terça-feira, 26 de janeiro de 2010

LIBERDADE À MEIA NOITE - ÍNDIA E GANDHI





























BREVÍSSIMO RESUMO DE
FREEDOM AT MIDNIGHT - (INDEPENDÊNCIA DA ÍNDIA E GANDHI)
DE LARRY COLLINS E DOMINIQUE LAPIERRE

Londres, véspera de Ano Novo, 1947
Era inverno e as ruas estavam desertas no pós-guerra. O povo inglês não tinha o que comer e como se aquecer, tampouco motivo para festejar o Ano Novo. Todavia o bisneto da rainha Vitória, Louis Francis Albert Victor Nicholas Mountbatten, aos 46 anos, fora designado pelo primeiro ministro Clement Attlee, para assumir o ritual de passagem para a libertação da Índia. Um vespeiro gigantesco. Attlee o nomearia Vice Rei da Índia, mas Louis não desejava tal honraria. Attlee se apoiava nos conselhos de Archibald Wavell, Marechal de Campo, que possuía as idéias certas. Todo o relacionamento com esse país começara em 1599, com a chegada de um pequeno navio de William Hawkins. Esse foi o primeiro passo. Ai inicia-se uma época de comércio entre as duas potências. Em 1757, Robert Clive conquista a Índia e inicia uma nova colonização no Oriente. Em 100 anos tomaram o poder! A chegada de jovens britânicos nobres e pobres significava um choque civilizatório. Muitos morriam com o calor e doenças tropicais e alguns voltavam, sem viço, mas ricos e poderosos. Tinha-se a convicção que Deus havia destinado aquela raça para governar e conquistar.
Índia, 1947
Uma frágil criatura prepara-se para partir em uma vila do Delta do Ganges, Noakhali.
Esse homem de setenta e sete anos, seminu, usando óculos era Mohandas Karamchand Gandhi, o responsável por aquele ato que estaria para acontecer. Sua cruzada moral de não violência tinha chegado ao ápice. Os poucos ingleses que haviam negociado com ele admiravam-no. Outros não o compreendiam. A meta de sua luta era a liberdade da Índia. Mas ela seria dividida de maneira irregular, pois havia um intricado sistema de pessoas e fés convivendo lado a lado. Gandhi sempre dizia que teriam de dividir seu corpo, antes de dividir a Índia. Gandhi, agora, partiria ouvindo sua voz interior. Andaria por 47 vilas do local, com seus pés descalços, contando apenas com quatro seguidores: sua sobrinha neta, Manu, de apenas dezenove anos, e mais três gurus. Havia duas grandes fés no subcontinente: o islamismo, que proibia a idolatria e cria em um só Deus, o Profeta e o hinduísmo, onde o Criador e a sua criatura eram indivisíveis, e Deus um espírito cósmico, cujas manifestações eram ilimitadas. A idolatria para os últimos era uma forma natural de expressão. Havia em seu coração uma trindade central – Brahma, Shiva e Vishnu: forças positivas, negativas e neutras, que formavam um Equilíbrio Absoluto. Depois deles, deusas e deuses, os mais variados para cada situação. Mas a principal barreira entre esses dois povos não era metafísica, mas SOCIAL. O hinduísmo ariano havia introduzido o maléfico sistema de CASTAS, culminado com os intocáveis, que não abrangia direito algum. As castas deveriam ser sempre respeitadas. Ligado ao conceito de castas, permanecia outro na base dessa religião, a reencarnação. Os intocáveis migraram em enorme quantidade para a religião mulçumana, porquanto teriam mais oportunidades e seriam mais respeitados. Contudo os hindus não esqueciam que eles eram os intocáveis. Hindus e Muçulmanos dividiam as vilas, esperando pela visita de Gandhi em Noakhali. Socialmente havia uma mistura entre eles, mas um casamento interracial era impensável. Havia, então, divisão religiosa, de castas, econômica e social. A veneração pelas vacas data dos tempos bíblicos da Índia Européia. No processo de migração eles dependiam da vitalidade de seus rebanhos, assim era proibida a matança de vacas, para garantir a subsistência dos homens, durante o período de fome. Como resultado em 1947 havia um enorme rebanho de vacas, sem nenhuma utilidade, 200 milhões de bestas, uma população maior do que a população humana dos Estados Unidos! Para os muçulmanos essa adoração pelas vacas era repugnante. Durante o governo inglês a relação entre os dois grupos era enormemente frágil. Um muçulmano de 41 anos, no ano de 1933, propôs a divisão desses povos. Seria a noroeste, onde eram predominantes. Ramaht Ali ponderou o nome de Paquistão, terra dos puros, para a nova região. Em Calcutá ocorreu uma rebelião por tal parecer. Turbas de muçulmanos atacaram e foram repelidos pelos hindus, sangrentamente. Nunca na história de Calcutá, houve 24 horas tão selvagens. Esse grande assassinato mudou a história da Índia!
Londres, janeiro de 1947
Louis Mountbatten julga que uma intervenção na Índia seria muito perigosa, pois não havia meios para um acordo pacífico. O rei e o primeiro ministro, todavia, insistiam em sua atuação como mediador. George VI seria lembrado como o monarca que reinara sobre o desmembramento da Índia, sem nunca ter posto os pés nesse fabuloso país. Attlee pertencia ao Partido dos Trabalhadores e não desejava que a Índia ficasse sob a Commonwealth, como ansiava o rei. De 1943 a 1945, Louis desempenhara um papel crucial durante a Segunda Guerra Mundial. A família dele e a do rei eram de origens alemãs e, na Primeira Guerra Mundial, foram obrigadas a mudar o sobrenome. Mountbatten era um homem brilhante - intelectual, filósofo e vigoroso, contudo precisaria de toda sua força para a nova investida, a divisão da Índia.
Noakhali
Em cada vila, Gandhi tinha a mesma rotina de pobreza e obstinação. Procurar abrigo em alguma mesquita e viver do que lhe fosse oferecido. Mas o tempo era uma obsessão para esse grande personagem. Cada minuto era uma dádiva de Deus e deveria ser usado a serviço do homem. Gandhi desejava a paz para a Índia, assim espalhava suas palavras pelos vilarejos e vilas e tinha idéias próprias para reorganizar seu país, bem diferentes das inglesas. Acreditava no valor do ato concreto. Gandhi tornar-se-ia o maior líder espiritual daquele país e, curiosamente, não pertencia à casta dos Brâmanes, mas era de uma posição inferior, os Vaisyas. Seu pai era um diwan em Kathiawar. Sua mãe era profunda devota e afeiçoada a jejuns. Como era de costume, casou-se aos 13 anos e aos 18, após a morte de seu pai, foi enviado para a Inglaterra, a fim de estudar Direito. Foi o primeiro membro de sua família a viajar para o exterior. Em Londres, sentiu-se extremamente infeliz devido à sua timidez excessiva. Além do mais era pequeno, esquálido e moreno. Não conseguindo articular uma sentença sequer, resolve tornar-se um gentleman inglês. Mudando de atitude começa pelo guarda-roupa requintado, tendo um tutor francês e contratando aulas de oratória. Nada disso funcionou, pois era pressionado por seu extremo acanhamento. Após se graduar como barrista em direito, voltou correndo para a Índia. Sua família frustrada manda-o para a África do Sul, para resolver problemas legais de um parente. Nessa terra hostil, Gandhi encontra os princípios filosóficos que mudariam sua vida e a história da Índia. A mudança desse homem deu-se uma semana após sua chegada. Viajando na primeira classe de um trem para Pretoria, um homem branco exige que ele e suas bagagens sejam retirados do trem. Esse foi o primeiro confronto brutal com o preconceito racial que sofreria. Deixado ao relento de madrugada, reflete solitário, sobre o acontecido e decide mudar e aprender a dizer não. Os indianos da África do Sul deveriam se unir e se opor na língua do opressor: o inglês. Uma semana mais tarde, em seu primeiro discurso aos indianos de Pretoria, convocou-os para várias decisões. Gandhi faz um voto: iria renunciar a todos os bens materiais e viver sua vida de acordo com os ideais de Ruskin . Essa decisão fora importantíssima, pois era um homem rico e conhecido na África do Sul. Ele trouxe sua família e a instalou com um grupo de amigos em uma fazenda de cem acres, perto de Phoenix, a 14 milhas de Durban. Aí formou uma comuna na qual todo trabalho tinha o mesmo valor. Em 1906 comunicou à sua esposa que havia tomado o voto de Brahmacharya . Ele tinha então 37 anos e se tornaria famoso pela desobediência civil e política da não violência. Segundo ele, a violência brutaliza o violento e amargura suas vítimas. Em 1906 o governo editou uma lei que obrigava os indianos a portarem um cartão especial de identidade. Gandhi protestou contra isso e juntamente com uma legião de indianos do local fizeram um ato silencioso de não violência. Isso desencadeou a primeira de suas muitas prisões. Foi inspirado pelos trabalhos maravilhosos de Henry Thoreau sobre a Desobediência Civil. Sua bem sucedida cruzada na África terminou em 1914 e, tornando-se outro homem, volta à Índia. A partir de 1920 Gandhi foi a consciência de seu Congresso e seu líder na luta pela independência. Sua nova tática era pedir aos indianos que boicotassem tudo que fosse inglês: emprego, escolas, leis, soldados e honrarias. Queria enfraquecer a economia do conquistador. O forte da economia era o algodão e cada um deveria produzir seu tecido em casa. Ensinou-os a usar latrinas, ao invés do campo aberto e a higiene passa a ser o fator mais importante para a saúde. O tecer tornou-se quase uma cerimônia religiosa. O produto do tear foi o símbolo do movimento. Falando seis vezes por dia em todas as remotas vilas da Índia, influenciou milhões de indianos. Isso reforçou a brutalidade inglesa e em 1922 escreveu ao Vice Rei advertindo que intensificaria sua campanha. Milhares o seguiriam e milhares iriam para a cadeia. Gandhi sentiu que muitos não compreendiam o significado da não violência. Em 1930, esperando novamente sua voz interior, resolveu seguir rumo às praias, com uma comitiva que se tornava a cada dia maior. Sua morosidade era enervante aos ingleses, que não sabiam o que poderia ocorrer. Depois de muitas milhas, ao chegar à praia, pega cristais de sal doados pela natureza, que deveria ser comprado dos ingleses, com taxas. Incita a todos que repitam esse ato. Assim o sal torna-se outro símbolo da liberdade. Isso causou um verdadeiro turbilhão no país.
Londres, 1947
A Inglaterra impunha a presença da elite do cristão branco em mais de um terço dos habitantes da terra. Churchill, apesar do enorme império que corria o mundo, tinha um enorme e violento amor pela Índia. Ele acreditava na mão firme e paternalista sobre aquele país, onde havia passado anos de sua juventude. Quando o novo Primeiro Ministro declarou a decisão de libertar a Índia até junho de 1948, Churchill lamentou profundamente.
Churchill havia chamado Gandhi de faquir seminu. Porém as conseqüências de sua Marcha do Sal haviam sido tão perturbadoras, que o vice-rei, Lord Irwin, resolvera recebê-lo em seus trajes típicos para que pudessem discutir sobre política. Em oito encontros decidiram o pacto Gandhi-Irwin. Os indianos seriam soltos e Gandhi iria à Londres debater o futuro da Índia. Seis meses depois, ele entra no palácio de Buckingham para tomar chá com o Rei-Imperador, usando sandálias e envolto em um chalé de algodão branco! A mesa-redonda foi um fracasso. A Inglaterra estava imatura para libertar a Índia, mas a semente havia sido plantada. A atenção do mundo voltara-se para esse assunto e a figura carismática de seu líder. Apesar do seu sucesso pela Europa havia regressado de mãos vazias. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, esse homem está mais do que convicto das estratégias da não violência. Os seguidores de Gandhi estavam ansiosos para tomarem parte na batalha, como homens livres. Gandhi e seus discípulos estavam em lados opostos, mais uma vez. Churchill era contra essa participação. Somente em 1942, quando a Índia estava sobre forte pressão japonesa que o Primeiro Ministro enviou uma proposta para Nova Deli. Gandhi recusou qualquer ajuda que determinaria mais dependência da Inglaterra. Isso causou mais uma prisão. Ao todo ele ficou 2.338 dias na cadeia, entre Índia e África do Sul. Depois desse encarceramento, permaneceu 21 dias em jejum, porém, no meio dele, ficou tão mal que prepararam seu funeral. Todos estavam prontos para sua morte, menos esse alquebrado homem de setenta e quatro anos. Sobreviveu. Em 1944, a mulher que havia desposado morreu em seu colo, sem que pudesse ter feito qualquer coisa. Isso repercutiu em sentimento de culpa e sua combalida saúde deteriorou-se ainda mais. Churchill resolveu soltá-lo para que não morresse em uma prisão britânica. Gradualmente, foi recuperando-se.
Aeroporto de Northolt, Inglaterra, 1947
Charles Smith coloca em um avião os pertences dos Mountbattens, assim como inúmeros documentos e papéis relacionados à libertação da Índia, que deveria ser federativa com um governo central fraco. Eles partiram, mas Mountbatten não queria ir para a Índia e a Índia não o queria.

