terça-feira, 27 de outubro de 2009

DECLÍNIO E QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO




Edward Gibbon
Reduzido por Dero A. Saunders

(98-180 D.C.)

“No segundo século da era cristã, o império de Roma abrangia a mais bela parte da terra e o segmento mais civilizado da humanidade.” Suas fronteiras eram muito bem guardadas e a influência das leis e costumes proporcionou a união das províncias. Com a morte de Marco Antonio surgiu o declínio e queda deste império. As principais conquistas foram feitas na época da República. Os objetos de conquista eram preservados, pois essa era a política do Senado. Nos sete primeiros séculos desse império houve uma seqüência de triunfos. Contudo, com Augusto as coisas mudaram e houve uma grande moderação, pois ele achava perigosa uma expansão contínua. “Seus generais tentaram a conquista da Etiópia e da Arábia Feliz (Iêmen)”, não obstante, o próprio clima abrasador os venceu. Quando morreu deixou um testamento com “a recomendação de confinarem o Império aqueles limites que a Natureza parecia ter-lhe estabelecido como baluartes e fronteiras permanentes: a oeste, o oceano Atlântico; o Reno e o Danúbio ao norte; o Eufrates a leste; e, para o sul, os desertos arenosos da Arábia e da África.” Esse conselho foi seguido por seus primeiros sucessores. A única conquista foi a aquisição da província da Britânia, pois “era um convite às armas”. A maior parte dessa ilha submeteu-se aos romanos. Essas tribos, que lutavam separadamente, foram subjugadas e escravizadas. Com o militar Trajano no poder, são rompidos os longos anos de paz. Ataca os belicosos dácios de além Danúbio. Esse povo desprezava a vida por acreditar nela após a morte. A Dácia passa a fazer parte do Império. Conquista, também, as ricas nações da Armênia, Mesopotâmia e Assíria. Com a morte de Trajano sobe ao poder Adriano, que livra essas províncias, restabelecendo os antigos limites de Augusto. Antonio Pio seguiu-se e era o oposto de Trajano, passando os vinte e três anos de sua administração fazendo longas jornadas a pé e de cabeça descoberta. “O sistema geral de Augusto foi igualmente adotado e uniformemente seguido por Adriano e pelos dois Antoninos.” Os reinados de Adriano e Antonio Pio foram de paz universal. “O terror das armas romanas dava peso e dignidade à moderação dos imperadores.” Todavia a paz era garantida por uma constante preparação para a guerra. Com Marco Aurélio, ele e seus generais avançam contra os povos do Eufrates e Danúbio. “Mas à medida que se foi perdendo a liberdade pública pelo alargamento das conquistas, a guerra se aperfeiçoou gradualmente numa arte e degradou em negócio.” Os exércitos eram comandados por “oficiais de nascimento e educação liberal; os soldados rasos, como as tropas mercenárias da Europa moderna, recrutavam-se, contudo, entre as camadas mais baixas...” Quando um homem se unia ao serviço militar fazia um juramento que se cobria de muita solenidade, havendo assim patriotismo e honra. Existia grande rigor dentro do exército romano e os exercícios de guerra jamais eram relegados, mesmo em tempos de paz. “A ciência da tática foi cultivada com sucesso, e enquanto o Império logrou manter seu vigor, sua instrução militar era respeitada como o modelo mais perfeito da disciplina romana.” A Britânia compreendia toda a Inglaterra, Gales e as Terras Baixas da Escócia até Edimburgo. Hispânia, Gália e Britânia eram habitadas pela mesma raça de selvagens. Augusto dividiu a Itália em onze regiões. A Áustria também se encontrava dentro do império romano. “Não obstante a mudança de senhores e de religião, a nova cidade de Roma, fundada por Constantino às margens do Bósforo, permaneceu sendo desde então a capital de uma grande monarquia.” Também as repúblicas imortais da Grécia passam a fazer parte do Império romano. As províncias romanas da Ásia ficavam dentro do domínio turco. A Síria, conquistada, passou a ser a fronteira oriental do Império. A Fenícia ofereceu o alfabeto à Europa e América e a Palestina a religião. O Egito, por sua localização, foi colocado dentro da península da África, mas seu acesso feito através da Ásia, pela qual sempre foi influenciado. O rio Nilo corta o país em oitocentos quilômetros, marcando com suas inundações as faixas de fertilidade. O Egito era a mais característica província africana desse império. A África separa-se da Hispânia pelo estreito de vinte quilômetros e através dele o Atlântico flui para o Mediterrâneo. No sopé da montanha européia temos instalado a fortaleza de Gibraltar. Os exércitos turcos conquistaram Creta, Chipre e muitas das ilhas menores da Grécia e Ásia. O Império romano tinha três mil quilômetros de largura, o limite da Dácia, seguindo ao Monte Atlas, e o trópico de Câncer, e seu comprimento era de 4.800 quilômetros do oceano ocidental ao Eufrates. A maior parte da terra era fértil e cultivável.


“Alexandre plantou os troféus macedônicos nas ribas do Hyphasis”. Contudo Gengis Khan e seus mongóis estenderam, por um período, seus domínios do mar da China até o Egito e Germânia. O império romano foi preservado. Na época de Trajano e dos Antoninos, “o princípio geral de governo era prudente, simples e benéfico. O culto religioso era respeitado e poder-se-ia chegar até a “igualdade com seus conquistadores”. O domínio romano foi, nessa época, o melhor e as províncias unidas pelas leis e adornadas pelas artes. A tolerância reinava nesse vasto Império. As deidades dos milhares de rios e bosques exerciam, em paz, influência local. “Era tal o espírito conciliador da Antiguidade que as nações atentavam menos na diferença que na semelhança de seus cultos religiosas”. Os filósofos da Grécia preocupavam-se mais com a natureza do homem que da de Deus. Os estóicos e os platônicos tendiam a reconciliar “os interesses conflitantes da razão e da piedade”. Os epicuristas tinham uma índole menos religiosa. “Cícero condescendia em empregar as armas da razão e da eloqüência, mas a sátira de Luciano era uma arma muito mais adequada e eficiente.” Os filósofos da Antiguidade postulavam a dignidade e a liberdade da razão, mas se submetiam aos ditames das leis e costumes. Sendo os próprios magistrados filósofos, as escolas de Atenas proveram as leis ao Senado. Encorajavam os festivais religiosos que “humanizavam os costumes do povo.” Esse era um cômodo instrumento político. Roma estava sempre repleta de forasteiros dos mais diferentes locais do mundo, os quais podiam introduzir as superstições favoritas de seus países de origem. Em Atenas, no seu auge, o número de cidadãos decresceu de 30 mil para 21 mil. “Num governo democrático, os cidadãos exercem os poderes de soberania; se esses poderes forem outorgados a uma multidão insubmissa, serão a princípio malbaratados e mais tarde se perderão”. A Itália pretendia-se a residência dos imperadores e do Senado. O Estado e cidades livres que concordavam com Roma obtinham uma aliança nominal mas, devagar, acabavam em servidão. Sêneca observou que “onde quer que os romanos conquistem, aí se fixam.” Quarenta anos após a submissão da Ásia, 80 mil romanos foram mortos, em um dia, por ordem de Mitriades (inimigo dos romanos). As colônias romanas eram a “imagem de sua grande pátria-mãe.” A maior parte dos súditos adquiria o benefício das leis romanas. Os romanos obrigavam o uso da língua latina sobre os povos conquistados, assim como fizeram os árabes mais tarde. “Os países ocidentais se civilizavam pelas mesmas mãos que os subjugavam.” Os gregos eram diferentes, pois há muito eram civilizados e corrompidos. Tinham muito gosto e vaidade para se submeterem aos conquistadores, que desprezavam. “Em suas cortes pomposas, esses príncipes uniam a elegância de Atenas ao luxo do oriente.” A Síria e o Egito também foram dominados, mas rechaçavam a cidadania e costumes romanos. “Roma vitoriosa foi subjugada, ela própria, pelas artes da Grécia.” Não obstante, a língua latina era mantida na administração do governo civil e militar. A língua grega e latina era falada por quase todos os súditos mais versados. O direito de vida e morte de um escravo foi reservado apenas aos magistrados e aboliram-se as prisões subterrâneas. Os escravos inteligentes eram ensinados nas artes e nas ciências. Um escravo liberto poderia enriquecer, se fosse culto. O número de escravos aproximou-se ao número de cidadãos livres do mundo romano. A autoridade dos Imperadores se difundia por toda a extensão do domínio. Os belíssimos monumentos romanos pouco resistiram ao tempo e à barbárie. Várias dessas obras foram edificadas pela iniciativa privada, visando o benefício público. Trajano e os Antoninos encorajaram as artes. Entre os beneficiadores privados estava Herodes Ático, ateniense da época dos Antoninos. Ele foi educado pelos melhores e capazes preceptores da Grécia e Ásia, tornando-se um orador famoso, retirando-se para Atenas e em pequenas vilas. Dedicou à sua esposa um teatro com proporções não vistas no Império. Esses monumentos eram adornados com belíssimas pinturas e esculturas gregas. Havia também bibliotecas, balneários, arcos, templos, anfiteatros e tudo isso à disposição de todos os cidadãos. Na África e Ásia a numerosa população dependia dos suprimentos de água fresca trazida artificialmente. Nas florestas da Britânia as cidades de York, Londres e Bath foram beneficiadas pelos romanos. Nas cidades da Gália – Paris, Marcelha, Arles, Nimes, Narbona, Tolosa, Bordeaux, Autun, Viena, Lyon, Langres e Treves também houve grandes construções edificadas pelo Império. “No tocante à Hispânia, esse país floresceu como província e decaiu como reino”, já que foi vitimado pela América e pela superstição. Nas províncias do Oriente o contraste entre a beleza romana e a barbárie turca era verificada. Todas essas cidades estavam interligadas à capital por estradas públicas que partiam do Foro de Roma, terminando nas fronteiras do Império. A extensão delas alcançava 4800 milhas romanas (6018 quilômetros). Eram construídas de várias camadas de areia, cascalho, argamassa e pavimentadas com pedras grandes ou, em determinados trechos próximos à capital, com granito! As comunicações por mar estavam desimpedidas. O mundo ficara livre para o intercambio. Diversos artigos eram importados do Oriente como flores, ervas, frutos e a vinha. O cultivo do linho trazido para a Gália. As pastagens artificiais ocasionaram a garantia de alimento durante o inverno. A atividade da pesca e a agricultura foram disseminadas. “No Império Romano, o trabalho das pessoas diligentes e engenhosas era variado, mas incessantemente utilizado a serviço dos ricos.” Diversos países do mundo antigo foram saqueados a favor de Roma. As mercadorias orientais eram luxuosas e fúteis como a seda, substâncias aromáticas, pedras preciosas e pérolas. Por parte do Império somente a prata era exportada. “Essa longa paz e o governo uniforme dos romanos instilaram um lento e secreto veneno nos órgãos principais do Império.” “Os espíritos de maiores aspirações recorriam à corte ou ao estandarte dos imperadores; e as províncias desertadas, privadas de união ou força política insensivelmente decaíam na lânguida indiferença da vida privada.” Homero e Virgílio eram traduzidos, a física e a astrologia aceitas. Os grandes nomes da Antiguidade eram estudados e abrigados, porém não havia nenhum progresso próprio a fim de avançar o intelecto humano. Os romanos, acomodados, não criaram nada de novo e assim foram enfraquecidos e dominados pelos “impetuosos gigantes do norte” que os abateram.


