terça-feira, 21 de abril de 2009

PEQUENO ESBOÇO SOBRE OS POVOS ÁRABES



























































































































































Inteiramente baseado na obra de Albert Hourani intitulada Uma História dos Povos Árabes
Albert Hourani nasceu em 1915, em Manchester, Inglaterra, filho de libaneses. Foi professor de Oxford, Chicago, Harvard e American University of Beirute. A obra trata dos processos de expansão do Islã dos primeiro 100 anos promovido pelos mulçumanos árabes. Faz abordagem sobre a colonização e descolonização, movimentos de oposição e renascimento de valores islâmicos, a explosiva situação do Oriente Médio, conflitos entre israelenses e palestinos e seus vizinhos. A guerra do Irã-Iraque, do Golfo e o fortalecimento do fundamentalismo islâmico. Desde a Segunda Guerra Mundial os árabes estão no centro das turbulências de nossa época. Durante décadas professor de Oxford, Albert Hourani, escreveu um livro obrigatório, pois sabemos pouco sobre o tema.


Localizações: Magreb – Noroeste Africano
Mashriq – Oriente Médio
Andalus – Espanha e Península Ibérica


SÉCULOS VII – XVIII
Em 1383, Abd al-Rahmanm ibn Khaldun, muçulmano árabe partiu com sua família do sul da Arábia para a Espanha, depois da conquista árabe. Dentre as matérias ensinadas a essas pessoas estava o Corão, a palavra de Deus, revelada por Maomé com todas suas leis, moralidade, jurisprudência e também ciência, língua árabe, ciências racionais, matemática, lógica e filosofia. Muitas famílias fizeram o mesmo caminho. Al Khaldun escreveu uma obra onde tenta explicar a ascensão e queda de dinastias. Os diversos habitantes dos estados árabes aceitavam uma religião comum. Os gregos e persas tinham sido substituídos pelos árabes, cujo poder se entendia da Arábia à Espanha. O Cairo era a capital do sultanato mameluco, abrangendo Síria, além do Egito. Meca e Jerusalém eram pólos do mundo humano. A crença em um só Deus era fundamental para dar sentido aos golpes do destino. Em Meca Maomé convocou homens e mulheres para a reforma e submissão a Deus. As mensagens foram incorporadas ao Corão. Surgia assim o Islã e seus exércitos conquistaram um enorme império. Incluía parte do Império Bizantino, Sassânida, Ásia Central, Espanha. O centro do poder era Damasco depois Bagdá. As ligações estabelecidas criaram um comércio único, com mudanças gerais e a formação de grandes cidades, com edificações no estilo islâmico. Durante séculos imperou o Império Romano, depois Constantinopla substituiu Roma como capital. Mais tarde na Alemanha, Inglaterra, França, Espanha e norte da Itália governavam reis bárbaros. Antióquia e Alexandria eram centros da cultura grega. O império tornara-se cristão. Havia comunidades judaicas e lembranças dos deuses pagãos. As crenças e as práticas imemoráveis de cada religião persistiam. Surgiram diversas igrejas. As principais diferenças doutrinárias referiam-se à natureza de Cristo: divina e humana. Irã e Pérsia tinham várias regiões de grande cultura, com diferentes grupos étnicos. A antiga religião do Irã era ligada ao mestre Zoroastro. Depois da conquista de Alexandre em 334-33 a.C as idéias gregas avançaram para o oriente. A área do Irã Central era o principal centro de ensino religioso judaico. Influências cristãs e judaicas vieram da Síria pelas rotas comerciais. A maior parte da península arábica era estepe ou deserto. Os moradores nômades eram conhecidos por beduínos. Outros eram agricultores, comerciantes e artesãos. No Oriente Próximo muita coisa estava mudando nos séculos VI e VII. As sociedades fervilhavam de interrogações. Por rotas comerciais começou a entrar na Arábia o conhecimento do mundo externo e sua cultura, além de colonos daquele lugar. Houve um crescente senso de identidade cultural entre as tribos pastoris de língua árabe. Havia artesões judeus, monges e convertidos cristãos na Arábia Central.
Um crescente senso de identidade cultural entre as tribos ocorreu, e o surgimento de uma linguagem poética a partir do árabe. Era formal e com refinamentos de gramática, usada por diferentes poetas regionais. A forma poética mais valorizada era a ode, poema de cem versos. Eles eram compostos para recitação pública. Falavam da evocação de um lugar ou um amor perdido; o clima não era erótico. No início do século VII, criou-se uma nova ordem política; apagaram-se velhas fronteiras e novas foram criadas. O grupo dominante agora era de Meca e dos povos árabes. A revelação de Maomé era sob a forma de um livro santo, o Corão, um documento do século VII. Maomé parece ter nascido em Meca, talvez no ano de 570 e pertencia a uma tribo dos coraixitas. Ele tornou-se um errante solitário entre os rochedos e cerca de quarenta anos depois teve contato com o sobrenatural. Um anjo convocou-o a ser mensageiro de Deus. O nome dado ao Deus era Alá. Formou-se em torno de Maomé um grupo de crentes e ele adotou a linha da tradição judaica e cristã. A hégira seria a busca de proteção. Em Medina ele passou a acumular um poder que se irradiou pelo oásis e o deserto em volta. A doutrina torna-se mais universal e separa-se claramente da dos judeus e cristãos. Os clãs judaicos foram expulsos ou assassinados. Afirmava-se que Abraão fora o fundador da fé monoteísta e do santuário de Meca. A comunidade ia a Meca em peregrinação, contudo Medina continuou sendo a capital. Os muçulmanos deviam combater todos os homens, até que dissessem: “Só há um Deus”. Maomé morreu em 632. Havia os rituais básicos de devoção de aspecto comunal e o legado do Corão. Maomé comunicou suas revelações a diversos seguidores em várias épocas, que foram registradas por escrito ou memorizados.
Havia três grupos de seguidores de Maomé, mas um líder do primeiro grupo foi o sucessor do Profeta (khalifa), Abu Bakr. Ele, porém não era um profeta. Ele e seus seguidores exerceram uma liderança de uma escala muito maior do que o Profeta. Enviaram-se expedições contra as terras da fronteira bizantina, exortando-os a reconhecer sua mensagem. A comunidade de Abu Bakr afirmou sua autoridade pela ação militar. As fronteiras do Império tinham crescido muito. Alguns impérios vizinhos haviam se enfraquecido por epidemias de peste e longas guerras. O uso do camelo era uma vantagem em campanhas travadas em grandes áreas e o fervor religioso deu-lhes uma grande força. Os citadinos não se incomodavam com quem os governasse, contando que houvesse paz, segurança e impostos razoáveis. Entre os membros recém-enriquecidos da elite e o povo mais pobre houve tensão desde as primeiras épocas e ela veio à tona com o Uthman de 644-56. Nomeando somente membros do próprio clã para governadores, causou uma grande revolta em Medina, apoiado pelo Egito, o que resultou em seu assassinato. Os primeiros califas foram mortos por causas políticas.
A ascensão de Mu’awiya em 661 foi o início de outra fase. O poder ficou nas mãos de uma família de omíadas. Quando ele morreu foi sucedido por seu filho e assim por diante até uma guerra civil, e o trono passou para outro ramo da família. A capital do Império muda para Damasco e os muçulmanos avançaram até Tunísia, Marrocos e Espanha. Do outro lado, até o noroeste da Índia. Os primeiros exércitos árabes foram substituídos por forças regulares pagas. Formou-se um novo grupo governante: líderes do exército, chefes tribais e as principais famílias de Meca e Medina perderam importância. O povo tornou-se mais citadino e menos tribal. A língua administrativa passou a ser o árabe. Além do idioma árabe um novo tipo de moeda, contendo apenas palavras que proclamavam a unicidade de Deus, são cunhadas. Agora religião e poder estão de mãos dadas. Edifícios monumentais são erigidos e a revelação feita a Maomé duraria para sempre. Em 690 é construído o primeiro edifício do Islã, o Domo da Rocha em Jerusalém. Todos os grandes prédios têm o mesmo desenho básico. As pessoas acharam confortável se converter ao islamismo, até cristãos e zoroastrianos. Aonde o Islã chegava os povos eram obrigados a falar o árabe, com uma língua de união, com exceção dos omíadas (Síria) que eram mais antigos e anteriores ao Islã. A principal força da comunidade muçulmana estava mais a leste. As cidades do Iraque cresciam de tamanho com novos imigrantes. No Curasão com suas terras cultiváveis, muitos colonos árabes foram atraídos. Os árabes eram absorvidos pela sociedade iraniana e os iranianos entravam no grupo dominante. Os verdadeiros fiéis deveriam criar uma sociedade virtuosa, com uma nova hégira para um lugar distante. Devido a diversas guerras civis, o poder desabou em 740. O sentimento xiita estava amplamente difundido, mas sem organização. Assim é formado um movimento dissidente.
Uma família governante sucedeu a outra e a Síria foi substituída como centro do Califado pelo Iraque. O novo poder manifestou-se na criação de uma nova Capital, Bagdá, sob al-Mansur (754-75) e Harun al-Rashid(786-809). Bagdá possuía bons rios (Tigre e Eufrates), boa terra e era um bom local. O esplendor dos palácios dos califas era incalculável. Nesse tempo surge a figura do vizir: conselheiro do califa. A administração dividia-se em vários departamentos. Um soberano tinha que cuidar para que um funcionário não se tornasse demasiado forte ou abusasse do poder. O poder absoluto precisava de receitas e de um exército. Surgiu o sistema canônico de impostos, se relacionado com as normas islâmicas. Esses impostos eram mais ou menos como os existentes hoje em dia. Agora a capital vai para Samarra, sob al- Mutasim (833-42). Toda vez que um Califa morria havia uma guerra civil pelo poder. A sede do poder lá permaneceu por meio século. No Iraque o poder do Califa foi ameaçado por uma grande revolta dos escravos negros, nas plantações de açúcar e nos pântanos salgados do sul do país. A capital volta para Bagdá. O califa, al-Mutadid alegava governar por autoridade divina, como membro da família do Profeta. Esse homem enfrenta os xiitas, descendentes de Ali. Surge o sunismo distinto do xiismo.
O governo efetivo era limitado. Havia regiões remotas que permaneciam insubmissas. A fim de administrar essas províncias, o Califa tinha que dar aos governantes o poder de coletar impostos e usar parte na manutenção de forças locais. A Sicília foi conquistada até ser tomada pelos normandos no século XI. Diminuía então os tributos a Bagdá, quando houve um declínio no sistema de irrigação e na produção agrícola do Iraque. Em 945, os Buydas do mar Cáspio tomaram o poder na própria Bagdá. O título de Califa cai. Os abácidas sobreviveram por três séculos. O poder estava nas mãos de outras dinastias. Surgiram movimentos oposicionistas e separatistas, em nome de dissidências do Islã. Xiitas criaram dinastias dissidentes. Um movimento organizou atividades missionárias em larga escala. Criaram uma espécie de república na Arábia Oriental e outro se estabeleceu no Magreb. Em 910, Ubaiadullah, proclama-se Califa e sua família criou uma dinastia estável, a fatímida. Em 968 ocuparam o Egito e, daí foram para a Arábia Ocidental e o interior da Síria. Usaram o título de califa e imã. O Cairo foi fundado por eles. Sua base do poder era a receita das férteis terras do delta e vale do Nilo, do comércio do Mediterrâneo e do Mar Vermelho. O califa não impôs doutrinas ismaelitas aos muçulmanos egípcios, que permaneceram sunitas, cristãos e judeus, vivendo em simbiose com eles. Marrocos e Espanha eram de difícil controle. Desembarcam em Andalus em 710. Criam um califado. Contudo os sírios chegam e formam uma nova dinastia omíada, que governou por quase 300 anos. Criou-se uma nova capital, Córdoba, com um governo forte. O rio Guadalquivir proporciona o curso d’água para trazer a alimentação necessária e produtos para a indústria. Os grãos eram cultivados em terras irrigadas. Em seguida surge Sevilha. Parte da população converteu-se ao Islã, e Andalus se torna mais muçulmana. A identidade dos andaluses se mantém intacta pela tolerância religiosa. No século XI esse reinado dividiu-se em diversos menores, governados por árabes ou berberes. O reinado muçulmano está fortificado e unido. Existia um grande mundo econômico no Mediterrâneo e no Oceano Índico.
O desaparecimento da estrutura do governo no Oriente e Ocidente não foi sinal de fraqueza social ou cultural. Um único império acabou criando uma unidade econômica importantíssima. A movimentação das pessoas que habitavam essas áreas proporcionou uma vasta esfera de interação. Surgiram governos fortes, grandes cidade, comércio internacional e uma agricultura florescente, mantendo as condições de subsistência. Importavam produtos da China e Índia e exportavam corais, marfim e têxteis. Os bens eram transportados por rio até Bagdá, depois em grandes caravanas de camelos ou jumentos e mulas para curtas distâncias. O transporte por roda quase desapareceu.
Nos anos médios do século VIII menos de 10% da população do Irã, Iraque Síria e Egito era muçulmana e um número bem maior na península Arábica. A maioria dos convertidos vinha de camadas inferiores da sociedade. As cidades do Iraque e do Irã, Kairun na África e Córdoba na Espanha serviram de centros para a irradiação do Islã. Porém, no final do século X isso mudara. Grande parte da população tornara-se muçulmana e suas diferenças nitidamente traçadas. O status dos cristãos, judeus e zoroastrianos era de certa forma inferior. Eles eram o Povo de Livro e apesar de não serem obrigados a se converter sofriam restrições. Pagavam impostos especiais, não podiam usar certas cores e não podiam desposar muçulmanas. Eram excluídos das posições de mando e o caráter de uma minoria era incômodo. Os judeus sobreviviam pela força de organização comunal e não identificação com os governos muçulmanos, contudo os cristãos não possuíam nada disso e viviam em cidades, partes do campo no Egito, nas montanhas libanesas e no norte do Iraque. A língua árabe difundiu-se junto com o Islã. O árabe se tornara a expressão de uma alta cultura literária. Os não convertidos continuavam usando suas línguas para fins religiosos ou literários. A poesia se expande sob os omíadas. Para os que aceitavam o Corão era essencial conhecer o árabe. O centro da atividade literária passou das aldeias e dos acampamentos tribais para as novas cidades: Basra, Kufa e depois Bagdá. Depois do início século IX, a circulação de obras escritas foi ajudada pela introdução do papel, que fora trazido da China para o Curasão, espalhando-se pelo Império. Os poemas falavam geralmente do amor erótico. A escrita da prosa árabe era algo novo. Al-Tanukhi (940-94) escreveu três volumes de histórias que eram ao mesmo tempo um divertimento literário e uma série de documentos sociais. No século seguinte, outros tópicos em moda foram escritos. Antes do Islã, os registros ancestrais eram orais e foram incorporados nos poemas. A tradição de escrever história atingiu a maturidade no século IX, que tinha como tema toda a história islâmica e o que consideravam importante da história humana, como exemplo: as crenças dos hindus eram semelhantes às dos gregos. As pessoas comuns adoravam ídolos antes do advento do cristianismo e os educados tinham opiniões semelhantes às dos hindus. Os indianos faziam inúmeras distinções entre seres humanos, mas os muçulmanos encaravam todos os homens como iguais, a não ser na religião, a grande barreira entre eles e o Islã. Surge então “um mundo islâmico.” Os grandes prédios eram os símbolos externos desse mundo. A mesquita desempenhava um papel muito importante e também o Santuário. A Caaba em Meca, o Domo da Rocha em Jerusalém e o túmulo de Abraão em Hebron. O tempo era marcado pelas cinco preces diárias, o sermão semanal, o jejum do Ramadan, a peregrinação a Meca e o calendário muçulmano. Nessa época não havia o conceito moderno de fronteiras. O judaísmo, o cristianismo e o Islã permaneceram mais abertos uns aos outros nos primeiros séculos. No período abácida o Iraque foi um rico solo cultural de judeus, cristãos nestorianos e religiões do Irã. A busca de conhecimento religioso começou cedo na história do Islã e desenvolveu-se um corpo de estudiosos muçulmanos informados e interessados. O primeiro problema a surgir foi o da autoridade. Quem deveria tê-la e como agir com justiça. Surgiu um movimento de contestação da autoridade dos califas e as teorias de autoridade legítima foram se desenvolvendo.