Haimchar, Noakhali
Gandhi continuou em sua marcha para diminuir o sofrimento dos indianos. Todavia um drama pessoal o acompanhou durante todo o tempo. Esse drama produziu a mais grava crise pessoal de sua vida. Gandhi havia lutado por quarenta anos para sublimá-lo e controlá-lo: o sexo. O foco de seu sofrimento era sua sobrinha neta, Manu. Ele havia jurado o voto de castidade, mas quando Manu confessa-lhe que não tinha nenhum desejo sexual, resolve envolve-la em grandes experimentos. Dormiriam juntos e se nenhum dos dois sentisse qualquer emoção sexual, poderiam formar um par perfeito. Gandhi acreditava que os órgãos sexuais de um verdadeiro Brahmachari eram meros símbolos de seu sexo. Trinta anos de disciplina foram necessários para que ele se considerasse casto. Um boato, espalhado pela Liga Mulçumana, de que ele era massageado e cuidado pela sobrinha neta, e isso era verdade, se espalhou e a crise atingiu seu clímax em Haimchar, a última parada de peregrinação de Gandhi. Pediram que não prosseguisse para a ortodoxa comunidade de Bihar, mas ele não acatou a decisão. Foi Manu quem se submeteu a ficar para trás, a fim de que ele pudesse concluir sua missão.
Em seu imaculado uniforme branco, Mountbatten parecia uma estrela de cinema. E assim foi conduzido pelo vice-rei, Lorde Wavell, ao seu escritório. Esse homem declarou-lhe que o trabalho dele seria impossível, pois haviam chegado a um impasse impossível de ser resolvido. O palácio de Nova Deli era tão pomposo como um Versailles, em uma região paupérrima como a Índia, abarrotada de pessoas famintas. Louis Mountbatten seria o vigésimo e último representante de uma dinastia prestigiosa. Edwina Mountbatten, como seu marido, era dotada de muita beleza. Além do mais, era herdeira de grande fortuna vinda do avô de sua mãe. Era tímida e se ofendia facilmente. Estava constantemente preocupada e não conseguia dormir sem comprimidos. Contudo era uma reformista social, preocupada com os pobres e desvalidos. Os indianos iriam aprender a gostar de seus sentimentos e sinceridade. Em março de 1947 o casal foi reconhecido como vice-reis. Direto e simples, dirigi-se aos indianos pedindo ajuda e boa vontade. Decidira ter um governo bem diferente de seu antecessor. A operação Casa de Loucos seria substituída pela operação de Sedução. Queria ser acolhido pelos líderes indianos e pelas massas. Ele possuía uma capacidade obsessiva pelo trabalho. Mudou a intensa segurança pelos passeios sozinhos com sua mulher, acenando para o povo. Foi visitar, sem cortejo algum, a casa de um indiano, Jawaharlal Nehru. Ordenou que as portas do palácio estivessem sempre abertas para os indianos. Sua mulher mudou a rotina dos banquetes, oferecendo aos convidados a comida indiana vegetariana, que poderiam comer com seus dedos, se assim o quisessem! O The New York Times noticiou que nenhum outro vice-rei havia conquistado tanta confiança e respeito do povo indiano como Mountbatten. Conflitos sangrentos, os mais variados, seguiram-se logo após sua chegada. A liga Hindu-Muçulmana era em verdade uma assembléia de inimigos. Louis deduziu que a data de junho, 1949, seria longa demais. Teria de agir em semanas, pois a guerra-civil já estava à sua porta.
Nova Delhi, abril de 1947
O destino da Índia não seria decidido em mesas de conferências, mas sim em conversações privadas. Participariam delas Mountbatten e mais quatro líderes indianos. Ele desejava que os líderes concordassem com alguma forma de unidade. O primeiro a chegar foi Nehru, que era uma figura tão impressionante quanto à do novo vice-rei. Era o único líder que ele já conhecia. Seu charme, graça e humor rápido lhe eram bem conhecidos. Nehru era Brâmane e fora enviado à Inglaterra, aos dezesseis anos, para completar sua educação, Lá ficara por sete anos e voltara um homem quase inglês. Contudo também sofrera descriminação racial por parte desse povo, como Gandhi. Ao tentar entrar como membro do Clube Inglês, fora barrado pela cor de sua pele. Sua postura política e social lhe valeu nove anos de prisão inglesa: a melhor escola de treinamento político do mundo, naquela época. Seus maiores sonhos eram o parlamentarismo democrático da Inglaterra e o socialismo econômico de Karl Marx. Sonhava com uma Índia livre e produtiva. Era um racionalista frio e declarava-se agnóstico. Apesar disso, o místico povo indiano o aclamava, pois era um esplêndido orador e escritor. Para Nehru, Gandhi era um gênio e de certo modo foi seu guru. Entre eles havia um forte sentimento pai e filho. Ele também admirava Mountbatten e ao discutirem o destino do país concordaram em dois pontos importantes: uma decisão rápida era importante para evitar um banho de sangue; e a divisão da Índia seria uma tragédia. Teria de convencer os outros líderes a manter a Índia unida, caso contrário teria de dividi-la, como queriam os muçulmanos.
Novamente Mountbatten e Gandhi discutem sobre o assunto. O vice-rei havia lhe proposto buscá-lo de avião, mas ele rejeitou e foi como sempre viajava: de trem na terceira classe, perto de seu povo. Mountbatten e sua mulher perceberam que ele estava profundamente infeliz. Haviam roubado seu velho relógio de pulso, mas não era o objeto que interessava, mas o ato de infidelidade cometido. O vice-rei, querendo saber melhor quem era esse líder, pede para que lhe fale sobre si. Encantado começa a narrar sua vida e seus episódios mais relevantes. Falou por duas horas. Novamente mostrara-se uma pessoa difícil de negociar, pois a verdade era-lhe absoluta e ao mesmo tempo relativa. Um de seus discípulos, uma vez lhe dissera: “Gandhiji, não compreendo você. Como pode dizer uma coisa a semana passada e outra totalmente diferente esta semana.” – “Ah,” Gandhi respondeu “porque eu aprendi muito desde a semana passada.” (de todas as suas citações essa é a que mais gosto!) Gandhi havia reiterado que a divisão da Índia só se daria sobre seu corpo morto. Quais alternativas restariam, pergunta-lhe Mountbatten. Sua solução era absurda: “Coloque trezentos milhões de hindus sob as regras dos muçulmanos, pedindo a seu rival Jinnah e à sua Liga Muçulmana para formar um governo. Então tenha poder sobre esse governo. Dê a Jinnah toda a Índia, ao invés de parte dela, como ele quer.” Essa foi sua proposta. Louis pediu-lhe uma segurança formal sobre isso e iria estudá-la.
“Porque esse homem está me intimidando?”, pergunta-se Louis sem acreditar no fato. Seu visitante parecia mais um senador romano do que um político indiano. Vallabhbhai Patel era um chefe oriental de mão firme e implacável. Era prático e pragmático, mas um negociador realista. Não tinha emoções. Sua casa era empilhada de livros e era um advogado famosíssimo. Tinha conseguido sua fama, através de muito sacrifício, pois sua família era pobre e ele estudara na Inglaterra com seus próprios meios financeiros. Ao voltar vitorioso, procurara Gandhi e oferecera-lhe seus serviços, tornado-se o segundo homem mais importante na Índia junto com Nehru. Louis rasga suas exigências, porquanto eram impossíveis de serem realizadas. Mountbatten mostrou-se mais forte nessa pendência.
Os intocáveis eram um sexto da população indiana e Gandhi fez da causa desses desfavorecidos a sua própria causa! Tentava fazer com que a população tivesse consciência de sua miséria e das injustiças que lhes eram impostas. Ele havia estado errado quando, poucos dias antes, assegurara com firmeza que o Partido do Congresso estava preparado para fazer qualquer coisa que evitasse a separação. Seu povo desaprovara dar o poder para Jinnah, pois para tudo haveria um limite. Assim, Gandhi vê-se perdendo sua causa. O vice-rei encontrara-se com Jinnah e o desdenhou imediatamente, acreditando que ao vê-lo pela primeira vez percebeu que não haveria outra solução, a não ser a divisão do país. Quando começou a falar, Louis interrompeu-o e, como fizera com Gandhi, pediu-lhe para que falasse sobre ele. Jinnah congelou diante dessa idéia. Durante duas horas foram uma série de monossílabos e frieza.
Jinnah era um brilhante advogado, formado em Londres, e tendo obtido grande sucesso profissional decidiu virar político. No início, postulava a união de hindus e muçulmanos. Rahmat Ali gostaria que esse homem liderasse um movimento para a formação do Paquistão, mas ele refutou dizendo ser um sonho impossível. Por uma década trabalhou para manter hindus e muçulmanos do Congresso unidos em confronto com os Britânicos. Ele dizia que a desobediência civil era para os iletrados. Em 1937 tornou-se líder das massas muçulmanas na Índia. Todavia ele bebia, comia porco, barbeava-se diariamente e evitava qualquer mesquita. Esse homem desprezava as massas indianas que comandava. Ele se revelava em pompa, mas sua vida era um modelo de disciplina e ordem. Suas únicas leituras eram livros de lei e jornais do mundo inteiro. Entre os muçulmanos não tinha amigos e vivia somente para seu sonho do Paquistão. Parecia um homem forte, mas na verdade era muito frágil e doente. Mountbatten e Jinnah mantiveram, em abril de 1947, seis encontros bastante críticos. O carismático líder inglês não estava conseguindo nada com esse personagem frio e resoluto, que só pensava em criar seu novo estado e nada o demoveria dessa idéia. Só em um ponto concordavam: a pressa na resolução. Ele insistia que os muçulmanos da Índia eram uma nação distinta com cultura, língua, literatura, códigos e arte próprios. Para ele essa divisão proposta era um curso natural de eventos. Mountbatten ficara chocado com sua rigidez e obstinação. Para ele Jinnah era um psicótico. Louis aspirava à união da Índia, mas não decaindo em caos e violência. Ele teria de se reunir com Nehru e Patel e convencê-los do novo princípio, pois a Operação Sedução estava fracassando. Essa decisão conduziu a um dos maiores dramas da História Moderna. Punjah e Bengala teriam de ser divididas aos pedaços e o resultado seria uma aberração geográfica de duas cabeças separadas por 1500 quilômetros desde os picos das montanhas do Himalaia, tudo isso território puramente indiano. Além da distância geográfica, a distância psicológica entre os povos também seria inacreditável. Além da mesma fé em Alá, esses dois povos não tinham mais nada em comum. Os bengaleses eram baixos, escuros e ágeis; sua raça era parte da massa da Ásia. Os punjabis, com trinta séculos de conquistas, eram descendentes das estepes da Ásia Central, com traços arianos da Rússia, Pérsia, Turquia e desertos da Arábia. Nada, definitivamente, os ligava. Punjab era a jóia da coroa da Índia. O país da fortuna e dos Cinco Rios. Por séculos, suas águas foram a passagem para a Índia. Krishna e o guerreiro, rei Ariuna, pertenciam a esses lugares. Quinze milhões de Hindus, dezesseis milhões de Muçulmanos e cinco milhões de Sikhs, com seus turbantes coloridos enrolados sobre os longos cabelos, dividiam a mesma vizinhança, com suas 17.932 cidades e vilas! Eles tinham a mesma língua e mesmo orgulho em suas personalidades. Os ingleses haviam construído uma imensa malha de irrigação que elevou o nível econômico do local. Havia, igualmente, uma enorme rede de trens. Essa separação seria uma terrível herança para os povos da Índia. A divisão de Bengala seria outra tragédia. Ela possuía trinta e cinco milhões de Muçulmanos e trinta milhões de Hindus espalhadas por uma área maior do que alguns países europeus. Suas raízes históricas vinham da era pré-cristã, quando o Budismo floresceu em Bengala. Bengala tinha duas partes religiosas: muçulmanos ao leste e hindus ao oeste. Ela era a segunda cidade do império Inglês, atrás somente de Londres. Ainda era o primeiro porto da Ásia – Calcutá – local do terrível massacre de agosto de 1946. O governador de Bengala previra que, com a divisão, Bangladesh tornar-se-ia a maior favela rural da História! O Paquistão de Jinnah estava fadado a destruir os habitantes da Índia.
Jinnah estava condenado à morte por seus pulmões. Isso era mantido como o maior segredo da Índia, tinha tuberculose em fase terminal. As radiografias ficavam escondidas no cofre do Dr. Patel, seu médico. Ficara doente aos setenta anos. Jinnah deveria estar internado em um sanatório, mas com seu prestígio e poder estava negociando livremente seu sonho. Ocorre que, se seus adversários políticos tivessem descoberto o segredo, o destino da Índia teria sido outro. A palavra velocidade nas negociações para ele significava concretizar seu desejo, o mais rápido possível antes de sua morte.
Dos doze homens sentados a mesa de negociações do palácio de Mountbatten, somente dois eram indianos. Louis era o mais jovem dentre esses governadores ingleses da Índia, todos riquíssimos e poderosos. Ele começa pedindo para que cada um deles descreva a situação em sua província. Oito relataram perigo e áreas com problemas, mas ainda sob algum controle. Sir Olaf Caroe falou primeiro e aconselhou que, se não fossem cautelosos, teriam, em mãos, uma crise internacional. Mountbatten distribuiu entre eles o rascunho do Plano Balkan de separação, efetuado por Lord Ismay, seu Chefe de Estado. Em choque, observaram o documento, pois eles eram os apóstolos e arquitetos da unidade indiana. A maioria passara sua vida dedicada ao reforço de alianças na Índia. O vice-rei queria que o mundo soubesse que a Inglaterra tinha feito todo o esforço possível para manter a Índia unida. Esses governadores não tinham nada a propor-lhe e não viam possibilidade de paz! Esse banquete seria o último servido na colônia inglesa.
