quarta-feira, 24 de junho de 2009

SAGARANA - JOÃO GUIMARÃES ROSA








Este belíssimo livro de João Guimarães Rosa contém 12 novelas, contadas em uma narrativa exclusiva, onde os diálogos são escritos em linguagem regional, com cadência que mais parece de poesia. O escritor descreve, em especial, o sertão de Minas Gerais, com riqueza de detalhes de sua fauna e flora, toda a geografia e a história da população que vive isolada da civilização. Para ele o capiau é um ser astuto, inteligente, desconfiado e ao mesmo tempo ingênuo. É muito mais do que isso, é sobrevivente em um país tão rico e com tão poucos recursos públicos. Depois de lermos seus romances, o mínimo que podemos fazer é ajoelhar-nos e agradecer que esse gênio tenha sido brasileiro e descrito, com tanta magnitude, nossa gente. Nasceu em Minas Gerais em 1908 e morreu em 1967. No ano de 1946 aparece efetivamente como escritor. Dizia que só escrevia “atuado” e levou sete meses “de exaltação e deslumbramento” para terminar Sagarana. Foi, segundo os mais importantes escritores brasileiros, simplesmente, GENIAL.


DUELO

E grita a piranha de palha,
irritadíssima:
tenho dentes de navalha, e
com um pulo de ida-e-volta
resolvo a questão!...
Exagero... diz a arraia
eu durmo na areia,
de ferrão a prumo,
e sempre há um descuidoso
que vem se espetar.
Pois amigas, murmurou o gimnoto,
mole, carregando a bateria,
nem quero pensar no assunto:
se eu soltar três pensamentos
elétricos
bate-poço, poço em volta,
até vocês duas
boiarão mortas...




Turíbio Todo era seleiro e havia nascido à beira do Borrachudo, sendo “papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas no começo desta estória, ele estava com a razão.” Seu papo era “pequeno, discreto, bilobado e pouco móvel”, mas ele se envergonhava de sua figura e por isso escolheu a profissão de seleiro para trabalhar em casa, longe dos olhares. Era casado com Dona Silivana, que tinha grandes e bonitos olhos. Tendo tido um “dia de nhaca”, resolvera sair para pescar e avisou à mulher que só voltaria no dia seguinte. “Mudara de idéia, sem contra-aviso à esposa; bem feito!: veio encontrá-la em pleno adultério...” Ele espiara a cena, mas inteligente que era, resolveu ficar calado, pois o amante era Cassiano Gomes, ex-policial que andava muito bem armado e era bem grande e forte. Decidira matá-lo, por vingança, mas não a mulher. Turíbio vigia a casa de Cassiano Gomes e acerta uma bala na nuca do homem, depois teria que sair pelo mundo e desaparecer. Contudo ele matara o irmão, Levindo Gomes, “iludido por grande parecença.” Cassiano presenciou o enterro do irmão e depois, muito bem armado, vestido e com uma besta douradinha, foi atrás do inimigo. Refletindo que caminho tomar decide ir para Piedade do Bagre, onde concluiu que ele se esconderia com seus parentes. Pensou: “Ele vai como veado acochado, mas volta como ganguçu... No meio do caminho a gente topa, e quem puder mais é que vai ter razão...” Ele não queria que seu ódio diminuísse, pois precisava fazer o serviço. Perguntava a quem visse, se conhecia o Turíbio Todo, com os piores insultos. Tinha razão, o inimigo estava lá, mas “aquele lugarejo era a boca do sertão.” “Obliquou a rota para nor-nordeste, demandando as alturas do Morro do Guará ou do Morro da Garça, e aí houve que foi onde Cassiano tinha descalculado, mancando a traça e falseando a mão.” Mas ele não tinha pressa. Passou a viajar à noite por dentro do mato e dormia de dia. “E, desse jeito, visto que Turíbio Todo talvez fosse ainda mais ladino e arisco, durante dois meses as informações foram vasqueiras e vagas...” Ficara sabendo que ele fora para Vista Alegre com saudades da mulher. O vale do Rio das Velhas até Paraopeba é, agora, descrito com toda sua beleza e pujança por Rosa. Cassiano era mais jovem e “estrategista mais fino, vinha