Para os cristãos a revelação é de uma Pessoa, para os muçulmanos a revelação é um Livro, portanto o status do livro é fundamental. Estas questões foram muito debatidas e assim apareceram as primeiras escolas de pensamento, que discutiam questões religiosas e outras como o livre arbítrio do homem.
Os “Pilares do Islã” são obrigações básicas dos muçulmanos. O califa, governador ou cádi modificavam costumes existentes à luz das idéias em desenvolvimento sobre o que exigia o Islã. Os sábios introduziam alguns costumes de suas comunidades e os regulamentos das várias regiões devem ter divergido muito. O passo decisivo para acabar com as dúvidas foi dado por al-Shafi’i (767-820). A passo, surgiram várias escolas de lei.
Houve um movimento de crítica para distinguir o falso do verdadeiro. O Corão contém poderosas imagens da proximidade de Deus com o homem e da maneira como o homem deve responder. Desde cedo houve um movimento de prece e de meditação sobre o sentido do Corão. (Devo frisar que nesses movimentos só os homens eram privilegiados e as mulheres consideradas um nada). A ascensão ao poder de uma dinástica árabe não causou uma interrupção abrupta na vida intelectual do Egito ou Síria, do Iraque ou Irã. A escola de Alexandria continuou a existir e a escola de medicina no sul do Irã, criada por cristãos nestorianos também. Nesse momento o árabe ainda não era usado na ciência e filosofia, contudo o trabalho de tradução foi executado intensivamente, com o estímulo dos califas abácidas. Um historiador de medicina árabe traduziu na íntegra o juramento de Hipócrates dos médicos gregos. No século IX, um matemático escrevia sobre os números indianos- chamados arábicos- em cálculos matemáticos. Havia problemas de religião versus ciência, principalmente na filosofia. Al-Faribi sugeria que a filosofia em sua forma pura não era para todos. A língua árabe perde a força na cultura secular e volta o persa. O Império cresce para a Anatólia, mas perde a Espanha para os cristãos. Os turcos ganham importância. Apesar das divisões e mudanças políticas as regiões de língua árabe tiveram formas sociais e culturais relativamente estáveis durante esse período posterior. No centro da alta cultura das cidades estava a tradição de doutrina religiosa e legal, transmitidas pelas madrasas. Ligava-se a elas outras tradições de literatura secular, filosófica e de pensamento científico e de especulação mística. Os judeus participaram do florescimento do pensamento e da literatura e foram importantes para o comércio. No fim do século X, três governantes reivindicavam o título de Califa, em Bagadá, Cairo e Córdoba. Ter mantido tantos países num único Império por tanto tempo fora um espetacular feito. O Império se estendia da Ásia Central à costa do Atlântico e do século X em diante, as fronteiras em geral não eram claramente definidas. Era difícil mantê-lo coeso. No Egito, Saladino (1169-93), sunita de origem curda, conseguiu derrotar os cruzados europeus que haviam estabelecido estados cristãos na Palestina e na costa síria no fim do século XI. O Califado de Córdoba decompôs-se em vários reinos pequenos, possibilitando os cristãos a expandir-se para o sul. Durante o século XIII a área oriental foi perturbada pela invasão vinda da Ásia Oriental: um exército formado por tribos mongóis e turcas das estepes da Ásia interior. Conquistam Irã e Iraque, pondo fim ao Califado dos Abácidas em Bagdá, em 1258. Esse segundo período mudou consideravelmente as fronteira do mundo muçulmano. A Sicília passa para os normandos e a Espanha para os reinos cristãos do norte, em meados do século XIV eles tinham todo o país, exceto Granada do sul. Síria e Palestina foram destruídas pelos mamelucos. No terceiro período, Séculos XV e XVI, os estados muçulmanos viram-se diante de um novo desafio dos estados da Europa Ocidental. A produção e o comércio desses estados aumentaram e a península ibérica era governada pelos reis cristãos de Espanha e Portugal. Mudanças técnicas navais e militares, com o uso da pólvora, possibilitaram concentração de poder e criação de estados mais poderosos e duradouros, que se estenderam pelo mundo muçulmano. No outro extremo do Mediterrâneo, uma dinastia turca, a dos otomanos, surgiu na Anatólia. Expandiu-se dali para o sudeste da Europa, conquistando o resto da Anatólia. A capital bizantina, Constantinopla, tornou-se a capital otomana, agora Istambul (1453). No século XVI os otomanos derrotaram os mamelucos e absorveram a Síria, o Egito e a Arábia Ocidental. Assumiram a costa do Magreb até os limites com Marrocos. Seu império iria durar até 1922. Os mughals, descendentes dos mongóis e de Tarmelão criaram um Império no norte da Índia, com a capital em Deli (1526-1858). As fronteiras mundiais se modificavam.
Essas mudanças não destruíram a unidade cultural do mundo do Islã, pois ela foi ficando mais profunda. A fé do Islã se articulava em sistemas de pensamento e instituições. O Irã era muito ligado ao passado pré-islâmico e o poema épico, que registrava a história tradicional do Irã e seus governantes já existia. Agora era revivido no novo persa. Os persas continuaram a usar o árabe para os textos legais e religiosos e o persa para a literatura secular. Essa cultura dupla se estendeu para a Transoxiana e norte da Índia. Os países muçulmanos se dividiram em duas partes: uma onde o árabe era a língua da alta cultura e outra onde tanto o árabe quanto o persa eram usados. Da Ásia interior, grupos inteiros de povos nômades cruzaram fronteiras e tornaram-se muçulmanos. Mamelucos do Egito vinham de terras turcas também, e a maior parte dos exércitos mongóis era formada por turcos. Foram estabelecidas dinastias turcas, que falavam turco no exército e nos palácios, mas foram atraídas ao mundo da cultura árabe ou árabe-persa. No Irã falava-se turco, nos exércitos e governos, o persa na administração, cultura secular, religiosa e legal. No Magreb e no que restava de muçulmanos na Espanha falava-se árabe. Os países de língua árabe ainda tinham muito em comum com os de língua persa e turca.
A primeira área em que o árabe foi dominante é a Península Arábica. Aí temos o Mar Vermelho, o golfo Pérsico e o mar Arábico. A planície costeira, Tihama, que se eleva em cadeias de morros e montanhas mais altas – Hedjaz, Asir e Iêmen. No norte e no sul há desertos – Nafud e o Quadrado Vermelho e entre eles estepe rochosa. A chuva é pouca, mas nascentes e riachos sazonais tornam possível o cultivo do oásis. Em outros lugares pastoreavam-se camelos. Omã é semelhante ao Iêmen no sudoeste. Da planície costeira eleva-se uma cadeia de montanhas de mais de três mil metros. Na costa fica uma cadeia de portos, onde se pratica a pesca e o mergulho em busca de pérolas, desde tempos antigos. Os portos do golfo e Omã eram ligados por rotas marítimas às costas da Índia e da áfrica Oriental. Meca e Medina eram mantidas pelas generosidades dos países vizinhos. Ao norte junta-se o Crescente Fértil. Em parte da Grécia, Roma e a parte oriental do Irã desenvolveram-se a sociedade e a cultura específica do Islã. No Iraque as neves das montanhas da Anatólia derretem-se na primavera e um grande volume de água desce pelos rios e inunda as planícies vizinhas. A parte norte do vale do Nilo forma a terra do Egito, de alta civilização. Cairo remonta de Mênfis, no terceiro milênio a.C. O Nilo atravessa uma região praticamente sem chuva. Ele é o principal elemento para irrigação. Ao sul ficam áreas de chuva pesada de verão. Ai se cultiva grãos e se cria gado. Existe também o Sudão, terra de agricultura e pastoreio, de aldeias, acampamentos nômades e cidade feiras, mas não há grandes cidades. Pelo Nilo ligava-se ao Egito. O Magreb, terra do Ocidente, inclui Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos. Erguem-se cadeias de montanhas: Jabal Akhdar, as montanhas do norte da Tunísia, o Atlas telúrico e o Rif no Marrocos. Para dentro há planícies e estepes. Para o sul a estepe transforma-se em deserto, o Saara, com oásis e palmeiras e ao sul dele há uma área de prados e o rio Niger, o Sahel do Sudão Ocidental. O Magreb, porém, tem poucos rios. A época de chuva determina o assentamento humano. As chuvas variam de ano para ano e mesmo num ano. O Saara era a única parte do Magreb onde se criavam camelos, que chegaram nos séculos anteriores do advento do Islã. Os portos do Mediterrâneo e do Atlântico ligavam a região à península Ibérica e à Itália assim como ao Egito. Fez surgiu nos primeiros tempos islâmicos e depois Marrakesh. Na Tunísia aparecem grandes cidades. Essas duas áreas irradiavam seu poder econômico, político e cultural sobre as regiões em volta e entre si. A península Ibérica ou Andalus foi grandemente habitada por muçulmanos, até desaparecer no século XV. A Espanha era parte do mundo mediterrâneo, a mais importante ligação era o Marrocos. No século XII as igrejas cristãs do Magreb desaparecem, mas em Andalus ainda havia muitos cristãos. No Sudão o cristianismo desaparecera, à medida que o Islã se espalhava. Na Síria e no Iraque ainda permaneceram alguns cristãos e pertenciam à Igreja Ortodoxa Oriental. Os judeus se espalhavam pelo Islã árabe. No Magreb parte do campesinato se convertera ao judaísmo, antes do Islã assim como no Iêmen. Os judeus desempenham importante papel no comércio, manufatura, finanças e medicina. Grande parte dessas comunidades era de língua árabe e ainda usassem o hebraico para fins litúrgicos. Muitos dos cidadãos de Andalus adotaram o árabe, mas as línguas românicas começavam a reviver. Curdos e berberes eram muçulmanos e à medida que se educavam passavam para a língua árabe. A sociedade muçulmana era dominada pelo deserto e diz-se que o clima era sempre igual: janeiro frio, junho, julho, agosto quentes. Existem conexões entre o clima e a religião do Islã. Havia um cinturão de chuvas que determinava a colheita ou não. Grandes rios como o Nilo, Tigre e Eufrates trouxeram vida para o local. Na Anatólia a água vinha da neve das montanhas. No sul do Iraque formaram-se pântanos permanentes devido ao afundamento do solo. Havia trechos onde a água subterrânea era abundante como no Quadrilátero Vazio, Nafud na Arábia e distritos de Erg no Saara. Cultivavam-se frutas e legumes: oliva, trigo, cereais para consumo humano e ração animal. A palmeira de tâmara era muito importante e precisava de temperatura de menos de 16° C para dar frutos. Pela variedade de clima e condições naturais o Oriente Médio e o Magreb dividiram-se desde antes do advento do Islã. Havia dois extremos: cultivo sedentário assegurado e pastoralismo nômade forçado. Entre eles ficavam áreas de cultivo mais precário. Havia posições intermediárias entre a vida sedentária e vida nômade. Cultivadores assentados e pastores precisavam um do outro para intercâmbio de mercadorias, mas a simbiose entre eles era frágil. A mobilidade dos nômades tendia a dar-lhes uma posição dominante. Alguns dos maiores oásis eram importantes nas rotas de comércio. Nas margens dos desertos eles cobravam alguns tributos sobre as aldeias assentadas. Os nômades se encaravam como superiores aos camponeses pela liberdade, nobreza e honra. O campesinato indígena permaneceu e soldados e imigrantes foram assentados na terra ou nas novas cidades. O surgimento de Curasão, Transoxiana, Andalus mostra que havia um campo assentado grande e produtivo suficiente para fornecer seus alimentos. As longas distâncias e as peregrinações à Meca levaram a uma demanda de camelos e outros animais de transporte. Na periferia do mundo muçulmano incursões de nômades mudaram o equilíbrio da população. Pastores turcos entraram no Irã e esse movimento continuou durante e depois das invasões mongóis. Berberes de Atlas e das margens do Saara passaram para Marrocos e Andalus. O crescimento de Bagdá significou que a maior parte da riqueza oriunda do excedente rural foi usada mais na cidade. A chegada de algumas tribos árabes no século XI afetou profundamente a história posterior do Magreb.
Nas sociedades tribais, a unidade básica era a família nuclear de três gerações: avós, pais e filhos vivendo juntos em casas feitas de pedra ou tendas de pano. Os homens cuidavam da terra e do gado. As mulheres da limpeza, cozinha e dos filhos, mas ajudavam no campo também e com os rebanhos. O conceito de honra havia existido de há muito no campo, nas partes não profundamente afetadas pelas religiões organizadas da cidade. Por costume generalizado, a propriedade de terra pertencia aos homens e era transmitida por eles aos filhos homens. “Eles eram a riqueza da casa.” As mulheres da família ficavam sob sua proteção, mas seu comportamento podia afetá-los. À medida que mulher envelhecia adquiria mais autoridade, como mãe de seus filhos homens. Essa família nuclear era auto-suficiente, econômica e socialmente.
Os camponeses e nômades produziam grande parte do que necessitavam. Eles construíam suas casas, as mulheres teciam tapetes e roupas, a metalurgia era feita por artesões itinerantes, contudo eram necessárias as trocas das produções. Para isso existiam as feiras regulares como um território neutro, semanalmente ou uma vez por ano. Algumas delas se tornaram instalações permanentes e eram cidades pequenas. Tinha uma rua principal com lojas e oficinas. Os artesões e pequenos mercadores não eram considerados pertencentes ao sistema tribal, nem sujeitos ao código de honra e vingança. A criação do Império Islâmico ofereceu as condições necessárias ao surgimento de uma cadeia de grandes cidades que iam de um extremo ao outro do Islã: Córdoba, Sevilha, Granada, Fez, Marrakesh, Kairuan, Túnis, Fustat, Cairo, Damasco, Alepo, Meca, Medina, Bagdá, Mosul, Basra, Transoxiana e no norte da Índia. O Cairo era uma cidade muito grande, contudo com a Peste Negra o número de habitantes encolheu consideravelmente. Bagdá tinha o tamanho do Cairo em relação aos habitantes, mas Bagdá declinara com a conquista Mongol. Na Europa ocidental nessa época não havia cidades do tamanho do Cairo, com 250 mil habitantes: Florença, Veneza, Milão e Paris tinham 100 mil habitantes, enquanto Inglaterra, Países Baixos, Alemanha e Europa Central eram menores ainda.
Os produtos árabes e asiáticos iam para a Europa pelo Mediterrâneo, por rotas terrestres ou por mar. O ouro era levado da Etiópia Nilo abaixo e por caravana até o Cairo e das regiões do rio Niger, através do Saara, até o Magreb: os escravos eram levados do Sudão e Etiópia e das terras dos eslavos. O comércio no Mediterrâneo era controlado por navios e mercadores europeus. Mercadores muçulmanos controlavam as rotas terrestres no Magreb e na Ásia Central e as do oceano Índico, até que os portugueses abriram as rotas do cabo da Boa Esperança no fim do século XVI. Não havia bancos, contudo havia as cartas de crédito que possibilitam as transações. Isso era baseado na confiança mútua. Há o surgimento da indústria têxtil na Itália e o Egito produz açúcar. As lojas eram passadas de pais para filhos e os bazares do século XVI eram mais ou menos iguais aos do século XX.
A charia era geralmente aceita pelos citadinos e mantida por governantes muçulmanos, como orientação para os modos de os muçulmanos lidarem uns com os outros. Regulamentava as formas de contrato social, lucros legítimos, as relações de marido e mulher e a divisão da propriedade. Os juízes administravam a charia e eram formados em escolas especiais, as madrasas. O cádi tinha certa competência em assuntos penais, em casos proibidos no Corão e puniam atos de ofensa religiosa. Assuntos que afetavam o bem-estar do Estado eram ministrados pelo governante ou seus funcionários, não pelos cádis. Os que ensinavam ou interpretavam as leis passaram a formar uma camada na sociedade urbana: os ulemás (saber religiosos e guardiões). No alto deles estavam os juízes dos principais tribunais, professores nas grandes escolas, pregadores, que formavam a elite urbana. Coletivamente controlavam grande parte da riqueza da cidade. Os pais formavam seus filhos para sucedê-los. Eles proporcionavam certa proteção à transmissão da riqueza contra os azares do comércio.
