefato. Paulina ficou possuída de “medo e perplexidade” e todos boquiabertos; mas ela os observava, desafiadora. “Era uma catástofre para todo mundo!” “Bem, eis-me aqui! Venho no lugar do telegrama!”Apesar dos pesares gostou do inglês, pois tinham resposta para tudo. Não quis nem saber das crianças “remelentas.” Agora queria passear e nomeou seu acompanhante, Alexis Ivanovitch. Os empregados do hotel tremiam ao avistá-la. Ciente do ocorrido com os barões fica indignada com eles. Contudo queria mesmo ir conhecer o cassino e sua comitiva a acompanha para surpresa de todos que lá estavam. Descrições hilárias sobre a bajulação da família e amigos são expostas, mas a velha senhora ataca a todos, sem piedade. Nas mesas se comprimiam quase duzentos jogadores. “A vovó contemplou tudo isso de longe, com uma curiosidade ávida.” Entretanto o que mais lhe chamou a atenção foi a roleta, e por ali colocaram sua cadeira, bastante próxima do crupiê principal. Pessoas afluíram para observá-la. “Uma mulher de setenta anos, enferma, que desejava jogar...” Alexis se esgueirou a seu lado. Antes de qualquer coisa, fez inúmeras perguntas que o rapaz lhe respondeu e explicou. Queria saber mais sobre o Zero e quando soube que ganharia trinta e cinco vezes o valor jogado, ficou fascinada, apesar da poucas probabilidades de ganho. Vovó joga no Zero muitas vezes e perde, perde... Ela continua insistindo apesar das advertências e prefere ser enforcada a mudar de opinião! Esta completamente obcecada pela roleta! “... de súbito, toc. Zero! , gritou o crupiê.” Continuou jogando pesado, até que perdeu! Mas “em seu rosto brilhava a convicção absoluta de ganhar” e ouviu novamente, Zero. Isso era, realmente uma raridade, tantas sequências de Zeros. Não se agitava mais, era como “se tivesse uma meta.” Agora jogou no vermelho e... ganha, novamente. Colocou, rapidamente, todo o ouro e cédulas na bolsa e foi embora! Radiante chegou a sua suíte, mas no caminho havia distribuído muitas moedas valiosas a várias pessoas desconhecidas e conhecidas. Ao general nem um tostão. “Que diable, c’est une terrible vieille! , “murmurou entre dentes Des Grieux ao coronel. Ordenou a Alexis que queria voltar ao recinto, após o jantar, e não necessitaria mais de empregados ou comitiva. Alexis rezava para que ela mudasse de idéia, mas em vão. Conjeturas das mais terríveis passavam pelas cabeças de seus familiares, horrorizados com a possibilidade de perder sua fortuna no jogo. Paulina, desesperada, pede a Alexis que entregue uma carta a Mr. Astley. “Então eles mantém uma correspondência” irritou-se o jovem. Estava abatido pelo ciúme. O general, precisando de alguém para culpar, chama Alexis e lhe passa uma descompostura. Diz que se comportou como guia. A senhorita Blanche olhou seu namorado com desdém, talvez perdesse tudo. Por fim, o general implora que o preceptor salve-o e retire sua vovó do cassino. A vovó não conseguira dormir nessa tarde e estava totalmente envolvida pelo jogo. “A roleta a obcecava.” Ela já era esperada e seu lugar ao lado do crupiê estava reservado. Continuou no Zero, mas ele não saia. “avozinha, eu tentava trazê-la de volta a razão, não posso responder pelos golpes do azar.” Des Grieux tentava aconselhá-la, em vão, mas ela perdera tudo e culpou o francesinho ordinário por seu azar. Ele a fizera mudar de número na última hora! Chamando-se de besta, perua e velha idiota, grita por chá e resolve voltar a Moscou imediatamente. Eram sete e meia da noite e o próximo trem partiria às nove e meia. Pede para Alexis trocar umas letras de câmbio senão não teria como sair do hotel e viajar. Quanto chegou, todos estavam junto à vovó. Paulina continuava ausente e “vovó