pula-pula.... mas Turíbio Todo, sendo mais velho, tinha por força de ser melhor tático, e vinha vai-não-vai, em marcha quebrada...” Assim continuaram pelo vale do Rio das Velhas, sem se encontrarem. Cassiano encontra uma pista: “o papudo também descambara, acompanhando o caminho do sol.” Agora Cassiano troca de animal pela segunda vez, comprara um “alazão de crineira negrusca.” Sua mulinha “havia aguado dos cascos dos pés e das mãos.” Turíbio também já havia trocado pela quinta vez de montaria. Turíbio Todo ao reencontrar a mulher é aconselhado a ir para bem longe, rumando para as Lages. “Cassiano cedo conheceu a intenção do seleiro, que Dona Silivana lhe transmitiu, por quanta boca prestativa faz, na roça, as vezes das rádio-comunicações.” Turíbio sabia que Cassiano havia dado baixa do exército, por sofrer do coração, desse modo queria cansar o inimigo para que ele morresse por conta da doença. O longo duelo já durava cinco meses e o ladino capiau Turíbio “falara a verdade, para o outro pensar que fosse trapaça, assim se deu que Cassiano Gomes tinha errado, mais uma vez.” “Depois viajaram quase de conserva, perfeitamente paralelos, e ambos sentindo que estava chegando a hora da missa-cantada, e o fim de tanta caceteação.” Contudo, “as duas paralelas convergiram, no porto da balsa.” Aí ficava o Paraopeba, “o rio amarelo de água chata.” Cassiano tinha muito dinheiro, pois havia vendido tudo que tinha para seguir o marido de sua amante. Dando dinheiro em troca de notícias, fica sabendo que o barqueiro chegaria no dia seguinte, assim pede a seu filho que lhe dê notícias de um homem papudo. No escuro, saiu da toca e ficou a espreita do inimigo para mandar-lhe uma bala. “pipoquearam tiros, das moitas de taquari; e o cicio das balas renteou-lhe a cabeça. Olha a inácia! – ralhou de si Cassiano, apagando o cigarro, que o que dera alvo tinha sido a brasinha vermelha.” Guimarães Rosa nos conta sobre a beleza da noite e da madrugada nas matas do sertão. “Caía, das estrelas, um frio de se sentar em costas de homem... A barra do dia vinha quebrando. E um sujeito alto e espadaúdo, apareceu, em pé, diante do bivaque. Vinha armado de foice, e roncou: Qu’é-de o seu companheiro, o do papo?” Esse era o barqueiro, pensando que os dois haviam sido contratados para matá-lo. Desfeita a dúvida ele confessa que havia ouvido falar da famosa briga. “se o truco, fecha!”já tinha havido...” O tempo passou enquanto conversavam e Turíbio não apareceu. Cassiano, já cansado, desanima e resolve votar para casa, “porque um homem é um homem e não é de ferro, e seu vício cardíaco começara a dar sinal de si”. Chico Barqueiro vai pescar e viu alguém. “Não tinha dúvida – era o papudo chegando.” Turíbio pega a balsa e fica vigiando o outro, “bem desconfiadíssimo.” O barqueiro encara Turíbio e este, “de de-lado, abaixava a vista.” Ele é reconhecido e, bravo, Chico Barqueiro “cuspiu n’água, escarrando com estrondo.” Trocam algumas ofensas, mas como Turíbio não sabia nadar e era mais fraco resolve se aquietar e “não ver o sorriso de boa vontade que o outro lhe oferecia.” O barqueiro ama os pássaros e através de sua fala Rosa descreve toda a passarada do rio São Francisco e afluentes. O fugitivo, agora, chega tão longe que “daí por frente, Turíbio Todo começou a ver lugares que não conhecia. Campinas pardas, sem madeiras... Buriti-da-Estrada... Terra vermelha, “carne-de-vaca”... Pompéu... Indaiás nanicas, quase sem caule, abrindo as verdes palmas... Papagaio... “E ele tocava de avança-peito, sempre no rumo e sul.” Nesse lugar desconhecido as casas eram diferentes e “o povo comia feijão preto”. “E era gente boa, mas ainda mais desconfiada do que a sua... Havia espichado mais mundo para trás.” Estava no Oeste de Minas Gerais e encaminho-se até o rio Pará, encontra-se com baianos que viriam