Os empregados domésticos eram principalmente mulheres, muitas eram escravas. A idéia de escravidão era diferente das Américas. Os escravos eram capturados nas guerras ou filhos de escravos. Deveriam ser bem tratados, com bondade e justiça. A escravidão era um status reconhecido na lei islâmica. Os escravos eram não-muçulmanos. Eles podiam ser libertados e as relações continuavam estreitas. Os califas haviam recrutado escravos dos povos turcos da Ásia Central para seus exércitos. Escravos militares e libertos, originários, sobretudo da Ásia Central e do Cáucaso, e do Magreb e de Andalus, das terras dos eslavos, foram sustentáculos de dinastias e mesmo fundadores delas. Havia os escravos agrícolas, que cultivavam as terras do alto Nilo e os oásis do Saara. Havia também escravos domésticos e concubinas nas cidades. Trazidos da África negra, pelo oceano Índico e mar Vermelho, pelo baixo Nilo ou pelo Saara. Eram na maioria mulheres, mas havia também eunucos.
Os judeus e cristãos pagavam um imposto per capita ao governo e exigia-se que trouxessem alguns sinais de sua diferença. A medicina era exercida pelos judeus. Quando judeus ou cristãos se convertiam, elevavam seu status pessoal e de poder. Nos primeiros séculos do domínio islâmico houve intercâmbio social e cultural entre as três religiões. Houve perseguições constantes contra não-mulçumanos, de 996-1021 no Magreb. As mulheres tinham um papel limitado: empregada, ajudante do marido ou artista de palco. Quando uma família era rica isolava suas mulheres em um harém e atrás de um véu. Elas só deveriam deixar sua casa em três ocasiões: quando era conduzida à casa do marido, na morte de seus pais e quando iria ao próprio túmulo! As mulheres, entretanto, em algumas ocasiões se encontravam e mantinham uma cultura própria. Elas recorriam ao cádi para reivindicar seus direitos. Quando uma mulher envelhecia, se tivesse filhos homens, podia adquirir grande poder na família. O dote era dado pelo noivo à noiva e isso seria propriedade dela. O homem podia além de a esposa ter mais quatro mulheres, contanto que as tratasse com justiça e não as negligenciasse com seu dever conjugal. Também podia ter concubinas em qualquer número. Os casamentos eram arranjados.
Na cidade havia soberanos, governantes, juízes, aldeões, mercadores, artesões, estudantes, mestres, etc. Na Medina, no centro da cidade, havia duas espécies de conjuntos de prédios. Um deles incluía a principal mesquita congregacional e perto dela ficava a casa ou tribunal do cádi, escolas, lojas, santuário. O outro conjunto incluía a praça central do mercado, lojas de têxteis, jóias, especiarias, armazéns, escritórios de cambistas. Essas edificações ficavam em um quadrilátero de ruas paralelas ou em uma massa compacta. A área do mercado destinava-se principalmente à troca. Afastados do centro, havia os bairros mais pobres, onde viviam imigrantes rurais. Judeus e cristãos tendiam a viver mais em certos bairros do que em outros. Alepo era uma cidade antiga de antes do advento do Islã. O centro da cidade continuava onde era nos tempos helênicos e bizantinos. A grande mesquita ficava no ponto onde a rua central da cidade helenística alargava-se no fórum principal. O Cairo era criação nova e Fez formou-se ainda de outro modo. O poder fora para o interior. Dentro da cidade ficava o próprio palácio, com seu tesouro real, casa da moeda e escritórios. Nos seus pátios externos tratava-se de assuntos públicos; os internos eram somente para ele e a família.
No século XV, as cidades continham grandes prédios construídos em torno do palácio. As construções domésticas da cidade encaixavam-se em três categorias: 1) a habitação dos pobres, 2) casas de cômodo, casa típica com oficinas no andar térreo e várias escadas que levavam a dois ou três andares acima 3) para famílias mais ricas havia outros tipos de casas, dependendo da região do Islã. Na Europa os móveis eram de madeira, na Arábia os têxteis (colchões e almofadas no chão) faziam seu papel e à noite usavam-se lâmpadas de azeite para iluminar. A alimentação era saudável e leve, raramente comiam carne. Embora o Corão proibisse o álcool, vinho e outras bebidas fortes parecem ter sido largamente consumidos, feitos por cristãos locais ou importados da Europa.
O código de conduta de Fez foi escrito no século XVI e seguido até o começo do século XX. Não só mercadorias passavam pelas cidades, mas também idéias, notícias, modas, padrões de pensamento e conduta. Exércitos traziam consigo novas idéias sobre como conviver em sociedade e novos elementos étnicos a acrescentar à população. Os homens se deslocavam em busca do saber a fim de espalhar a tradição do Profeta. Eles queriam aprender as ciências da religião com algum professor famoso ou receber educação espiritual. Ibn Battuta (1304-1377) ilustra as ligações entre as cidades e terras do Islã, tendo iniciado aos 21 anos uma grande peregrinação.
A manutenção da lei precisava de um poder de imposição, um governante de alta posição. As dinastias governantes extraíam sua força do campo, mas só poderiam sobreviver nas cidades. Tinham que ter raízes nas cidades, contudo para resistir precisavam estabelecer-se nelas, extraindo a riqueza do comércio, indústria e da legitimidade que os ulemás conferiam. Um conquistador percorria uma série de cidades em uma rota de comércio. Algumas das maiores cidade do Islã surgiram de dinastias: Bagdá, Cairo, Fez e Córdoba. O primeiro objetivo de uma dinastia era manter-se no poder. Seus exércitos eram formados de várias etnias. No Egito eram os recém chegados turcos ou curdos e sob os mamelucos era de composição mista. À medida que uma dinastia conseguia estabelecer-se, tentava nomear governadores provinciais do grupo dominante, com êxito variável. O forte controle de um grande Império exigia uma complicada burocracia. Administrar a justiça era um dos principais deveres de um governante muçulmano e tentavam atrair membros educados da elite urbana. Em Tunis, o governante precisava reunir-se semanalmente com seus principais cádis e muftis. Os mercadores proporcionavam as reservas financeiras e a classe culta formava uma reserva para extrair funcionários públicos e judiciais; poetas e artistas embelezam a corte dando-lhe magnificência. A manutenção da ordem e a coleta de impostos estavam estreitamente relacionadas. Membros da elite dominante deviam investir em empreendimentos comerciais conjuntos e eram donos de grande parte das edificações. Entre a gente comum a insatisfação podia assumir a forma de perturbação da ordem. O proletariado formado de imigrantes, biscateiros, mendigos e criminosos vivia em permanente estado de inquietação. O soberano podia corrigir sua política para satisfazer algumas exigências. Funcionários eram demitidos ou executados e abriam-se os depósitos de grãos para a população.
Antes da era moderna as fronteiras não tinham uma delimitação precisa. Havia três tipos de regiões: 1) deserto ou estepe, 2) montanha, oásis ou estepe, 3) planícies abertas e vales ribeirinhos. Na terceira o soberano tinha que manter um controle mais forte e direto com guarnições militares, que mantinham a ordem e preveniam o surgimento de caudilhos locais. A coleta de impostos proporcionou uma das maneiras de controle direto do soberano sobre o interior rural e sobre o controle por indivíduos citadinos que podiam apropriar-se de parte do excedente rural para si.
O soberano e seus funcionários exerciam grande domínio sobre os habitantes mulçumanos, pois sem essa força a indústria e o comércio não podiam florescer e a tradição e leis deviam ser obedecidas. O Califa era o mais importante membro do poder. O Califado tinha três elementos: 1) o da sucessão legítima do Profeta, 2) da direção dos assuntos do mundo, 3) da vigilância sobre a fé. Esse três aspectos deviam ser unidos em uma só pessoa, mas em caso de necessidade podiam ser separados. O califa incorporava a sucessão do Profeta, o sultão era detentor do poder militar e os ulemás vigiavam a crença e prática religiosa. O califado de Bagdá acabou com a invasão dos mongóis em 1258. Havia um ditado popular que dizia que “religião e reinado são dois irmãos e nenhum pode dispensar o outro.” O poder era adquirido pela espada. Dizia-se também que a “tirania de um sultão por cem anos causa menos dano do que um ano de tirania exercida pelos súditos uns contra os outros.”
Nesse imenso universo separado por desertos e com várias dinastias que surgiam e desapareciam havia, mesmo assim, um laço comum entre os indivíduos. Eram muçulmanos vivendo sob as leis do Corão reveladas em um língua comum, o árabe. Uma umma equivalia a uma comunidade e todo muçulmano era irmão de outro muçulmano. Certos atos e rituais representavam a manutenção do senso de filiação de uma comunidade. A verdade do Profeta era passada de uma geração para outra geração e esse fato foi de grande importância na cultura islâmica. Uma prece em particular devia ser feita em público ao meio dia, na sexta-feira. Após a prece o pregador fazia uma oração em louvor a Deus, invocação de bênçãos sobre o Profeta, uma homilia moral de assuntos públicos e finalmente a invocação da bênção de Deus para o soberano. Além disso, havia a doação em dinheiro, o jejum uma vez por ano e a peregrinação a Meca. Aproximando-se de Deus dessa maneira, os muçulmanos também estariam se aproximando uns dos outros. Os rituais de preparação à peregrinação em direção a Meca eram muito importantes, assim como as sete voltas em torno da Caaba, beijando a Pedra Negra. Os que iam rezar em Meca podiam ficar para estudar em Medina; podiam trazer mercadorias consigo; mercadores acompanhavam a caravana com produtos para vender nos caminhos das cidades santas. Havia um intercâmbio de notícias e idéias trazidas de todas as partes do mundo do Islã. A jihad era a guerra contra os que ameaçavam a comunidade. O dever da jihad baseava-se nas palavras do Corão. Com o ataque da Europa Ocidental o jihad passou a ser a defesa e não a expansão do Islã.
Novos caminhos e ordens surgem a partir do século X até o século XIV, mas só uma minoria de adeptos dedicava toda a vida ao caminho, vivendo em conventos ou outros prédios. As ordens diferiam quanto ao relacionamento entre os dois caminhos do Islã: ordens sóbrias e os que ficavam embriagados com a experiência de união com Deus e viviam em solidão. Havia rituais de desligamento do mundo real e surgem os santos e santas.
Os sábios religiosos ou ulemás, diziam-se guardiães das comunidades e da consciência moral. No século XI, havia as escolas de interpretações ou madhhabs, que com o tempo vieram a aceitar umas às outras. Os muçulmanos tiraram muitos elementos da religião cristã, assim como essa retirou de outras e assim sucessivamente.
Desde os primeiros tempos houve um procedimento formal para a transmissão da doutrina religiosa. Os estudantes se agrupavam em torno de um professor. Sentado encostado a uma coluna. A partir do século XI surgiu uma instituição dedicada em grande parte à doutrina legal. A madrassa era uma escola quase sempre ligada a uma mesquita e incluía um lugar de residência para estudantes. Era estabelecida por um doador individual de posses que as mantinham. Ela ensinava matéria ancilares, como ler e interpretar o Corão, o Hadith e a ênfase era na repetição, memorização e também na compreensão. A primeira fase dos estudos levava vários anos e aprendia-se o código legal. Muitos estudantes não passavam disso, mas quem quisesse se tornar professor da lei ou cádi, em um nível superior, seguia seus estudos por mais tempo. Usava-se o método do debate lógico formal: a apresentação de uma tese, respondida por uma contra tese, seguida por um diálogo de objeções e respostas. Esses estudos eram transmitidos por gerações de professores a alunos. Isso expressava certa idéia do que deveria ser a vida do muçulmano interessado e culto.
Acreditavam que as ações humanas ocorrem pelo poder de Deus, mas as pecaminosas não ocorrem com Seu prazer ou amor. Nas madrassas sunitas, os livros que resumiam os princípios básicos da fé expressavam um consenso geral de sábios.
As virtudes e o bom caráter eram formados pela ação correta, assim pensava o grande mestre Ghazali. A prece só tem valor se praticada com a presença da alma.
Nas mesquitas e madrassas o fiqh e suas ciências ancilares eram as principais matérias de estudo, mas além delas havia outros tipos de pensamentos. Um de duradora importância foi o dos filósofos. A lógica de Aristóteles podia levar a uma verdade demonstrável. Na formulação de Ibn Sina, Deus era a Primeira Causa ou Criador, O Ser necessário no qual a essência e existência eram uma coisa só. O simbolismo da luz era comum no pensamento sufita como em outros pensamentos místicos. A alma humana foi criada por esse processo de descendência do Primeiro Ser. Ghazali criticava os filósofos e dizia que o Deus deles não era o Deus do Corão. Ibn Ruchd de Andalus, onde a tradição filosófica deitara raízes, refutou a interpretação de Ghazali. Os filósofos exercitavam a razão; os versículos do Corão deveriam ser interpretados metaforicamente e poucos conseguiam fazê-lo. Para as pessoas comuns bastava o sentido literal do Corão. A filosofia era para a elite (khass).
A formulação mais complexa e duradoura de teosofia foi feita por Ibn ‘Arabi (1165-1240), um árabe de Andalus. “Aquele que se conhece, conhece o seu Senhor.” Mesmo entre os sufitas, a obra de Ibn’Arabi continuou sendo objeto de disputa.
Ibn Taymiyya dizia que o verdadeiro muçulmano era aquele que tinha fé, não simplesmente aceitava o Deus revelado, mas agia de acordo com a Sua Vontade. Dizia que a unidade é um sinal de clemência divina, a discórdia um castigo de Deus. Vivendo entre a maioria muçulmana de língua árabe que aceitava o Sunismo, havia comunidades xiitas adeptas do Duodécimo e desenvolveram sua própria visão da história. Eles incorporavam elementos das teorias neoplatônicas. A mesma ênfase no uso da razão humana para elucidar a fé levou ao desenvolvimento de uma escola de jurisprudência xiita
A maior população judaica ficava em locais governados por muçulmanos. A maioria deles pertencia à corrente principal da vida judia que aceitava a autoridade do Talmude, corpo de interpretação e discussão da lei judaica recolhido na Babilônia ou Iraque, embora houvesse comunidades menores. Centros importantes de população judaica também viviam no Cairo, Kairuan e cidades da Espanha muçulmana. A teologia e a filosofia judaica foram fortemente influenciadas pelo Islã. A maior figura do judaísmo medieval, Musa ibn Maymun, encontrou um ambiente mais livre no Cairo do que em Andalus de onde vinha. Na época de Saladino, as relações entre judeus cultos e muçulmanos eram cômodas no Egito da época. Os cristãos e sábios cristãos foram importantes no desenvolvimento do Islã. As línguas que os cristãos tinham falado e escrito continuavam a ser usadas (grego, siríaco, latim) e alguns mosteiros foram importantes centros de pensamento e erudição. Continuou havendo um abismo de ignorância entre muçulmanos, judeus e cristãos à medida que o Islã se tornava a maioria. O Iraque continuou dentro da esfera de irradiação do Irã. Síria e Egito formavam uma unidade cultural, que se estendeu até o Magreb e península Arábica. No Extremo Ocidente desenvolveu-se uma civilização andaluza diferente da que existia no Oriente. Surgiu uma cultura distinta na corte dos últimos omíadas (Andalus e Córdoba). O poder se manifestava em esplendidos prédios e na poesia. O desenvolvimento do sistema de waqfs estimulou a criação de tais prédios.
Poetas e homens de saber religioso e secular se reuniram em Bagdá e diferentes culturas se misturaram e produziram esse algo novo. No século X a forma básica dos prédios já estava determinada: a mesquita e seus minaretes, o palácio do soberano, a fachada exterior contava pouco, as paredes internas é que manifestavam poder ou crença. Em um período posterior Bagdá e Córdoba tinham paredes de estuque e azulejos e traziam inscrições em árabe ou desenhos. Dava-se mais ênfase à aparência externa. O monumento mais impressionante sobrevivente no estilo andaluz foi um palácio, o Alhambra em Granada, do século XIV. O principal adorno no interior era a decoração das paredes, em azulejos, estuques ou madeira. Não havia quadros, mas os livros eram ilustrados com pássaros, animais e cenas de vida. A porcelana azul e branca foi importada da China e imitada a partir do século XIV. O Egito era o principal centro de produção.
A poesia desempenhou um papel importante na cultura dos soberanos e ricos. O florescimento de Andalus deu-se com a mistura de povos, línguas e cultura. Havia pelo menos cinco línguas. A grande poesia era escrita em linguagem estritamente gramatical, com ecos de poemas passados. Houve também uma tradição teatral. O gênero mais difundido foi o romance. Os temas são aventuras de viagens, forças sobrenaturais, espíritos, espadas mágicas, cidades de sonho, homens ou demônios. O ciclo de histórias de As Mil e Uma Noites parece ter surgido de modo mais ou menos semelhante.