Mountbatten resolvera suspender temporariamente as conversações e dirigia-se para Peshawar, a capital da Província da Fronteira Noroeste. Uma multidão incalculável de muçulmanos o esperava, chamados pelos líderes da Liga Muçulmana. Eles haviam se virado contra Ghaffar Khan, Gandhi e o governo, instigados pelos agentes de Jinnah. Essa imensa população cumprimentava Mountbatten, sua esposa e sua filha de 17 anos, Pamela. Isso provava que o suporte da província pertencia à Liga Muçulmana e não mais a Gandhi. Foi sugerido que se apresentassem diante da multidão, a fim de acalmá-los. Diante desse mar de turbantes, o casal real, no primeiro momento, sentiu-se totalmente atordoado com tal visão surrealista de gente, pó, sujeira e calor. Era um instante decisivo na Operação Sedução. Nesse cenário havia quarenta mil rifles! Contudo, por uma feliz coincidência, o vice-rei usava uma camisa de manga curta na cor verde. Essa era a cor do Islã e isso foi tomando como um gesto de solidariedade para com a grande religião. Ao mesmo tempo sua esposa acenava para eles. A multidão acalmou-se imediatamente. “Mountbatten Zindabad!” (Longa vida a Mountbatten) gritava a multidão. Quarenta e oito horas depois, eles aterrissavam em Punjab. Sir Evan Jenkins conduziu o par para uma pequena vila, onde “tiveram seu primeiro contato com os horrores que varriam a Índia na cruel primavera de 1947.” Por séculos o lugar havia sido habitado em paz por 2.000 Hindus e Sikhs e 1.500 Muçulmanos. Todos os Sikhis e Hindus haviam sido mortos ou fugido aterrorizados, durante a madrugada. Uma horda de muçulmanos havia descido como lobos, incendiando as casas de hindus e sikhs. Ao confrontar-se com esse problema, avalia a necessidade imperativa de pressa em uma resolução e a única seria separação. Gandhi seguia com grande pesar o debate do alto comando do seu partido. Todo seu sofrimento havia sido em vão. Ele desejara um novo rosto para a Índia, através da não-violência. Isso seria um massacre. Gerações de indianos por vir pagariam o preço do erro que iriam cometer. Mas, infelizmente, Gandhi não tinha uma nova proposta, nem Mountbatten, Nehru e Patel. Uma catástrofe cairia sobre a Índia. Nehru seria o porta voz da decisão sobre a divisão, desde que as grandes províncias de Punjab e Bengala fossem divididas. Ele também estava contrário a decisão de seu guru. Em 2 de maio de 1947, Lord Ismay levava o documento sobre a divisão da Índia, para aprovação de Sua Majestade. Ocorre que Mountbatten ignorava o principal fato que poderia ter mudado esse destino: a doença do ardiloso e cruel Jinnah.
Exausto o vice-rei parte para Simla, uma cidadezinha no Himalaia, formada pelos ingleses, no teto do mundo. Louis recebe uma enxurrada de telegramas de Attlee. Se seus planos fossem aceitos a Índia seria dividida em três nações independentes e não duas. Mountbatten havia inserido em seu plano uma cláusula que permitiria a 65 milhões de hindus e muçulmanos de Bengala juntar-se em um país viável, com o grande porto marítimo de Calcutá como sua capital. Entretanto não havia discutido com Nehru e Patel. Eles aceitariam o plano que poderia custar-lhes o grande porto de Calcutá? Se não, iria testemunhar o grande tolo que fora, aos olhos da Índia e do mundo. Para sua segurança, convidara Nehru e sua mulher, com o intuito de discutirem tal posição. Seu staff fica horrorizado ao saber que Nehru seria informado antes mesmo do que Jinnah. Se este ficasse sabendo, sua posição seria destruída. Nehru, ao ver o plano concebido, fica atônito ao prever a Índia destroçada e privada de seu principal porto, com moinhos, fábricas e aciarias. Sua amada Kashmir, um estado independente, governada por um déspota muçulmano. O plano tornaria o país em um aglomerado de estados hostis. Furioso pronunciou: “Acabou!”
O plano era um desastre e não agradaria ao principal elemento, o Partido do Congresso. Felizmente para o vice-rei isso não afetaria sua amizade com Nehru. O vice-rei seria obrigado a redesenhar um plano revisado que apresentaria somente uma escolha – Índia ou Paquistão. Uma Bengala independente estava fora de questão. Menon, um indiano, foi informado que antes do cair da noite, teria de refazer o mapa que daria à Índia sua independência. Essa composição seria feita em apenas seis horas. Os elementos essenciais deveriam ficar como estavam.
Nesse ínterim, Manu, a sobrinha neta de Gandhi, adoece gravemente com crise de apendicite. Mesmo sendo seguidor da medicina natural, ao ver seu estado e contra sua vontade, resolve levá-la a um hospital para ser operada.
Sob a Inglaterra havia duas Índias: uma Índia com suas províncias, administrada pelo governo central em Delhi, e a outra Índia separada com seus 565 príncipes. Um homem inglês, Sir Corfield, e não um marajá estava em Londres, fazendo um apelo desesperado a favor dos príncipes indianos e seus reinados. Ele odiava Nehru e o Congresso. Era Secretário Político do vice-rei, que tivera pouco tempo para falar com ele e os príncipes. Uma Índia independente iria ameaçar com balcanização em uma escala que nem mesmo Nehru havia contemplado, em Simla.
“Uma vez, parecera para o famoso Rudyard Kipling , que a Providência havia criado os marajás somente para oferecer à humanidade um espetáculo, uma visão estonteante de palácios de mármores, tigres, elefantes e jóias.” Eram príncipes excêntricos e riquíssimos que só se importavam com seu próprio bem estar, sem se preocupar com os famintos súditos.

Em maio de 1947, Mountbatten dirige-se ao número 10 da Downing Street, a fim de apresentar seu novo plano que tivera o aval de Nehru, Patel e a garantia de seu Congresso. Apesar da importância da visita com o primeiro ministro, Louis estava seguro de seu sucesso. O plano havia sido aceito também por Jinnah com o consentimento de ficarem vinculados a Commonwealth britânica, como nação livre. O mais importante agora era a presteza na realização. Attlee e os membros de seu partido aceitaram as sugestões de maneira plena. Mountbatten e Churchill tinham, através dos anos, se tornado bons amigos. Ele o chamara para discutirem o desmembramento do império, para horror de Churchill que o amava tanto. O ex-primeiro ministro tinha certeza de que os indianos jamais seriam capazes de comandar a si mesmos. Precisava ser convencido da divisão do país, pois com a maioria na Casa dos Lordes poderia atrasar os eventos, caso não concordasse. Queria saber se havia algum documento escrito e assinado sobre o fato. Sim, havia uma carta de Nehru. E sobre seu velho inimigo, Gandhi? Louis admite que ele, realmente, seja imprevisível! Era um grave perigo em potencial. Finalmente Churchill declara que se o vice-rei tivesse uma resposta formal em que todos os partidos indianos concordariam com o plano, então, ele aceitaria. O Partido Conservador estaria de acordo.
Em Nova Delhi, princípio de junho, pilhas de papéis e documentos estavam sendo queimados como piras funerárias. Isso era observado pelos burocratas britânicos, pois se tratavam de crônicas e escândalos proporcionados pelos marajás indianos que poderiam se tornar fonte de chantagem, como já havia ocorrido. Alertado sobre o ocorrido Nehru protestou, pois esses documentos, a seus olhos, eram parte importante do patrimônio indiano. Era tarde demais. As atitudes desses marajás eram uma ofensa à puritana Inglaterra. Em seguida, Mountbatten chega à Índia com todos os documentos necessários à libertação.
No palácio do vice-rei, cada personalidade tomou seu assento ao redor da mesa circular. Nehru, Patel, Acharya Kripalani, e os muçulmanos Jinnah, Liaquat Ali Khan e Rab Nishtar. Baldev Singh era o porta voz de seis milhões de pessoas, os Sikhs. Estavam, também, Lord Ismay e Sir Eric Mieville, além do vice-rei. Mountbatten decidiu, para maior segurança, que ele falaria. Após um breve resumo, referiu-se ao status de domínio, cláusula de Winston Churchill, mas isso não significaria interferência direta dos britânicos, a não ser que fosse extremamente necessário. Pediu apenas um voto de boa vontade e espírito pacífico para que não houvesse um banho de sangue. Os três partidos: Liga Muçulmana, Congresso e os Sikhs deveriam dar uma resposta até meia-noite.
Contudo, um pesadelo pairava no ar, o imprevisível Gandhi. Louis esperava neutralizá-lo nessa hora vital. Gandhi era o Partido! Poderia galvanizar as massas facilmente. Ele já havia ameaçado que poderiam queimar a Índia, mas não dariam nada ao Paquistão. Essa “velha alma” entrou no escritório do vice-rei exatamente as doze e trinta desse dia. Gandhi escreveu em um pedaço de envelope velho, que recortava como papel de apontamentos, e escreveu que era seu dia de silêncio, mas falaria mais tarde. Depois disso, partiu.
Mountbatten estava tendo problemas com Jinnah, que queria uma semana para reunir seus homens. Não. Esta foi a resposta que ouviu. O vice-rei queria apenas um consentimento de sua cabeça e nenhuma palavra, caso contrário tudo ruiria.
O encontro ocorreu na hora exata. Os dois partidos haviam concordado, faltava apenas Jinnah, que pressionado faz um mínimo gesto de concordância. Assim a nação de quarenta e cinco milhões de habitantes recebia a sentença final. Finalmente o sonho impossível do Paquistão seria realizado. Mountbatten com um maço de papéis em mãos lê: “As Consequências Administrativas da Partilha.” Cada um dos membros havia recebido o mesmo documento. Nenhum dos sete homens estava preparado para o que iriam ler. Tudo o que pertencera por séculos a essas pessoas, desde um livro na biblioteca, até grandes instituições e terras seria dividido. “Um silêncio atordoador preencheu a sala quando os sete homens, pela primeira vez, mesuraram o que estava diante deles.” Isso fora deliberadamente concebido por Mountbatten para não deixá-los capazes de se rebelarem.
Gandhi apenas lhes desejava sabedoria.
Depois das dezenove horas, em Nova Delhi nos estúdios da ALL INDIA RADIO, os principais líderes começaram a dar as novas notícias ao povo indiano. O primeiro a falar foi Louis Mountbatten, seguido pelo triste Nehru. Jinnah foi o seguinte, com um discurso incompreensível.
No outro dia, Gandhi anunciou que estava fora da liderança do Congresso, sendo assim convidado para discutir com o vice-rei. Seu estado de ânimo era péssimo, mas Mountbatten fez o que pode para acalmar esse pássaro ferido. Cada província deveria votar se queria ligar-se ao Paquistão ou Índia. Gandhi urgiu que os britânicos deveriam partir o mais rápido possível! Apesar de todo o charme e persuasão do vice-rei, Gandhi continuava se opondo à divisão. Aos setenta e oito anos, esse homem estava, pela primeira vez, incerto com o resultado de reunir as massas indianas. Ele foi assolado pela dúvida. Louis foi salvo pelo horário de orações de Gandhi, que nunca poderiam ser atrasadas. Gandhi silenciou e um dia os indianos pagariam o preço de seu silêncio com rancor.
“Mountbatten revelou à opinião mundial e aos indianos os detalhes de um dos mais importantes certificados de nascimento na história.” Era a independência total de um quinto da humanidade. Trezentos jornalistas mundiais misturados com a imprensa indiana seguiram com notável atenção suas palavras. Para o vice-rei era a apoteose de um trabalho incomparável, feito em dois meses. Ocorre que, dentre as perguntas e respostas, uma voz anônima faz uma pergunta vital. Qual seria a data para esse ato tão importante como a transferência de poder. Um número de rápidos cálculos passou por sua cabeça e finalmente chega à conclusão: 15 de agosto de 1947. Era o segundo aniversário da capitulação japonesa.
Essa decisão tão espontânea do vice-rei foi uma bomba! Em Londres a notícia foi chocante, pois o próprio Attlee não imaginaria uma data tão próxima e precipitada. Mountbatten havia cometido um erro imperdoável ao anunciar a data “sem antes consultar o mais poderoso corpo oculto da Índia, os astrólogos!” Milhões de indianos não faziam nada por mais trivial que fosse sem antes consultar previamente seu astrólogo. Essa data seria uma sexta-feira, dia não auspicioso, assim como o domingo. Era um dia tão desanimador, que “levaria a Índia para a danação eterna.” Para o famoso astrólogo Swami Madananad a data seria uma catástrofe para o país. Esse jovem homem apesar de seu treinamento de disciplina física e espiritual adquirida através e anos de prática yoga e meditação perdeu o controle sobre si mesmo e escreveu para Mountbatten adiar a data, mesmo continuando sob domínio britânico, pois a Índia nasceria no dia amaldiçoado pelas estrelas.
Restavam apenas setenta e três dias para a separação. Mountbatten e seus assessores contavam os dias em um calendário. Finalmente essa gigantesca tarefa recairia sobre os ombros de dois advogados: um Hindu, H.M.Patel e outro muçulmano, Chaudhuri Mohammed Ali. E por ironia essa tarefa foi feita na língua dos colonizadores: o INGLÊS. O Débito que herdariam era de cinco bilhões de dólares, para o povo que havia sido explorado e colonizado! A divisão mostrava-se muitíssimo complexa e cheia de dificuldades e empecilhos. Houve argumentos, barganhas e lutas. Coisas inacreditáveis como quem deveria pagar a pensão das viúvas de marinheiros perdidos no oceano era uma delas. Dicionários eram partidos ao meio! Além dos burocratas havia os extremistas com seus clamores. Contudo, a divisão mais dolorosa foi a de um milhão e duzentos mil Sikhs, Muçulmanos e Ingleses do orgulhoso Exército Indiano. “Ele havia hipnotizado o ideal vitoriano da Índia melhor que qualquer outra coisa,” Esses soldados sabiam melhor do que ninguém suportar a fome e agonia. Haviam lutado com distinção na Segunda Guerra Mundial. Agora, entretanto, deveriam escolher se ficariam com a Índia ou com o Paquistão. Jinnah não os queria em sua Armada, portanto escolheram servir a Índia.