Monarquia é um sistema, onde uma só pessoa, “incumbe a execução das leis, o controle da fazenda pública e o comando do exército.” Essa autoridade geralmente se transforma em despotismo. A influência do clero é sempre muito mal vinda, pois raramente se dispõe a cuidar do povo. Desse modo, “todas as barreiras da Constituição romana haviam sido arrasadas pela vasta ambição do ditador, todos os obstáculos extirpados pela mão cruel do triúnviro.” Surge Otaviano e Augusto. A constituição se enfraquecera e o Senado perdera a dignidade. Os republicanos tinham perecido no campo de batalha ou ido ao exílio. Os políticos traziam desonra ao Império. Augusto, eleito censor, juntamente com Agripa, expulsou poucos membros e estimulou alguns a renunciar para evitar o descrédito. Ele destruía a independência do Senado. “Os princípios de uma Constituição livre se perdem irrevogavelmente quando o Poder Legislativo é nomeado pelo Executivo.” Augusto, ambicioso e populista, consente em aceitar o governo das províncias e “o comando geral das tropas romanas sob os notórios títulos de proconsul e imperator”, por dez anos. Essa farsa era uma atitude já conhecida no Império Romano, com monarcas perpétuos. Como príncipe, tornava-se senhor de Roma e da Itália. Augusto permitiu ao “Senado conferir-lhe, por toda a vida, os poderes dos cargos consular e tribuníci.” Tornara-se totalitário e despótico, mas exercia “uma monarquia absoluta disfarçada em forças republicanas.” A deificação dos imperadores romanos foi bastante longe, transferindo-se dos reis para os governadores da Ásia. Os magistrados eram adorados como deidades provinciais. A adulação espalhava-se por todos os rincões. Era possível tornar-se Deus por decreto solene. O título de Augusto era uma distinção pessoal e o de César familiar. O primeiro era sempre reservado ao monarca e o segundo a seus aparentados. Caráter de Augusto: “cabeça fria, coração insensível e disposição covarde o haviam induzido a assumir desde os dezenove anos de idade, a máscara da hipocrisia que nunca mais pôs de lado.” Contudo acabou como pai do mundo romano. Ele tinha certeza de que a humanidade era governada por títulos. A insolência dos exércitos preocupava Augusto. Os imperadores “eram eleitos pela autoridade do Senado e com o consentimento dos soldados.” Mas um trono desocupado é um momento cheio de discórdias e perigos. Diversos imperadores se seguiram, segundo a tradição romana. Sob o reinado de Adriano o Império floresceu em paz e prosperidade, encorajando as artes, reformando as leis e assegurando a disciplina militar. Sua personalidade era curiosa e vaidosa. Ele escolhe dois Antoninos para sua sucessão, que governaram o mundo com sabedoria por 42 anos. Eles foram bons e justos administradores. “A idade áurea de Trajano e dos Antoninos fora precedida por uma idade de ferro.” Foram eles Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Vitélio e Domiciano... “Durante oitenta anos Roma gemeu sob uma tirania ininterrupta, que exterminou as antigas famílias da República...” Os romanos foram subjugados e oprimidos. Os pensadores assimilaram dos filósofos gregos as mais justas e generosas noções da dignidade humana e da origem da sociedade civil! O império romano se espalhava pelo mundo e quando caiu nas mãos de um só indivíduo, esse mundo se transformou numa prisão.

(180-248 D.C.)

A brandura de Marco era a parte mais falha de seu caráter. Seu discernimento era enganado pela sua bondade. Cômodo, filho de Marco e da depravada Faustina, aos quinze anos sobe ao poder. Durante os 31 anos de seu reinado, os sábios conselheiros de Marco tiveram ascensão sobre o homem. Em 183 D.C. um assassinato, a mando do Senado, é articulado, mas o ato é frustrado e o criminoso revela o nome dos conspiradores. Tratava-se de sua irmã Lucila, que é morta. Cômodo depois de matar várias pessoas leais, confia os assuntos públicos a Perene, ministro servil e assassino. Ele aspirava ao trono, mas é executado. Isso se deveu às legiões da Britânia, que marcharam até Roma e exigiram a punição de Perene. Cleandro sucede Perene e era um ex-escravo. Todos os sentimentos virtuosos já haviam se extinguido da mente de Cômodo que era odiado pelo povo, totalmente oprimido. ‘“No original, o restante deste capítulo e os três subseqüentes, são um melancólico registro da crescente inquietude militar...”

(248-285 D.C.)

“Dos grandes jogos seculares celebrados por Felipe, em 248 D.C., até a morte do imperador Galieno, em 268 D.C., decorreram vinte anos de opróbrio e infortúnio.” Surgem os godos da grande ilha da Escandinávia. Eles e os suecos eram membros diferentes da mesma monarquia. Além deles, a oeste, espalhavam-se tribos de vândalos. As semelhanças entre esses povos denotavam que eram originalmente um só povo. Na época dos Antoninos estavam na Prússia. Em setenta anos houve a segunda migração dos godos do Báltico ao Euxino. Eles se predispunham às aventuras mais perigosas. As nações da Germânia combatiam sob o estandarte dos godos. Esses povos e da Sarmácia se distinguiram “por cabanas fixas ou tendas móveis, por uma vestimenta apertada, de peças graciosas, pelo casamento com um ou mais esposas, por uma força militar consistente... e, sobretudo pelo uso da língua teutônica ou eslavônica, a qual foi difundida pela conquista desde os confins da Itália até as vizinhanças do Japão.” Décio haveria de combatê-los e enfrentá-los, contudo, vitorioso, reforça as defesas do Danúbio. Valeriano, censor, seria eleito pelo Senado. Décio perde a vida lutando contra os godos, que preferiam a morte à escravidão. Seu filho também morre. Os bárbaros eram mais altos e acostumados com o charco. O título vai para seu filho Hostiliano. Instala-se uma guerra civil. Os bárbaros foram desbaratados e expulsos por Emiliano além-Danúbio. O assassinato de Galo e de seu filho pôs fim à guerra civil. Emiliano era moderado, porém vaidoso. Quatro meses depois ele cai e Valeriano, perto de sessenta anos, veste a púrpura. Os inimigos mais perigosos do império, nos reinados de Valeriano e Galieno, foram os francos, os alamanos, os godos e os persas. Nesse período um incontável número de assaltos dos bárbaros acontece e continua e escalada de conquistas dos godos. Trezentos anos de paz entre os habitantes da Ásia aboliram os exércitos e foi dissipada a apreensão de perigo. Os godos continuam a avançar até que a frota gótica ancora a oito quilômetros de Atenas, apossando-se da Grécia. Valeriano decide pessoalmente defender o Eufrates. Foi vencido pelos persas e feito prisioneiro por Sapor em 260 D.C. Émeso pilha os bens dos seguidores de Zoroastro. Sapor após por sítio a Cesaréia, capital da Capadócia, é acusado de ter sido inexorável e injusto com seus prisioneiros. O oriente tem o cruel Sapor. Valeriano foi o único imperador romano a cair em mãos persas. Galieno, seu filho, tornou-se proprietário único do Império Romano. Logo que tomou posse do Império seu péssimo e frívolo caráter desnudou-se. Ele insultava com luxo a pobreza geral. Uma turba de usurpadores levantou-se contra ele. “Dos dezenove tiranos que começaram com o reinado de Galieno, não houve um só que tivesse desfrutado uma vida de paz ou sofrido uma morte natural.” Quando caiam, levavam junto exércitos e províncias. A fome e a epidemia que se seguiram, por alimentação escassa, devastaram o Império Romano de 250 a 265 D.C. “Cinco mil pessoas morreram diariamente em Roma...” Após Cláudio, inicia-se um período de notável recuperação para o Império. A pestilência foi o fato de assolação do povo godo em 270 D.C. e alcançou Cláudio que nomeou Aureliano para propor mais entendimento com o godos. Iniciaram a fortificação de Roma. Entregariam a Dácio os povos góticos. “Tanto a viúva Zenóbia quanto a Tétrico permitiu-se uma vida privada de opulência e bem-estar e o luxo da morte natural, mas o próprio Aureliano teve morte violenta através dos ardis de um secretário matreiro.” A capitulação de Zenóbia, presa e trazida a Roma foi a mais formidável celebração do Império Romano. O idoso Tácito é feito imperador e isso lhe apressou a morte, seis meses depois de eleito. Foi substituído por Pobro, que por seis anos conseguiu repelir inúmeras invasões bárbaras. Seu sucessor, Caro, combate os persas e é morto, sendo seguido por Diocleciano que assume em 285 D.C. “O mais ambicioso e o mais bem-sucedido reformador entre os últimos imperadores de Roma.”

(285-313 D.C.)