A música era para os ricos e poderosos e acompanhamento para certo tipo de poesia. As poesias de Andalus eram escritos para ser cantados. No tempo dos omíadas o músico era uma figura da corte. A tradição dessa arte era diferente da tradição iraniana das cortes orientais. Eles viam a música como contendo princípios matemáticos. Os instrumentos eram de corda dedilhados e de arco, flautas, percussão. É necessário regulamentar o uso dessa força poderosa. A poesia e a música eram permitidas de acordo com as circunstâncias. Os árabes das famílias também liam. Desenvolveu-se a autoconsciência cultural e um estudo sobre a cultura acumulada, expressa em árabe. A fabricação do papel após o século IX tornou mais fácil copiá-los.
As bibliotecas começaram em 813 e mais tarde multiplicaram-se. Mesquitas e Madrassas possuíam bibliotecas anexas. Havia grande preocupação quanto à veracidade e idoneidade da história e seus escritores. O escritor de geografia aliava a literatura grega, iraniana e indiana às observações de soldados e viajantes. Os doutores em medicina eram de grande importância nessas sociedades. O núcleo de estudos vinha da teoria médica e fisiológica grega, em particular da obra de Galeno. A arte da medicina era ensinada por aprendizado em hospitais que existiam nas grandes cidades. Ibn al-Khatib (1313-74) foi o primeiro a compreender como a peste se espalha por contágio. Estudaram a fabricação de drogas com plantas medicinais e a farmacopéia era extensa. Aconselhavam a dieta saudável, ar fresco e exercício. Usavam também a astrologia, mas alguns pensadores condenavam a astrologia e alquimistas. Os autores muçulmanos tomaram a ciência da interpretação dos sonhos dos gregos, mas acrescentaram coisas próprias e era a mais rica de toda a literatura islâmica.
O mundo muçulmano nos séculos XV a XVI era integrado em três grandes impérios: Otomanos, Safavitas, Grãos-Mongóis. Istambul era a capital. O turco era a língua da família governante e da elite administrativa e militar. A elite religiosa e legal era mista. O Império era um Estado burocrático e fora a última grande expressão da unidade do mundo do Islã. Foi um Estado multirreligioso. A partir da última parte do século XVIII houve mudanças nas relações entre o Império e os estados da Europa. Houve mudanças na direção do comércio desde que os europeus tornaram-se mais fortes no oceano Índico e mar Mediterrâneo. O império Otomano estava em relativo declínio de poder e independência. Os ulemás, nessa época, encontravam-se ávidos por servir seus soberanos, como juízes ou funcionários públicos. Se o poder falhasse eram transferidos para outro soberano com mais poder. O soberano só podia obter poder com a ajuda de seu próprio povo, mas ele reclamava toda a glória para si e afastava dela a sua gente, que se tornavam seus inimigos e assim ele precisava fazer outros amigos que poderia usar contra seu povo. O poder motivador dos exércitos vinha de soldados recrutados de fora, das montanhas, estepes e além das fronteiras. Eles tinham ousadia e habilidade para lidar com cavalos e armas de guerra. Os das montanhas e estepes eram mais saudáveis do que os outros. Os soldados treinados na casa do soberano eram considerados escravos ou mamelucos, em um sentido que não implicava degradação pessoal. No século XIV existia uma ordem frágil e talvez a Peste Negra tenha sido um das causas disso, pois atacou a maioria dos países da parte ocidental do mundo e continuou durante um século depois com surtos recorrentes. O crescimento da produção têxtil na Itália e outros países europeus e a expansão da navegação européia no Mediterrâneo, as mudanças na arte da guerra, o uso da pólvora em artilharia e armas de fogo ajudaram nesse declínio. A Espanha cristã se beneficia com a descoberta da América. No Mediterrâneo Oriental o novo e ascendente poder era de uma dinastia muçulmana, batizada com o nome de seu fundador, ‘Uthman, Osman: daí seu nome islâmico ocidentalizado para otomano.
O estado otomano era feito de principados turcos. Com o descobrimento da América, Espanha e os Otomanos mantiveram relações pacíficas. O império otomano era agora a principal potência militar e naval no Mediterrâneo Oriental e mar Vermelho. Isso o pôs em conflito potencial com os portugueses e a expansão espanhola, estabelecendo pontos fortes em Argel, Trípoli e Túnis (1574). A guerra marítima prosseguiu entre otomanos e espanhóis. De 1580 em diante a Espanha e o Império otomano mantiveram relações pacíficas. O império Otomano foi o mais forte desde o império Romano. Manteve seu domínio sobre suas terras por quatrocentos anos, e sobre alguns por até seiscentos anos. No ápice do sistema ficava a “casa do Omã” e não havia lei rígida de sucessão. O Soberano era a personalidade mais importante e depois dele o Vizir. Surgem as fazendas fiscais, onde os indivíduos coletavam certo imposto para o governo usar. A autocracia vira uma oligarquia de poderosos funcionários, com educação comum, assim como parentesco ou casamento. O soberano justo e sábio deveria manter-se à parte das diferentes ordens da sociedade e manter a harmonia do todo. As várias comunidades judaicas e cristãs tinham uma posição especial, pois pagavam a capitação e possuíam seus próprios sistemas legais de lei pessoal e o governo precisava assegura-se de sua lealdade.
Os títulos de soberano muçulmano, como paxá ou sultão assinalavam sua ligação com a tradição persa, mas ele também era herdeiro de uma tradição especificamente islâmica e exercia a autoridade legítima em termos islâmicos. Os otomanos defenderam as fronteiras do Islã e as ampliaram quando possível. Eles eram os guardiões das fronteiras e de seus lugares santos como Meca e Medina. As principais caravanas de peregrinos continuavam a partir do Cairo e Damasco, com milhares de peregrinos. Os condutores dessas caravanas palmilhavam 3000 léguas nas solas dos pés. As tendas eram montadas e os camelos conduzidos prontos para seus grupos. Os milhares de cavaleiros montavam em silêncio. O paxá avançava de liteira e depois dele a coluna do chefe da caravana. Os demais ficavam parados por alguns minutos e só depois tocavam seus camelos e a grande caravana estava em marcha. Percorriam locais de descanso até chegarem à Meca. Organizar e conduzir as caravanas de diversos pontos era tarefa do governador.
O governo otomano era uma potência européia, asiática e africana, tendo de proteger parte desses três continentes. A Argélia era um bastião contra a expansão espanhola e Bagdá dos safávidas. Havia preocupação com os Bálcãs e a Anatólia. Era necessário manter as províncias sob controle. Nas montanhas e desertos esse controle era mais difícil, por motivos óbvios. O Iraque era um bastião contra uma invasão do Irã. Famílias curdas foram reconhecidas como governadores locais ou coletores de impostos. Uma província foi estabelecida para vigiar os senhores do Líbano. Em Basra houve uma ameaça portuguesa ou holandesa. O xiismo era outra advertência. Quando os otomanos conquistaram o Egito estabeleceram vários corpos militares: soldados casaram-se em famílias egípcias e entraram no comércio e ofícios. Do mesmo modo surgiu uma solidariedade entre alguns mamelucos. Quando ocuparam o Cairo, absorveram parte da antiga elite militar do Estado mameluco. Na década e 1660 os governadores restauraram a sua posição. O processo de devolução do poder começou no Egito. Nas montanhas, a ausência de poder otomano possibilitou o estabelecimento de uma nova linhagem de imãs. A partir do século XVII não houve presença otomana, mesmo nos portos. No Magreb, sob o domínio otomano, estabeleceu-se uma forma de governo provincial típico. Uma marinha recrutada de várias fontes, incluindo europeus convertidos, era usada para a pirataria contra os navios dos Estados europeus. Dos três centros de pode otomano no Magreb, Argel era o mais importante contra a invasão espanhola, apesar da descoberta da América. Trípoli, Túnis e Argel juntos equiparam as atividades piratas dos capitães da marinha, no início do século XVIII. Havia distritos sem mesmo um controle mediano: nas montanhas Kabyle, áreas dos nômades criadores de camelos do Saara e as vilas do oásis de Mzab, vivendo sob o governo de um conselho de velhos cultos e religiosos.
O Império Otomano ligava-se de um lado ao Irã e Índia No oeste ligava-se a países da Europa Ocidental em processo de expansão econômica. O negócio de especiarias ainda passava pelo Cairo, até que os holandeses começaram a transportá-las em torno do cabo da Boa Esperança. O café era importado do Iêmen para o Cairo. No Magreb escravos, ouro e marfim eram trazidos dos prados do sul do Saara. Os europeus vão ficando comercialmente mais importantes (séc. XVI) Todavia o principal comércio era no oceano Índico. Após a recuperação do longo declínio de habitantes causado pela Peste Negra, a população do Império pode ter aumentado em torno de 50% no decorrer do século. Istambul ficou maior que as principais cidades européias de Nápoles, Paris e Londres e a população rural cresceu tanto quanto a urbana. Isso resultou em um sistema mais equitativo de tributação, maior demanda urbana e geração de capital para investimentos. O abastecimento da cidade era uma preocupação fundamental do governo. O cereal e os grãos eram importantíssimos para alimentar as grandes cidades.
A população otomana cresceu, depois ficou estacionária até diminuir um pouco. Istambul era a maior cidade seguida por outras como Cairo, Alepo, Damasco, Túnis. O crescimento da população estava ligado à mudança física e à expansão das cidades. Os ricos viviam perto do poder, no centro ou nos arredores. Os artesões, pequenos comerciantes e proletariado nos bairros populares. Esse desenvolvimento desencadeou um aumento da importância dos judeus e cristãos. Judeus eram importantes no comércio; gregos no comércio no mar Negro, com grãos e peles; armênios no comércio da seda com o Irã; em Alepo e outros lugares, os cristãos intermediavam nas compras de produtos de exportação e distribuição dos produtos trazidos da Europa; cristãos sírios atuavam no comércio entre Damieta e a costa síria; cristãos coptas eram contadores e administradores, também donos de fazendas fiscais no Egito. Os mais ricos eram banqueiros, prestamistas, mercadores de comércio em longas distâncias. O comércio mais importante era executado somente por mercadores muçulmanos.
A conquista otomana deixou sua marca nas cidades das províncias árabes, em grandes monumentos arquitetônicos, como sinais de grandeza e religiosidade. As mesquitas eram construídas no estilo otomano (séc. XVI XVII). O salão era decorado com ladrilhos coloridos, com desenhos de flores em verde, vermelho e azul. O salão de prece tinha o teto abobadado e se erguiam dois ou quatro minaretes compridos, finos e pontiagudos. A mais espetacular criação foi o Takiyya em Damasco, um grande conjunto de prédios. Sob o domínio otomano a língua árabe não foi diminuída, mas reforçada. No século XVII, o mundo da cultura xiita foi despedaçado. A reconquista cristã de Andalus levou à destruição das comunidades judias dali, e levaram a Cabala para onde se exilaram. Franciscanos, jesuítas, carmelitas e dominicanos disseminaram missões católicas romanas nas regiões da Terra Santa. Vários colégios foram criados pelo papado em Roma para formar padres das Igrejas orientais. Houve o desenvolvimento de uma cultura cristã distinta, expressa em árabe. Na atmosfera livre das Montanhas do Líbano, surgiram centros tanto do cultivo do solo quanto do estudo de teologia e história.
Além das fronteiras otomanas árabes, ficavam regiões de pequenas vilas ou portos de mercadores e campos esparsos com recursos urbanos limitados. Omã era uma comunidade relativamente próspera e estável. Na costa, o porto de Masqat tornou-se um importante centro para o comércio do oceano Índico. Nessas periferias árabes os otomanos não exerciam suserania. O cristianismo na Espanha e Portugal, no século XV, começou a transbordar para o Marrocos e levou à imigração de muçulmanos de Andalus para as cidades marroquinas. Os portos atlânticos, as cidades interioranas de Fez e Titwan renasceram, em parte pela chegada dos andaluzes, que trouxeram qualificações industriais e contatos com outras partes do mundo mediterrâneo. De Marrakesh os sultões puderam controlar o comércio de ouro e escravos do oeste africano. A conquista cristã de Andalus empobreceu a civilização do Marrocos. A expulsão final dos muçulmanos levou mais colonos andaluzes para as cidades marroquinas, mas eles não traziam consigo uma cultura que enriquecesse o Magreb. A cultura do Marrocos era, portanto, distinta e limitada nesse tempo. Os poetas e homens de letras eram poucos e sem distinção.
No século VII, os árabes criaram um novo mundo, para o qual outros povos foram atraídos. Nos séculos XIX e XX eles próprios foram atraídos para o mundo novo criado na Europa Ocidental. Nos Século XVIII, os antigos reinos muçulmanos estavam em declínio e a força da Europa crescia. Uma era anterior de justiça, de instituições e de códigos de moralidade em que se apoiava a força muçulmana estava em decomposição. Eles ansiavam por um retrocesso ao antigo regime. Queriam o afastamento das injustiças sociais, contudo não se deveria mostrar demasiada indulgência com o reaya. No fim do século XVIII, a dinastia otomana já completava quinhentos anos e governava a maioria dos países árabes havia quase trezentos anos. Em Istambul o poder era uma oligarquia de altos funcionários públicos dentro e em torno dos gabinetes do grão-vizir. Eles tinham uma cultura em comum, em que havia elementos árabes e persas além dos turcos. Partilhavam a preocupação com a força e o bem-estar do Império. O exército profissional fora atraído para dentro da sociedade. Em alguns lugares havia famílias reinantes, cargos importantes eram passados de uma geração para outra. Essa era a situação das províncias na Anatólia e na Europa. As principais regiões queriam organizar navios piratas. Contudo o sultão ainda tinha poder final no século XVIII e as peregrinações continuavam. Um novo equilíbrio de forças fora criado dentro do Império. O cultivo agrícola foi incrementado, base da prosperidade urbana e da força dos governos. Isso aconteceu também nas províncias européias. O crescimento da população na Europa Central ampliou a demanda de alimentos e matérias primas, e as províncias dos Bálcãs puderam satisfazê-la. No fim do século XIX, existiam famílias poderosas, algumas mais turcas, outras mais árabes e sua expressão de poder foi a construção de casas e palácios em Argel, Túnis, Damasco e outras partes. Eram construídas por arquitetos e artesões locais e o projeto e estilo arquitetônico expressavam tradições locais, mas via-se a influência de estilos decorativos otomanos, sobretudo no uso de azulejos decorados. Havia um indício de estilos europeus, como nos murais e no uso de cristal da Boemia. Um palácio fora decorado com peças de estilo italiano. A sobrevivência estava ligada às escolas locais. Os homens eram alfabetizados, mas só poucas mulheres. Havia muitas escolas superiores, onde se seguia o currículo antigo; ciências racionais como matemática e astronomia eram estudadas e ensinadas fora do currículo formal. Entre as pessoas de língua árabe, independentemente do local em que viviam, havia uma coisa em comum: a fé inabalada em Deus e seu profeta Maomé. Eles seguiam o Corão, as Tradições do Profeta, o mesmo sistema de leis ou conduta ideal e assim por diante. Entretanto surge uma estrutura diferente. Uma onda de mudanças do norte da Índia, onde a dinastia dos mughals governava muçulmanos e hindus, ocorreu. Idéias e sábios que circulavam da Índia para o Ocidente se encontraram e se misturavam nas grandes escolas, na época da peregrinação, havendo um fortalecimento do sufismo. Os naqshbanditas haviam se espalhado antes da Ásia Central e da Índia para os países otomanos e sua influência crescia. Outra ordem, Tijaniyya, foi fundada no Marrocos e na Argélia e espalhou-se pela África Ocidental. Outro movimento surgiu na Arábia Central, que pregava o retorno da doutrina do Islã, com estrita observância no Corão e Hadith.
No último quartel do século XVIII a elite otomana viu-se ameaçada por uma mudança no mundo. O comércio era feito por mercadores europeus venezianos ou genoveses nos primeiros séculos do Império otomano, britânicos e franceses no século XVIII. Tinham um inimigo em comum: os Habsburgo da Áustria e Espanha. Os principais estados europeus tinham embaixadas e consulados permanentes no Império, embora não enviasse missões permanentes às capitais européias até muito depois. O comércio ainda se fazia nos limites das Capitulações. As qualificações européias deixaram o Império otomano muito enfraquecido. Com a nova tecnologia a Europa produzia bens em alta escala. A Europa avança para o leste e faz várias conquistas. A Rússia avança para o sul e ocupa a Criméia. O mar Negro deixa de ser otomano e torna-se um centro de comércio. Na Índia, navios europeus queriam comprar especiarias, mas pouco tinha a oferecer em troca, assim, no início do século XVII o comércio foi desviado para o cabo da Boa Esperança pelos holandeses. Compravam café Moka e especiarias diretamente. Além disso, o café da Martinica tinha um preço mais baixo. O comércio torna-se mais eficiente e barato. O Oriente Médio e Magreb passam para a posição de fornecedores de matéria-prima e compradores de bens manufaturados. O principal efeito deletério foi a redução das trocas entre diferentes partes do Império, daqueles bens em cujo comércio a Europa tornava-se um concorrente. A reação que o Império Otomano desejava para se fortalecer acabou dando em nada.