Sir Cyrill Radcliffe, filho de um esportista rico e que seguia a lei com absoluta paixão, era uma dos mais brilhantes e talentosos barristas na Inglaterra. A esse homem recaiu a incumbência da divisão das linhas fronteiriças de Bengala e Punjab. Ele não conhecia nada do lugar e nunca havia posto um pé no subcontinente! Nehru e Jinnah, convencidos que seriam incapazes de tal missão, concordaram que Cyrill fizesse sua escolha. Essa sua ignorância sobre a Índia o fazia o candidato ideal, explicou-lhe Mountbatten.
Desta vez a missão do vice-rei era dialogar com dos 565 membros de sua Alteza Ydavindra Singhs, os marajás e nawabs da Índia. Esses príncipes possuíam exércitos privados e forças aéreas. Tinham sido representados por Sir Conrad Corfield, quando de sua ida secreta à Londres. O melhor que se poderia fazer por eles era protegê-los de si mesmos. Mountbatten queria que abandonassem seus pedidos e se juntassem até 15 de agosto à Índia.
Nehru, formalmente, pediu ao vice-rei que se tornasse o primeiro Governador Geral do país. Jinnah, orgulhoso, queria ser o primeiro Governador Geral de seu país, Paquistão. Disse: “Serei Governador Geral e o Primeiro Ministro fará o que eu disser.”
Attlee, Churchill e o Rei, urgiram Mountbatten a aceitar o cargo, mas Gandhi havia sugerido “uma doce menina, de coração forte, incorruptível e de cristalina pureza.” Contudo, Louis era fascinado por Gandhi. Assim, Gandhi pediu-lhe que aceitasse essa oferta. Isso foi “um imenso tributo pessoal para Mountbatten.” Para tanto teria de se mudar do palácio e viver em uma casa humilde e sem empregados. O palácio se tornaria um hospital. O velho homem estava “tentando transformá-lo no primeiro Socialista da Índia!” Cyrill Radcliff esperava que seu trabalho fosse feito em tempo suficiente para que ficasse bem executado. No entanto, o vice-rei explicou-lhe que era imperativo que sua decisão estivesse pronta até 15 de agosto! Essa pressa ocasionaria erros e falhas graves que arruinariam as fronteiras indianas. Ele não se convenceu e falou com Nehru e Jinnah que também concordaram com a urgência.
Punjab julho de 1947
Nunca a Índia, como nesse ano, havia sido tão beneficiada pela natureza, os campos repletos de alimentos e água. Lahore era a capital e coração de Punjab. Uma belíssima cidade “mais cosmopolita do que Delhi, mais aristocrática do que Bombay e mais velha do que Calcutta. Era a mais bonita da Índia, a Paris do Oriente. Durante recepções, jantares e bailes, toda a comunidade misturava-se sem discriminação de raça ou credo. Era uma cidade tolerante. Um sonho que se acabou em julho de 1947. Uma campanha de tumultos orquestrados havia forçado o governo de coalizão governamental, que tinha governado a província por uma década, a renunciar. A violência que se seguiu fez com que Sir Evan Jenkins tomasse a administração em suas mãos. Sir Radcliffe, ao visitar a cidade de seus sonhos encontrou calor, tempestades de pó, tumultos, sangue e queimadas! Cem mil pessoas abandonaram as ruas em rota de fuga. Cada local ao ar livre era um trançado de mercadores ambulantes. Havia quarteirões de frutas, especiarias, jóias, perfumes, sedas, sapatos bordados a ouro, cristais, pratas, caixas maravilhosas de sândalo, laqueadas, de marfim, de madre pérolas e muitos outros produtos exóticos e caros. Agora a morte investia contra a velha cidade, destruindo-a. A morte era como um relâmpago. Acabava em um segundo, antes que se pudesse dar conta do que estava ocorrendo. As pessoas se dirigiam ao apreensivo Radcliffe desesperadas por perderem tudo que haviam acumulado por anos e gerações. Ele lutava para extrair um mínimo de conselho dos juízes que o atendiam!
Na cidade de Amritsar ficava o templo sagrado dos Sikhs, O Templo Dourado. Uma população de seis milhões de religiosos adorava seu templo e seu Livro Sagrado. Os homens tinham longas barbas ao vento, compridos cabelos nunca cortados e sobre eles turbantes coloridos. Eram altos, bélicos, mas representavam apenas dois por cento da população local. Apesar desse número inferior, possuíam quarenta por cento das terras e produziam dois terços da colheita. A tragédia de Punjab era que, enquanto eles poderiam viver sob o domínio britânico, não poderiam viver um sob o domínio do outro. Contudo, agora, eles haviam perdido seu vigor marcial devido à prosperidade, segundo um boato que corria silencioso. Ocorre que eles queriam revanche. Convencido pelos políticos indianos, o flexível Mountbatten muda a data da independência do império para 14 de agosto de 1947.
O grande sonho de Gandhi era criar uma Índia moderna com seus ideais socialistas de paz e independência. Ele propunha o esquecimento de toda tecnologia e ciências modernas dos cinquenta anos passados, pois a industrialização havia concentrado o poder nas mãos de poucos, à custa de muitos. Ele pregava o retorno à simplicidade. Não pregava uma doutrina da pobreza, mas de um equilíbrio perfeito entre os seres humanos. (Gandhi e o Marxismo tinham muito pouco uso um para o outro). Vinte e cinco anos após sua morte o principal drama da Índia era a corrupção e a venalidade dos ministros do Congresso.
Gandhi e Nehru tentavam desesperadamente ajudar aquela população desordenada que Nehru teria de governar brevemente.
O Projeto de Lei da Independência da Índia era um modelo de concisão e simplicidade. Até mesmo Churchill elogiara seu adversário pela ótima escolha de Mountbatten para tal decisão. Todos os aspectos do projeto eram respondidos “Le Roi le veult” .
“O vice-rei estava pronto para começar a jogar as maçãs na cesta de Vallabhbhai Patel”. Ele urgia seus ouvintes a assinar o Ato de Acessão, o qual uniria seus estados à Índia ou ao Paquistão. Em outra conferência com os príncipes indianos, o vice-rei ponderara que estavam à beira de uma revolução e que em breve perderiam perder para sempre sua soberania! “Casem-se com a nova Índia”, implorava-lhes.
Kashimir, julho de 1947
Hari Singh era o herdeiro marajá do melhor estado, estrategicamente situado da Índia, onde Índia, China, Tibete e Paquistão estavam destinados a encontrarem-se. A lógica dizia que a Caxemira deveria unir-se ao Paquistão. Seu povo era Muçulmano. Jinnah havia garantido que Hari Singh seria bem vindo e teria um lugar de honra em seu novo domínio. “Não” foi sua resposta e “Não” também à Índia. Queria um estado independente! Caxemira era um estado muito grande e sub-habitado e isso daria ensejo para perder o poder, o trono e a vida. Mountbatten trabalhou herculeamente para conseguir a adesão de todos os estados, pois alguns não aceitavam a nova coligação. O vice-rei deseja entregar a Patel um cesto cheio de maçãs.
Em cinco de agosto diante do vice-rei, Jinnah e Liaquat Ali Kahn, Sr. Savage tinha uma notícia aterradora e tão secreta para eles, que fora obrigado a memorizá-la. Um grupo de Sikhs extremistas juntara-se ao grupo mais fanático da Índia, o R.S.S.S. Tinham decido transbordar em sangue a Índia com atos terroristas. Em 14 de agosto de 1947, esses homens estariam estacionados ao longo da rota que levaria Jinnah, em uma procissão triunfante, pelas ruas de Karachi, até que chegasse a sua residência oficial. Assim a Índia entraria em uma guerra civil sem precedentes na história. Mountbatten pondera e resolve pedir auxilio a Sir Evan Jenkins e aos dois homens designados a governar Índia e Paquistão. Naquela noite Sr. Savage retornou a Londres.
Cinco dias mais tarde, durante a noite de 11 para 12 de agosto, os Sikhs de Tara Singh executaram a primeira parte de seu plano diabólico contra Punjab.
Em Dehli, isolado em seu bangalô Sir Cyril Radcliffe, o barrista que não conhecia a Índia, começou a traçar no mapa as linhas fronteiriças que dividiriam os oitenta e oito milhões de Indianos. Era um trabalho abstrato, pois jamais veria o efeito do seu traçado nas vidas dessas pessoas. Era obrigado, pelo açodamento, a demarcar trinta milhas de fronteiras por dia, sem ter tido a oportunidade de visitá-las. Essa era uma ideia aterradora! Ele sabia que estaria dividindo ou juntando pessoas de diferentes religiões e tradições. Sir Radcliffe sabia que haveria, sem sombra de dúvida, um banho de sangue e matança quando seu trabalho fosse publicado! Sozinho não via, virtualmente, qualquer pessoa. Estava fazendo o melhor trabalho possível, mas tinha certeza de que não fazia nenhuma diferença, pois no final todos se matariam.
Em Punjab, “hordas de Sikhs, como bando de Apaches, caiam sobre as vilas ou vizinhanças muçulmanas.” Homens e mulheres muçulmanos foram massacrados e mutilados. Para manter a ordem naquele caos total, depois de 15 de agosto de 1947, o vice-rei decidiu manter uma força especial de cinquenta e cinco mil homens, que eram dirigidos pelo Major General G. R., um inglês. Essa unidade tão significante foi varrida com a mais completa facilidade pelos revoltosos. Nehru, Jinnah, Sir Evan Jenkins e o próprio vice-rei previam a magnitude da calamidade, entretanto as críticas caíram sobre os ombros do último vice-rei da Índia. Cada um desses homens genuinamente acreditava que a divisão esfriaria a violência. Ninguém poderia prever as dimensões gigantescas desse desastre! Ironicamente, o único líder indiano capaz de configurar toda essa desmedida violência era o pacifista e contrário a esse plano mutilador do país, Gandhi.
Mountbatten preocupava-se com a instável Calcutá e precisava desesperadamente da ajuda de Gandhi! Ele havia comentado com o líder, em julho, sobre essa possibilidade. Talvez através de sua forte personalidade e seu ideal de não violência pudesse obter o que as tropas certamente não poderiam. Porém ele não tinha intenção de ir a Calcutá, apesar dos apelos do vice-rei. Um pedido inusitado do corrupto e brutal muçulmano de 47 anos, Shaheed Suhrawardy, obtém algum resultado. Gandhi observa sinceridade nessa solicitação e decide aceitar, mas com a condição de que ficassem juntos e sozinhos, com os corações abertos, vivendo em um casebre de uma favela em Calcutá. “Seria um grande risco”, escreve para Delhi, e pede que observem tudo atentamente.
Os líderes do Congresso haviam resolvido que haveria muita pompa no dia da Independência, assim como Jinnah e seus partidários. Para os ingleses da Índia era um momento para lamentos. Perderiam suas mansões, criadagem, caçadas, clubes de golfe e uma vida fácil e rica para voltarem à Inglaterra e viverem em um simples bangalô! “Os serviços de prata, as peles de tigres e as histórias que vinham com eles, as solenes mobílias escuras vindas de Londres há quarenta, estavam empacotados para a viagem de volta.” Mountbatten havia dado ordens expressas para que absolutamente tudo fosse deixado em solo indiano e paquistanês para o uso que eles desejassem. Apesar disso nem todo o tesouro foi deixado. Um exemplo singular foi uma arca abarrotada de preciosos livros com posições sensuais e eróticas indianas. Foram durante o curso de cinquenta anos, julgados muito escabrosos para ficarem no solo indiano. Ficariam sob custódia inglesa. Contudo eles seguiram viagem para a Inglaterra.
Como sempre em silêncio Jinnah caminhava para o túmulo de sua mulher, que não era muçulmana. No entanto ambos se apaixonaram e a belíssima jovem mudou-se da casa dos pais, para casar-se com ele. O casamento durou apenas dez anos, pela exuberância da esposa, que morreu em plena juventude, de uma overdose de morfina contra as dores de colite. A partir de então, consagrou sua vida para o despertar dos Muçulmanos na Índia.
Ali Jinnah estava voando para Karachi, usando roupas típicas. Nenhum traço de emoção aparecia em seu rosto impenetrável. Apesar de muito doente saiu do avião sem nenhuma ajuda. A multidão de pessoas, vistas pela janela do avião, continuavam a saudá-lo. Ao chegar a seu destino revela que nunca havia esperado ver o Paquistão em sua vida.
Nesse momento, a preocupação de Mountbatten era a nova relação que surgiria entre a Britânia e essas duas novas nações. Os habitantes de Punjab e Bengala teriam de continuar ignorantes sobre o domínio ao qual pertenceriam dentro em breve. Isso era crucial para evitar o desmantelamento de tanto trabalho. Somente após 15 de agosto saberiam seus destinos.
De diferentes formas eram celebradas as festividades da independência. Civis e soldados de variadas religiões e culturas comemoravam a data prometendo fraternidade e breve reencontro. Ele ocorreria, mas nos campos de batalha de Kashmir.