para São Paulo, onde chovia dinheiro, para fazer a vida. “Foi também”. Cassiano Gomes continuava se encontrando com Dona Silivana e é avisado que o inimigo estava em São Paulo e ladino demais pondera: “Não carecia de ter ido... Gastei minha raiva...” E ambos resolvem esquecer a questão, com ela avisando o marido em uma carta enviada. Cassiano, mais cansado e doente, parte para ver a mãe pela última vez antes de morrer e matar Turíbio Todo, em São Paulo. Contudo desvalido, é obrigado a parar em Mosquito – “povoado perdido num cafundó de entremorro, longe de toda parte.” Foi “para um jirau, com barriga de hidrópico e a respiração difícil de um cachorro veadeiro que volta da caça.” Ele, entretanto, melhora e como tinha dinheiro queria contratar alguém valente que fizesse o serviço para ele. Todavia não achou ninguém, nesse lugar pacífico. “A paisagem era triste, e as cigarras tristíssimas, à tarde.” As crianças e os adultos eram doentes. Um dia, ele se simpatiza por um rapazinho franzino, mas determinado e pai de uma criança. Esse jovem, com apelido de Vinte e Um, fica muito seu amigo e grato e até pede para que sejam considerados compadres, pois Cassiano havia emprestado dinheiro para ele levar o filho ao médico e salvá-lo. Muito mal, pensa que não vai ver sua mãe antes de morrer. E a placidez do ambiente lhe ia adoçando a alma... e a doença lhe esgarçava o coração.” Ele queria o médico e o padre para se confessar antes de falecer. “Cassiano confessou-se, comungou, recebeu os santos-óleos, rezou, rezou.” Todo seu dinheiro resolvera dar a Vinte e Um. Pensou na mãe, “apertou nos dedos a medalhinha de Nossa Senhora da Dores, morreu e foi para o Céu.” Turíbio Todo ao saber da notícia, em São Paulo, volta para a mulher. “Arranjou um cavalo emprestado, almoçou sem fome, e deu à andadura.” A paisagem da volta é muito bonita e muito bem descrita. “De repente ouviu o tropel de um cavalo destemperado, que vinha atrás.” Era um “capiau, com um sorrisinho cheio de cacos de dentes, ficou olhando para Turíbio...” O homem simpatiza-se com o franzino moço descalço, em cima de um cavalinho pampa, muito magro e sofrido. “E emparelharam os animais.” Ofereceu cigarro, mas o rapazinho não aceitou e cunhando coragem indaga: “Ainda que mal lhe pergunte, o senhor será mesmo o seu Turíbio Todo, seleiro lá na Vista-Alegre, que está chegando das estranjas?...”Confirmando, até se oferece ajudá-lo com dinheiro, a fim de que vá para São Paulo, melhorar sua vida. Ali era o Quilombo e estava ansioso por chegar a casa. Turíbio e o capiau viajam lado a lado, mas em silêncio, cada qual pensando em seus próprios assuntos. “O caguinxo também ficara quieto, mesmando, vendo, a cada movimento dos cavalos, a lama subir na água e turvar-lhe a face.” Turíbio estava exultante pensando em levar Dona Silivana para São Paulo. Rosa nos descreve a filosofia de vida do jovem capiau. “A gente vive sofrendo... Todo mundo é só padecer... Não vale a pena!... E depois a gente tem de morrer mesmo um dia...” O homem sugere que ele cuide da saúde. “Calou-se o outro. Muito abatido, lúgubre, dava o ar de que estivesse carregando o peso do mundo.” Continuaram subindo e descendo morro e “caía chuva guardada”. De repente, com muita firmeza na voz, o capiauzinho diz: “Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora vou lhe matar!” Turíbio desacreditando naquilo tudo grita, mas em vão. “Peço perdão a Deus e ao senhor, mas não tem outro jeito, porque eu prometi ao meu compadre Cassiano, lá no Mosquito, na horinha mesma d’ele fechar os olhos...” É uma tristeza! Mas jeito não tem... “Tem remédio nenhum...” Turíbio acovardado pede clemência ao jovem. “Mas a garrucha não negou fogo” e assim morreu Turíbio Todo. Então, “o caguinxo Timpim Vinte-e-Um fez também o nome-do-padre, e abriu os joelhos esporeando.”