SÉCULOS XIX e XX (1800 – 1980)

No século XIX a Europa dominou o mundo, com o surgimento da produção fabril em larga escala e os novos métodos de comunicação – vapores, estradas de ferro, telégrafo. Isso levou a uma expansão do comércio europeu. a primeira grande conquista foi a Argélia pelos franceses (1830-47). Os estados e sociedades muçulmanas não podiam mais viver em um sistema estável. O governo otomano adotou métodos, administrações e códigos modelados da Europa. Nas capitais e nos portos desses governos reformadores surgiu uma nova aliança, com um equilíbrio instável. O Império otomano perdera a maioria das províncias européias, tornado-se mais um Estado turco-árabe. A cultura religiosa fora preservada, mas um diferente tipo de pensamento tentava explicar que apesar das mudanças era possível não trair suas próprias crenças. Eles poderiam expressar suas novas idéias por meio do jornal ou periódico, uma novidade. Essas novas diretrizes não afetaram as pessoas do deserto ou campo. O término da Primeira Guerra Mundial marcou o desaparecimento do Império Otomano. Emergiu um novo estado independente na Turquia, mas as províncias árabes ficaram sob o controle britânico e francês, a não ser em algumas partes da península Arábica. Esse controle estrangeiro trouxe mudanças administrativas, algum avanço na educação e estimulou o surgimento do nacionalismo, principalmente nas classes cultas. O estímulo britânico para a criação de um novo estado judeu na Palestina gerou uma situação que ia afetar a opinião nacionalista em todos os países de língua árabe. Exércitos franceses, russos e austríacos, em diferentes fases, ocuparam parte das províncias européias do sultão, assim o poderio naval britânico e francês invadiu o Mediterrâneo Oriental. Franceses dominaram o Egito durante três anos. Tentando avançara mais, foram detidos pelos britânicos e otomanos. Houve a primeira aliança entre otomanos e estados não muçulmanos. Houve oposição, porém misturada a ela havia certa admiração pelos cientistas e sábios. Navios britânicos e franceses não podiam se movimentar com facilidade no Mediterrâneo Oriental, proporcionado uma abertura para os gregos. Ecos da Revolução Francesa foram captados por súditos cristãos do sultão. Nas décadas de 1830 e 1840, ocorreu uma revolução nos transportes. Antes ele era lento e arriscado. Como homens e notícias circulavam com mais rapidez houve o surgimento de um mercado de câmbio internacional, bancos, bolsas, moedas ligados à libra esterlina. Ligado a essas transformações houve um crescimento contínuo da população. A disseminação da alfabetização e dos jornais propiciou a expansão de idéias geradas na Revolução Francesa. As exportações dos britânicos para os países do Mediterrâneo Oriental aumentaram 800%. A exportação de grãos continuou e o algodão egípcio ia para as fábricas de Lancashire. Uma grande área do Egito foi destinada à produção de algodão. A peste foi sendo controlada, pelo menos nas cidades costeiras, mas a cólera vinha da Índia. Alguns portos da costa aumentaram de tamanho, principalmente Alexandria, o principal porto, mas a maiorias das cidades continuou do mesmo tamanho.
Desde o século XVII a França tinha uma relação especial com os uniatas cristãos, com parte das Igrejas orientais que aceitavam o poder do papa. No fim do século XVIII, a Rússia também queria proteger as Igrejas ortodoxas orientais. Os estados europeus começaram a intervir coletivamente nas relações entre os sultões e seus súditos cristãos. Com a ajuda da Europa surgiu um Estado sérvio autônomo em 1830 e um Reino Independente na Grécia. Em 1839, na península arábica, o porto de Áden foi ocupado pelos britânicos da Índia e se tornaria uma escala na rota de vapores para a Índia. O que ocorreu no Magreb com os franceses invadindo foi muito importante. Em 1830 um exército francês ocupou Argel. Os mercadores de Marselha queriam uma posição forte de comércio nessa costa. Funcionários e mercadores viram perspectivas de ganho pela aquisição de terras. O contestante mais bem-sucedido foi ‘Abd al–Qadir, que governou um Estado independente, gerando um conflito com os franceses. Contudo ele acabou derrotado e passou seus últimos anos em Damasco. O domínio francês foi se estendendo para o sul até a margem do Saara. Imigrantes franceses e outros começaram a chegar e a tomar a terra, posta à disposição por confisco. Essa terra ia para quem tinha capital para cultivá-la. Argel e outras cidades costeiras tornaram-se, em grande parte, francesas e esse processo econômico teve dimensão política. Os notáveis nativos foram reduzidos à posição de funcionários subalternos. Napoleão III mudou a política, pois considerava a Argélia um reino árabe, em 1863.
O poderio político e econômico europeu aproximou-se mais dos centros vitais do mundo muçulmano árabe. Com um exército era possível estabelecer, aos poucos, controle direto sobre algumas das províncias da Europa e Anatólia, Iraque e Síria, além de Trípoli na África. A intenção era organizar o governo de modo diferente, além da reforma. As leis deveriam ter princípios de justiça que permitissem buscar seus interesses. Novas leis comerciais possibilitariam aos estrangeiros comerciar e viajar livremente. Havia a idéia de ser como a Europa moderna, e o Império Otomano como seu parceiro. Muhammad Ali (1805-48) enfrentou os franceses e impôs-se no governo como governador. Formou-o com turcos e mamelucos: um exército moderno e uma elite de funcionários educados responsáveis pelo controle da coleta de impostos. O domínio egípcio na Síria e Arábia durou pouco, foram derrotados pelos europeus que não os queriam na região. Além das fronteiras do Império, na península Arábica, o poder dos europeus mal foi sentido. Os governos nativos que tentavam adotar novos métodos só podiam agir dentro de estreitos limites. Por uma série de acordos comerciais, provocaram uma mudança nas leis alfandegárias. Obtiveram o direito dos comerciantes de viajar e negociar livremente. As potências preocupavam-se com a situação dos súditos cristãos do sultão. Em 1853 sobreveio a Guerra da Criméia e os otomanos receberam ajuda da Inglaterra e da França contra a Rússia. A partir dessa época o sultão foi tratado como um membro da comunidade de monarcas europeus, mas com gradação de dúvida. Nenhuma potência desejava encorajar ativamente a desmontagem do Império Otomano e as conseqüências para a paz na Europa. Lembravam-se das guerras Napoleônicas. Porém, os novos métodos e política executados pelos funcionários formados de um modo novo, eram menos compreensíveis para os súditos e não tinham raízes em um sistema moral santificado por longa aceitação. As recentes políticas favoreciam os negociantes empenhados no comércio com a Europa. Os grandes comerciantes eram europeus, que conheciam o mercado europeu e tinham acesso ao crédito dos bancos. Outros eram cristãos e judeus locais. Em meados do século XIX, muitos conheciam línguas estrangeiras, aprendidas em escolas de um novo tipo. Mercadores de Damasco e Fez haviam se instalado em Manchester em 1860.
Período de 1860 a 1914. O Tratado de Paris de 1856 criou certo equilíbrio de interesses europeus e grupos nativos governantes, dedicados à reforma. As potências que assinaram o tratado prometeram respeitar a independência do Império Otomano. Na década seguinte uma arrastada crise “oriental” mostrou os limites à intervenção de fato. A Rússia declarou guerra em 1877, avançando sobre Istambul e os otomanos assinaram um tratado de paz. Isso provocou uma forte reação inglesa e em 1878 foi assinado o Tratado de Berlim. Nenhum Estado europeu desejava arriscar a explosão que resultaria de uma tentativa de desmontar o Império. Em 1913, após uma guerra com os estados balcânicos o Império perdeu a maior parte de seus territórios europeus restantes. Essa perda mudou a natureza do Império. Era urgente executar as políticas de reforma. No final do século XIX estradas de ferro foram construídas na Anatólia e Síria, além do telégrafo e vapores. No século XX uma estrada de ferro foi estendida de Damasco a Medina. Acordos de Bahrain, Omã, Estados Truciais e o Kuwait colocaram suas relações nas mãos do governo britânico e impediram a expansão otomana. O poder de Istambul não era tão firme quanto poderia ser. O poder passou da elite de altos funcionários para o sultão Abdulhamid (1876-1909) e seu entourage, enfraquecendo a ligação entre a dinastia e o elemento turco do qual dependia: o Império. O governo otomano endivida-se com a Europa e em 1875 não podia pagar os altos juros. Em 1881 criou-se uma Administração da Dívida Pública, representando os credores estrangeiros; deram-lhe o controle de grande parte das receitas otomanas e assim o virtual controle sobre os atos do governo na área financeira.
Um processo semelhante deu-se no Egito e Tunísia. Endividados, a Tunísia é subjugada pela França. No Egito, o país tornou-se uma plantação de algodão para o mercado inglês. O país entrou na era da estrada de ferro e realizou-se o canal de Suez, construído com capital francês e egípcio, foi aberto em 1869. O Egito não pertencia mais a África, mas era parte do mundo civilizado da Europa. A cerimônia de inauguração do canal contava com a elite européia, cientistas, artistas e músicos famosos e a Ópera do Cairo era aberta. Emprestando dinheiro da Europa, em 1876 não podia pagar suas obrigações e poucos anos depois se impôs o controle financeiro anglo-francês. Um nacionalismo parece surgir e cria-se uma Câmara de Deputados em 1881, que tentou firmar sua independência. Houve uma intervenção européia contra esse ato pela Grã-Bretanha e França juntas, e depois pela Grã-Bretanha sozinha em 1882. O motivo para isso foi o instinto para o poder dos estados em um período de expansão. O ataque estrangeiro despertou sentimentos, mais religiosos que nacionais, mas o exército egípcio não pode oferecer resistência efetiva. Dai em diante a Grã-Bretanha virtualmente governou o Egito. O domínio britânico estendeu-se para o sul, pelo vale do Nilo até o Sudão. Em 1889 surgiu um novo sistema de governo, um condomínio anglo-egípcio, mas com uma administração basicamente britânica. O crescimento da influência inglesa no Reino do Marrocos atingiu uma conclusão semelhante e o reinado tinha de pagar uma indenização financeira além de suas posses. A Espanha ocupa o norte e a França a costa atlântica e fronteira argelina.
Ao estourar a Primeira Guerra Mundial, mal se viam as implicações do controle europeu nessas regiões. Isso assinalou um rompimento com o passado. No Egito, na Tunísia e no Marrocos existiam governos nativos nominais e eles foram aos poucos perdendo o poder. As autoridades estrangeiras introduzidas mudaram o equilíbrio entre elas e as autoridades nativas. Criaram-se ou estenderam-se tribunais seculares, administrando códigos de estilo europeu. Com mais receita executaram obras públicas: obras de irrigação no vale do Nilo, a barragem de Assuan, que possibilitou a irrigação perene no alto Egito. O crescimento da população e da indústria européia, a melhoria dos portos, a construção de estradas de ferro, tudo levou a uma expansão do comércio com a Europa, Oriente Médio e do Magreb, apesar de períodos de depressão. Comerciantes nativos também tiveram um papel importante no comércio internacional: cristãos sírios e libaneses, judeus sírios e iraquianos e coptas egípcios. Os interesses financeiros europeus iam além dos comerciais. Após o canal de Suez deram-se concessões em várias regiões, para portos, bondes, água, gás, eletricidade e estradas de ferro. Muitos dos lucros não eram mantidos nos países interessados, a fim de gerar mais riqueza e capital nacional, mas exportados para os países de origem, para inchar sua riqueza e capital.
A terra agrícola pertencia ao Estado, mas quem a cultivava recebia um título de uso pleno. Na prática, os grandes monopólios de seda e tabaco com capital estrangeiro é que ocupavam as terras agriculturáveis. Os camponeses que as cultivavam eram, agora, sem terra ou meeiros. Nas áreas de pastagem, muitas terras eram registradas em nome da principal família da tribo. Esses proprietários rurais incluíam mercadores e prestamistas cristãos e judeus. A principal exceção era a Palestina. Da década de 1880 em diante surgiu um novo tipo de judeu: judeus da Europa Central e Oriental. O Congresso Sionista pedia a criação de um lar na Palestina e em 1914 a população judia no local tinha aumentado consideravelmente. Alguns viviam em kibutz, com controle coletivo da produção e vida comunal. No Egito, uma série de leis e decretos levou suas terras à propriedade privadas, sem limitações que a lei otomana retinha. Na época da Primeira Guerra Mundial, mais de 40% da terra estava nas mãos de grandes proprietários. Na Tunísia, a partir de 1892 adotaram-se a política de imigração e assentamento, os colons. A quantidade de terra em mãos européias aumentou nas áreas de cultivo de oliveiras e de grãos do norte. Em 1914, os europeus possuíam um terço da terra cultivada. A produção de vinho era feita por imigrantes europeus, espanhóis, italianos e franceses. Os trabalhadores braçais eram pequenos proprietários argelinos, que haviam perdido suas terras. A população européia na Argélia aumentou rapidamente. Nessas áreas ocupadas os muçulmanos não tinham poder algum.
Leis fundiárias garantiam direito de propriedade, bancos ou empresas de hipoteca ofereciam capital e os produtos encontravam mercado no mundo industrializado. No Egito, o mercado de algodão crescia e por volta de 1900, o país tornou-se um importador de alimentos e produtos manufaturados, pela monocultura de algodão. No Iraque, as leis fundiárias permitiam que os chefes tribais registrassem terras em seus nomes. Do pastoreio foram para a agricultura assentada, produzindo grãos ou tâmaras para exportação. O mercado de camelos começou a reduzir-se com a chegada das modernas comunicações. Mas em geral, esse foi um período de população crescente. Um aumento da população não implica, necessariamente, que os padrões de vida estejam se elevando. Apesar disso, em alguns lugares os padrões se elevavam, mas não nos países de colonização européia onde os camponeses tinham perdido as melhores terras, mas no Egito e partes da Síria, onde havia um equilíbrio entre produção e população. Faltava aos camponeses obter da produção agrícola o mínimo necessário para sua subsistência.
Em 1914, os países árabes do Império Otomano, mostravam um novo tipo de estratificação: grupos comerciais e financeiros europeus, mercadores e classes terratenentes nativos, uma crescente população rural e uma população pobre nas cidades. A atividade econômica e o poder passaram das grandes cidades para os portos marítimos, os quais se tornaram os principais centros de comércio e finanças. Alguns dos portos assumiram nova dimensão e importância, como Beirute, Alexandria, Basra, Jedá e os portos da Argélia. Os centros dos portos eram dominados por prédios de armazéns, bancos, escritórios, construídos no estilo europeu do sul. Havia bairros residenciais com mansões, praças, hotéis, restaurantes, cafés, lojas e teatros. As cidades do interior mudaram de aparência, também. Os novos bairros organizados e planejados surgiram como uma nova criação, fora das muralhas. Essas novas cidades drenaram a vida das velhas, cujos bancos e empresas foram se mudando para elas. Grande parte da população dessas cidades era estrangeira e surgia um novo tipo de vida, mais europeu. As roupas eram diferentes Os sultões e seus funcionários mudaram sua roupa, assim como o uniforme do exército, tudo nesse novo estilo. Judeus e cristãos adotaram o novo vestuário, mas os muçulmanos um pouco mais tarde. Suas esposas e filhos estavam usando o novo estilo francês ou italiano, copiadas de revistas ou outros meios. As casas eram expressões visíveis do novo estilo de vida. Nas ruas mais largas ou arredores das cidades, mulheres de boa família eram vistas em carruagens puxadas por cavalos.