Calcutá, 13 de agosto de 1947
Trinta e seis horas antes da data da independência, Gandhi sai à procura de um milagre. Encaminhava-se para Calcutá, a cidade mais violenta do mundo. Em suas favelas viviam três milhões de seres humanos em estado crônico de desnutrição e ódio. “Uma vez mais o artesão da independência da Índia preparava-se para oferecer sua vida aos seus conterrâneos”... Desta vez para libertá-los do veneno de seus corações. No dia 13 de agosto ele chega a essas favelas violentíssimas e putrefatas, querendo, de algum modo, prevenir um terrível massacre! Gandhi e seus seguidores instalam-se em uma deteriorada mansão, adaptada para recebê-los e as pessoas com quem iria dialogar já se encontravam lá. Tratava-se de Hindus maltrapilhos que gritavam seu nome, mas não mais o saudando, agora o insultavam. Ele observa que estava lá para defender Hindus e Muçulmanos, igualmente. Havia prometido aos segundos que jejuaria até a morte se cometessem um ato sequer contra os Hindus. E a estes oferecia seu próprio corpo. Morreria para salvá-los. A multidão, a princípio, congelou, mas em seguida uma chuva de pedras atingiria a casa do velho Gandhi e a turba voltara-se contra ele.
Karachi, 13 de agosto de 1947
Mountbatten e seu staff falharam na tentativa de evitar a infiltração dos fanáticos Hindus da R.S.S.S. A única saída seria cancelar o séquito de Ali Jinnah. Ele fora bem sucedido, onde o infeliz líder, nas ruínas da Mansão Hydari em Calcutá, tinha falhado. Apesar da força de Gandhi, Jinnah tinha dividido a Índia! A procissão que levaria Jinnah e Mountbatten, em carro aberto, até seu palácio seria a maior e mais temerária aventura da vida desse vencedor e intrépido vice-rei. A possibilidade de assassinato era mais do que certa, todavia conseguiram chegar a salvo, apesar das tensões indescritíveis em vários momentos.
Calcutá, 14 de agosto de 1947
Os encontros de oração eram os preferidos desse pequeno homem, em qualquer parte do mundo que estivesse. O que reivindicava, como a não violência e cuidados com a saúde física e espiritual, consistiam as Palavras Sagradas de Gandhi. Em 14 de agosto de 1947, no primeiro encontro com aquela população descontente compareceram dez mil pessoas, número bastante razoável. Disse-lhes: “A partir de amanhã, estaremos livres do jugo Britânico. Mas a partir da meia noite de hoje”, falou com tristeza, “A Índia também será dividida. Amanhã será um dia de júbilo; mas também será um dia de tristeza.” “Se Calcutá puder retornar à razão e fraternidade, toda Índia poderá ser salva.” Acrescentou que não celebraria a chegada dessa liberdade, da forma que fora concluída. Pediu a todos que orassem e jejuassem para a salvação da pátria.
O jornal The Times of London escreveu que “As cerimônias foram marcadas por uma surpreendente falta de entusiasmo popular e uma apatia geral no ar”.
Nova Deli, 14 de agosto de 1947
Dois homens santos, em um carro, pertenciam a mais alta casta da Índia. Eram Brâmanes de cabeça raspada, peito nu, que viviam de esmolas, os Sannyasin, o mais alto posto abençoado que se poderia obter em dez milhões de reencarnações. Eles carregavam uma bandeja de prata e sobre ela a Veste de Deus, que deveria ser utilizada por Nehru, o racional. Esse rito era uma manifestação tediosa e significava o que ele mais deplorava em sua pátria. Mesmo assim, se submeteu a ela com humildade.
Em 15 de agosto de 1947, ao nascer do sol, a bandeira da Índia independente subiu ao topo do mastro no palácio de Nehru. A bandeira da Inglaterra havia descido ao por do sol do dia 14, para nunca mais ser hasteada.
Em seu escritório, o telefone toca e Nehru é avisado que a cidade de Lahore encontrava-se em chamas! “Como vou falar hoje à noite? Como vou fingir que há alegria em meu coração pela independência da Índia quando sei que Lahore, nossa linda Lahore, está ardendo em chamas?”
Essa visão assombrava Nehru. O jovem capitão Atkins dirigia seu jipe em direção a Lahore e atrás dele vinham 200 homens de sua companhia avançada, 200 caminhões e 50 jipes trazendo todo seu batalhão para Lahore, em um total de 55.000 homens. Infelizmente, apenas 10.000 soldados da Armada Indiana estavam presentes na véspera de sua independência.
Nehru permanecia na Assembléia lotada. Nos bancos à sua frente, sáris e khadi, jaquetas de jantar e roupas principescas eram usadas pelos representantes da nação que nasceria esta noite. Ela possuía 275 milhões de Hindus, 50 milhões de Muçulmanos, 7 milhões de cristãos, 6 milhões de Sikhs, 100.000 Parsis e 24.000 Judeus. A Nação teria de abrigar 15 línguas oficiais e 845 dialetos. Abrigaria também uma população de leprosos do tamanho da Suíça, tantos padres quanto à população belga, pedintes suficientes para habitar a Holanda, 15 milhões de homens sagrados, 20 milhões de aborígenes, que ainda caçavam cabeças humanas e um sem fim de doentes, nômades, mágicos, vendedores de ervas e jogadores compulsivos. Dez milhões de indianos morriam todo ano de má nutrição e 38 mil nasciam todos os dias, mas a metade morria antes dos cinco anos. “O Panteão de Hindus da Índia continha três milhões de divindades...” Ao soar a meia noite, para o mundo constituía a retirada para o transpor de uma era. Aquela era havia começado em 1492, quando Cristovão Colombo partiu a procura do caminho marítimo para as Índias e descobriu a América.
Em quase todos os estados e suas capitais as celebrações ocorriam com júbilo e de diferentes formas. Até mesmo os Intocáveis foram lembrados; lamparinas a óleo e velas foram oferecidas para que saíssem do escuro de seus barracos. Na velha Delhi alguns fanáticos muçulmanos diziam que haviam obtido o Paquistão por direito; entretanto obteriam o Hindustão pela força. No mesmo instante, Hindus e Sikhs refugiados de Punjab acotovelavam-se em campos, ao redor de Delhi, ameaçados de tornar a capital dos Muçulmanos vizinhos em uma fogueira para celebrar a independência. “Agora nossos pesadelos realmente começaram” disse V. P. Menon.
Lahore estava totalmente devastada. Quase cem mil Hindus e Sikhs foram encurralados dentro dos muros da cidade. Calcutá, entretanto, encontrava-se sob uma inacreditável metamorfose. Sikhs abriam as portas das mesquitas para os partidários de Kali, e eles convidavam Muçulmanos para seus templos para adorarem a repulsiva imagem da Deusa da Destruição.
O palácio de Mountbatten passava por uma grande transformação. Louis não queria que sobrasse um só vestígio do antigo império. O presidente da nova Assembléia convida-o para ser o primeiro Governador Geral da Índia. Louis aceita a honraria.
Na velha Mansão onde Gandhi encontrava-se, voluntários Hindus e Muçulmanos, adeptos da não violência, faziam vigília. No grande dormitório comunitário, exatamente à meia noite, Gandhi dormia profundamente.
Benares, 15 de agosto de 1947
No primeiro frio da manhã, multidões encaminhavam-se para o rio Ganges, o Supremo Doador da Vida. Realizariam o ritual de imersão em suas águas sagradas na velha cidade de Benares. Esse grande rio desaguava nas águas cinza da Baia de Bengala. Essa era uma das áreas mais tórridas e super populosas do globo. Esses ritos simbólicos uniam os Hindus ao seu rio. Desde o despertar da história, desde o tempo da velha Babilônia, Nineveh e Tyre, os Hindus vinham banhar-se nos Ganges e beber sua água, em honra a algum deus. Humildemente agradeciam aos deuses o nascimento da moderna Índia! Por séculos, morrer em Benares era a maior benção que um Hindu poderia aspirar.
Na Mansão Hydari, não havia alegria no coração do velho homem. “A vitória pela qual Gandhi havia lutado tanto tinha gosto de cinzas” e a possibilidade da tragédia que viria. Como fazia sempre em momentos de crise, leu a canção celestial de Bhagavad Gita.
Em Nova Delhi, Mountbatten dirigia-se ao trono, onde receberia a incumbência única de descolonização. Sob um pálio de veludo, estavam Nehru, Patel e outros membros do Congresso. “Mountbatten levantou sua mão direita e solenemente jurou tornar-se um humilde e fiel servidor de uma Índia independente.” “Era uma Índia como nenhum outro inglês em três séculos de história havia visto.”
Até mesmo a Índia mística dos faquires e contadores de estórias juntou-se à grande festa. Jinnah assumia seus plenos poderes em uma cerimônia oficial. Iria governar seu país como um ditador.
Punjab, 15 de agosto de 1947
O nascimento da Índia fora um dia de terror em Punjab. Em Amritsar, enquanto as autoridades procediam a seus rituais, hordas de Sikhs invadiam a cidade, matando os homens, mutilando-os e estuprando as mulheres repetidas vezes, que em seguida tinham as gargantas cortadas. A estação de trem de Amritsar tornou-se um campo de refugiados, mas os Sikhs esquartejaram e jogaram os pedaços de corpos por toda paragem.
Em Calcutá uma magia aconteceu entre Gandhi, Hindus e Muçulmanos. Todos celebravam juntos em harmonia. Outra imensa comitiva aproxima-se dele, desta vez eram jovens meninas, que vinham buscar sua benção. Espontaneamente, Gandhi faz um discurso endereçado aos novos dirigentes da Índia e não à sua massa. “Cuidado com o poder... O poder corrompe... Lembrem-se, vocês estão na direção do país para servir os pobres das vilas da Índia.” Nessa tarde, trinta mil pessoas encaminharam-se para o encontro com Gandhi.
Em Poona, no mesmo dia, a bandeira hasteada não era a da Índia independente, mas sim o triângulo laranja, que levemente modificado, havia aterrorizado a Europa por dez anos, a suástica. Era um símbolo ariano, trazido nas primeiras levas de conquistadores arianos. Os homens que se encontravam no sítio eram da R.S.S.S., esse movimento quase fascista. Acusaram Gandhi de ser responsável pela divisão da Índia! Esse foi um insulto jamais perdoado.
A cerimônia oficial e subida da bandeira deu-se às cinco horas da tarde, em local aberto, perto dos portões de Nova Delhi. Uma densa torrente de seres humanos inundara o ambiente, levando todos os preparativos cuidadosamente feitos, de roldão com eles. Mountbatten percebeu que seria quase impossível concluir a cerimônia, pois nem ele conseguiria chegar à plataforma. A multidão gritava “Longa vida a Mountbatten!”
Balmoral, Escócia, 15 de agosto de 1947
No coração das Highlands escocesas, o Rei George VI fora informado que a transferência de poder para as mãos indianas havia sido concluída. O último Secretário do Estado da Índia anunciou também que não ele não era mais George VI, Rei Imperador. Mas apenas Rei George VI.
Londres, 16 de agosto de 1947
O primeiro ministro Clement Attlee ficara muito satisfeito com o resultado do trabalho de libertação, contudo Mountbatten envia seu Secretário, George Abell, para Londres a fim de que os políticos ingleses se detivessem em suas manifestações muito favoráveis. Attlee reconhece que haveria um preço a ser pago que haveria “um terrível derramamento de sangue na Índia que tinham deixado.”
Quando os dois governantes responsáveis pelos novos governos indianos estudaram os documentos da divisão que haviam solicitado, seus rostos se contorceram e explodiram em graves protestos, apesar de Cyril Radcliffe ter seguido rigorosamente as instruções recebidas por eles. Na prática fora um desastre! Como por exemplo: de um lado, um país ficara com todos os campos de juta sem um único moinho e, no outro, com todos os moinhos sem nenhuma juta. Sem intenção, “talvez inadvertidamente, a divisão do inglês, oferecia à Índia a esperança de demandar a Caxemira.” Esses são dois simples exemplos dos gravíssimos erros que decorreriam em catástrofe. “Radcliffe sabia melhor do que ninguém o pesar e a consternação que as linhas iriam causar.”
Punjab, agosto e setembro de 1947
Por seis semanas um cataclismo varreu o nordeste da Índia. Comunidades que por séculos haviam vivido lado a lado começaram a matar-se. Foi “uma convulsão e o colapso da sociedade”. A linha divisória de Radcliffe deixara sociedades Sikhs, Hindus e Muçulmanas posicionadas em lados desiguais. As massas muçulmanas do Paquistão achavam que todos os bens, como lojas, bares, fábricas etc., que haviam ficado do seu lado, pertenciam a eles. Isso fez com que caíssem sobre os outros. A Paris do Oriente, Lahore, estava em chamas e Atkins ficara horrorizado com o que vira, pois “um inteiro canal de irrigação estava repleto com centenas de corpos Sikhs e Hindus.” Sikhs perseguiam muçulmanos com se fossem participar da caça à raposa! O grito de guerra era quero matar mais. Um oficial inglês comentou: “Na Índia hoje o sangue flui mais frequentemente do que flui a água da chuva...” Esses atrozes acontecimentos deixaram marcas indeléveis na psique desses milhões de pessoas.