Diocleciano rege com Maximiano, Galério e Constâncio. Diocleciano tivera os pais como escravos, mas seu pai tornou-se um escriba com ótima posição. Seu inteligente filho distinguiu-se com o governo da Mésia, as honras do consulado e como comandante do palácio. Seus talentos na guerra da pérsia foram inegáveis. Assim como Augusto, Diocleciano fundou um novo Império. Ele admirava a filosofia humanitária de Marco Antonio. Atendia a defesa do Oriente e do Ocidente. Maximiano nascera camponês como Aureliano. “A guerra era a única arte que professava.” Era moldado mais para obedecer do que para comandar, sendo valente e fiel soldado. Apesar das diferenças entre esses homens, mantinham no poder uma valiosa amizade. Os bárbaros atacavam o Império por todos os lados, exigindo grande vigilância e ótimo exército. Por problemas referentes à extensão do Império, Galério e Constâncio recebem “as honras segundas da púrpura imperial.” O império passa a ter quatro príncipes. Gália, Hispânia e Britânia ficam com Constâncio. Danúbio com Galério. Itália e África com Maximiano. Diocleciano reserva-se a responsabilidade da Trácia, Egito e das ricas regiões da Ásia. Inveja do poder era impensável. Apesar da habilidade política de Diocleciano, manter uma tranqüilidade constante foi impossível, em um reinado de vinte anos. O Oriente obteve uma grande calma por quarenta anos até a morte de Tiridates, quando uma nova geração empreendeu uma longa guerra “contra os príncipes da casa de Constantino.” Logo após um período de magníficas vitórias, os imperadores deixaram de vencer e “Roma deixa de ser a capital do Império.” Maximiano funda Milão que passa a ser, por sua localização, um local ideal para os imperadores. Enquanto residiam em Roma a presença dos príncipes era constante. O Senado fica acéfalo e a assembléia negligenciada. O império divide-se em quatro partes, sendo o Oriente e Itália as principais, contudo Danúbio e Reno eram mais trabalhosos. “A união política do mundo romano foi se dissolvendo aos poucos” e no decorrer dos anos a perpétua separação entre Ocidente e Oriente impõe-se. A manutenção desse Império era muito dispendiosa, com aumento de impostos e opressão ao povo. As províncias viram-se exploradas pelo peso dos tributos. Deste modo, “foi no vigésimo primeiro ano de seu reinado que Diocleciano levou a cabo sua memorável decisão de abdicar o Império...” Retira-se para Dalmácia. Maximiano abdica com muita relutância. Fora obrigado por Diocleciano a fazê-lo. Houve incursões de bárbaros, abusos, despotismo após sua abdicação por parte dos filhos de Diocleciano. A intelectualidade fenecera. “A voz da poesia emudecera.” Houve o surgimento dos neoplatônicos. “A escola de Alexandria silenciou as de Atenas e as antigas seitas se alistaram nas hostes de mestres mais em moda, que encareciam seu sistema pela novidade do método...” “Todo o âmbito da ciência moral, natural e matemática era negligenciado pelos neoplatônicos.” Esses homens “exauriram seu talento nas disputas verbais da metafísica”... e se empenharam em reconciliar Aristóteles com Platão acerca de assuntos em que ambos os filósofos eram tão ignorantes quanto o restante dos homens.” “Jactavam-se de possuir o segredo de desembaraçar a alma de sua prisão corpórea....converteram o estudo da filosofia em estudo da magia...Os neoplatônicos dificilmente mereceriam um lugar na história da ciência, mas na Igreja a menção de seus nomes ocorrerá com freqüência.”

(305-324 D.C.)