os injuriava rudemente.” Vovó fala ao general que ele contava com sua morte, mas viveria até os cem anos. Paulina reaparece em cena e vovó a convida para morar em sua casa, em Moscou, quando quisesse, mas a adverte para não esperar nada daquele francesinho horroroso. “Paulina ficou vermelha”. As pessoas presentes sabiam de tudo, menos ele, Alexis. Ao ser carregada, resolve recuperar o dinheiro perdido e volta ao cassino, onde se jogava até meia-noite! Ocorre que perde definitivamente todo seu dinheiro, ou seja, mais de dez mil rublos! “Tinham em casa de tudo - um jardim, flores, macieiras e espaço... Não. Era preciso viajar ao estrangeiro! Oh! oh! oh!” Voltamos ao começo do livro, quando Alexis mais calmo, porém infeliz, recorda-se de tudo o que ocorrera. “Por isso retomo a caneta.” A vovó, de fato, havia retornado, mas perdera tudo. Os banhistas da cidade vieram vê-la jogar, pois havia adquirido fama no local. Era uma verdadeira fortuna que jogara fora, apesar de ter tido chance de recuperá-la por duas ou três vezes. No hotel, todos brigavam e se descabelavam. Para desespero do general, Blanche descartara-o de vez e partira com um principezinho. Astley partira para Frankfurt, a negócios. Paulina estava serena, mas não queria que Alexis sequer mencionasse seu amor por ela. Acreditava que tinha um segredo. O general implora ao jovem que fale com Blanche, mas já era impossível. Sobre vovó, acreditava que... “sim... sim... em nosso país, velhas deste tipo, nós as dobramos à força, sim senhor... Oh, que desgraçado eu sou!”Apesar da má sorte, Antonina ainda é rica, pois tinha três vilas, duas casas e algum dinheiro na Rússia, mas continuava negando-se a dar qualquer coisa ao general.
Alexis não queria acompanhar a vovó e vai procurar Paulina, contudo não a encontra e Des Grieux também havia sumido. Aí “dois e dois são quatro”. Quando voltou para casa, depois de desembarcar a vovó, vê uma silhueta no escuro: era Paulina! Des Grieux havia partido para a Rússia, a fim de apossar-se dos imóveis dados como seguro de seu empréstimo. Ela não iria à casa de vovó por não querer pedir perdão a ninguém. O jovem a aconselhou a ficar, então, com Mr. Astley, porém Paulina recusou. Sim, ela o amava. Alexis, como vovó, resolve ir ao cassino e tentar, com o pouco dinheiro que ainda possuía ganhar a quantia que sua amada precisava tanto. Como todo jogador perde muito e acaba ganhando trinta mil florins, mas passa a jogar mais! As pessoas em volta pedem para que pare de jogar e vá embora. Apesar disso, “experimentava um prazer irresistível em tirar e recolher as notas que se amontoavam a minha frente.” O “destino o movia”. Chegou a ganhar cem mil florins! Estava “possuído por uma sede de risco.” Mal chegava a acreditar em seu destino. Ganhara duzentos mil francos! Saiu com o andar desequilibrado, pelo peso do ouro em seus bolsos. Ao chegar, Paulina ainda estava lá e ele jogou seu dinheiro sobre a mesa para que visse que estava salva! Sua expressão era de ódio e ela lhe disse que “a amante de Des Grieux não vale cinquenta mil francos.” Essa mulher censurou-o por querer comprá-la. Pobre russo! Entretanto depois de alguma discução, abraçou-o e apertou-o contra ela. Sua cabeça girava e acordou somente às sete horas, com o sol brilhando. Ela estava lá e pediu para que desse seu dinheiro, mas ao fazê-lo joga tudo em seu rosto e sai correndo. Alexis sabia que sua adorada ainda estava doente. A culpa era da vaidade “que a impulsionava a não confiar em mim e a me ofender...” A jovem fugira para o Hotel Inglaterra. Mr. Astley, que se encontrava lá, ficou observando-os à distância. Ele cuidaria de Paulina e a trataria com um médico. Isso seria um