Calcutá, Agosto de 1947
Cem mil pessoas, misturados indiscriminadamente, formavam uma massa de Hindus e Muçulmanos que esperavam por Gandhi. Ao vê-los pensou que era bom demais para ser verdade! Entretanto, havia alguns pontos na cidade que não caminhavam bem. Esse velho esquálido e desarmado fez o que 55.000 soldados fortemente armados foram incapazes de realizar em Punjab. A situação no Paquistão era bem pior. Jinnah não tinha qualquer condição de governar por causa dos tumultos generalizados. A economia entrara em colapso. O sistema bancário estava paralisado e a distribuição do equipamento armado da velha Índia também. Munições, trens e outros aparelhamentos ou não chegavam ou eram em número pífio. As novas nações estavam sendo engolidas pela maior migração da história da humanidade! O êxodo foi sem precedentes, pois nem mesmo durante a formação do estado de Israel ou as pessoas que fugiram da Europa Oriental depois da guerra igualava-se a isso. Até mesmo os enfermos foram acometidos por essa onda, pois os médicos Hindus ordenaram que eles saíssem de seus hospitais. Vinte mil pessoas deixaram suas casas, em uma hora, marchando em direção à estação de trem ao bater de um tambor! “Essa terrível migração alteraria para sempre a face e o caráter de uma das faixas de terra historicamente mais ricas do globo.”
Calcutá, agosto de 1947
Meio milhão de Hindus e Muçulmanos, lado a lado fraternalmente, cobriam as superfícies verdes dos campos de criket e pólo da Índia Britânica. Estavam lá, esperando a oração da noite que Gandhi faria. Quando ele apareceu na plataforma, uma explosão de entusiasmo veio da multidão. Precisamente às 19 horas, Gandhi juntou suas mãos e as levantou no tradicional sinal de agradecimento para a aglomeração. Sucede que para os Punjabis o seu primeiro instinto foi refugiar-se na organizada estação de trem inglesa. “Agora esses trens se tornariam para centenas de milhares de indianos a melhor esperança de fugir dos pesadelos que os cercavam... Essa multidão se atiraria nas portas e janelas dos carros.” Outros se apinhavam no teto dos trens, formando uma densa cobertura de refugiados! Muçulmanos, gritando Deus é Grande, com armas e paus mataram e esmagaram cada Hindu que fosse visto nos trens. Nenhum trem chegou a seu destino sem seu enorme complemento de mortos e feridos! Os Sikhs distinguiam-se pela sua organização e selvageria em seus ataques. Cada um deles empunhava um sabre curvo esperando silenciosamente o próximo trem. Nenhum desses comboios estava imune aos ataques. Esses trens da morte fizeram parte das histórias e lendas de Punjab por muitos anos.
Calcutá, agosto de 1947
Com o correr dos dias, as pessoas que compareciam às orações de Gandhi aumentavam, tornando Calcutá um Oasis de paz e fraternidade. Com humildade, Gandhi dizia que era a Deus que deveriam agradecer, pois não passavam de brinquedos em suas mãos, dançando como ele o desejasse. Mountbatten rende suas homenagens a esse homem que equivalia a um exército completo.
Punjab, setembro de 1947
Nehru e Liaquat, ao invés de júbilo, mostravam um silêncio amargurado pela situação atroz em que viviam, tentando restaurar ordem no caos. Finalmente Nehru fala que tinham sido irmãos há tanto tempo e não compreendia como isso pudera ocorrer. “Nosso povo enlouqueceu” respondeu Liaquat. A crueldade que seu povo repentinamente havia demonstrado fora um choque para Nehru. Por outro lado, a paz de alguns dias em Calcutá terminaria com o ataque de jovens hindus fanáticos. Na maioria dos casos eram fanáticos do R.S.S.S. Gandhi, imediatamente, correu para esse sítio. O espetáculo o repugnou. Para restaurar a sanidade de Calcutá esse grande homem iria se submeter, com setenta e sete anos e alquebrado, a um jejum até a morte. Nas mãos de Gandhi, o jejum que era um ato comum na Índia, transformou-se na mais potente arma já usada naquela ocasião. Em um país de pessoas iletradas e sem rádio essa “crucificação lenta” representava muito. Para que um jejum político fosse efetivo, deveria ser acompanhado pela imprensa. O jejum continha regras. O de Gandhi era quebrado por um pouco de água com bicabornato de soda. “Ele estava jejuando não contra os Britânicos, mas contra seu próprio povo e o delírio irracional que os tinha acometido. Seus discípulos tentaram dissuadi-lo devido à sua idade e saúde, mas nada o demoveria de sua meta. Contudo, sua degradação física foi muito rápida, agravada pelo seu estado precário de espírito. Seus seguidores procuraram os líderes extremistas hindus, pois se ele morresse haveria o massacre de um enorme número de Hindus em Noakhali. Os estudantes universitários lançaram-se em um movimento para restaurar a paz na cidade. No terceiro dia, sua voz não passava de um murmúrio e seu coração havia enfraquecido expressivamente. Angústia e remorso apossaram-se de Calcutá e os líderes Muçulmanos e Hindus resolveram pedir perdão a Gandhi, implorando-lhe para que parasse de jejuar. Gandhi, emocionado, aceita perdoá-los, mas pede que nunca mais se voltassem uns contra os outros. Suas armas são depositadas no chão, como sinal de boa vontade. Assim, Gandhi quebra o jejum ingerindo alguns goles de suco de laranja, terminado seu martírio. Era dia 3 de setembro de 1947. “O Milagre de Calcutá” havia se realizado. Contudo outros locais ainda estavam em convulsão, mas esta havia sido a última no solo dessa cidade, outrora tão violenta.
Nova Delhi, setembro de 1947
Em 1947, Delhi ainda era, em muitos aspectos, uma cidade Muçulmana. Havia milhares deles procurando abrigo e salvação, pois fanáticos da R.S.S.S. lançaram-se contra a população em uma onda de terror, na manhã de 3 de setembro. O próprio Nerhu foi visto espancado rebeldes para manter a paz. No Mercado Verde milhares de barracas de frutas e vegetais estavam incendiadas. Um bando seqüestrou uma mulher muçulmana, ensopou-a de gasolina e ateou fogo, na frente da residência do primeiro ministro, como sinal de protesto! Esses grupos sabotadores ameaçavam toda Índia e a conclusão dos políticos foi unanime: “não havia uma administração efetiva em Delhi. A capital e o país estavam à beira de um colapso.”
Simla, setembro de 1947
Louis, destituído de autoridade efetiva, viaja para Simla, que se achava intocada e calma. Contudo, recebe um telefonema de Menon, relatando a péssima situação de Delhi e a necessidade premente de sua presença. Louis recusa-se, mas Menon avisa-lhe que se mudasse de idéia mais tarde, não haveria nenhum sentido nessa atitude. Mountbatten volta e apenas três pessoas estavam presentes no encontro secreto que se seguiu: Nehru, Patel e Louis.
Os líderes revelaram a Louis que a situação em Punjab estava fora de controle. Eles não sabiam o que fazer, pois haviam passado anos de suas vidas em prisões inglesas e a arte que dominavam era da agitação e não da administração. Então Nehru fez um pedido inacreditável. Solicitou a Mountbatten para que ele governasse o país, pois era um líder nato, um administrador profissional e de alto nível. Esse inglês, porém, nega peremptoriamente. Isso enfraqueceria os dois homens indianos. Implorando ao ex-vice-rei que aceitasse consegue demovê-lo de sua negativa, porquanto Louis gostava de um desafio e seu amor pelo país era grande, assim como seu senso de responsabilidade. Elege um Comitê de Emergência, com pessoas chaves que deveriam obedecê-lo cegamente: um diretor de Aviação Civil, um Diretor de Estradas de Ferro e ainda Serviços Médicos Indianos. Depois de décadas de luta pela liberdade, a Índia encontrava-se, ironicamente, novamente nas mãos de um inglês.
Nova Delhi, setembro de 1947
O palácio, em pouquíssimo tempo, parecia um quartel general em tempos de guerra. Louis tinha os melhores mapas de Punjab e solicitou o reconhecimento aéreo sobre metade da província. Instalou uma rede de rádio ligando a Casa do Governo às áreas chaves em Punjab. Os dirigentes indianos conheceriam a face pragmática e austera de Mountbatten. Toda vez que um trem fosse assaltado, os guardas responsáveis deveriam separar os feridos dos mortos e o resto seria fuzilado imediatamente, por uma corte marcial. Outras medidas duras foram tomadas para restaurar a ordem. Levaria semanas para que esses esforços tivessem impacto sobre a catástrofe que varria o nordeste da Índia. Uma onda de miséria humana sem precedentes cobriu Punjab. Foi a maior dimensão de refugiados que a história da humanidade produziu! Os novos líderes urgiam a população horrorizada que permanecesse em seus lugares de origem. Um piloto relata que a multidão se arrastava como imensos rebanhos de gado! Tinham que caminhar não poucos quilômetros, mas centenas, sem nada para nutri-los além de poucos goles de água. Búfalos, camelos, cavalos, pôneis, carneiros misturavam-se a essa miséria. A jornada de quilômetros era uma trilha sem volta. Algumas estradas transformaram-se em verdadeiros cemitérios abertos e, além disso, parturientes haviam de carregar seus filhos recém-nascidos a pé. Como sempre, os piores ataques eram dos Sikhs.
Peshawar, setembro de 1947
Mahatma Gandhi, apesar de seu precário estado físico, viajou para Delhi, em 9 de setembro de 1947, para nunca mais partir.
Nova Delhi, setembro de 1947
Ganhdi, o mais modesto e honrado homem do mundo, por sua condição deplorável, aceitou ficar em uma residência confortável de G. D. Birla, que era um riquíssimo industrial, o qual financiava o Partido do Congresso, após tornar-se um fiel seguidor de Gandhi. Os Muçulmanos de Delhi queriam fugir para o Paquistão. A situação era tão terrível que pessoas defecavam e vomitavam na mesma poça de água na qual as mulheres lavavam seus potes de cozinhar. A burocracia da cidade tornou-se inoperante pela catástrofe. Inevitavelmente a cólera surge! Apesar de tudo, os esforços do Comitê de Louis, Patel e Nehru começaram a ser sentidos. Esses dias contribuíram para que a amizade entre Nehru e Louis se aprofundasse. Para Gandhi as dimensões da violência em Delhi eram um choque e uma surpresa. Com o Milagre de Calcutá, Gandhi passa a ser o novo ídolo de Muçulmanos, tomando o lugar de Jinnah. Gandhi nunca foi tão obstinado com suas convicções, como nos últimos tempos de sua vida. Ele visitava os campos de refugiados todos os dias, tentando fazê-los se libertarem da vingança desejada. “Ofereçam-se com não violentos, desejosos de se sacrificarem” falava. “Morram com o nome de Deus em seus lábios se necessário, mas não percam seus corações.” Certa vez, orando em um desses campos, um fato dramático ocorre. Ao pregar o amor e a paz, alguém na multidão grita que sua família havia sido assassinada por isso e um coro seguiu-se a essa voz. Gritavam: “Morte ao Gandhi” e pela primeira vez em sua vida não pode terminar uma oração pública!
Gandhi celebrou seu 78° aniversário e milhares de mensagens de todo mundo foram enviadas para sua atual casa. Cada visitante que chegava para cumprimentá-lo ficava assombrado com seu estado lastimável e a melancolia que havia se instalado em seu forte espírito. Queria que Deus o levasse, para não ter de presenciar o absurdo que sua pátria querida havia se transformado!
Punjab, Outubro de 1947
Houve, como já esperado, um estouro de selvageria. Mulheres e meninas eram, sem exceção, violentadas. Eram também leiloadas como gado ou mercadorias. Nos campos de refugiados ou nas novas capitais, o povo esperava por um milagre. Os pobres e ricos sofriam igualmente. “O cheiro de morte, decadência e doença parecia pairar sobre cada pessoa.” Edwina Mountbatten teve um papel crucial trabalhando para o bem-estar dos pobres e doentes indianos. Dormia menos de cinco horas e às seis da manhã já se encontrava em seu escritório para deliberar as ordens do dia. “Gradualmente, uma aparência de ordem começa a emergir do caos...” O Comitê de Emergência começa a ter seus primeiros resultados. Finalmente chegara as chuvas das Monções, tão esperadas pelos indianos castigados pelo forte sol e calor. Mas vieram tão violentas e descontroladas que mais parecia a ira dos Deuses caindo sobre irmãos que haviam lutado uns contra os outros! Os transbordamentos dos cinco rios pareciam ser o ato final de uma destruição já avançada. A água varreu tudo e as pontes submergiram. Jamais saberemos quantos pereceram nessas horríveis semanas em Punjab. Clement Attlee perguntava a Lord Ismay, na Inglaterra, se não haviam apressado as coisas demais, mas uma coisa era certa: os próprios líderes indianos tinham forçado essa urgência. Gandhi também havia sugerido que Mountbatten saísse o mais rápido possível. “A violência que o acordo de divisão produziu em Punjab era muito pior do que qualquer coisa que Mountbatten ou seus experts conselheiros haviam imaginado... Eles pagaram o preço da liberdade de um quinto da humanidade e esse preço deixaria seu cunho amargo por anos que ainda viriam.” Era a sua pátria.
Srinagar, Caxemira, outubro de 1947
Uma horda de chacais estava encaminhando-se para Srinagar. Centenas de homens da tribo Pathan queriam por um fim no sonho de Hari Singh de ser independente. Para Jinnah parecia impossível que a Caxemira com mais de três - quartos de muçulmanos não se tornaria parte do Paquistão.