O poder moderador de Diocleciano só subsistiu aos longos anos de seu império por sua mão “firme e destra.” Tão logo Diocleciano e Maximiano abdicaram a púrpura foram substituídos por dois Césares: Constâncio e Galério. O primeiro príncipe continuou a administrar a Gália, Hispânia e Britânia, com seu caráter afável. Tinha a modéstia de um príncipe romano. O impetuoso Galério era muito diferente, “o triunfo da guerra persa lhe havia exaltado a mente soberba”. Eles foram elevados à posição de Augusto. Dois novos Césares tomaram-lhes o lugar. Eram Maximino, homem rústico, com o Egito e Síria e Severo com Itália e África. Os planos gloriosos desses homens não se realizaram. Constâncio obteve uma fácil vitória sobre os bárbaros da Caledônia e terminou a vida no palácio imperial de York. Sua morte imediatamente elevou Constantino, que só se apresentou quando o saudaram como Augusto e imperador. Ele informa ao outro imperador a morte de seu pai. Galério, irado, ameaça por fogo na carta, mas o reconheceu como o soberano das províncias além-Alpes, porém com o título de César e no quarto lugar entre os príncipes. Seu favorito, Severo, foi ao lugar vacante de Augusto. Constâncio estava com 32 anos e em plenitude física e mental. A longa ausência de imperadores fez com que os romanos sentissem descontentamento e indignação. Os privilégios da Itália “não eram mais levados em conta”. Novos tributos foram criados. Um obscuro estrangeiro foi elevado ao trono da Itália, para que ele pudesse governar sem obstruções de outros. Surge uma conspiração. O imperador Severo corre para Roma a fim de pacificá-la, mas encontra os portões da cidade fechados e as muralhas repletas de soldados. Sua frota, por mar, viria em seu auxílio da Ilíria e do Oriente, todavia Maximiano levou-o cativo para Roma e só pode obter “uma morte tranqüila e um funeral imperial.” Ele “confere ao genro e aliado o título de Augusto.” Maximiano pensara em um prudente sistema de defesa. Galério faz a primeiras tentativas de reconciliação com o astuto imperador, mas em vão. Galério deu finalmente a ordem de retirada. “Os atos de Constantino eram guiados pela razão e não pelo ressentimento”, assim não mais detestou Galério, que foi investido na púrpura. Maximino ao saber da promoção, no Oriente, desdenhou o título inferior de César. Pela primeira vez o Império romano é administrado por seis imperadores e o Império fica dividido em dois poderes hostis. Quando Maximiano abdicou do Império os oradores subornáveis aplaudiram sua filosófica moderação. Constantino era casado com a filha de Maximiano, imperatriz Fausta. Uma invasão dos francos obriga Constantino partir para as margens do Reno e outra parte do exército estaciona na Gália. Constantino ataca o sogro que tenta apoderar-se da púrpura imperial. Maximiano mata-se. Galério morre em Nicomédia. Dois imperadores disputam o domínio. As mortes desses dois príncipes reduziram a quatro o número de imperadores. Licínio une-se a Constantino, o qual brilhava em suas atitudes. Maxêncio era depravado e cruel. “A riqueza de Roma supria fundos inesgotáveis para cobrir as fátuas e pródigas despesas de Maxêncio, e os ministros de seu fisco eram hábeis nas artes da rapina.” Maxêncio, o execrável, considera-se o único imperador. Nutria aversão pelo Senado, o que “caracterizava a maioria dos anteriores tiranos de Roma.” A vida dos senadores ficava à mercê de suas suspeitas. Os únicos a quem respeitava eram os soldados, enchendo Roma e a Itália de tropas armadas, contudo nunca conseguira a estima de seu exército, por suas terríveis faltas. Constâncio, apesar de não gostar de Maxêncio não lutou contra seus atos, mas, por fim, em nome do senado e do povo, os embaixadores conjuraram-no a livrar Roma do tirano detestado. Desse modo resolveu “atacar o inimigo e levar a guerra até o coração da Itália.” Maxêncio tinha uma notável força militar de 80 mil soldados e Constantino 90 mil na infantaria e 8 mil na cavalaria. Marchou ao encontro do inimigo. Maxêncio encontrava-se certo da conquista, mas sofreu pela falta de experiência e fraco caráter. Os Alpes eram naturalmente guardados pela Natureza. Susa é atacada, no entanto, preservada da destruição total. Os soldados do oriente usavam armaduras, assim como seus cavalos o que conferia um aspecto assustador. Contudo, derrotados, fugiram em desordem para Turim, que lhes fechara os portões. O vitorioso, entrando no palácio imperial de Milão, recebeu o reconhecimento de todas as cidades italianas entre os Alpes e o Pó, que abraçaram sua causa. “A luz do novo dia iluminou a vitória de Constantino e um campo de carnificina coberto de milhares de cadáveres de italianos vencidos.” “Verona rendeu-se incondicionalmente.” Constantino se destacava no campo de batalha, porém Maxêncio preocupava-se apenas com o prazer e seus recursos eram consideráveis, apesar de tudo. Ele não tinha a menor intenção de chefiar pessoalmente seu exército, mas foi forçado a “sair a campo”. Contudo o povo romano já o desprezava. Constantino continua em um célere avanço e “58 dias decorreram entre a rendição de Verona e a decisão final da guerra.” Constantino acreditava que o inimigo preservaria seus homens e os vastos depósitos de víveres de seu povo. Nada disso ocorreu e deparou-se, em Saxa Rubra, com o exército de Maxêncio. Constantino atacou em pessoa a cavalaria do rival e os bravos pretorianos não conseguiram recuperar a vitória. Os soldados atiraram-se, aos milhares, nas fundas e rápidas águas do Tibre. O imperador foi forçado para dentro do rio, onde se afogou com o peso da armadura. Sua cabeça exposta para o povo persuadiu os romanos de sua libertação, aplaudindo o vencedor Constantino. Ele havia conseguido a neutralidade de Licínio, o imperador ilírio: prometera sua irmã Constância em casamento. Uma invasão dos francos obrigou-o a partir para o Reno e a aproximação do soberano da Ásia forçou a presença de Licínio. O imperador do Oriente tinha um exército de 70 mil homens e Licínio 30 mil, o que não foi fundamental para uma vitória com soldados disciplinados. Maximino foge derrotado, morrendo em Tarso. Esse fato não foi lamentado por ninguém. O mundo romano tinha dois senhores, Constantino no Ocidente e Licínio no Oriente. Após um ano da morte de Maximino os dois imperadores “voltam suas armas um contra o outro.” Atacado por Constâncio, Licínio retira-se prudentemente, outorgando o título de César a Valente, seu general de fronteira. A batalha trava-se na Trácia e a tropa de Licínio retira-se para as montanhas da Macedônia. Valente é obrigado a abdicar e morre dias depois de receber a púrpura. Constantino, porém, não vê com bons olhos um terceiro confronto armado e permite ao inimigo a posse da Trácia, da Ásia Menor, da Síria e do Egito. Mesmo assim os domínios de Constantino vão dos confins da Caledônia até a extremidade do Peloponeso. A reconciliação de Constantino e Licínio permitiu mais oito anos de tranqüilidade. Os godos respeitaram o poderio do Império romano, mas uma nova geração precipita-se contra eles. Constantino triunfa e eles se retiram. Constantino não suportava continuar com um parceiro como Licínio no Império e busca sua destruição, mas o idoso imperador contra ataca Constantino, entretanto não aproveita sua supremacia naval e deixa-se derrotar pela conduta intrépida de Constantino. Licínio possuía tal habilidade e talento que arregimentou, apesar de todas as derrotas, outro exército de 60 mil homens na Bitínia, enquanto o inimigo estava voltado para o sítio de Bizâncio. As tropas de Licínio, apesar de sua bravura, foram forçadas a uma derrota total. Ele se retira para Nicomédia e sua esposa, irmã de Constâncio, intercede a favor do marido. “Licínio teria permissão de passar o restante de sua vida em paz e opulência.” Constâncio passa a unificar o Império romano sob uma só autoridade. Como conseqüência advém o estabelecimento do cristianismo e a fundação de Constantinopla. O cristianismo firma-se graças ao zelo dos europeus, que levaram a religião a outros continentes, inclusive ao Mundo Novo. Entretanto, falta de informações esclarecedoras impossibilita desvendar claramente os primórdios do cristianismo. Essa religião pura e humilde foi insinuando-se na mente dos homens, crescendo silenciosa e obscuramente. A bandeira da Cruz se eleva por sobre as ruínas do Capitólio. Após catorze séculos, a religião é ainda professada nas nações da Europa. Ela se difundiu grandemente até as distantes regiões da Ásia e África e se estabeleceu do Canadá ao Chile, “num mundo desconhecido dos antigos.” “O escândalo do cristão piedoso e o falaz triunfo do infiel devem ter fim tão logo se disponham a lembrar não apenas por quem, mas igualmente a quem, foi dada a Revelação Divina... Por que meios obteve a fé cristã vitória tão notável sobre as religiões estabelecidas no mundo. A tal indagação se pode dar uma resposta óbvia, mas satisfatória de que foi graças à convincente evidência da própria doutrina e à divina providência de seu grande Autor.” O desenvolvimento do cristianismo parece ter tido cinco causas. I. O inflexível zelo e intolerância dos cristãos. II. A doutrina de uma vida futura recebida como importante verdade. III. Os poderes miraculosos da Igreja primitiva. IV. A pura e austera moralidade dos cristãos. V. A união e disciplina da república cristã, que formou um Estado independente no seio do Império romano. O judaísmo, definhado e escravizado, volta sob os sucessores de Alexandre, suscitando curiosidade em outras nações. Esses homens com ritos peculiares “mal escondiam sua implacável aversão ao resto da raça humana.” Augusto concedeu, em prol de sua prosperidade, que sacrifícios fossem feitos no templo de Jerusalém. O apego pela religião judaica igualava seu ódio pelas religiões estrangeiras. Essa religião se adequava à defesa, mas não à conquista, pela sua intransigência. Através de Abraão, a Deidade conferiu-lhe um sistema de leis e cerimônias, declarou-se o Deus privativo e nacional de Israel e separou esse povo das outras nações. A conquista sangrenta de Canaã deixou-os irreconciliáveis para todos os vizinhos. O cristianismo oferece-se com mais brandura. O judaísmo considerava que o Profeta seria um rei conquistador e não mártir e filho de Deus. A iniciação não era mais pelo sangue, mas sim pela água. A promessa do favor divino torna-se universal e não mais de um só povo. Toda a humanidade beneficiar-se-ia de conforto espiritual e de um lugar no céu. Os judeus convertidos parecem ter alegado a origem da lei mosaica e as imutáveis perfeições de seu Autor. Entretanto alguns teólogos explicaram a linguagem ambígua do Velho Testamento. Os nazarenos da época continuaram a insistir na necessidade e validade das leis mosaicas, mas voltaram a integrar-se no corpo da Igreja cristã. “o relato mosaico da criação do homem era tratado com profana derrisão pelos gnósticos”, que não suportavam a teoria do repouso após seis dias de trabalho, da costela de Adão, do jardim do Éden, das árvores da vida e do conhecimento, da serpente falante, do fruto proibido e do pecado venial de seus pais primeiros. Toda arte que possuísse ornamentação de ídolos era considerada como idolatria. Isso era considerado espírito infernal em qualquer ramo das artes. As obras dos filósofos da Antiguidade testemunhavam erros e ignorância quanto à imortalidade da alma para essas pessoas. A razão desses sábios foi guiada pela imaginação e esta incitada pela vaidade. Os antigos cristãos possuíam um desprezo pela vida presente e absoluta confiança na imortalidade. Na igreja primitiva era crença geral que o fim do mundo e o reino dos céus estavam iminentes. Ao mesmo tempo em que a glória e felicidade de um reinado temporal eram prometidas aos seguidores de Cristo, as mais horríveis calamidades contra o mundo incrédulo eram anunciadas. A igreja cristã, desde os primeiros tempos, alegava uma sucessão ininterrupta de poderes miraculosos, desde o dom de línguas até ressuscitar os mortos e curar os enfermos. No fim do século II, a ressurreição de mortos não era considerada um feito muito raro. A moralidade pura e austera dos cristãos era demonstrada por meio de suas virtudes. O arrependimento dos pecados e a defesa da sociedade em que se haviam engajado eram exemplos de virtude. Eles reconhecem que alguns de seus santos foram grandes pecadores, antes de professar a fé cristã e se arrependeram. À medida que eram muito perseguidos uniam-se mais uns aos outros. Para colocar o Evangelho acima da sabedoria filosófica, os fundadores da Igreja levaram “os deveres de purificação, de pureza, de paciência a um extremo quase impossível de atingir e menos ainda de manter em nosso presente estado de fraqueza e corrupção.” A casta severidade da natureza sensual do homem era ressaltada. “A ligação carnal se refinava num símile da união mística de Cristo com sua Igreja...” Mas seu amor à ação nunca pode ser eliminado de todo. A segurança dessa nova sociedade suscitava um sentimento patriótico igual aos dos primeiros romanos com relação à república. “Optaram por tolerar antes alguns escândalos de faccionismo e divisão do que excluir os cristãos de uma época futura de liberdade de variar suas formas de governo eclesiástico, em conformidade com as mudanças dos tempos e circunstâncias.” A funções públicas da Igreja eram confiadas aos ministros oficiais, aos bispos e aos presbíteros, mas logo seria necessário um presidente. Foi quando o alto título de bispo começou a sobrepujar a humilde designação de presbítero. Isso ocorre antes do século I. Quando morria o portador da presidência episcopal, escolhia-se um novo presidente pelo sufrágio de toda a congregação, pois os membros se julgavam investidos de caráter sagrado e sacerdotal. Cada comunidade formava uma república separada e independente. Os cristãos não estavam unificados por nenhuma autoridade suprema ou assembléia legislativa. Uma correspondência regular foi estabelecida e a “Igreja católica assumiu a forma e adquiriu a solidez de uma grande república federativa.” No século III os prelados converteram “a linguagem da exortação em linguagem de comando... suprindo com alegoria e retórica declamatória das escrituras suas deficiências de força e de razão.” Os bispos tornaram-se os delegados de Cristo e sucessores dos apóstolos. A diferença de mérito e reputação entre os bispos começaram a ser sentidas agudamente. A multidão era dominada pela eloqüência de poucos. Uma rivalidade surge entre os bispos. A Igreja romana era a maior e mais numerosa do Ocidente além de tudo a mais antiga de todas as Igrejas cristãs. Os bispos de Roma “reivindicavam a herança de quaisquer prerrogativas que fossem atribuídas ou à pessoa ou ao cargo de São Pedro.” O amor ao poder dos bispos e mártires aumentou o número de seus súditos, conseqüentemente do Império cristão. Adotavam recompensas e punições a seus fiéis. Estes vendiam tudo para doar o dinheiro às Igrejas, empobrecendo, assim, sua prole que se tornava miserável. “Uma parte razoável desse dinheiro estava reservada à manutenção do bispo e seu clero.” O dinheiro era também distribuído para os órfãos, viúvas, aleijados, enfermos e peregrinos. As congregações menores recebiam esmolas de seus confrades mais abastados. Dentre as punições da igreja primitiva estava a excomunhão temporal e espiritual. O indivíduo tornava-se objeto profano de aversão das pessoas que mais havia amado. As doutrinas de excomunhão e penitência eram a parte mais importante da religião. Seria mais fácil desobedecer às leis de Deus do que desprezar as censuras e autoridade de seus bispos. O cristianismo espalhou-se pela Síria, Chipre, Creta, Corinto, Esparta, Atenas. Assim a igreja ortodoxa multiplicava-se, pela sua antiguidade. “O intenso comércio de Alexandria e sua proximidade da Palestina propiciaram fácil ingresso à nova religião.” Os cristãos de Roma, na época de Nero, já formavam uma enorme multidão e os cristãos africanos eram um dos membros principais da Igreja primitiva. Na gélida Gália o progresso da Igreja cristã foi mais lento. Lá não havia nenhum autor eclesiástico. “A nova religião, um século após a morte de seu Divino Autor, já havia visitado todas as partes do globo. Não existe nenhum povo, grego, bárbaro ou de qualquer outra raça de homens... que não ofereça suas preces, em nome de um Jesus crucificado, ao Pai e Criador de todas as coisas.” Entretanto, os bárbaros da Cítia e da Germânia viviam mergulhados nas escuridões do paganismo. Um evangelho imperfeito foi difundido na Caledônia, Reno e Danúbio. A filosofia, finalmente, se instaura entre os cristãos, entretanto “o saber foi tão amiúde pai da heresia quanto da devoção...” A ciência é relegada a favor da geometria e reverenciam nomes como os de Euclides, Aristóteles, Teofrasto e Galeno. O reino dos céus é prometido aos pobres de espírito e como conseqüência “os sábios abusam, em dúvidas e polêmicas, da vã superioridade da sua razão e do saber.” Sêneca, Plínio, Plutarco, Galeno, Epiteto e o imperador Marco Aurélio, entre outros, acreditavam na dignidade da natureza humana e livraram-se da superstição popular através da filosofia. A Igreja primitiva passa por 40 anos de paz e desenvolvimento. Os imperadores eram indiferentes a ela. Com Diocleciano as coisas mudaram radicalmente por uma década. “Gibbon calcula em cerca de 2 mil o número total de cristãos executados nesse período.”

(300-500 D.C.)