A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

“Sapo não pula por boniteza,
mas por precisão”

No arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici, havia um leilão, atrás da igreja, em noite de novena. Depois da reza “a gente direita” partiu e ficou “uma multidão encachaçada” e Matraga ou Nhô Augusto acabou por arrematar, com muito palpite, uma mulher-à-toa, por cinqüenta mil-réis. Aclamado pelo povo sai com ela aos trancos, mas no claro olhou para ela e disse: “Que é?!... Você tem a perna de manuel-fonseca, uma fina e outra seca! E está que é só osso...... Vá-e embora frango-d’agua! Some daqui! Nesse ínterim, Dona Dionóra, sua bela mulher, manda um recado para ele voltar rápido para casa. “Desvira, Quim, e dá o recado pelo avesso: eu lá não vou!... E Quim Recadeiro preparou-se para levá-la de volta, com a filha de dez anos, para Morro Azul, por ordem do marido. Ele, que estava sempre “com os capangas, com mulheres perdidas, com que houvesse de pior” não se importando com elas. Dionóra havia desafiado a família para se casar! Nhô Augusto estava “com dívidas enormes, política do lado que perde, falta de crédito, as terras em desmando...” No momento, depois de amá-lo por três anos e muito tempo de aturá-lo, gostava de outro, que “tinha uma força grande de amor calado”.... Os dois amantes e a filha decidem fugir e pernoitam na casa do tio que filosofa: “Sorte nasce a cada manhã, e já está velha ao meio-dia...” Sabemos que sua mãe (de Matraga) morreu quando era pequeno, o pai era “um leso”, e “um tio era criminoso, de mais de uma morte”.... E quem o criou fora a avó, que gostaria que fosse padre. “Rezar, rezar, o tempo todo, santimônia e ladainha...” A pobre filha não compreendia porque o pai não gostava dela e da mãe. “Mas, na passagem do brechão do Bugre, lá estava Ovídio Moura, que tinha sabido, decerto, dessa viagem de regresso” e assim levou as duas para morar com ele. Quim Recadeiro se incumbiu de dar o recado para o patrão. Nhô Augusto “só depois de meter na cintura o revólver, foi que interpelou, dente em dente: Fala tudo!” Mas seus homens o haviam abandonado, por falta de pagamento e “estão falando que o senhor não possui mais nada, que perdeu suas fazendas e riquezas, e que vai ficar pobre, no já-já...” Assim foi acertar contas com o Major Consilva, que roubara seus empregados, antes de matar o amante da mulher, Ovídio. O Major o recebe com capangas, que caem de paulada em cima dele e manda que o arrastem para longe, o marquem a ferro e o matem. Ao fim de uma légua, “meio nu, todo picado de faca, quebrado de pancadas, e enlameado grosso, poeira com sangue” o jogaram “lá para baixo, p’ra nem a alma se salvar...” Mas depois de marcado com brasa, ele escapole e rola nas moitas. Os homens dão o trabalho como feito e partem. Um preto e sua mulher, que moravam no brejo, viram e carregaram o corpo inerte para o casebre a fim de enterrá-lo. Contudo “deu-se que Nhô Augusto pôs sua pessoa nos olhos e gemeu.” Estava vivo. “Mas este homem deve de ser ruim feito uma cascavel barreada em buraco, porque está variando que faz e acontece, e é só braveza de matar e sangrar...” pensa o negro. Depois de dias sendo cuidado pelo casal “ele disse a si que era melhor viver... Em sua procura não aparecera ninguém. Podia sarar. Podia pensar.” As dores melhoraram e ele pensou em sua pequena família. “Era como se o corpo não fosse mais seu. Até pode chorar, e chorou muito, um choro solto, sem vergonha nenhuma, de menino ao abandono... chamou alto