Fronteira do Paquistão e Caxemira, 22 a 24 de outubro 1947
A rota para Srinagar estava aberta para os invasores. Ao raiar do dia eles atacaram. Sairab Khyat Khan e sua guarda dominariam o palácio. Mas quando buscou pela guarda ela havia desaparecido. Não havia mais ninguém! A cidade não iria pertencer aos Pathans naquela noite.
Nova Delhi, 24 de outubro de 1947
O Major General Douglas Gracey, soube do acontecido na Caxemira e informou o comandante em chefe da Armada Indiana, que avisou dois ingleses: Louis Mountbatten e o Marechal de Campo Auchinleck. Louis ficou atônito com a notícia e decidiu que se a Caxemira queria a independência, ela seria realizada por Hindus e não Britânicos. V. P. Menon foi ordenado para Srinagar a fim de apresentar os termos do Gabinete para o Marajá, enquanto os oficiais determinavam a situação militar do local.
Srinagar, 26 de outubro de 1947
Antes da meia-noite do dia 25, outro refugiado juntava-se a esse grande êxodo. Tratava-se de Hari Singh, o Marajá da Caxemira. Sua guarda o protegia durante a viagem. O exílio seria no palácio de inverno em Jammu, onde recebera o Príncipe de Gales. Menon volta para Delhi a fim de informar que o Marajá estava disposto a aceitar qualquer termo em troca de ajuda. Finalmente estava pronto para introduzir a Caxemira à Índia, mas os Pathans estavam próximos do aeroporto do local que poderia ser interditado. Menon chega tarde da noite e diz: “Aqui está, temos a Caxemira. O bastardo assinou o Ato de Adesão...” O estado continuaria dividido: o Vale da Caxemira em mãos hindus e os territórios do nordeste ao redor de Gilgit nas mãos dos Paquistaneses. Assim permaneceria em disputa por mais vinte e cinco anos.
Poona, 1° de novembro de 1947
Os fanáticos hindus de Poona tinham um novo herói, Savarkar, continuação da linha de Shivaji. Fisicamente não estava presente na reunião, mas sim sua imagem. Havia sido consumidor de ópio por anos e era homossexual, entretanto era um brilhante orador, era o “Churchill de Maharashtra.” Como Nehru, Jinnah e Gandhi completou seus estudos nas Cortes de Londres. Havia sido preso, em 1910, pelo assassinato de um burocrata inglês. Ele detestava o Congresso com seus pedidos para a unidade Hindu-Muçulmana e a não violência de Gandhi. Vinha da alta casta de brâmanes, mas seu real interesse era a R.S.S.S. Os dois jovens extremistas que comandavam a reunião acionaram os botões para a impressão do jornal revolucionário Hindu Rashtra. Ambos também eram brâmanes. Eram eles: Nathuran Godse e Narayan Apte, que fundaram, a pedido de Savarkar em 1944, o jornal mais incisivo de Poona. Esses jovens eram totalmente diferentes apesar de pertencerem à mesma casta. Godse era ascético, devoto e indiferente à comida. Vivia numa cela de monge e levantava-se às 5.30 da manhã sendo fascinado por astrologia. Godse fora mau aluno, pois sua paixão era política e havia se tornado um seguidor de Gandhi. Desiludido segue Veer Savarkar e sua doutrina Hindutva, tornando-se um astuto pensador político. Apte era gregário e introduziu a seus alunos os segredos eróticos do kama sutra. Godse teve apenas um encontro sexual em sua vida e foi com seu mentor Savarkar. A pequena cidade de Panipat havia se transformado em um local de miseráveis refugiados ainda chegando à Índia provindos do Paquistão. Um vagão chega a toda velocidade na estação. Dele saiu a única força de ajuda dos Muçulmanos de Panipat, Mahatma Gandhi! Quando surgiu, um clamor veio da multidão que gritava: “Sua esposa foi estuprada? Seus filhos foram cortados aos pedaços?” “Sim”, ele responde, “porque suas mulheres são minhas mulheres e seus filhos são meus filhos.” Sua única arma era suas palavras! Implorou-lhes que não desumanizassem seus corações. Após duas horas de pregações, saiu em triunfo do palanque. Essa ação salvou muitas vidas, mas não erradicou o medo dos Muçulmanos de Panipat. Apte, o administrador do jornal Hindu Rashtra, em seu disfarce preferido de túnica laranja e ar espiritualizado, executava suas atividades de traficante de armas. Badge, preso diversas vezes, tinha uma loja de armas, sob a fachada de livraria e Apte era seu melhor cliente, tramando algo muito grande.
Nova Delhi, dezembro de 1947
Para seu secretário que o servia há anos, Gandhi “parecia o homem mais triste do mundo.” Uma barreira psicológica estava sendo erguida entre ele e seus colegas que já se encontravam no poder. Advertia constantemente Nehru e Patel sobre a corrupção crescente na Índia com seus banquetes requintados e glamorosos. Os intelectuais hindus desenhavam uma nova nação industrializada sem se importarem com o principal: os pobres camponeses. Gandhi dizia “... Deixe-os curvar suas costas sob o sol inclemente como eles fazem. Então, poderão começar a entender as preocupações dos camponeses.” Gandhi chamou Birla e confidenciou-lhe que gostaria de visitar o Paquistão, mas antes teria de colocar ordem na própria Índia, cuja capital se via sufocada e sem moral. Certa noite falou a um grupo de ingleses que pretendia ser guiado pelas palavras de Confúcio que dizia: “Saber o que é certo e não fazê-lo, é covardia.”
Karachi, Paquistão, dezembro de 1947
Jinnah encontrava-se piorando rapidamente após a conquista de seu sonho. Com a saúde gravemente debilitada não delegava a ninguém alguma autoridade e se agarrava ao poder e aos seus pertences. Imaginava que seus velhos inimigos Hindus não o deixariam que sua nação criasse raízes. Em meados de dezembro, depois de semanas de negociações os dois países chegaram a um acordo na divisão dos assuntos financeiros e matérias finais. O Paquistão deveria receber dinheiro como parte adicional que faltava. A Índia recusava a fazê-lo, pronunciando que o dinheiro seria usado na compra de armas. Finalmente vem a humilhação final de Jinnah: um cheque havia sido devolvido por falta de fundos.
Nova Delhi, 12 de janeiro de 1948
Muito havia mudado desde o encontro crucial. O Comitê de Emergência de Mountbatten havia sido dissolvido e agora ele possuía poderes limitados em relação aos líderes da Índia. Gandhi sentia que somente Mountbatten havia compreendido os significados de suas ações desde a independência. Gandhi possuía tanta fé neste inglês que achava que enquanto fosse Governador Geral não haveria nenhum ato de desonra no governo da Índia. Isso preveniria uma guerra entre Paquistão e Índia. Gandhi, conversando particularmente com Louis, revela que os muçulmanos de Delhi pediam seu conselho sobre permanecer ou não em solo indiano. Deveriam partir para o Paquistão? Ele não poderia continuar oferecendo conselhos sem que ele próprio se arriscasse. Havia decidido fazer um jejum de morte, até que houvesse “uma reunião de corações de todas as comunidades em Delhi.” Deveria surgir um senso de dever. Mountbatten confessa-lhe que “o admirava imensamente e, além disso, Gandhi obteria sucesso onde tudo o mais havia falhado.” O pacifista jejuaria até que a Índia respeitasse a carta de acordos internacionais e pagasse o que devia ao Paquistão.
O Último Jejum: Nova Delhi, de 13 a 18 de janeiro de 1948
Seu último jejum começou as onze e cinquenta e cinco na manhã de terça-feira. Fez sua última refeição às dez e meia e um serviço religioso, nos jardins de Birla House, marcou o seu início. Gandhi, conhecedor da alma de seu povo, intuiu que outra explosão de violência estava perto de eclodir na Índia. Sua decisão de jejuar já dividia a Índia; uns estavam a favor do pagamento da dívida e outros contra. Contudo, “havia lembrado a toda nação quem ele era e para que se posicionava.”
Poona, 13 de janeiro de 1948
Nos novos escritórios do jornal Hindu Rashtra, seus donos estavam perplexos com o que liam. Era a decisão de Gandhi que poria a baixo seus planos. Godse comenta a Apte que a única saída seria matar Gandhi. Isso era uma chantagem política. Nos jardins de Birla, Gandhi começou sua oração pedindo à multidão que purificasse suas almas e se fizessem iguais. “Hindus e Sikhs e Muçulmanos precisam decidir a viver aqui em amizade como irmãos... Se não puderem fazê-lo, minha vida neste mundo terá sido fútil.” Fez-se um grande silêncio. As pessoas “se perguntavam se iriam vê-lo novamente.” Cinco homens encontraram-se no escritório do Hindu Rashtra: um policial, os donos do jornal, Vishnu Karkare, dono do Deccan Guest House e Madanlal Pahwa, refugiado de Punjabi. Godse urgia por ação e pela morte de Gandhi. Foram para a loja de Badge, que colocara sobre um tapete as armas que haviam pedido. Tinham tudo exceto a pistola automática. Apesar de Godse ser um homem pobre deixou duas apólices de seguro de vida, agora poderia morrer. O peso de Gandhi diminuía, estava com 49,5 quilos. Desde o momento em que se envolvera com a política de não violência, as mulheres eram parte importante de seu fronte, pois elas não eram emancipadas. Faziam parte da metade do mundo subjugado. Nos primeiros momentos da luta pela liberdade tinham um papel igualitário ao dos homens. Nehru e Patel visitaram Gandhi e o motivo era o pagamento devido ao Paquistão. Isso tinha desagradado grande parte do Gabinete e Patel tentou dissuadi-lo. A posição de grande parte dos Hindus trouxe lágrimas de tristeza nos olhos de Gandhi, pois era a primeira vez que na liderança, seu povo não demonstrava desejo de salvá-lo. Sob o ponto de vista deles parecia uma tentativa de auxiliar os Muçulmanos. Um grupo de pessoas visitou-o e gritou: “Deixe Gandhi morrer”. O pacifista sentiu-se só.
Bombay, 14 de janeiro de 1948
Nos subúrbios da cidade estava Shavarkar que detestava Gandhi e seus princípios. Godse e Apte o cumprimentaram com um gesto de servilismo e depois eles mostraram um tambor cujo conteúdo era uma seleção de armas. Logo após, dirigiram-se a um hotel. Apenas quarenta e oito horas depois de começar o jejum, Gandhi estava em estado crítico. Encaminhava-se para a morte. Seus rins já não funcionavam adequadamente. Apesar dos apelos para quebrá-lo, acreditava nas palavras de Krishna. Nesse instante Apte e seu parceiro compravam passagens para concretizar seus planos. Gandhi insistiu em um enema que iria debilitá-lo ainda mais. Mesmo assim, proíbe Manu de pedir ajuda. Contudo dez mil pessoas ouviam Nehru suplicar: “A perda de Mahatma Gandhi significaria a perda da alma da Índia.” Por sua vez, Louis cancelou todas as refeições em respeito ao homem que tanto admirava. Um esforço para salvar o líder começara nas ruas de Delhi. Milhares de mulheres Muçulmanas pediam a misericórdia de Alá. O governo da Índia anunciou que fosse feito o imediato pagamento das 550 milhões de rúpias!
Bombay, 15 de janeiro de 1948
Apte contemplava com desânimo a última arma, a pistola. Era feita em casa. Ainda precisavam da pistola imprescindível para o assassinato. Vendo os dedos ágeis de Badge, resolveram trazê-lo para Delhi, também. Chegando, dirigiram-se para Hindu Mahasabha Bhavan. Centenas de fiéis esperavam pela melhora de Gandhi em Birla House e seu discurso. No entanto sua voz não passava de um sussurro. Depois da oração, em fila, essas pessoas passaram para o gesto ritual do namaste. Depois de um jejum de quatro dias, parecia que o velho líder estava melhorando. Contudo, seu aparente vigor era uma ilusão. Desmaiou inconsciente no solo. Caso se salvasse, ficaria inválido para o resto de sua vida, diziam os médicos. Em 16 de janeiro, a Índia viu que sua vida estava em real perigo. Em todos os lugares, comitês empenhavam-se para salvá-lo. Os intocáveis de Bombay enviaram um telegrama dizendo: “Sua vida nos pertence.” Lojas e recintos comerciais fecharam em respeito à sua agonia. Hindus, Sikhs e Muçulmanos formaram a “Brigada da Paz”, marchando e pedindo para que ele desistisse do jejum. Ele pronunciou: “Eu desistiria de ter qualquer interesse na vida se a paz não for estabelecida por todos, em toda Índia e todo Paquistão. Esse é o significado deste sacrifício.” Os médicos declararam que se o jejum de cinco dias não fosse interrompido, a morte seria certa.