Nas novas cidades, europeus e árabes confrontavam-se com maior curiosidade. O turismo organizado começou em meados do século XX, com peregrinações à Terra Santa e excursões ao Nilo. Tentava-se compreender a natureza e história das sociedades asiáticas, através dos documentos deixados ou artefatos. No novo território britânico de Bengala, estabeleceu-se a Sociedade Asiática para estudo da cultura mulçumana e na Índia a hindu. Papel importante nesses estudos teve a sociedade alemã, que as consideram culturas importantíssimas. O registro e interpretação dos costumes e crenças dos povos asiáticos e africanos deram origem à ciência da antropologia. Esse estudo foi levado a antes do surgimento do Islã. Misturado com o desejo do saber surgiu um questionamento da derrota desse povo, que fora temido por tantos séculos. O Islã fora visto como um perigo a ser enfrentado. Isso oferecia uma justificativa para o domínio, mas também uma advertência: o temor de uma revolta do Islã. Os árabes haviam cumprido sua missão de preservar o pensamento grego e passado essa civilização a outros. Os que viviam através das línguas semíticas (afro-asiáticas) eram considerados incapazes da racionalidade e civilização superior que se abriam aos arianos. Quem havia sobrevivido era considerado superior, portanto tinha o direito de dominar. Surgiu a expressão “o fardo branco”. O senso de responsabilidade mundial encontrou expressão nos primórdios da ajuda às vítimas de tragédias; o dinheiro doado na Europa e na América para vítimas da guerra civil libanesa em 1860, exemplos de caridade internacional organizada. No início do século XIX Goethe dizia que “Oriente e Ocidente não mais podem ser separados”. Contudo no final do século, a voz dominante era de Kipling: “Oriente é Oriente e Ocidente é Ocidente”.
No fim do século XIX, a consciência da força da Europa que existia na elite dominante otomana tornou-se generalizada. Surgia uma nova classe educada, que se formara em um novo tipo de escola, mais moderna e abrangente, em Istambul, Cairo e Túnis. No Egito, Tunísia e Argélia estabeleceram-se escolas para formar os jovens. No Líbano, Síria e Egito, algumas comunidades cristãs tinham suas próprias escolas. A criação da Alliance Israélite, organização judia, fundou escolas para comunidades judias do Marrocos ao Iraque. A obra das missões católicas foi completada pelas missões protestantes americanas, que ofereciam educação para todos. Nesses sistemas havia escolas para moças, porém não alcançavam o elevado padrão dos rapazes, porém a alfabetização foi disseminada e mulheres podiam ganhar a vida em profissões mais modestas. As escolas de freiras católicas eram preferidas entre os pais muçulmanos por ensinarem a língua francesa, bons modos, qualificações femininas e proteção. Em meados do século XIX, o francês substituiu o italiano, como língua do comércio; o inglês mal era conhecido no Magreb. O francês ou inglês substituía o árabe na família. Uma enciclopédia publicada em fascículos e produzida por Brutus Bustani (1819-83) e sua família, trazia artigos sobre ciência e tecnologia modernas; artigos sobre história, mitologia e literatura gregas iam muito além do que se conhecia da Antiguidade clássica na cultura islâmica. Essa obra foi editada e escrita basicamente por cristãos árabes.
Através de livros, periódicos e jornais chegava aos árabes conhecimentos do novo mundo da Europa. Assim, Rifa al-Tahtawi, escreveu um artigo educacional sobre Paris. Com o tempo, surgiu uma nova literatura, escrita em árabe, onde os escritores tentavam expressar a consciência que tinham de si mesmos e de seu lugar no mundo moderno. A maior preocupação era com a própria língua árabe. Textos de obras clássicas árabes eram impressos no Cairo ou na Europa. Houve um ressurgimento de sua literatura antiga, com adaptações de palavras novas e adaptadas do inglês ou francês. Houve também o renascimento da poesia, exprimindo novas idéias e conhecimentos. Outro interesse da nova literatura era o poder social e intelectual em expansão na Europa, visto como, adversário, desafiador e atraente. Como eles poderiam agir para enfrentar a Europa e tornar-se parte do mundo moderno? Vários escritores se dedicaram a essa resposta. Prepararem-se para a educação e para o bem-estar da comunidade islâmica era essencial e ao desenvolvimento de sua civilização, expandindo as fronteiras da ciência e da cultura e a preparação para os caminhos da riqueza. Deveria haver mudanças nas leis, métodos de administração e organização militar; nas relações entre sultão e súditos. Isso ocasionou uma divisão entre os que apoiavam as reformas ou não. A cisão entre as gerações era mais profunda. O problema de conservar as tradições das leis islâmicas era muito importante. Para os jovens nem tanto, poderiam até passar para o secularismo, ou protestantismo. Para os muçulmanos, porém, o problema era inescapável. O Islã era o que havia de mais profundo neles. Tinham que fazer as mudanças permanecendo fiéis a si mesmos. É tarefa dos pensadores muçulmanos relacionarem leis e costumes mutantes a princípios imutáveis e ao fazer isso impor-lhes limites e uma direção.
Diversos escritores começaram apresentar novas idéias de como a sociedade e o Estado deviam ser organizados. Nessa geração tornou-se explicita entre turcos, árabes, egípcios e tunisianos a concepção de nacionalismo. Essa idéia só se tornou importante duas décadas antes da Primeira Guerra Mundial. O nacionalismo turco deu-se devido à pressão da Europa e ao colapso do ideal de nacionalismo otomano; o nacionalismo árabe foi aos poucos se tornando explícito.
O velho sistema de escolas foi perdendo sua posição. Estudar nessas escolas não mais significava altos cargos no serviço público. No fim do século XIX, praticamente não houve desordem urbana, mas no campo alguns mestres ainda exerciam o mesmo poder de antes. No Egito, Tunísia e Marrocos, houve resistência ao aumento da influência européia através do uso de símbolos islâmicos. Os movimentos que surgiram alimentavam o medo da “revolta do Islã” e levou os opositores a tentativa de opor-se ou controlá-los. No mundo do Islã, árabe, turco e mais longe, na Índia, no Cáucaso e na Ásia Central e ainda nas regiões sobre o controle britânico e francês no norte da África, a política despertou sentimentos e lealdade ao mundo islâmico.
A causa da eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 foi a rivalidade da Áustria com a Rússia nos Bálcãs. Quando o Império Otomano entrou na guerra, em novembro, parceiro da Alemanha e Áustria, contra a Inglaterra, França e Rússia, suas terras viraram um campo de batalha. Já em 1918, o controle militar da França e Grã-Bretanha no Oriente Médio e no Magreb era muito forte. O Império Otomano perdera suas províncias árabes, restando a Anatólia e uma pequena parte da Europa. O sultão estava sob o controle dos Aliados. O Tratado de Lausanne (1923) encerrou formalmente o Império Otomano. A capital do novo Estado turco não era Istambul, mas Ancara, nas terras altas da Anatólia. Os britânicos haviam encorajado as esperanças de independência árabes e pela primeira vez a exigência de que os que falavam árabe constituíssem uma nação e tivessem um Estado fora aceita por uma grande potência. Esperanças e a busca de identidade acoplaram-se contra o poder e as políticas da Inglaterra e da França, nos anos após a guerra. Na Argélia mudanças chegaram a ser feitas com relação aos impostos dos nativos. No Marrocos, um movimento armado de oposição foi derrotado em 1926. No Egito um levante nacional levou a criação de um partido nacionalista, o Wafd, e depois em 1922 a “declaração de independência”. Esta possibilitou a promulgação de uma Constituição egípcia. Nas outras províncias árabes do Império Otomano a situação era mais complicada. A Declaração de Bafour estabeleceu que os britânicos concordavam com o estabelecimento de um lar nacional judeu na Palestina. O Tratado de Versalhes dizia que os países árabes podiam ser provisoriamente reconhecidos como independentes. Em 1922, a Grã- Bretanha seria responsável pelo Iraque e pela Palestina, e a França pela Síria e pelo Líbano. Os britânicos passaram a governar a Palestina diretamente. De todos os países árabes somente partes da península Arábica permaneceram livres do domínio europeu. O novo Reino da Arábia Saudita se estendia do golfo Pérsico ao mar Vermelho e foi confrontado no sul e leste pelo poder britânico. O Iêmen e a Arábia Saudita só podiam ser independentes dentro de certos limites. Dos antigos territórios otomanos somente a Turquia era realmente independente. Ela se afastou de seu passado e dos países árabes. O antigo laço entre árabes e turcos foi desfeito, deixando ressentimentos dos dois lados. Os grandes impérios Russo, Alemão e Austro-Húngaro haviam desmoronado no fim da guerra. Assim a Grã-Bretanha e a França dominaram o Oriente Médio, e mais a Grã-Bretanha do que a França. Para elas era muito importante porque fortalecia sua posição no mundo. Aos britânicos interessava a produção de algodão do Egito para suas fábricas e o petróleo do Irã e depois do Iraque. As rotas aéreas estavam sendo desenvolvidas no local, de 1920 a 1930. O porto de Alexandria e outros portos eram bases militares no Egito e na Palestina. Já o Magreb era importante para os franceses por seu lugar no sistema imperial francês. Fornecia força humana para o exército, minérios e outros materiais para a indústria e era lar para mais de 1 milhão de franceses. Os interesses eram protegidos pelo exército francês que ia de um lado ao outro do Magreb, e pela marinha. Investimentos no Egito e no Líbano eram importantes, e o petróleo do Iraque em 1929, fornecia metade do que a França precisava. A presença militar francesa na Síria e no Líbano fortalecia sua posição como potência mediterrânea e mundial. Até o final da década de 30 permaneceram essas disposições. No período de 1918-39, esses Impérios expandiram seu controle no comércio e na produção regional. O investimento do capital europeu na indústria era pequeno, com exceção da indústria do petróleo. Em 1930 a produção era grande no Iraque e antes em 1914 no Irã. Isso era exportado para a Europa, sobretudo França. As indústrias tinham proprietários estrangeiros: britânicos, franceses, holandeses e americanos e seus acordos com os países produtores eram desequilibrados. Os países árabes ainda dependiam da Europa para produtos manufaturados e o comércio era feito, sobretudo em navios britânicos e franceses. O Egito foi o único que garantiu maior controle de suas tarifas.
Esses países europeus controlavam também a terra. Em 1939 o padrão de assentamento era de grandes propriedades, com tratores e técnicas modernas, empregando mão-de-obra espanhola, berbere ou árabe para produzir vinho para o mercado francês. Em 1922 na Palestina, os judeus eram 11% da população, sendo o resto formado por muçulmanos e cristãos de língua árabe, mas em 1949 formavam mais de 30% da população. Nessa época havia grande investimento para a formação do lar nacional. Muito do investimento foi para melhorias em projetos industriais ou imigração. No início da década de 40, os judeus possuíam 20% da terra cultivada. Tanto na Palestina como no Magreb a população imigrante tornara-se, sobretudo urbana, vivendo os judeus em três grandes cidades: Jerusalém, Haifa e Tel Aviv, no entanto, os lavradores viviam em kibutz.
Na Palestina uma nova nação judia vivia através do hebraico, a língua do dia-a-dia. Essa população ficava separada da população árabe e voltava-se para a Inglaterra, a fim de defender seus interesses. Na década de 20 havia nos países árabes uma classe de proprietários rurais cujo interesse era a produção de matéria-prima para exportação. Alguns se tornaram modernos proprietários. Em outros lugares os proprietários rurais pertenciam a uma nova classe de agricultura comercial, como os egípcios ricos produtores de algodão. Outros grupos existiam na Síria e no Iraque e mesmo no Magreb. O comércio internacional permaneceu nas mãos dos europeus ou das comunidades cristãs e judias ligadas a eles. Em 1920 um Banco estabeleceu-se no Egito com a finalidade de dar financiamento a empreendimentos industriais. Surgia outra elite: os de educação tipo européia. A educação expandiu-se em ritmos diferentes nos diversos países. Um grupo cada vez maior chegava à Paris, Túnis ou Cairo. Havia também outro grupo que mais tarde seria de líderes de seu país, que viajava para a França com bolsas de estudo para cursos superiores. Grande parte da educação secundária ou superior ficava com as missões religiosas ou culturais européias ou americanas. As mulheres mal podiam encontrar um emprego público, além de professora ou enfermeira, mas os homens tornavam-se advogados, médicos, engenheiros ou técnicos; a educação científica e tecnológica era atrasada. O desejo e a necessidade de viver diferentemente em sociedade motivaram os movimentos de oposição nacional ao domínio estrangeiro.
Em todos os países ocupados surgiu um movimento de nacionalismo, mas o nível de organização política não era alto. Esses movimentos existiram no Marrocos, Argélia, Síria Palestina, Iraque, Sudão, Egito e Tunísia. O objetivo desses movimentos era conseguir um maior grau de autogoverno dentro dos sistemas imperiais que não podiam esperar derrubar. A ausência de um equilíbrio viável de interesses existia no Magreb, Egito, Iraque, Palestina, Síria e Argélia. Para os sionistas era importante manter a imigração. Para os árabes o essencial era impedir o volume da imigração judia que poderia por em perigo o desenvolvimento econômico e a existência da comunidade árabe. A política britânica era de reter o poder direto e, de vez em quando, assegurar aos árabes que teriam sua independência mantida. Mas em meados de 1930, isso se tornou impossível. A chegada ao poder dos nazistas na Alemanha aumentou a pressão da comunidade judaica. Em 1936 a oposição árabe começou a tomar a forma de insurreição armada. Em 1937 apresentou-se um plano para dividir a Palestina em estados judeu e árabe, isso era aceitável para os sionistas, mas não para os árabes. Em 1939 um Documento Branco determinava o estabelecimento último de um governo de maioria árabe e limitações à imigração e compra de terras pelos judeus. A comunidade judia não concordou, pois isso impediria a formação de um Estado judeu e a resistência armada começava a se fortalecer, quando deflagrou uma nova guerra e encerrou toda atividade política formal.
A população aumentou rapidamente. Uma pequena parte devia-se à imigração de europeus, mas isso foi contrabalançado pela emigração de sírios e libaneses para América Latina e África Oriental e argelinos para a França. Contudo o maior crescimento foi natural devido às melhorias da saúde pública. No campo era importante ter filhos para ajudar no campo e a cuidar de seus pais. Houve um declínio da taxa de mortalidade. Os pastores nômades quase desapareceram. O mercado de carneiro ainda existia. A estrada de ferro e o carro foram muito importantes para as mudanças. Os nômades e pastoris se tornaram cultivadores sedentários. No campo usavam a mecanização sem tanta necessidade de mão de obra. Usavam tratores, fertilizantes e a terras eram cultivadas por trabalhadores assalariados. A mão de obra era proporcionada também por imigrantes. Agricultores locais ainda usavam os métodos mais antiquados para consumo ou para o mercado. Com a crise de 1930, muitos agricultores mudaram-se para as cidades e passaram a inchá-las, pois já haviam crescido graças às melhorias em saúde urbana. Nas cidades surgiram novos bairros para a classe média, com prédios de apartamento e mansões para os ricos. Havia também novos bairros populares, cuja maioria era árabe e no Magreb, berberes ou os petits blancs na Argélia. Em Casa Blanca havia bairros pobres em volta de toda a cidade e zonas industriais. Na Palestina uma linha nítida dividia os árabes dos bairros judeus, e uma cidade totalmente judia, Tel Aviv, surgiu ao lado de Jafa, árabe. As mulheres muçulmanas podiam sair mais livremente e a geração mais jovem e educada passou a não usar o véu. Na década de 30, carros particulares, ônibus e táxis eram comuns, o que proporcionava um deslocamento mais fácil e uma mistura de costumes. A gama de opções de casamentos estendeu-se. Muitos estudantes árabes estudando na Europa voltavam com suas esposas estrangeiras. Mas a mudança mais espetacular deu-se na conquista do deserto pelo carro a motor: caminhões, ônibus podiam atravessar o Saara vindo da costa mediterrânea e ao contrário. Os contatos eram mais amplos e profundos. Editoras do Cairo e Beirute produziam livros didáticos, poesia, romance e obras de ciência popular e história para a região. Estações de rádio transmitiam música, entrevistas e notícias e o fenômeno do bilingüismo era natural. Os intelectuais passaram a ler mais em francês ou inglês do que em árabe. Férias de verão eram compartilhadas nos dois continentes. Pintores e escultores passaram a trabalhar em um estilo ocidental. Os grandes prédios eram projetados por ingleses e franceses, mas surgiam os árabes que construíam em estilo mediterrâneo. Os filmes musicais trouxeram mudanças importantes nas orquestras, que tocavam ambos os instrumentos: tradicionais e ocidentais.