soluçando: Mãe...Mãe...” Ficou muito triste e, mansamente, pensou no que havia perdido para sempre, mas não desabafou. “E desse modo ele se doeu no enxergão, muitos e muitos meses, porque os ossos tomavam tempo para se ajuntar, e a fratura exposta criara bicheira. Mas os pretos cuidavam muito dele, não arrefecendo na dedicação.” Então o padre o confessa e aconselha que não pense mais na mulher, nem em vinganças. “Modere esse mau gênio: faça de conta que ele é um poldro bravo, e que você é mais mandante do que ele... Peça a Deus assim, com esta jaculatória: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso...” O padre, muito bom, pede-lhe que trabalhe e reze, pois “Cada um tem sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.” Assim a vida vai seguindo e Nhô Augusto só “esperava a salvação da sua alma e misericórdia de Deus Nosso Senhor.” Estava arrependido e apavorado com seu passado. “tudo isso foi lhe dando uma espécie nova e mui serena de alegria..... fazia compridos progressos na senda da conversão.” Já recuperado, queria partir para um sitiozinho perdido, levando “os pretos samaritanos” com ele. Abrindo os braços em cruz, esperava que a sua hora haveria de chegar. Fugiram, dormindo de dia e viajando de noite. “E deixavam de lado moenda e fazenda, e as estradas com cancelas, e roçarias e sítios de monjolos”. Guimarães Rosa aproveita-se da viagem e faz uma descrição belíssima da paisagem do serrado e das matas de Minas Gerais. Foi parar em Tombador, onde o consideram “meio doido e meio santo.” E o que mais queria era ajudar os outros, trabalhando demasiado e muitas vezes sem remuneração. “Nos domingos, tinha o seu gosto de tomar descanso.” “Mas fugia às léguas de viola ou sanfona, ou de qualquer outra qualidade de música que escuma tristezas no coração.” Passaram-se seis anos e meio desse jeito, mas Nhô Augusto não sofria, pois rezava e não tinha tentações. “cansava o corpo no pesado e dava rezas para sua alma, tudo isso sem esforço nenhum, como os cupins que levantam no pasto murundus vermelhos, ou como os tico-ticos, que penam sem cessar para levar comida ao filhote de pássaro preto – bico aberto, no alto do mamoeiro, a pedir mais.” Os negros agora eram seus pais e “cada dia que descia ajudava a esquecer.” Todavia em uma ocasião, um velho conhecido lá aparece e disse-lhe, sem que ele perguntasse, que sua mulher continuava amigada com Ovídio e sua linda filha “havia caído na vida.” Seu coração fica em desassossego. “o desmazelo de alma em que se achava não deixava esperança nenhuma do jeito de que o Céu podia ser.” O preto aconselha-o a seguir as palavras do padre e se acalmar. Contudo Nhô Augusto espera, em sua imensa angústia, que seu dia e sua vez hão de chegar! Ele começa a retomar sua auto-estima e confiança. “Saiu para a horta cheirosa, cheia de passarinhos e de verdes, e fez uma descoberta: por que não pitava?!... Não era pecado.....e esse era um gosto inocente, que ajudava a gente se alegrar...” Vindos do norte, chegavam um bando de valentões e seu chefe, “com dentes brancos limados em acume, de olhar dominador”, era muito conhecido por sua bravura. Seu Joãozinho Bem-Bem. O povo ficou estático e apavorado, menos Nhô Augusto, que estava chegando do mato. Mas Bem-Bem gostou de seu jeito desafiador. Augusto Matraga convida o bando para ficar em seu rancho, sendo uma grande trabalheira e correria para o casal de pretos. Eles “trouxeram a janta, para o meio do pátio. Era um banquete..... o anfitrião fez o sinal da cruz e rezou