Poona, 17 de janeiro de 1948
Godse, na manhã desse dia, dirigia-se a Delhi para matar Gandhi, o qual apesar de estar com sua situação de saúde crítica, não mais sofria e esperava que seu sacrifício redundasse em uma ação efetiva e não apenas em um desejo de salvar a sua vida. Ele dita para seu secretário as condições desejadas para quebrar seu jejum. Eram brilhantes e Nayar as entrega ao Comitê de Paz, rapidamente. Delhi estava em um estado de agitação como não estivera desde sua independência. Milhares de pessoas de todas as castas o apoiavam nas ruas. Nehru saiu de seu escritório para ficar ao lado de seu mestre e chorou ao ver suas condições. A voz do mestre estava ainda mais fraca, mas pronunciou: “Não está ao alcance do poder de ninguém salvar minha vida ou terminá-la. Está apenas no poder de Deus.” Enquanto isso os assassinos despediam-se de Veer Savarkar, que por sua vez fala muito baixo: “Sejam bem sucedidos... e voltem.” Um oceano de pessoas continuava pedindo pela vida de Mahatma. Nehru, ao microfone, reafirma que o único indivíduo capaz de salvar a Índia seria Gandhi. Pyarelal mostra-lhe o documento assinado pelo Comitê de Paz. Contudo ele não quebraria seu jejum até que as assinaturas de líderes importantes não se somassem às outras. Em 18 de janeiro, quase entrando no estado de coma, o presidente do Partido do Congresso foi alertado da necessidade da urgência das assinaturas. Seu desejo realizado, com grande dificuldade conseguem acordá-lo e ao vê-los, sorri de satisfação. Havia conseguido um milagre. Todos os líderes de Sikhs ao R.S.S.S. haviam assinado o tratado. Mahatma balbucia que o que haviam conseguido precisaria estender-se por toda a Índia. Os líderes confirmaram suas adesões. Gandhi começou a quebrar seu jejum bebendo pequenos goles de suco de laranja. Aos setenta e oito anos e doente havia jejuado por 121 horas e 30 minutos! Colocado em uma cadeira e aquecido por um cobertor, sua diminuta figura foi exposta à multidão que o admirava. Contrariando ordens médicas começou a trabalhar em seu tear, com dedos trêmulos, pois tendo começado a comer precisaria fazê-lo para se sustentar!
Nova Delhi, 19 e 20 de janeiro de 1949
Desde a Marcha do Sal em 1930, não havia obtido um episódio tão eficiente como seu atual jejum, o que resultou em uma grande esperança pela paz e harmonia. A mídia mundial não ficou indiferente a isso. Os seis conspiradores, agora, emergiam de trás do templo de Birla para testar as armas obtidas. Nenhuma funcionou! Jinnah, que guardava grande rancor contra Mahatma, ao saber do pagamento da dívida, abriu as portas da sua nova nação. Gandhi seria recebido por ele. Esse velho homem imaginava chegar ao Paquistão de forma dramática e surpreendente: iria a pé até o outro país! Entretanto teria de se recuperar. Como sempre uma aglomeração o esperava para a oração noturna e assim, pela primeira vez, Godse vê o homem que iria matar sem nenhuma emoção. Apte decide que o melhor momento para o assassinato seria durante a oração de 20 de janeiro. Às nove horas da manhã desse dia, um taxi levou os dois assassinos. Com o passar das horas a tensão entre eles é quase insuportável. Mas, à noite, Apte chegara “atrasado para o mais importante redezvous de sua vida.” A plataforma, onde Gandhi orava, era bem mais alta do que esperavam, mas o momento havia chegado. Calmamente pegou seu cigarro, curvou-se e pressionou sua ponta inflamada ao fuso da bomba a seus pés. O barulho da explosão sacudiu o local de oração, mas nada ocorreu e Gandhi pediu calma à multidão. Após o fracasso do atentado os homens voltaram para o taxi que os esperava. Godse e Apte são tomados por uma enorme sensação de fracasso! Um dos assassinos, Madanlal, estava sendo interrogado pela polícia e admitiu que pertencia a um grupo contrário às políticas de Gandhi, que ajudava os Muçulmanos. Admitiu ainda conhecer pessoalmente Savarkar Sadan. Descreveu Godse e citou sua ocupação. A polícia correu para a Marina Hotel, onde se achavam. Não encontraram ninguém. Godse havia se registrado com nome falso na velha Delhi. A polícia encerra o interrogatório por essa noite, mas sabiam que Veer Savarkar estava envolvido no golpe.
Nova Delhi e Bombay, 21 a 29 de janeiro de 1948
As primeiras palavras de Gandhi, após o atentado, foram para não punir ninguém, apenas por acreditarem ser má pessoa. Os investigadores mandam notícias sobre o ocorrido à Bombay, contudo os policiais de Delhi foram extremante “negligentes” e não levaram o documento com os depoimentos feitos, tampouco a identificação do nome do jornal de Godse e Apte. O comissário da Polícia de Bombay, Nagarvalla, foi escolhido para solucionar esse caso devido à sua religião, pois era um Parsi. Esse homem foi impedido de prender Savarkar, contudo contava com a organização inglesa Watchers Branch, formada de pessoas disfarçadas, que o ajudariam. A investigação avança rapidamente até que cheguem à loja de Badge, que havia saído. Ao voltar passou a tricotar seu traje de malha à prova de balas. Acreditava-se que havia se escondido nas florestas da cidade. No dia 23 a investigação deu um salto. Madanlal finalmente resolvera fazer uma declaração completa, assim conseguiriam encontrar o endereço e registro do jornal dos jovens conspiradores. Agora era outro homem quem dirigia o caso, D. J. Sanjevi secreto, vaidoso e ciumento de seu antecessor. Assim negligenciou provas importantes. Ele não fez nenhum esforço para conectar-se com outras polícias. Era impossível o nome de o jornal Hindu Rashtra ser estranho a ele! Com esse personagem faltava o principal: “o senso de urgência.” Os matadores estavam voltando: “um homem, uma arma; um fanático zeloso preparado para sacrificar sua vida para cometer esse assassinato.” Julgavam que o fracasso anterior ocorrera por terem muitas pessoas envolvidas. Desta vez a responsabilidade cairia sobre Godse e o principal elemento era a velocidade, a fim de confundir a ineficaz polícia indiana. “O dia 26 de janeiro de 1948 era memorável”, pois nesse dia, em 1930, milhões de congressistas tinham jurado que fariam a Índia independente. Por outro lado Godse e Apte, em dez dias pela segunda vez, voavam para matar Gandhi. Haviam decidido partir de Bombay sem a arma, pois fora impossível achá-la. Gandhi estava feliz com a harmonia e paz entre as várias facções indianas, entretanto pressentia que não poderia realizar seu sonho de viajar ao Paquistão, marcado para 2 de fevereiro. A odisséia dos dois matadores havia chegado ao fim. Conseguiram obter a pistola com Gwalior, o famoso médico de ervas, que também era contra a política de Gandhi. A arma era uma pistola automática Beretta. O grande trabalho de Gandhi estava quase feito. A capital estava calma e a ordem restaurada. Como sempre Mahatma não desperdiçava um momento sem trabalhar, O dia todo fizera planos e escrevera uma dúzia de cartas, além de estudar Bengali. Elaborara um rascunho da nova constituição para o Partido do Congresso. Um grupo de Hindus e Sikhs aproximaram-se de Gandhi e um jovem com ódio gritou-lhe que já havia causado muita dor e que deixasse a Índia em paz. Essas palavras atordoaram o velho homem, que disse: “faço o que Deus comanda-me, procuro paz em meio à desordem.”! Sanjevi fizera um pequeno progresso e acreditava que os assassinos não voltariam mais. Jimmy, no entanto, continuava sua vigilância em Savarkar e pressentiu que outro atentado estava a caminho, pelo intenso movimento na casa do terrorista. Todavia Gandhi não permitiu um só policial perto dele, desse modo não havia muito a ser feito. Por fim, Rana, Inspetor Geral, descobre as identidades da “trindade vingadora” que havia jurado entrar nos recintos de Birla House. Esses homens estavam hospedados na estação de trem da Velha Delhi e às cinco horas da tarde de 30 de janeiro Gandhi seria assassinado. Mahatma Gandhi passou o resto do tempo disponível de sua vida trabalhando na nova constituição, mas não relaxara, pois não conseguia esquecer a face do jovem enfurecido que durante aquele dia havia praguejado contra ele. Caiu em outro de seus silêncios melancólicos e balbuciou um verso: “Vida curta tem a primavera no jardim do mundo. Observe o esplêndido espetáculo enquanto dura.” Confiava que se morresse em consequência de um tiro, um atentado, ai sim ele teria sido um verdadeiro mahatma. Isso beneficiaria o povo da Índia. A manhã friorenta de 30 de janeiro de 1948 começou exatamente como as habituais. Com suas pernas cruzadas cantou com alguns discípulos os versos da canção celestial do hinduísmo, o Bhagavad Gita. Depois pediu a Manu para que cantasse as linhas de um hino: “Se cansado ou não, Ó Homem, não descanse.” Karkare, preso, descreve aos policiais que ele e Apte ficariam ao lado de Godse, que cuidadosamente colocou sete balas na pistola. Ambos seguiram ao encontro de Nathuram, que já se encontrava no meio do jardim de Birla House. Depois de algum tempo Godse pressionou as palmas das mãos e disse aos jovens: “Namaste. Não sabemos se estaremos juntos novamente.” Sem olhar para trás prosseguiu para a casa onde Gandhi fazia suas orações. Mahatma tivera várias entrevistas neste dia e a mais difícil fora com Patel, que insistia em sair do governo. Louis Mountbatten havia alertado que Nehru e Patel eram importantíssimos para o país e teriam de aprender a trabalhar juntos. Depois disso, Gandhi volta para o tear. Enquanto girava sua roda do tear, os assassinos já se encontravam próximos a ele. Karkare relata à polícia que Godse estava absorto e parecia esquecer-se de seus companheiros. Manu estava nervosa, pois já passara dez minutos das cinco horas e seu tio-avô era muito pontual. Observando seu relógio sai apressado para a oração. No momento em que alcançou o último degrau, havia um sussurro da multidão: Bapuji, Bapuji. As mãos de Godse estavam nos bolsos de seu disfarce; sentiu a arma e calculou que estava na hora certa. Dois passos, três segundos, o assassinato seria fácil e mecânico. Manu o viu e pensou ser mais um dos seguidores de Gandhi e pediu-lhe para abrir caminho, pois já se encontravam atrasados. Ela calculou que ele queria beijar os pés do mestre. Com a pistola escondida disse: “Namaste, Gandhiji”. Godse derrubou Manu e expos a Beretta em sua mão esquerda. “Godse apertou o gatilho três vezes... Nathuram Godse não havia falhado... os três tiros atingiram o peito da frágil figura que avançava em sua direção.” Manu viu as manchas vermelhas de sangue manchando seu traje branco. Gandhi ofegou: “He Ram!” (Ó Deus). Eram exatamente dezessete minutos depois das cinco. Mountbatten ao receber a notícia parte, imediatamente, para Birla House, que já se encontrava repleta de pessoas. A hipótese de o assassino ser um Mulçumano levaria a Índia ao maior massacre já presenciado. O diretor da All India Radio decidiu continuar a programação normal para evitar tumultos. Somente mais tarde, a informação sobre o assassinato do defensor da independência da Índia por um Hindu da casta brâmane foi divulgada. Seu corpo foi levado para o interior de Birla House. Dentre as pessoas que lamentavam sua morte estavam Nehru e Patel. A luz de mais de dezenas de lamparinas de óleo de cor alaranjada fizeram com que seu pequeno corpo tivesse uma aura triste e gentil. “uma inacreditável aparência de repouso cobria sua face.” Mountbatten iria repetir que “Mahatma Gandhi iria para a história ao lado de Buda e Jesus Cristo.” O mestre pedira que seu corpo fosse cremado em vinte e quatro horas, em estrito acordo com o costume Hindu. A remoção de seu corpo seria conduzida como uma operação militar. Todas as cidades indianas lamentavam sua morte assim como as paquistanesas, onde as mulheres choravam o desparecimento de seu protetor. Seu corpo foi elevado ao segundo andar em Birla House e quando Nehru discursou havia lágrimas em seus olhos. Chegaram mensagens de condolências de todas as partes do globo. Presidentes de diferentes países enviaram seus pêsames pela morte desse homem tão humilde e brilhante. Uma pirâmide funerária esperava recebê-lo em Raj Ghat, o local de cremação, às margens do rio Jumna. Seu corpo havia sido coberto pela bandeira da Índia independente. Fora a primeira vez que as tropas de guarda do antigo vice-rei tinham honrado um indiano e estava recebendo, na morte, uma homenagem além dos sonhos de qualquer vice-rei. Suas cinzas foram jogadas nas águas do rio em direção ao mar, no décimo segundo dia depois da cremação. Três milhões de pessoas seguiram esse ritual!
Epílogo
Gandhi, com sua morte, conseguiu terminar o que não conseguira em vida: a insensata matança entre vizinhos e irmãos das cidades e vilas da Índia. Seu assassino, N. Godse foi levado em custódia, sem resistência, com a arma na mão. A prisão dos outros conspiradores foi rápida. Foram enviados para julgamento em 27 de maio de 1948 e Godse argumentou que era o único responsável pelo atentado. Ele e Apte foram condenados à morte. Louis Mountbatten renunciou ao cargo em junho de 1948. O último ato oficial de sua esposa foi visitar os campos de refugiados, aos quais ela devotara tanto de seu tempo e energia. Jinnah morreu em setembro de 1948, em Karachi, seu local de nascimento. Dois golpes de estado seguiram-se. Como Gandhi havia previsto a divisão do país ocasionou muitos problemas. Em 1965 e 1971 as duas nações iriam confrontar-se e os contínuos conflitos enfraqueceram-nas. No entanto, a Índia seguiria a tradição do século, com um vigoroso desenvolvimento industrial e uma nação unida e forte. Mountbatten continuou um homem de sucesso político e princípios irretocáveis, mas foi assassinado pelo IRA em 1979 e Edwina havia morrido em 1960, em Borneo, de fatiga por tanto trabalho.

Janeiro de 2010, REGINA

Fotos:
Da esquerda para direita: Gandhi, Gandhi e Nehru, Mountbatten, enterro de Gandhi,
Vice-reis e Gandhi, Nehru, Jinnah e Gandhi, Birla House,
Gandhi e esposa, Patel e Gandhi