Constantino legou a herança do Império Romano, com nova capital, nova política e nova religião. Roma foi se igualando aos reinos dependentes. O novo Imperador raramente visitava a antiga capital. “A memória de Diocleciano era justificadamente detestada pelo protetor da Igreja, e Constantino não se mostrava insensível à ambição de fundar uma cidade que pudesse perpetuar-lhe a glória do nome.” A posição de Bizâncio era incomparável, resguardada pela natureza contra os inimigos e ainda acessível ao intercâmbio comercial. Constantinopla, a cidade imperial, com suas sete colinas, dominava. Seu clima era ameno, o solo fértil e a baía grande e segura, tendo um fácil acesso pelo continente. Os mais variados e importantes produtos eram comercializados na região. Produtos coletados das florestas da Germânia, Cítia, bens da Europa, Ásia, Egito eram levados ao porto da capital, que por séculos atraiu o comércio do mundo antigo. Novas muralhas foram construídas nas cinco colinas, a fim de proteger a cidade de avanços bárbaros. Constantino exigiu que os mais valiosos ornamentos da Grécia e Ásia fossem depositados em Constantinopla, a fim de embelezar e glorificar ainda mais a cidade. Ele concedeu a seus favoritos palácios construídos em vários bairros da cidade além de conceder terras e pensões, para aumentar o número de habitantes importantes. A antiga capital ficara relegada ao esquecimento e a solidão. “Como o desenvolvimento de Constantinopla não pode ser atribuído ao desenvolvimento geral da humanidade e da indústria, tem-se de admitir que essa colônia artificial criou-se à custa das antigas cidades do Império.” Outra classe de habitantes surge: os serviçais, artífices e mercadores que tiraram seu sustento trabalhando para as classes dominantes. Constantinopla e Roma disputam em grandeza e número de habitantes. Gradualmente os cidadãos de Roma foram-se se corrompendo pela pompa grandiosa da Ásia. Surge o despotismo dos imperadores. A pureza da língua latina também se corrompia. A simplicidade dos primeiros tempos do Império romano é que proporcionou sua força, sustentabilidade e poder. Com o luxo e os gastos extraordinariamente altos, o Império veio abaixo. “Os próprios imperadores, que desdenhavam a pálida sombra da república, tinham consciência de que se aureolavam de esplendor e majestade adicionais sempre que assumiam as honras anuais da dignidade consular.” Os cônsules e patrícios voltavam-se para a administração civil e militar desse mundo romano, adquirindo poder. Havia quatro prefeitos sob Constantino: O prefeito do Oriente, das importantes províncias da Panônia, Dácia, Macedônia e Grécia, o prefeito da Itália e o prefeito dos gauleses. Todos com imensos territórios. Tudo o que pudesse interessar à prosperidade pública era ajuizado pelo poder dos prefeitos pretorianos. “Embora os imperadores não mais temessem a ambição de seus prefeitos, cuidavam de contrabalançar o poder desse alto cargo mercê da incerteza e brevidade de sua duração.” O poderoso Império foi dividido em 116 províncias, com uma cara e suntuosa estrutura governamental. Os governadores possuíam os poderes do próprio soberano. Constantino instituiu um cuidadoso equilíbrio entre os poderes civil e militar, contudo permitiu, com seus hábitos de luxo e negligência, que o Império fenecesse. Os filhos de veteranos deveriam, por herança, devotarem-se ao exército tão logo chegassem à idade certa; “sua recusa era punida pela perda da honra, da fortuna e até da vida.” O alistamento de bárbaros no exército romano fez-se necessário. Eles eram citas, godos e germanos de grande bravura e ousadia e achavam mais rendoso defender do que pilhar as províncias inimigas. Os ministros do palácio também contavam com grande influência e sofisticados títulos. Gibbon afirma que no fim de seu reinado, Constantino transformara-se em um “monarca cruel, mas dissoluto”. Seus vícios agravaram a “secreta porém geral decadência” visível em todo Império. Ele morre aos 64 anos e seus três irmãos dividiram o Império entre si. O cristianismo ia se estabelecendo como religião oficial, apesar do declínio do Império e das guerras, alterando sua estrutura social. A conversão de Constantino ao cristianismo foi gradual, tendo sido batizado em sua última enfermidade. “Os bispos e mestres cristãos tinham fácil acesso ao trono” e a Igreja recuperou-se e ainda obteve título legal das terras e propriedades perdidas sob Diocleciano. Os santuários foram sendo transferidos para as Igrejas cristãs.

(312-362 D.C.)

Os interesses dos romanos e dos bárbaros envolveram-se nas disputas teológicas do arianismo. Platão tenta entender Deus e o Universo. Logos poderia ser o filho de um Pai eterno e Criador e Regente do mundo. Essas doutrinas foram entendidas após um estudo de 30 anos. Os mais brandos judeus seguiram a filosofia de Platão. Todavia isso não satisfazia uma mente racional. Alguns admitiam que o filho de Deus tivesse nascido de uma virgem, mas todos discordavam da anterior existência e as divinas perfeições de Logos, ou Filho de Deus, tão bem definidas no evangelho de São João. A dificuldade da aceitação de Jesus como divindade para os filósofos foi grande. “O nome respeitável de Platão foi usado pelos ortodoxos e abusado pelos hereges como sustentáculo tanto da verdade quanto do erro...” O grande teólogo Atanásio quanto mais tentava entender isso “mais incapaz era de exprimir seus pensamentos.” Seis anos depois, no Concílio de Nicéia, formou-se a “consubstancialidade do Pai e do Filho”, como o artigo fundamental da fé cristã através das Igrejas latina, grega, oriental e protestante. Católico, etimologicamente, significa universal. Com o tempo surgem dezoito modelos diferentes de religião e “desafrontou a violada dignidade da Igreja”. Hilário dizia que “É coisa de igual modo deplorável e arriscada, que existam tantos credos quanto opiniões entre os homens, tantas doutrinas quanto inclinações, e tantas fontes de blasfêmias quanto faltas entre nós; pois elaboramos credos arbitrariamente e arbitrariamente os explicamos.” Os ocidentais eram menos cultos e indagadores do que os orientais, assim aceitaram com docilidade a nova doutrina. Os latinos haviam recebido o conhecimento divino “pela via obscura e duvidosa de uma tradução.” Seu idioma era menos sofisticado do que o grego e palavras não adequadas e uma deficiência verbal podia acarretar uma série de equívocos ou perplexidades. Mesmo assim mantiveram com firmeza a nova doutrina. O espírito de discórdia que se apossou das províncias do Oriente perturbou o triunfo de Constantino. Ele aconselha ao clero de Alexandria que siga o exemplo dos filósofos, que argumentavam sem perder a calma, afirmando “sua liberdade sem romper os laços de amizade.” Constantino ratifica o credo niceno e ameaça com o exílio os resistentes. Porém esses exilados, após três anos, foram chamados de volta e Eusébio volta ao trono episcopal. O governo de Constantino “não pode ser isentado da censura de leviandade e fraqueza.” Os filhos dele também adiaram o batismo. Amiano, estudando Constâncio, afirma: “As estradas reais se cobriram de bandos de bispos que, vindos de todas as partes, galopavam rumo à assembléia, que chamavam de sínodos; o sistema de postas públicas quase se arruinava por suas apressadas e repetidas jornadas.” Constâncio vivia atormentado pelo seu espírito que ora aceitava ora condenava os mesmos conceitos. O cristianismo é imposto por Constâncio. Ele impôs ao mundo uma “profissão de fé que estabelecia a aparência, sem exprimir a consubstancialidade, do Filho de Deus.” Atanásio, o arcebispo da Alexandria, ficou para sempre ligado à doutrina da Trindade. “O conhecimento da natureza humana era a primeira e a mais importante das ciências de Atanásio.” Esse homem sábio jamais “perdeu a confiança dos amigos ou a estima dos inimigos.” Porém, advém uma disputa entre as Igrejas ortodoxa e latina. O sucessor indicado de Atanásio foi o famoso Jorge da Capadócia. Os mosteiros egípcios estavam instalados em pontos desolados, no topo de montanhas ou ilhas do Nilo, com milhares de monges saudáveis e decididos: campônios da região circunvizinha. Atanásio passa seus anos de afastamento na companhia dos monges, os quais trabalhavam para ele como mensageiros, guardas ou secretários. Ocorre que os abusos do cristianismo geraram novas causas de tirania e insurreição no governo romano e os vínculos sociais civis foram “despedaçados pela fúria das facções religiosas.” Havia a prática de autodestruição dentro de algumas seitas religiosas. A experiência de Amiano prova que a inimizade dos cristãos entre si era pior do que a fúria dos animais selvagens contra o homem. Os filhos de Constantino aumentavam os hábitos de rapina e opressão e aceitavam o comportamento ilegal dos cristãos, assim como a demolição dos templos era tida como uma ocorrência auspiciosa do reinado de Constante e Constâncio. O culto pagão volta durante o período de governo desses homens, tanto no Oriente como no Ocidente.

(360-363 D.C.)


Juliano recebia entusiásticos louvores de todas as partes do império romano, a exceção do palácio de Constâncio. Ele era querido e amado por seus soldados e provincianos. Porém, suas virtudes eram alvo de inveja dos favoritos que se haviam oposto à sua elevação. Era o inimigo da Corte. Ofensas eram dirigidas a sua pessoa, mas esse vencedor dos alamanos e francos não podia mais ser motivo de desconsideração. Constâncio desejava roubar-lhe as glórias de seus esforços. O monarca enviou ordens ao jovem Juliano, em Paris, para que quatro legiões competentes inteiras – celtas, petulantes, hérulos e batavos - se desligassem de seu estandarte. Trezentos bravos jovens deveriam chegar às fronteiras da Pérsia. Desse modo a honra pessoal de Juliano estaria comprometida. Esse procedimento provocaria opressão nos guerreiros independentes da Germânia, que consideravam a “independência como a mais valiosa de suas posses.” Eles amavam Juliano e odiavam o imperador. Temiam o calor, “as setas dos persas e os desertos escaldantes da Ásia.” Estavam habituados ao clima frio. Juliano temia por seus soldados e não mais podia recorrer aos leais conselhos de Salústio, afastado de seu cargo. Esse general atormentado que era importunado por constantes mensagens imperiais, exprimiu “seu desejo e até sua intenção de renunciar à púrpura...” Porém teve de reconhecer que devia obediência e envia uma parte das tropas para os Alpes. Os homens de Constâncio alarmaram-se e finalmente marcharam por Paris, ao contrário do que Juliano havia aconselhado. O general dirigiu-se à multidão que o rodeava e advertiu-os sobre a subordinação devida. Depois de um silêncio foram enviados de volta aos quartéis. O ressentimento dos provincianos se transformou em conspiração e queixas. Perto da meia-noite, uma multidão armada cercou o palácio e gritou: “Juliano Augusto”. Ao amanhecer, os soldados, à força, “guardaram Juliano com espadas desembainhadas ao longo das ruas de Paris” e o aclamaram imperador. Os soldados preferiram a gratidão de Juliano à clemência do imperador. Ele só cedeu porquanto foi ameaçado de morte se não o fizesse. Entregou-se nas mãos de Júpiter, do Sol, de Marte, de Minerva e todas as outras deidades. Estava “predestinado a restaurar a antiga religião da humanidade.” Estava disposto a evitar um confronto com Constâncio, que era o imperador do Oriente, o mais poderoso. Em uma negociação reivindica somente o que já possuía: Gália, Hispânia e Britânia. Juliano, apesar da paz, se prepara para a guerra, como nos primeiros tempos do Império. Ele conquistou uma tribo de francos, considerada inacessível. Inspecionou os territórios recuperados dos alamanos e fixou-se em Vienne para o próximo inverno. Vadomair, príncipe dos alamanos, foi detido e enviado para a Hispânia. Juliano, após várias vitórias, tenta “renunciar”, mas é aclamado Augusto. “Leu-se posteriormente uma parte da carta em que imperador censurava a ingratidão de Juliano”, a quem havia educado e protegido desde a infância. Juliano professa: “Então o assassino de minha família censura-me por eu me ter tornado órfão?” Juliano renuncia ao catolicismo e à amizade de Constâncio. A testa de seu exército, corajosamente, atravessa o território bárbaro e emerge entre Ratisbona e Viena, onde embarcaria suas tropas no Danúbio. As margens estavam cheias de admiradores da pompa militar e do homem “à frente das inumeráveis forças do Ocidente.” Constâncio morre aos 45 anos no 24°ano de seu conturbado reinado. Antes de morrer consta que Constâncio havia escolhido Juliano como sucessor, pois estava casado com uma mulher jovem, carinhosa e grávida. O filósofo Juliano, aos 32 anos, é proclamado Imperador. Teria certamente preferido “os bosquetes da Academia e a sociedade de Atenas”, mas vê-se obrigado a aceitar, seguindo as palavras de uma bela metáfora de Aristóteles. Abraçou uma dieta leve e parca formada de verduras e legumes, “que lhe deixava a mente e o corpo sempre purificados e dispostos para as diversas e importantes atividades de quem era, a um só tempo, escritor, pontífice, magistrado, general e príncipe.” Juliano era um gênio ágil e frugal. Distanciava-se de diversões frívolas e devotava todo o seu tempo ao interesse público e ao aperfeiçoamento de seu espírito. Apenas dezesseis meses transcorreram-se entre a morte de Constâncio e a de seu sucessor, para uma batalha persa, mas sua dedicação fez com que deixasse uma magnífica literatura. Sua obra foi escrita durante longas noites de somente dois invernos, em Constantinopla e Antioquia. Ele se converteu ao paganismo em Atenas com 20 anos. Sua rígida educação cristã, durante a infância e adolescência, fez com que desprezasse a Igreja católica. Contudo, era totalmente aberto a qualquer culto que seus súditos deliberassem professar. Gostava de chamar os cristãos de “os galileus”. Suspendeu toda e qualquer regalia que a Igreja já tivera no passado, excluindo os cristãos do estudo de gramática e retórica! Morrendo na batalha persa, seu sucessor, Joviano, foi obrigado a devolver cinco províncias além-Tigre e Nisibis. Joviano restabeleceu o cristianismo, mas morreu poucos meses após sua elevação.