alto: e os outros o acompanharam.” Bem-Bem descreve o caráter de cada personagem de seu bando para deleite dos ouvintes. Nhô Augusto, a essa altura, já voltara a pensar em vingança e como poderia usar aquele homem com tantas qualidades! Ele fumara, já que não era mais pecado e ao servir cachaça ao bando, toma dois goles! Ao lhe ser oferecida uma arma diz: “Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...” “Ferrugem em bom ferro!” Nhô Augusto começa a sofrer uma mudança e grandes tentações. “Tiver algum inimigo alegre, por aí, é só dizer o nome e onde mora. Tem não? Pois, t’a bom. Deus lhe pague suas bondades.” Assim Bem-Bem e o bando se despedem. Entretanto Matraga não tira os olhos deles até que desapareçam. E “entendeu que essa história de se navegar com religião, e de querer tirar sua alma da boca do demônio, era a mesma coisa que entrar num brejão, que, para frente, para trás e para os lados, é sempre dificultoso e atola sempre mais.” Além do mais começara a sentir saudades de mulheres, “numa tensão confortante, que era um regresso e um ressurgimento. Assim, assim, que era bom fazer penitência, com a tentação estimulando..... com o perigo e tudo. Nem pensou mais em morte, nem em ir para o céu.” “Cada um tem a sua hora, e há-de chegar a minha vez! Guimarães descreve a natureza, em pleno verão, e o vôo das lindas aves do sertão. “Adeus, minha gente, que aqui é que não fico, porque a minha vez vai chegar e eu tenho que estar por ela em outras partes!”Ele deixa tudo para os negros e se despede antes de chegar a vazante. “E todos sentiram muito a partida. Mas ele estava madurinho de não ficar......” Mais belezas do sertão são descritas até mesmo suas águas frias, suas cascatas, morros e árvores. Ele cavalgava em cima de um jegue, que na verdade, escolhia o caminho desejado. “Oh coisa boa a gente andar solto, sem obrigação nenhuma e bem com Deus!”No entanto, “somadas as léguas e deduzidos os desvios, vinham eles sempre para o sul..... de repente, estiveram a muita pouca distância do arraial do Murici.” Acabou encontrando com Bem-Bem e sua tropa. “Se abanque mano velho, se abanque!... Arranja um café aqui p’ra o parente, Flosino!”Assim se junta, feliz, ao bando. Por um nada Joãozinho Bem-Bem e Nhô Augusto se desentendem durante uma ameaça de morte a um velho e começam a brigar. “E aí o povo encheu a rua, à distância para ver. Porque não havia mais balas, e seu Joãozinho Bem-Bem mais o Homem do Jumento tinham rodado cá para fora da casa, só em sangue e em molambos de roupas pendentes. E eles negaceavam e pulavam, numa dança ligeira, de sorriso na boca e de faca na mão”. A luta tornou-se sangrenta e terrível, “enquanto seu Joãozinho Bem-Bem caía ajoelhado, recolhendo os seus recheios nas mãos.” Não obstante, o respeito e a admiração que um sentia pelo outro continuavam intactos. O inimigo exclama: “ Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que já conheci!...É só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos...” “Estava no estorcer do fim. E, como teimava em conversar, apressou ainda mais a despedida. E foi mesmo.” Nhô Augusto pede um padre para os dois e para abençoá-lo para os restos de seus dias e, ainda mais, exige que a turba enterre seu amigo em chão sagrado! Nhô Augusto virara Santo para aquela gente humilde e desprovida. Passa-se mais um tempinho e, muito mal, pede para o parente, Jão Lomba, que estava presente, abençoar sua filha e dizer a Dionóra que estava tudo bem. Chegara a sua hora e vez. Augusto Matraga morre!