escândalo! Todavia Alexis sente que, desde que estivera na mesa de jogo no dia anterior, seu “amor havia de alguma forma passado a segundo plano.” Em seu caminho de volta uma cena bizarra ocorre: a mãe de Blanche pede para que entre em sua casa, pois havia ouvido dizer que estava rico, com o jogo no cassino. A jovem estava se levantando e exclama “Ah, c’est lui! Viens doc, bêta! É verdade que tu as gagné une montagne d’or et d’argent? J’aimarai mieux l’or. E assim começa a sedução de Blanche sobre o pobre rapaz. Ela o convida para morar em Paris em ver les étoiles. “E foi assim que fui a Paris.” “Paris, o que dizer desta cidade? Tudo não passou seguramente de delírio, extravagância. “Aí permaneci um pouco mais de três semanas, terminado este período, meu lastro se reduzira a cem mil francos.” Dera quase toda sua fortuna a Blanche. “E com os cem mil francos que nos restam, tu o comerás comigo, meu preceptor!” Esta mulher era uma dilapidadora compulsiva, além de tirânica e cheia de soberba. Alugou um apartamento, mobiliando-o com o que havia de melhor e se queixava que com pouco dinheiro tivera de fazer muito. Durante duas noitadas cheias de estranhos, Alexis bancara o anfitrião, para seu horror. “Tudo aquilo me repugnava de uma forma definitiva.” O jovem russo vivia em um meio “o mais burguês e mercantilista possível, onde cada centavo era contado e pesado.” Em pouco tempo com seu dinheiro literalmente torrado, se retirou de cena! Os diálogos entre essas duas pessoas tão diferentes são muito instigantes e nos mostram a forma de pensar e agir da época e de hoje com pessoas golpistas. “Oito dias após nos instalarmos em Paris, o general chegou.” Encaminhou-se para o apartamento dos dois e não saia mais. O pior, sem dúvida, era que precisavam levá-lo a todos os lugares que Blanche achava mais interessantes e ela passou a defendê-lo! Havia ficado doente, na época da tragédia de vovó, mas, curado, fugira para Paris. Estava desnorteado e fixava-se em alguns temas, repetindo-os a toda hora. A vovó estava doente, de fato, e morreria, havia dito Mr. Astley, e quanto ao marques Des Grieux havia dilapidado tudo que o general possuía. Não queria nem ouvir seu nome. Blanche, desde que Alexis chegara, tinha um amante mulato, Alberto, e mesmo se casando com o general, mantinha o relacionamento. Essa fútil mulher, mesmo casada, não conseguira memorizar seu título e sobrenome em russo! Após vinte meses de esses fatos terem ocorrido, Alexis estava a seu ver “numa situação pior do que a de um mendigo.” “Perdi tudo da maneira mais singela... e não vou fazer um discurso moralista.” Continuou: “E o que imaginam que possam me dizer que eu já não saiba? O que há de certo é... que numa única volta da roleta tudo por mudar...” Havia perdido em outra cidade e sido preso, mas alguém pagou sua dívida e fora solto. Lacaio também fora. Com pouco dinheiro adorava jogar; sim, era o jogo que o atraia e não o dinheiro que pudesse ganhar. Voltando ao vício apostou pouco e ganhou. Colocou os cem florins ganhos no rouge... A quantia sobiu para oitocentos, chegando a mil e setecentos florins e “em menos de cinco minutos! Nestes momentos a gente esquece todos os fracassos passados!” Já não era mais um lacaio. Deste modo, decidiu partir para Homburg, onde está no presente, há dois meses. Todavia antes de pegar aquele trem, não se contendo, havia retornado ao cassino e perdido mil e quinhentos florins! Declarava: “Jogo pouco de cada vez e espero, faço cálculos, fico dias inteiros perto da mesa de jogo, a observar, chego a sonhar com o jogo...” Ele endurece e se afunda “no lodo”. Casualmente, em um de seus passeios cheios de devaneios, encontra Mr. Astley e sentam-se para