(363-384 D.C.)

Valentiniano é aceito como novo imperador. Era um grande militar da África e da Britânia. Após a morte de Joviano o trono ficou sem dono por dez dias. Tão logo se cogitou no nome de Valentiniano ele foi imediatamente aceito. Ele tinha uma feição viril, era alto e majestoso. Por ser um militar, havia se afastado da literatura, língua grega e retórica. Na época de Juliano seu mérito era reconhecido. Foi convocado à púrpura, aos 43 anos, apenas por seu mérito, perícia e eficácia. Algumas de suas palavras ao receber o trono: “Julgando... que eu merecia reinar colocastes-me no trono. É agora meu dever cuidar da segurança e do interesse da causa pública O peso do universo é, sem dúvida, demasiado para as mãos de um fraco mortal. Tenho consciência dos limites de minha capacidade e da incerteza de minha vida... estou ansioso por solicitar a ajuda de um colega condigno...Tal deliberação será da minha responsabilidade... e esperai o costumeiro donativo pela elevação de um novo imperador.” As tropas atônitas aceitaram o comando do novo imperador. Acabou por escolher seu irmão Valente, de 36 anos, o que não agradou aos romanos. Valentiniano fica em Milão e seu irmão, Valente, em Constantinopla, com a rica prefeitura do Oriente desde o baixo Danúbio até a Pérsia. Para ele reservou as belicosas prefeituras da ilíria, Itália, e Gália, desde o extremo da Grécia até o sopé do monte Atlas. Um duplo contingente de magistrados e generais foi organizado. As artes mágicas eram censuradas. A mistura de traição, magia, adultério e veneno causavam motivos para processos julgados por juízes, por vezes, apaixonados. Da Itália e Ásia todo tipo de indivíduo era trazido para punições e cruéis torturas. Valente tinha índole tímida, Valentiniano colérica. Quando o último tornou-se imperador entregou-se “às furiosas paixões de seu temperamento numa época em que lhe foram desastrosas e fatais...” Toda sua crueldade foi exposta aos cidadãos romanos. Ursos enormes, agora, comiam as vítimas de Valentiniano. Contudo em momentos importantes e de reflexão, ele retomava as idéias e uma conduta condizente com o “pai da pátria”. Os irmãos, finalmente, reformaram os abusos da época de Constâncio e aperfeiçoaram os métodos de Juliano. Roma possuía 14 bairros. Os princípios de uma universidade moderna surgem com Valentiniano para educar a juventude. As artes da retórica e gramática seriam ensinadas nas línguas grega e latina. Era necessário que os estudantes trouxessem certificados dos magistrados de suas províncias. Seus nomes, profissões e locais de residência ficavam registrados em um Registro Público. Seus talentos seriam utilizados pelos governantes. As finanças eram gerenciadas pelos dois irmãos acostumados “à rígida economia de uma fortuna particular.” Valentiniano conseguiu manter uma firme e moderada imparcialidade nas lutas religiosas. Valente alivia o povo de impostos muito altos, mas Valentiniano aumentou os impostos da classe rica privada, para beneficiar o Estado. Manteve uma respeitável imparcialidade em “uma época de lutas religiosas.” Pagãos, judeus e várias outras seitas cristãs estavam protegidos para exercer seus cultos sem tumulto ou iniqüidade. Houve moralização no seio do clérigo e das doações testamentárias, pois alguns homens mal intencionados vinham dos confins do Oriente para tornarem-se clérigos, a fim de influenciar e espoliar viúvas ricas e desorientadas. Eles fraudavam as expectativas dos herdeiros naturais. A opulência dos papas do século IV era inteiramente vergonhosa, totalmente oposta à humilde pobreza do seu primeiro representante. Valentiniano soube defender seu império dos bárbaros e dos fanáticos. “Tão logo a morte de Juliano livrara os bárbaros do terror de seu nome, as mais ardentes esperanças de rapina e conquistas animaram as nações do Oriente, do norte e do sul.” Durante os doze anos de reinado, Valentiniano soube proteger seu povo dos fanáticos e bárbaros. Os cinco grandes palcos de guerra eram: Germânia, Britânia, África, Oriente e Danúbio. Essas regiões possuíam regimes muito menos sofisticados do que no interior do Império. Na Britânia havia o canibalismo. O presidente de Trípole, na África, foi executado em público. Os conspiradores eram executados e outros, com crimes menores, tinham ambas as mãos amputadas. O rancor dos rebeldes fundiu-se em medo e, por fim, em uma “respeitosa admiração”. A África se perdera pelos vícios dos romanos. Nesse tempo, a Armênia torna-se uma província persa. Na região do Danúbio, o grande Hermanrico, rei dos ostrogodos reinava da Germânia à Cítia. Esses povos eram vigorosos e bravos. Valente após uma vitoria contra eles “volta em triunfo para Constantinopla.”

(365-398 D.C.)

Os góticos, em 40 anos, invadiram o Atlântico e tomaram tribos ainda mais hostis do que eles próprios. Os guerreiros hunos da Ásia Oriental, muito antes da era cristã estabeleceram um amplo domínio que exercia poder até sobre o império chinês, mas seu imperador da dinastia Han, derrotou-os e destruiu-lhes os aliados. Os hunos dividiram-se em três grandes grupos: um permaneceu no país natal; um segundo no Sudoeste da China e um terceiro, mais audaz, voltou-se para o Ocidente. O terceiro dividiu-se em dois: um à volta do mar Cáspio, o outro atravessou a Ásia e Europa oriental. Deste modo no fim do século IV, surgiu essa população entre os povos bárbaros, nas fronteiras ao nordeste do Império Romano. Eles “absorveram a grande nação dos alanos e então se precipitaram sobre os aterrados godos...” que acreditavam que esse povo eram os filhos das bruxas da Cítia com espíritos infernais do deserto. A nação visigótica refugiou-se para as margens do Danúbio e solicitaram a proteção do Imperador romano do Oriente. Valente conclui a guerra gótica e percorre seus domínios da Ásia. Esse príncipe vê-se enriquecido com a solicitação de ajuda dos bárbaros. Permitiu-se até mesmo que eles entrassem nos botes com suas armas. Uma nação de bárbaros exigia mãos duras e firmes para governá-las. Entretanto o descontentamento, nos acampamentos bárbaros, se difundiu lentamente pelos maus tratos que recebiam. Com o título de juízes, Alavivo e Fritigerno eram os chefes dos visigodos na paz e na guerra. O último cultivou secretamente a amizade dos ostrogodos, enquanto obedecia às ordens dos generais romanos e avançava vagarosamente à capital da baixa Méseia, a cem quilômetros das margens do Danúbio. Advém uma vitória gótica sobre os romanos. Valente é desprezado por seu povo. É mortalmente ferido na batalha de Adrianópolis e, finalmente, morre vitimado por um incêndio, em uma cabana. “A juventude e a inexperiência de Valentiniano o tornaram, contudo, alvo fácil para um usurpador ambicioso. Assim que Teodósio voltou a Constantinopla, as rédeas reais do poder foram parar nas mãos de certo Arbogates, um franco que comandava os exércitos da Gália. Encontrou-se o corpo de Valentiniano estrangulado pouco depois de uma discussão com Arbogastes, que elevou à púrpura um associado de nome Eugênio.” É deposto por Teodósio que voltou a governar o Império todo. Poucos meses depois morre, legando o Império aos seus filhos débeis, deixando os romanos com uma administração anêmica e dividida. Seus nomes eram Arcádio e Honório, que fracassaram definitivamente.

(398-408 D.C.)

Teodósio morrera em janeiro e a nação gótica estava em guerra. As barreiras do Danúbio foram destruídas, os selvagens guerreiros saíram das suas florestas e “rolavam seus pesados carroções sobre o dorso plano e gélido do rio indignado.” A invasão dos godos ajudou a eliminar os restos do paganismo e os mistérios de Ceres, que tinham 1800 anos, sucumbiram à destruição “de Elêusis e às calamidades da Grécia.” Estilício avança contra os invasores da Grécia, mas a perseverança do romano venceu os inimigos. Os godos retiraram-se para as altas montanhas de Foloé. Tempos depois Alarico é proclamado, por seus feitos e glórias, rei dos visigodos. O presunçoso imperador Honório assusta-se ao saber que Alarico acercara-se do palácio de Milão. Ao invés de pegar as armas, refugia-se nas províncias da Gália. Entretanto a disciplina bárbara era frouxa e deste modo a capital foi salva pela diligência de Estilício. “Enquanto a Itália se rejubilava de sua libertação dos godos, uma furiosa tempestade surgia entre as nações da Germânia...” Os germanos são vencidos e vendidos como escravos “ao preço vil de uma moeda de ouro cada.” Nas margens do Reno e Tibre, viam-se, em um cenário de paz, casas elegantes e quintas bem cultivadas. Porém isso mudou e com um ataque sobrou apenas ruínas fumegantes. No curso desses fatos, o rei dos godos sofreu uma perda considerável, mas os romanos se opuseram a negociar com um rei bárbaro. Entretanto 4 mil libras de ouro foram oferecidas para garantir a paz da Itália e a amizade do rei godo. Após vários e constantes embates e a invasão dos germanos na Gália, Estilício cai em desgraça e morre.