Na literatura foi onde houve a melhor fusão de estilos orientais e ocidentais. Fundaram-se academias em Damasco, Cairo e Bagdá. Os escritores usavam a língua de forma nova. A nova poesia tentava expressar sentimentos pessoais. Peças teatrais foram escritas, mas os teatros eram raros, como o Najib Rihane no Egito. Desenvolveu-se o conto e o romance que falavam, sobretudo, da sociedade e do indivíduo com sua luta para ser ele mesmo em uma sociedade que tentava confiná-lo. O mais famoso escritor desse tempo foi o egípcio Taha Husayn (1889-1973). Nas obras havia o árabe, os elementos trazidos do ocidente, o elemento egípcio e o racionalismo grego. Sua afirmação que o Egito fazia parte do mundo cultural formado pelo pensamento grego foi importante, mas ele escreveu também sobre o Islã. A descoberta do túmulo de Tutancâmon em 1922 animou os egípcios a enfatizar a continuidade da vida egípcia desde os faraós. Ser independente era ser aceito, no mesmo nível, pelos europeus. O nacionalismo favoreceu o movimento pela emancipação das mulheres e o exemplo das mulheres européias encorajou-o. No Marrocos, Sudão e península Arábica não se via quase nenhuma mudança.
Aumentou o número de pessoas para as quais o Islã era mais uma cultura herdada que uma norma de vida. A elite educada do Islã inclinava a interpretá-lo de uma forma nova. A abolição do Califado otomano pela nova República turca deu origem a idéias sobre a natureza da nova autoridade política. No Marrocos, ideais reformistas surgiram na década de 1920. As massas da cidade e do campo ainda se apegavam a meios tradicionais de crenças e condutas. Dentro do mundo do Islã disseminou-se a versão mais ativista, política. Houve, também, movimentos mais nacionalistas apelando para o sentimento islâmico. Os Irmãos Muçulmanos começaram como um movimento em prol da moralidade individual e social. A salvação seria os muçulmanos retornarem ao verdadeiro Islã, o do Corão. Devia-se manter entre mulheres e homens algum tipo de distância social e a educação basear-se na religião. Essa doutrina teria implicações políticas também. Só seriam reconhecidos os governantes que agissem de acordo com a charia. Isso foi encorajado pela formação de um Estado que assim o era: a Arábia Saudita, e aí estavam as cidades santas do Islã.
A Era das Nações-Estado Depois de 1939 – O advento da Segunda Guerra Mundial mudou a estrutura do poder no mundo e determinou o fim do domínio britânico e francês nos países árabes. O Estado de Israel foi criado. A idéia dominante nesses países foi a do nacionalismo árabe, entre 1950 e 1960. Independência da Europa, união entre os Estados e reformas sócias para uma igualdade maior era a maior aspiração. Nasser do Egito teve um papel importante nessa ocasião. Na década de 1980 um forte sentimento de retorno ao Islã, aversão às novas idéias que vinham do mundo ocidental e a revolução iraniana de 1979, proporcionaram um crescimento de sentimentos e lealdades islâmicas. A invasão alemã na Iugoslávia e Grécia suscitou temores que a Alemanha invadisse a Síria e Líbano, governados por franceses e o Iraque, em 1941, foi ocupado por uma força britânica. A partir de 1941, a guerra entre Estados europeus tornou-se Mundial. A Alemanha invadindo a Rússia abriu possibilidades de avanço para o Oriente Médio, através do Cáucaso e Turquia. O ataque japonês à marinha americana colocou os Estados Unidos nessa guerra contra a Alemanha, Itália e Japão. A guerra no deserto era de movimentos rápidos e as forças britânicas alcançaram a Líbia, enquanto exércitos anglo-americanos desembarcaram no Magreb e ocuparam o Marrocos e Argélia. Os alemães recuaram para a Tunísia, mas deixaram o local em 1943. A guerra ativa estava mais ou menos no seu final nos países árabes, com aparente predominância britânica e francesa. Havia tropas britânicas na Líbia, Síria e Líbano e francesas na Síria, Líbano e Magreb. As bases desses poderes europeus haviam sido abaladas. Para a França era inviável apegar-se a um império que se estendia do Marrocos à Indochina e para a Grã-Bretanha o problema era o mesmo. Ofuscando esses países havia dois poderes maiores: Os Estados Unidos e a União Soviética, com maior força econômica e humana. Para o árabes despertaram esperanças de uma vida nova e fortaleceu o conceito de estreita unidade entre eles. O Cairo passou a ser o centro das decisões militares e econômicas. Todos desejavam criar um apoio efetivo para os árabes da Palestina. Duas conferências, em 1944 e 1945 resultaram na criação da Liga dos Estados Árabes, com sete estados. Quando as Nações Unidas foram formadas em 1945, os estados árabes independentes tornaram-se membros. O início da Guerra Fria levou os estados Unidos a um maior envolvimento nas partes árabes pelo controle da produção de petróleo. A produção do petróleo, mercados e interesses estratégicos no Oriente Médio e África fizeram com que a Grã-Bretanha continuasse com sua posição, mas sob novas bases. Em 1951 a Líbia liberta-se, mas por vários anos os americanos e britânicos conservaram bases militares nesse país. Na Palestina os conflitos eram impossíveis e causou danos nas relações entre os povos árabes e as potências ocidentais. Durante a guerra havia cessado a imigração judia e a atividade política. Os árabes da Palestina estavam enfraquecidos, ao contrário dos judeus palestinos que estavam muito unidos, pois muito deles tinham tido experiência militar nas forças britânicas durante a guerra. Nenhuma política sugerida recebia a aprovação de árabes e judeus ao mesmo tempo. Ataques judeus a autoridades e prédios britânicos na Palestina chegaram quase ao ponto de revolta aberta. Em 1947 a Grã-Bretanha resolveu entregar o problema às Nações Unidas. A Grã-Bretanha resolveu retirar-se da Palestina com data fixada para 1948. Nessa data, em 14 de maio de 1948 ,a comunidade judia declarou sua independência como Estado de Israel, reconhecido pelos Estados Unidos e Rússia. Israel ocupou a maior parte do país e quase dois terços da população árabe deixou suas casas e tornou-se refugiada. No início de 1949 criaram-se fronteiras estáveis. 75% da Palestina foram incluídos dentro das fronteiras de Israel; uma faixa de terra de Gaza ao Egito foi posta sob administração egípcia; o resto foi anexado à Jordânia. Jerusalém foi dividida entre Israel e Jordânia. Os Estados Unidos agiram em apoio aos sionistas. O governo israelense, através de Ben Gurion, recusou-se a receber os refugiados árabes. Grande parte da terra árabe foi tomada para assentamento judeu. As antigas comunidades judias dos países árabes mudaram-se para Israel; as da Síria, Egito e Magreb para a Europa e América do Norte; a comunidade do Marrocos continuou de tamanho significativo. No Irã, a nacionalização da empresa de petróleo britânica causou uma crise internacional. O grande investimento de capital americano nos campos de petróleo da Arábia Saudita levou à substituição da influência britânica pela americana. No Egito, houve um rompimento com o passado simbolizado pela proclamação de uma República. Com um governo militar forte, retornaram às negociações com os britânicos. Em 1954 as forças britânicas seriam retiradas da Zona do Canal, após setenta anos de ocupação. Em um pacto, duas bases aéreas britânicas foram entregues ao Iraque. Na Jordânia depois de 1948, o país ficou com a maioria de palestinos, que encaravam Israel com o pior inimigo, e temiam por concessões aos israelenses. No Magreb, os esforços com a independência começaram na Tunísia e no Marrocos assim que a guerra acabou. Essa idéia afetou camadas mais amplas da sociedade, criando laços mais fortes entre cidades e campo, disseminando um movimento de resistência ativa de ideais nacionalistas. Em 1952 teve um movimento de resistência ativa de ideais nacionalistas. Marrocos e Argélia receberam a independência em 1956.
Os países árabes viam-se agora sob o crescente poder e influência na vida econômica e política dos Estados Unidos. O desejo de união mais estreita entre os países árabes tornou-se parte da linguagem comum desses políticos. Devia haver certo ajuste das fronteiras de 1949 em favor dos árabes, o retorno dos refugiados e a sua absorção nos países em volta. Nasser era líder do grupo militar que governava o Egito. Em 1955 houve um acordo para fornecimento de armas ao Egito pela União Soviética e seus aliados, acordo esse que rompeu o controle sobre fornecimento de armas a Israel e aos estados árabes vizinhos que os Estados Unidos, Grã-Bretanha e França tinham tentado manter. O Pacto de Bagdá tornou o Iraque o principal protagonista da aliança ocidental. O governo egípcio nacionalizou a Companhia do Canal de Suez e isso provocou um alarme aos seus usuários. O resultado foi um acordo secreto entre França, Grã-Bretanha e Israel para atacar o Egito e derrubar o governo de Nasser. A Grã-Bretanha e França enviaram um ultimato a Israel e Egito para que se retirassem da zona do Canal. A negativa de Nasser proporcionou um ataque desses dois países. Isso foi considerado uma ameaça também para os estados Unidos e à União Soviética, que não podiam deixar que passos tão decisivos fossem tomados. Sob pressão americana e soviética as três forças retiraram-se. O resultado dessa crise foi o aumento da força de Nasser nos países árabes vizinhos. O Iraque, por sua vez, tornou-se uma República. A notícia da revolução levou ao envio de tropas americanas ao Líbano e britânicas à Jordânia, para estabilização, mas logo se retiram. Parecia que o Iraque se uniria ao Egito e Síria, mas a divisão de interesses logo se mostrou. Os anos de crise no Oriente Médio também foram os do final do domínio imperial no Magreb. Os colonos franceses haviam se tornado quase uma nação, radicada na Argélia, onde 80% deles haviam nascido e não iriam abrir mão de seus poderes. Mas a população muçulmana crescia em alta, amontoada na parte menos produtiva da terra, sem condições para desenvolvê-la e com crédito limitado. Os padrões de vida eram baixos com 90% de analfabetos e o desemprego alto. Cerca de 300 mil habitantes tinham partido para a França. Contudo, entre eles havia consciência das grandes mudanças que ocorriam no mundo. Em 1954 formaram o Front de Libération Nationale (FLN) e em novembro começaram uma revolução. Em 1958 De Gaulle voltou ao poder e houve esperança que ele fortalecesse o domínio francês sobre a Argélia. Recursos de petróleo e gás natural haviam sido descobertos no Saara argelino, explorados por uma empresa francesa. Toda a Argélia, incluindo o Saara, se tornaria um Estado soberano. Em 1962 um acordo foi assinado. A independência fora assegurada com um alto preço para os dois lados, com inúmeras mortes.
Nesses anos de tensão política, as sociedades transformavam-se rapidamente. No Egito o aumento da população foi continuo e a mortalidade infantil despencara. Assim a distribuição etária do povo mudou e em 1960 mais da metade da população na maioria dos países tinha menos de vinte anos. O elemento estrangeiro, tão presente anteriormente, encolhera com a mudança de condições políticas e retiradas de privilégios econômicos. Houve uma grande movimentação de judeus da Europa e do Oriente Médio e Magreb para o Estado de Israel. Para o camponeses que ficaram sem terra os centros de poder exerciam grande atração para a procura de emprego e bem estar. Milhares deles da Argélia, Marrocos e Tunísia imigraram para grandes cidades da França e em menor escala para a Alemanha. Em 1977 havia 500 mil norte - africanos na França. A maior parte do crescimento deveu-se ao movimento de refugiados na Palestina. Para os governos nacionalistas o desenvolvimento econômico era o único modo de obter força e autoconfiança. No campo houve obras de irrigação em grande escala, em muitos países: Marrocos, Argélia, Tunísia, Síria, Iraque e Egito. No Egito começaram as obras da grande barragem de Assuan, financiada e com apoio técnico da União Soviética, depois da retirada americana. Ela seria usada também para gerar energia elétrica e pesca no lago. No Iraque, com a extração do petróleo foi possível executar obras de irrigação e controle de enchentes em larga escala. Tratores foram usados e eram importados no Iraque, Síria, Jordânia e Egito. Houve ampliação das áreas cultivadas e das safras, quase em toda parte. Todavia, o mais urgente era criar infra-estrutura para o desenvolvimento da indústria. Havia pouco investimento e empréstimos americanos foram concedidos a países que estavam em harmonia com os estados Unidos. A ajuda era dada por motivos políticos e como resultado esses países tomadores de empréstimos ficaram mais dependentes dos países credores e suas negociações continuavam com os países industriais da Europa e Estados Unidos. A importação de trigo aumentou, pois a produção local não bastava para uma demanda crescente. A exportação de petróleo foi impressionante e os recursos petrolíferos do Oriente Médio e Magreb eram um dos mais importantes do mundo. A maior produção vinha do Irã e nos países árabes Iraque, Kuwait e Arábia Saudita. Em 1960 descobriu-se petróleo na Líbia e Argélia, no entanto a concessão para explorá-lo e extraí-lo foi mantida por empresas estrangeiras. O grosso do produto era exportado para países ocidentais. A contribuição dos países árabes restringia-se quase que somente aos escalões da mão de obra, mas na década de 1960 a situação começara a mudar. Mais nativos ocupavam cargos de alta qualificação. Em 1960 os produtores de petróleo mundiais reuniram-se e formaram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Essa iniciativa iria acabar com as funções das empresas sendo agora assumidas pelos governos, ao menos na produção.
Os produtores rurais e os comerciantes obtiveram vantagens com o crescimento econômico, conseguindo junto aos governos independentes uma fatia maior do comércio de importação-exportação, mesmo no comércio de algodão egípcio. No Iraque os comerciantes xiitas tomaram lugar dos judeus. As indústrias locais e mistas se beneficiaram com a independência. Os grandes proprietários rurais expandiram suas terras e a agricultura desenvolveu-se. O controle da terra melhor impôs altos aluguéis aos rendeiros que cultivavam a maior parte dela. Economistas exortaram a necessidade de uma reforma da posse de terra, pois a injustiça era grande entre os cultivadores. Esse fato também ocorreu na Síria e no Iraque. A política do novo governo veio a favor dos proprietários rurais, principalmente xeques tribais. As propriedades eram maiores no Egito, onde os proprietários tinham uma posição política forte, com participação no Parlamento e Ministérios.
Os governos independentes herdaram os meios de controle, exércitos, forças policiais e burocráticas. Os serviços públicos foram tomados em propriedades públicas: bancos, ferrovias, telefones, gás, eletricidade e abastecimento de água. A nacionalização forçou a mudança do privado para o público e do estrangeiro para o nacional. Os investidores privados acautelaram-se em aplicar seu dinheiro em indústrias novas e não testadas. A receita aumentou com a retirada dos estrangeiros, que gozavam de grandes privilégios. A Tunísia e a Jordânia assumiram a indústria de fosfato. O petróleo era grandemente extraído em quase todos os outros países. Deu-se uma importante reforma agrária no Egito, havendo limitação do tamanho máximo das propriedades. A terra excedente seria comprada pelo governo e distribuída a pequenos agricultores.
O crescimento da população, a migração para as cidades afetaram a natureza da vida urbana. A classe média mudou-se para o bairro dos europeus, os migrantes rurais passaram para o lugar da classe média. No Marrocos e Tunísia a segregação urbana se desfazia, e a independência levou esse processo mais adiante. No Cairo e Alexandria pouco mudou. No Líbano, Síria e Iraque as mudanças foram semelhantes. Todavia na Palestina, a desapropriação da população árabe em 1948 tornou as cidades mistas em cidades basicamente povoadas por judeus de origem européia. Em Jerusalém, agora dividida, a metade jordaniana que incluía a Cidade Velha, era inteiramente árabe, mas a maioria da burguesia árabe do local instalou-se em cidades fora da Palestina, proporcionando o rápido crescimento de Amã. Nos novos bairros, membros de diversas comunidades religiosas misturaram-se e seus filhos iam às mesmas escolas, mas os casamentos entre judeus e cristãos ainda eram raros. O carro particular tornou-se o símbolo particular de status. As favelas multiplicaram-se, mas não no Cairo. Lá os pobres ocuparam, como alojamento, a “Cidade dos Mortos”. Em Beirute, Damasco e Amã os campos de refugiados tornaram-se virtuais bairros da cidade. Na maioria dessas cidades havia um fosso entre ricos e pobres. Como a explosão populacional era conhecida e discutida no Egito, alguns ulemás declararam legítimo o controle da natalidade. A vida era muito dura para os pobres urbanos. Nos cortiços e barracos a doença era generalizada: tifo, tuberculose, malaria, doença dos olhos eram comuns e a mortalidade infantil alta. Entretanto o chá e o açúcar tornaram-se elementos básicos na vida do Marrocos e Iraque. O consumo de alimentos no Egito aumentou consideravelmente. As clínicas, abastecimentos de água e serviços sociais baixaram a incidência de doenças. Mais mulheres trabalhavam, ainda, como empregadas domésticas ou em fábricas, mas isso não compunha um benefício para elas, pois o dinheiro ia para a família. O abismo entre trabalhadores industriais e não qualificados se ampliou, mas autorizaram-se os sindicatos. Contudo as desigualdades entre cidade e campo eram maiores. A maioria dos aldeões vivia como no passado: tinham muitos filhos, mas grande parte morria na infância ou juventude. Algumas tentativas foram feitas por governos para melhorar essa situação, e os migrantes rurais mandavam dinheiro para suas famílias em casa.