conversar, mas o inglês já sabia de toda sua vida e seus desastres dos últimos vinte meses. Alexis, apesar de sua condição desafortunada, ficou feliz em vê-lo e o inglês observou nessa alegria seu velho amigo de sempre. “É verdade que o homem adora ver seu melhor amigo humilhado a sua frente; é na humilhação que repousa frequentemente a amizade.” Mr. Astley queria saber se além do jogo não se dedicava a mais nada e ele respondeu docemente... “Não...” Afirmou-lhe que havia se isolado e se afastado da vida. Alexis pede que pare de falar do passado e só tem mais uma pergunta: “Onde se encontra no momento miss Paulina.” Mr. Astley, zangado, diz que estava vivendo na Suíça; no entanto não queria discutir sua vida com ele, pois o nome dela em sua boca era uma ofensa ao seu senso de moral. Considerava-a o melhor ser do mundo, que o jovem russo nunca pudera desvendar. Morara com sua mãe e irmã, no norte da Inglaterra e herdara da avó falecida sete mil libras. O general também havia morrido há um mês, tendo sido muito bem tratado por sua mulher. Antes de morrer passara toda sua herança para ela! Alexis explica ao inglês a importância dos franceses na Rússia para as mulheres e jovens. “O francês, Mr. Astley, é uma forma acabada e elegante.” Ele e seu amigo, por serem homens, não pensavam assim, talvez por ciúmes. Racine era afetado, mas sem dúvida um grande poeta e charmoso. E afirma que “não há no mundo um ser mais aberto e confiante do que uma jovem russa...” “Um Des Grieux ... sob uma máscara, pode conquistar seu coração com uma incrível facilidade.” E a adorável Paulina passara um bom tempo resolvendo se queria um homem íntegro com o inglês ou um patife como Des Grieux. Interrogado por Alexis, Mr. Astley afirma ser um rico refinador e pensando bem “de um lado um refinador e, de outro... o Apolo de Belvedere. Não combinam.” Ambos não conseguiram nada dela. O inglês enfurecido admite que viera vê-lo a pedido de Paulina para conversarem longamente e, “de coração aberto, lhe transmitir todos... seus sentimentos, seus pensamentos, suas esperanças e ... suas lembranças!”Ela o amara e ainda o amava, enviando-lhe dinheiro para seu sustento. Joga-lhe a importância e ainda acrescenta, antes de sair, que se quisesse verdadeiramente mudar de vida lhe daria uma quantia razoável para recomeçar a vida... era tão jovem. Abraçam-se e Alexis pondera em seguir para a Suíça. Seguindo sua linha de pensamento lembrou-se, o infeliz, de que com um florim que lhe restara para jantar havia decidido entrar no cassino... “experimenta-se uma sensação particular quando, só, num país estrangeiro... sem saber o que irá comer naquele dia, arriscamos nosso último florim, o último, o último!” Ganhou e saiu do cassino com cento e setenta florins no bolso. “Eis o que pode significar o último florim.”
“Amanhã, amanhã, tudo acabará!...”

Excelente livro. Uma verdadeira maravilha de construção da psique dos personagens. O enredo é instigante e escrito de maneira tão realista e natural que não se pode parar de lê-lo. Este trabalho foi ditado para sua secretária, Anna Grigorievana, em 1866, numa época em que, mesmo solitário e endividado, precisava manter a família do irmão recém- falecido. O livro tornou-se um sucesso e permitiu que o escritor se colocasse em outra dimensão. Nessa época era comum que grandes escritores fossem para a Alemanha a procura de jogos e águas termais. Casado com Paulina, que o traíra e era sua paixão, une-se a Anna e viaja para Genebra. Em 1880 fez um inesquecível discurso sobre o destino de sua pátria. Depois de escrever Os irmãos Karamazóv, sua obra prima, morreu em 1881, aos sessenta anos. Deixou uma extensa e extraordinária obra literária.