(408-410 D.C.)

As tropas auxiliares estrangeiras que haviam auxiliado Estilício preocupavam-se com a segurança de suas famílias, reféns na Itália. Contudo o rei godo, Alarico, mantinha superioridade em negociações com o fraco Imperador romano. Em marchas rápidas “estendeu suas devastações pelo litoral Adriático e meditou a conquista da antiga senhora do mundo.” O rei dos godos instalou seus acampamentos sob os muros de Roma. Durante 690 anos o Império romano jamais recebera em seu seio um inimigo. A grandeza de Roma é afetada pelos inescrupulosos, ostensivos e corruptos senadores. A hospitalidade romana, famosa em outros tempos, pois “socorria ou recompensava qualquer forasteiro que pudesse alegar seu mérito ou infortúnio”, estava totalmente mudada. Os visitantes tinham seu nome e procedência rapidamente esquecidos. Os nobres se encontravam fatigados com as vantagens dos livros e do saber. As bibliotecas herdadas encontravam-se fechadas, entretanto instrumentos de teatro, flautas, órgãos e música vocal eram ouvidos pelos palácios. Esperavam uma herança ou um legado, sendo um cidadão rico e sem família o mais poderoso romano. A classe média era a parte mais útil e respeitável dessa sociedade decadente. A situação dos lavradores era péssima, pois se viam obrigados a abandonar o cultivo de suas granjas, durante o serviço militar. Suas terras foram sendo usurpadas pela nobreza. Os atuais governantes doavam trigo para aliviar a pobreza, mas não os ajudavam com trabalhos honestos e a distribuição mensal de trigo se converteu em uma cota diária de pão! Os palácios eram construídos e decorados com os mais finos e caros materiais. Sobrepujaram em opulência os reis da Ásia e nas ruas das cidades plebeus eram vistas em andrajos e sujos. “Mas a diversão mais animada e mais grandiosa da turba indolente eram os jogos e espetáculos públicos promovidos com frequência.” Os terríveis combates de gladiadores era a distração mais procurada. “A felicidade de Roma parecia depender do desfecho de uma corrida.” Essa era a situação no reinado de Honório, quando o exército godo atentou contra a cidade. Alarico apoderou-se dela e insultou a capital do mundo. “O último recurso dos romanos estava na clemência, ou, ao menos, na moderação, do rei dos godos.” Ele empregou um método de conquista mais benévolo. Alarico exigiu que a cidade se rendesse incondicionalmente. O medo e a fome, com a destruição dos estoques de alimento, venceram o Senado, que colocou no trono um novo imperador, Átalo. Esse homem conseguiu, nos primeiros dias de reinado, prosperidade, mas a maior parte da Itália se submeteu ao poderio godo. Os governantes consentiram “em reconhecer a legalidade da eleição de seu competidor e em dividir as províncias da Itália e do Ocidente entre os dois imperadores.” Átalo prometeu que se Honório abdicasse imediatamente ao governo, poderia passar o resto de sua vida em alguma ilha remota. Honório tremia à aproximação de qualquer serviçal, mas um reforço de 4 mil veteranos desembarcou em Ravena e “entregou ele a guarda das muralhas e portas da cidade...” Átalo cometeu medidas imprudentes sem conhecimento de Alarico. Numa grande planície, Átalo em meio a romanos e bárbaros foi publicamente despojado do trono. Alarico enviou-lhe o diadema e a púrpura, emblemas de realeza, como prova de amizade. A degradação de Átalo propiciou a conclusão da paz e Alarico surgiu sob as muralhas de Roma e o fraco Senado preparou-se para retardar a ruína de Roma. À meia-noite, após 1163 anos de sua fundação a cidade imperial, que conquistara e civilizara quase toda a humanidade, viu-se despertada “ao som tremendo da trombeta gótica” e entregue “à fúria licenciosa das tribos da Germânia e da Cítia.” Segundo Gibbon “a venerável matrona retomou a coroa de louros, que havia sido amarrotada pelas trombetas da guerra, e ainda se entreteve, no último momento de sua decadência, com as profecias de vingança, de vitória e de eterno domínio.” Pela Gália, Itália e Hispânia passavam os conquistadores bárbaros indo até a África, o celeiro da Europa. A ilha da Britânia e as províncias marítimas francesas entre o Sena e o Loire desligaram-se do Império e formaram governos independentes. Gibbon destaca que um governo romano que “parecia a cada dia menos temível a seus inimigos, mais odioso e opressivo a seus súditos” acabaria em mãos de qualquer oponente mais poderoso. O declínio de Roma deu-se por sua grandeza desmedida e é de se assombrar que tenha durado tanto tempo. A corte bizantina viu com indiferença a perda do Ocidente, pois a ajuda dos romanos orientais foi ineficaz. A fundação de Constantinopla cooperou para a preservação do Oriente. A discórdia teológica tem grande papel nesses fatos, pois a Igreja e o Estado dividiram-se em várias facções religiosas conflitantes entre si. O declínio do Império foi apressado pela conversão de Constantino, mas por outro lado, amorteceu a violência dos conquistadores. “A índole benevolente do Evangelho se reforçou, embora confinada, com a aliança espiritual dos católicos”. Os bárbaros agitaram-se com a agilidade da guerra e paz na Gália e Itália. Os hunos marchavam para o Ocidente e os bárbaros pressionaram o Império romano com um peso ainda maior. Havia um novo mundo mais civilizado. O arado, o tear e a forja foram introduzidos na Rússia. “O reino da barbárie independente se reduziu hoje a uma estreita faixa e os remanescentes dos calmucos ou dos uzbeques, cujas forças quase podem ser contadas, não logram suscitar quaisquer sérias apreensões à grande república da Europa” declara Gibbon. Os árabes que haviam conquistado desde a Índia até a Espanha, agora enfraquecidos, foram revigorados com o atilamento e bravura de Maomé. A pobreza, o cansaço, o frio e muitos perigos vitais fortaleceram a bravura dos bárbaros. A arte militar transformou-se imensamente com o advento da pólvora. As ciências da matemática, física, arquitetura, química e mecânica foram aplicadas no novo procedimento bélico. “Podemos, portanto, chegar todos à aprazível conclusão de que cada época da história do mundo aumentou e continua a aumentar efetivamente a riqueza, a felicidade, o saber e quiçá a virtude da raça humana.”


Excertos da segunda metade da obra original

Até aqui Gibbon descreveu a primeira parte da História do Declínio e Queda do Império Romano. Continua narrando a trajetória do Império do Oriente, maometismo, Cruzadas, Gengis-Khan e Tarmelão. O resto deste resumo consiste em alguns trechos seletos da segunda metade do original.

O IMPÉRIO DO ORIENTE NO SÉCULO IV

I - O primeiro ato de Justiniano no poder foi dividi-lo com Teodora, a quem amava. Acácio morre e deixa três filhas: Comito, Teodora e Anastácia, que foram enviadas por sua atormentada mãe ao teatro. “À medida que cresciam em idade e beleza, as três irmãs devotaram-se sucessivamente aos prazeres públicos e privados do povo bizantino.” Teodora entretinha importantes homens com seu encanto. Apesar de suas precauções, foi mãe uma vez e sua criança foi salva e educada por seu pai, na Arábia. No seu leito de morte revelou ao jovem que era filho de uma imperatriz. Acredita-se que ela tenha tirado a vida do próprio filho ao conhecê-lo. Em Constantinopla, já atriz famosa, fingiu ter uma vida solitária e casta. Ela atraiu Justiniano, que reinava em nome do tio. “Justiniano pôs-lhe aos pés os tesouros do Oriente...” desejava “conferir a sua concubina o caráter sagrado e legal de esposa.” Apesar da intransigente jurisprudência da Antiguidade, que considerava prostituição para as mulheres agruparem-se ao teatro, com o arrependimento de Teodora, ele consegue o consentimento para casar-se com ela. Essa mulher, antes prostituta, foi adorada pelo povo, por monarcas, bispos ortodoxos e generais. Cuidava de sua beleza e passava grande parte nos palácios e jardins do litoral da Propôntida e do Bósforo. Era considerada uma mulher tirana e insensível. Contudo foi caridosa com outras mulheres obrigadas a cair na prostituição. Deu-lhes um mosteiro onde puderam se recolher. Sua prudência influenciou as leis do marido Justiniano. Depois de sua união, passou a ter uma vida de castidade, mas não consegui ter um filho em seu casamento legítimo. Teodora morre de câncer, após 24 anos de casamento. II - Há uma grande diferença nos jogos da Antiguidade: os gregos eminentes eram atores e os romanos apenas espectadores. No estádio olímpico até quarenta carros de corrida partiam e uma coroa de louros e versos heróicos eram conferidos ao vencedor. A República patrocinava esses jogos. Na corrida, originalmente, dois carros disputavam com uniformes branco ou vermelho, posteriormente, surgiram o verde-claro e o azul-celeste. Uma centena de carros formavam a pompa do Circo. Justiniano devia muito a Teodora, porquanto demonstrava espírito de heroína e poderia salvar seu marido de seus inimigos. Durante uma situação em que deveriam fugir, ela declarou que mesmo que a evasão “fosse o único meio de salvação, mesmo assim eu desdenharia fugir.” “A morte é o preço de nosso nascimento, mas os que reinaram jamais sobreviverão à perda da dignidade e do domínio... De minha parte, permanecerei fiel à máxima da Antiguidade, de que o trono é um sepulcro glorioso.”


MAOMÉ E A ASCENSÃO DO ISLÃ

Maomé nasceu quatro anos após a morte de Justiniano, em Meca. Era filho único de Abdala e Amina. Logo na primeira infância perdeu o pai, a mãe e a avó e sua parte na herança se resumia a cinco camelos e uma criada etíope. Seu tio, Abu Taled, foi seu guia e guardião durante a juventude. Ele casa-se com uma rica viúva, Cadija, aos 25 anos. Desse modo volta a ser um homem rico. Aos quarenta anos assumiu o título de profeta e proclamou a religião do Corão. Maomé se distinguia por sua beleza, o majestoso aspecto, olhar penetrante, sorriso amável, barba bem cuidada. Era um conjunto harmonioso e digno. “A primeira idéia que teve de sua missão traz a estampa de um gênio superior e original.” Apesar disso era um bárbaro iletrado. Mas seu destino e meta eram unificar os povos árabes. Os peregrinos de Meca se uniam todos os anos, chamados pela devoção e pelo comércio. Assim, se familiarizavam com outras línguas, políticas e a teoria e prática dos povos judeus e cristãos. No mês do Ramadã ele saia para a caverna de Hera e “consultava o espírito da fraude ou do entusiasmo, cuja morada não está nos céus e sim na mente do profeta.” Ele pregou a fé sob o nome de Islã, que existia um só Deus e que Maomé era o apóstolo desse Deus. Rejeitou o culto de ídolos, homens, estrelas e planetas. Seu Deus era infinito e eterno, sem forma ou lugar. Possuía toda perfeição moral e intelectual. A idolatria passou a ser perigosa. Os profetas Adão, Noé, Abraão, Moisés, Cristo e Maomé são reconhecidos como verdadeiros. Somente Cristo e Maomé viveram e reinaram e seus ensinamentos estão gravados nos livros do Velho Testamento e no Novo Testamento; mas a história de Maomé é consagrada ao Corão. Os maometanos têm alta reverência a Cristo, que nasceu de Maria e está entre os mais próximos de Deus. Todavia Jesus era um simples mortal; contudo durante seiscentos anos o Evangelho foi o caminho da verdade e salvação. A promessa evangélica do Paracleto, ou Espírito Santo, se cumpriu na figura de Maomé: o último dos apóstolos, segundo o Islã. A palavra de seu Deus era gravada em folhas de palma ou em omoplatas de carneiro, sem ordem ou sequência. Dois anos após sua morte, Abubequer publicou o sagrado volume. “Somente Deus poderia ditar obra tão incomparável.” “Em todas as religiões a vida do fundador supre o silêncio de sua revelação escrita.” Maomé fora instruído a lutar e pregar, simultaneamente. A era muçulmana começa em 622 da era cristã, ano em que Maomé fugiu de Meca para Medina. Se os apóstolos Pedro e Paulo voltassem ao Vaticano, se surpreenderiam e não compreenderiam quem estaria sendo consagrado naquele lugar. Contudo a cúpula de Santa Sofia, na Turquia, erguida por Maomé representa um humilde tabernáculo, apesar de seu tamanho. As questões metafísicas dessas duas religiões apresentam similaridades e foram muito debatidas nas escolas cristãs e maometanas. Maomé confiou na verdade e na santidade das revelações anteriores das religiões judaica e cristã. Mas quando a fortuna e o poder tornam-se muito fortes, a fé e o credo prejudicam-se enormemente. A Arábia “perdeu a soberania pela extensão e rapidez de suas conquistas... viu-se governada por um súdito, talvez por um forasteiro; e os beduínos do deserto, despertando de seu sonho de dominação, retomaram sua antiga e solitária independência.”

QUEDA DE CONSTANTINOPLA (1453 D.C.)

No século XV, surge Maomé II, que completou a aniquilamento do Império do Oriente. Paleólogo só conseguiu reunir 4970 cidadãos para defender Constantinopla e contando com tropas estrangeiras somavam oito mil soldados. O inimigo possuía cerca de 250.000 homens. Constantinopla é um triângulo, e dois lados dele eram inacessíveis por estar ao longo do mar. A terra, outro lado do mesmo, era protegida por dupla muralha e um fosso de trinta metros. Ai os otomanos fizeram seu principal ataque. Os soldados gregos desceram para o fosso, mas descobriram que um cristão valia por vinte turcos. O bando de voluntários inspirou-se no valor romano e as tropas estrangeiras auxiliaram a cavalaria ocidental. Rajadas de lanças e setas uniam-se ao fogo dos mosquetes e canhões. A habilidade dos cristãos aumentava, mas o suprimento de pólvora diminuía. A artilharia turca apontava para as muralhas. O material aquecido dos canhões estourou, matando várias pessoas. Os disparos faziam mais barulho do que efeito. Maomé II resolveu usar as galerias subterrâneas, mas, por seu solo rochoso, eram solapadas pelos técnicos cristãos. A reunião de artilharia antiga e moderna distingue esse sítio. A torre de São Romano foi derrubada. “Os sitiados repeliram os turcos da brecha e a noite veio interrompê-los.” Mas o inimigo, durante a noite, reduziu a cinzas o torreão de madeira e o fosso foi restaurado. O sultão deplorou tal fato. Os cinco barcos cristãos avançaram com gritos de alegria contra a frota inimiga, que contava com trezentas naves. A superioridade dos muçulmanos era incontestável, à primeira vista. Contudo foram derrotados, pois os próprios turcos reconheceram que “Deus lhes tinha dado a terra, deixara o mar aos infiéis.” A esquadra cristã era robusta e possuía pilotos competentes, longamente adestrados. Milhões de cruzados, em meio aos desertos da Anatólia e às rochas da Palestina, haviam sepultado a si próprios em um tumulto fatal. Essa resistência cansou a perseverança de Maomé. A conquista da cidade parecia impossível, pela baía ou por terra. As galés otomanas eram apenas botes grandes. Maomé assenta uma ponte e nesse molhe flutuante coloca seus maiores canhões. Os quarenta jovens mais bravos da Itália e da Grécia foram chacinados por ordem do sultão. Depois de quarenta dias estava selado o destino de Constantinopla. “Constantino se viu obrigado a esbulhar as igrejas com a promessa de uma quadruplicada devolução.” A energia cristã, com tanta discórdia, foi combalida. Justiniani e o grão-duque acusaram-se de covardia e traição. A vontade de paz e capitulação foi várias vezes expressa durante o cerco. O imperador grego, certamente, teria cedido como também o sultão turco, a fim de poupar para si o tesouro bizantino e a vida de seus soldados. “A avareza de Maomé poderia ter sido satisfeita com um a soma anual de 100 mil ducados, mas sua ambição se apossou da capital do Oriente”. Honra e temor impediram Paleólogo de deixar a cidade nas mãos inimigas, prolongando as últimas etapas da guerra. Durante essa guerra os muçulmanos foram incentivados a se abster de alimento, purificar a mente com orações e o corpo com sete abluções. Entretanto, o imperador, acompanhado de leais seguidores, entrou na catedral de Santa Sofia para receber os sacramentos da comunhão. Esse local sagrado transformar-se-ia em mesquita no prazo de poucas horas. Depois desse ato, partiu a cavalo acompanhando o movimento inimigo e visitando seus guardas. “A aflição e a queda do último Constantino se revestem de mais glória do que a longa prosperidade dos Césares bizantinos.”
Constantino caiu vitimado por alguém desconhecido e seu corpo “ficou sepultado sob uma montanha de outros cadáveres. Após sua morte, a resistência e a ordem deixaram de existir...” Dois mil cristãos foram mortos pelas espadas inimigas. Após um cerco de 53 dias, a valorosa Constantinopla foi dominada pelas armas de Maomé II. A Catedral de Santa Sofia ficou repleta de uma multidão de pessoas vindas de todas as partes da capital. Todavia, os turcos selecionaram e ataram essa enorme quantidade de prisioneiros. Os encarcerados, sem distinção de classes sociais, foram ameaçados e golpeados. As tropas vitoriosas provaram que “a rapina de uma hora rende mais do que a labuta de anos.” Tudo foi quebrado e esbulhado pelos homens vencedores. A catedral transformou-se em mesquita, a cruz foi derrubada, as paredes de imagens e mosaicos cobertas, limpas e purificadas. Voltou-se à simplicidade pura.


AS RUÍNAS DE ROMA NO SÉCULO XV

A decadência de Roma era inexorável. A colina do Capitólio se desfigurou. Os edifícios públicos e privados estavam arruinados e os monumentos históricos fragmentados e espalhados. O Capitólio fora, outrora, a cabeça do mundo. Os muros altos e fortes eram revestidos de vidro e ouro e, acima, um teto completamente entalhado com ricos detalhes. Senadores e cônsules aí residiam. Abaixo da cidadela existia um palácio enfeitado de pedras preciosas e ouro. As estátuas, oriundas de todas as províncias, eram colocadas em renque. Cada uma delas possuía uma sineta no pescoço e se houvesse algum perigo, ela se voltaria contra a ameaça iminente, e a sineta soaria como alarme. Somente cinco estátuas haviam permanecido em seus lugares. A grandiosa estatua de Pompeu, com três metros de mármore, quase foi dividida e quebrada em uma demanda judicial. Salvou-a uma intercessão de um cardeal e um papa. O papa Martinho V e seus sucessores restauraram, gradualmente, os ornamentos da cidade. As causas e os efeitos progressivos do Declínio e Queda do Império Romano devem-se “à política ardilosa dos Césares, que manteve por longo tempo o nome e a imagem de uma república livre; as desordens do despotismo militar; o surgimento, estabelecimento e seitas do cristianismo; a fundação de Constantinopla; a divisão da monarquia; as invasões e colônias dos bárbaros da Germânia e da Cítia; as instituições do direito civil; o caráter e a religião de Maomé; a soberania temporal dos papas; a restauração e decadência do império ocidental de Carlos Magno; as Cruzadas dos latinos no Oriente; as conquistas dos sarracenos e dos turcos; a ruína do império grego; o estado e as radicais mudanças de Roma na Idade Média.
O historiador Gibbon declara que foi dentre as ruínas do Capitólio que concebeu a execução desta obra de magnitude incomparável para nós. Ela ocupou vinte anos de sua vida e escreve: “entrego finalmente à curiosidade e à imparcialidade do público.” Lausanne – 27 de junho de 1787.

Gibbon, historiador e filósofo do século XVIII, se preocupava mais com o pensamento humano e a corrosão moral do que com a economia ou arqueologia. Era admirador da política, da religião e da guerra. Nasceu em 1737, Putney, filho de uma família abastada. Edward Gibbon era grato por ter nascido em “um país livre e civilizado, na era da ciência e da filosofia...” Possuía uma saúde frágil. Chegou ao Magdalen College em Oxford, em 1752 “com um cabedal de erudição capaz de intrigar um douto, e um grau de ignorância de que um colegial se envergonharia.” Gibbon se converteu ao catolicismo romano, após grande estudo e meditação, em 1753, mas em 1754 volta ao protestantismo. Com o correr dos anos passou a ser dono de “um ceticismo moderado muito propenso a aceitar a existência de uma Deidade, mas sem nenhuma estipulação acerca dos mecanismos precisos de atuação da Vontade Divina.” Gibbon pode estar ultrapassado em alguns detalhes de sua história, mas isso “significa que não vivemos num mundo de todo incompetente.” “Este livro visa dar ao leitor tão-só um antegosto de Gibbon, na esperança de que ele saia daqui decidido a tornar-se um glutão.”

Texto reduzido, baseado inteiramente nas palavras de Dero A. Saunders, quando organizou esta Edição Abreviada, visto que os originais, além de muito longos, possuem uma linguagem inacessível para a maioria das pessoas. Dero A. Saunders, apesar de resumir essa grandiosa obra, “preservou a vívida exposição das glórias da civilização antiga, de sua decadência e de sua acabrunhadora tragédia final.”