A chegada ao poder de uma elite nacional difundiu rapidamente a educação, pois os novos governos empenhavam-se na construção de países fortes. Em 1960 havia vinte universidades completas. O número maior de estudantes universitários estava no Egito, seguido da Síria, Líbano e Iraque. No Magreb o aumento foi mais lento. A coerência do nacionalismo foi além da educação de elites chegando à educação de todo um povo. Formaram-se muitas escolas em bairros pobres ou aldeias, mas a proporção de mulheres iletradas continuava muito maior. A meta dos governos era educar tanto moças quanto rapazes. A indústria do petróleo fazia uma diferença: os trabalhadores árabes adquiriram qualificação e conhecimento que podiam ser utilizados em outros setores econômicos. O sistema de línguas deveria ser unificado. A tendência era arabizar as escolas, que agora ensinavam nesse idioma. No Magreb os governos independentes encararam o bilingüismo como parte do capital cultural. Estudantes que iam estudar no exterior tinham que ter uma língua estrangeira fluente. Uma elite vivia em um ambiente cultural anglo-francês e árabe, sabendo bem duas ou três línguas, para adquirir conhecimentos superiores. Todavia, uma classe muito maior conseguia seus conhecimentos de política mundial, idéias sociais e compreensão da ciência através de livros, jornais e transmissões radiofônicas em árabe.
Entravam, agora, na era do cinema. No início da década de 1960, a televisão surgiu nesses países árabes, mas os cinemas eram bem numerosos. Em 1959 sessenta longas- metragens foram produzidas no Cairo. Esses filmes ajudaram a aumentar a consciência comum dos árabes. Foi também a era do rádio e cada aparelho podia ser ouvidos por dezenas de pessoas, em praças de aldeias ou cafés. Os acontecimentos ocorridos durante a guerra e o pós- guerra eram levados a todos, tornando-se largamente conhecidos. Cada governo possuía sua estação de rádio, mas as vozes mais conhecidas eram de Nasser e da mais famosa cantora egípcia – Umm Kulthum. Os jornais também tiveram sua expansão assegurada e a imprensa mais livre era a de Beirute, com um público educado e variado. Cairo e Beirute eram os centros mais importantes de edição de livros, que eram cada vez mais requisitados. Havia uma tradição de pesquisa histórica em algumas universidades: da Túnis, Cairo, e a Universidade Americana de Beirute, com interpretações originais da história árabe e islâmica. O romance e o conto continuavam sendo os preferidos dos escritores árabes para avaliar as relações entre indivíduo e sociedade. Najib Mahfuz ganhou o premio Nobel de Literatura em 1988, contando essas histórias de como a pequena burguesia do Egito contornava suas ansiedades em um mundo que se tornara estranho para eles. A partir dos anos 1940 houve uma revolução poética, uma mudança de intenção e conteúdo do poema. A poesia deveria expressar a realidade das coisas, tanto pela imaginação quanto pela mente.
A nova poesia era para ser lida e meditada diferente da poesia escrita para ser recitada em grandes platéias. O poeta Khalid Khalid afirmava que o governo legítimo não era o religioso, mas o baseado na unidade nacional e visando a prosperidade e a justiça. Outro famoso escritor Sayyid Qutb tinha uma pujante apresentação sobre a doutrina social do Islã. Todos os atos humanos eram atos de adoração e o Corão e Hadith forneciam os princípios pelos quais esses atos deveriam se basear. Entre os princípios do Corão estava o da mútua responsabilidade dos homens vivendo em sociedade. Homens e mulheres eram iguais, mas com funções e obrigações diferentes. Os governos deveriam manter a lei, impor moralidade, manter uma sociedade justa. A riqueza não deveria ser usada para o luxo ou usura ou de modos desonestos, mas tributada em favor da sociedade como um todo. Uma verdadeira sociedade islâmica só poderia se recuperar através de uma nova mentalidade e da educação correta.
Nessa época tornou-se importante a idéia do “Terceiro Mundo”: seria uma frente comum de países em desenvolvimento, mantendo-se separados dos blocos do “Ocidente” e do “Oriente comunista”, exercendo uma dose de poder coletivo pela ação conjunta e pelo domínio de uma maioria na Assembléia Geral das Nações Unidas. O elemento da unidade árabe era importante e soma-se a isso o socialismo. No Magreb, a luta contra os franceses levou à criação de movimentos socialistas com melhor organização que os mais a leste. Opunham-se através da revolta popular organizada espalhando-se para além das cidades, atingindo o campo. Na Tunísia a libertação foi conseguida por uma combinação de sindicatos e do Partido Neo-Destur. Na Argélia houve um movimento semelhante e no Marrocos uma coalizão entre o rei e os sindicatos, contudo não foi tão eficaz quanto nos países do Magreb. No Oriente Médio, a independência fora obtida pela manipulação de forças políticas internas e externas e por negociações, unificada a perturbação popular. O poder pertencia às famílias dominantes ou elites intelectuais, todavia esses grupos não possuíam a habilidade e apelo necessários para mobilizar o apoio popular. Nesses países os movimentos políticos desarticularam-se após a liberdade. Novas ideologias com subsídios de nacionalismo, religião e justiça social poderiam ter aceitação popular. Grupos comunistas, socialistas e os dos Irmãos Muçulmanos passaram a significar a oposição ao domínio imperial e aos novos governos recém implantados. O Partido Comunista exerceu um papel importante na região. Com o tempo a ideologia de Nasser, que fora inicialmente inconsistente, adquiriu uma ideologia característica identificada com a personalidade de Nasser. O apelo ao Islã era menos enfatizado do que o apelo ao nacionalismo e à unidade árabe. O regime de Nasser começava a pensar o Egito como parte do mundo árabe e seu líder natural. Declarava-se que a democracia política era impossível sem a democracia social, devendo haver igualdade de oportunidades a todos, assistência médica e educação e o planejamento familiar. No Egito, porém, em 1964 o crescimento cessara e o consumo privado per capita não mais aumentava. Nasser não obteve todas as forças políticas dos egípcios.
Durante a década de 1960, os países árabes tinham como símbolo e líder Nasser. Com a liberdade da Argélia em 1962, praticamente chegara ao fim a era dos impérios europeus, mas com algum poder britânico em algumas áreas. Em Áden, com o aumento do nasserismo e mudanças no Iêmen, levou os britânicos a aumentar a participação do governo, mas em 1966 eles decidiram retirar-se. A oposição dividiu-se em dois grupos e o grupo urbano de tendência marxista conseguiu tomar o poder. No Golfo Pérsico a percepção britânica também foi de retirada. Em 1961 o Kuwait se libertava. No Golfo Pérsico, mais a baixo, em 1968 o governo britânico decidiu retirar suas forças militares e controle político de toda a área do oceano Índico até 1971. A descoberta de petróleo e sua extração em larga escala em Abu Dhabi, e em várias partes do Golfo Pérsico, deram nova importância a uma área que havia sido tida como pobre. Estabeleceu-se uma fraca União dos Emirados Árabes, por influência britânica, como elemento unificador. Era formada por sete pequenos estados (Abu Dhabi, Dubai, Sharja e mais quatro). Na década de 1960, os principais interessados no surgimento de uma nação árabe eram as duas “superpotências”. Os países monarquistas e a Tunísia eram hostis à influência egípcia e a muitas das idéias de nacionalismo árabe. Os recursos petrolíferos causaram um grande impacto na economia mundial e isso influenciou as sociedades dos países produtores. As receitas eram usadas para modernizar esses países. A Arábia Saudita e os países do golfo Pérsico puderam ter maior influência nos assuntos árabes e auxiliar os estados mais pobres. Suas sociedades atraíram grandes números de migrantes de outros países árabes. Os migrantes, agora alfabetizados ou qualificados, vinham em sua maior parte da Palestina, Síria e Líbano. O nasserismo e o nacionalismo aumentaram o anseio dos palestinos por reconquistar sua terra. Nasser desejava usar essa riqueza para criar um forte bloco de países árabes sob a liderança egípcia.
Em 1960 havia sinais de que as reivindicações e pretensões de Nasser iam além de seu poder. No Iêmen, o governante morreu e seu sucessor deposto. O antigo imanato tornou-se a República árabe do Iêmen, chamada de Iêmen do Norte. O grupo pediu ajuda e unidades egípcias foram enviadas. Mesmo com esse apoio a situação era muito difícil e houve uma revolta popular. Tinham apoio da Arábia Saudita e vários anos de guerra civil seguiram-se, unindo o conflito entre grupos locais e as monarquias árabes tradicionais. As limitações dos árabes e egípcios desencadearam uma crise em 1967, levando o Egito e outros países árabes a um confronto direto com Israel. Nasser ficou exposto a pressão de todos os lados. Na Síria calculavam que o melhor seria o confronto com Israel e a revolução social. Em 1964 criou-se a Organização para a Liberação da Palestina (OLP). Surgiram dois tipos de movimentos palestinos: o Fatah queria ser independente dos regimes árabes, cujos interesses não eram o mesmo dos palestinos e em confronto direto com Israel; e vários movimentos menores. Em 1965 esses grupos atentaram contra Israel e os israelenses começaram a retaliar. O poder econômico de Israel aumentara ajudado pelos Estados Unidos e Europa, que ainda lembravam-se da Segunda Guerra. Em 1956 Nasser fechou o porto aos navios israelenses e suas forças armadas eram equipadas e treinadas pela URSS. As relações entre grandes potências e seus clientes são sempre complicadas. À medida que cresceu a tensão, a Jordânia e a Síria fizeram acordos militares com o Egito. A 5 de junho, Israel atacou o Egito acabando com sua força aérea. Os israelenses ocuparam o Sinai até o canal de Suez, Jerusalém e a parte palestina da Jordânia e sul da Síria. O conflito complicou-se, pois os israelenses agora tinham os lugares sagrados muçulmanos e cristãos. A guerra mudou o equilíbrio de forças na região, pois Israel era militarmente mais forte. A rápida vitória fez com que os americanos ficassem do lado de Israel. Para a URSS isso foi como uma derrota. A guerra marcou todos que se identificavam como judeus ou como árabes, tornando-se um conflito mundial. A ocupação judaica do que restava da Palestina: Jerusalém, Gaza e parte ocidental da Jordânia foi o resultado mais importante. Mais palestinos tornaram-se refugiados. Questões como se Israel deveria continuar ocupando os territórios conquistados ou negociar a posse da terra; os árabes deveriam recuperar seu território ocupado, eram muito relevantes para a paz. Os Palestinos exigiram uma existência nacional separada e independente. O Conselho das Nações Unidas, através de um acordo, decidiram que Israel se retiraria e cuidaria-se dos refugiados. Houve discordância sobre se os palestinos deveriam ser encarados como uma nação ou uma massa de refugiados individuais. Os chefes árabes adotaram sua própria resolução em uma conferência em Cartum, setembro de 1967: nenhum reconhecimento das conquistas israelenses e nenhuma negociação. Para o Egito e Jordânia o caminho estava aberto para um acordo negociado.
Adb al-Nasser viveu mais três anos após sua derrota. Suas relações com os britânicos e americanos dificultaram-se com a acusação de que eles haviam ajudado militarmente Israel e sua posição enfraqueceu-se junto a outros países árabes. Ele, entretanto, era um intermediário indispensável. Em 1969 houve um acordo entre o governo libanês e a OLP, estabelecendo limites para que ela operasse no sul do Líbano. Nasser faleceu de repente e as cenas de seu funeral comprovaram sua grande importância. Era difícil imaginar o Egito sem ele. Foi sucedido por Anwar Sadat (1918-1981). No Marrocos, Tunísia não houve mudança de política. Mais a leste, as dinastias dos estados do golfo Pérsico continuaram. No Iraque o governo terminou e Sadam Hussein surgiu, aos poucos, como um poder mais forte. Em 1970 Sadat pediu a retirada de técnicos e consultores soviéticos, mas o exército era treinado e equipado por eles. Em 1973 atacou, subitamente, as forças israelenses no canal de Suez e ao mesmo tempo a Síria atacava os israelenses de Golan. Armas fornecidas por russos possibilitaram neutralizar a força aérea israelense, contudo dias depois essas forças foram empurrando os sírios para Damasco. Essa ação deu-se graças aos equipamentos enviados pelos EUA. Ocorre que a URSS e os EUA não queriam que a guerra se intensificasse a ponto de envolvê-los. A maior arma dos árabes seria impor um embargo à exportação de petróleo e assim decidiram reduzir sua produção enquanto Israel permanecesse em terras árabes. A Arábia Saudita chegou a interromper suas exportações aos EUA e Holanda. A demanda do produto crescia e a OPEP vinha tornando-se forte com poder de aumentar o valor de seus produtos, foi o que fez em 1973, com 300% de acréscimo.
Em 1975, Os EUA auxiliaram em um acordo sírio-israelense e Israel retirou-se do território conquistado. O mesmo se deu com relação a Israel e Egito. O desejo dos americanos era excluir ao máximo a União Soviética do Oriente Médio. Sadat, achando que os árabes não conseguiriam vencer os combates, tentou por um fim à seqüência de guerras. Em Israel o meta era outra. Fazer a paz com o Egito e instalar colonos judeus nos territórios conquistados da Margem Ocidental e anexá-los para poder lidar efetivamente com a Síria ou a OLP. Segundo o acordo haveria paz entre Israel e Egito. E após cinco anos teriam início as discussões sobre o status definitivo. Israel recusou-se a suspender sua política de colonização judia dos territórios conquistados. Sadat foi assassinado em 1981 por membros que se opunham à sua política e Hosni Murabaki foi seu sucessor Nos anos seguintes as relações entre Egito e EUA se estreitaram. O acordo com Israel foi repudiado pelos palestinos e pela maioria dos estados árabes. O Egito viu-se formalmente expulso da Liga Árabe. De 1973 a1978 as receitas anuais de petróleo cresceram enormemente. Em 1980 esses estados árabes tinham nacionalizado sua produção ou adquirido uma maior participação nas empresas operadoras, sendo os países industrializados seus maiores clientes. Os EUA podiam interferir pela força se o fornecimento de petróleo viesse a ser interrompido de novo, como antes. Na maioria dos países deu-se um amplo espaço à empresa privada, agricultura, indústria e comércio. A infitah (política de porta aberta) significava uma abertura para que empresas estrangeiras lá se formassem. Uma grande ajuda de governos ou agências internacionais foi usada para armamentos, infra-estrutura, e projetos ousados. Esse arrefecimento às importações desencadeou uma concorrência entre indústrias locais e as dos Estados Unidos, Japão, Europa Ocidental. Assim resultou que os países árabes e os do Terceiro Mundo produziam bens de consumo para si e importavam produtos tecnológicos.
Dentre as muitas organizações árabes, algumas delas funcionavam. Na Liga Árabe foram incorporados a Mauritânia (África Ocidental), Djibuti, Somália (África Oriental). As diferenças entre os estados petrolíferos e sem petróleo foram diminuindo. Uma cultura comum estava em processo. No Egito e Tunísia quase um terço dos estudantes universitários eram mulheres e no Kuwait mais de 50%. As classes eram grandes, os professores sem um bom treinamento e os prédios impróprios. A movimentação de indivíduos durante esses dez anos estreitou o elo entre os países árabes. A maioria deles tinha empresas aéreas, rodovias, ônibus, carros e o deserto sírio e árabe foram cortados por boas estradas. Com a pressão dos países mais pobres as perspectivas de migração eram mais atrativas. A maioria dos migrantes eram homens solteiros ou mulheres. Um maior conhecimento de povos, costumes e dialetos enraizou o senso da existência de um único mundo árabe, todavia havia também a consciência das diferenças e exclusões.
Na década de 1970, a principal tendência foi para a diferença do que para uma maior união. O destino de Israel e dos palestinos preocupava as nações. O assentamento judeu assumiu uma nova acepção com o poder de Begin. O assentamento era feito em grande escala expropriando terras e tirando a água dos árabes. A OLP e Yasser ‘Arafat, seu dirigente, falavam pelos palestinos nas áreas ocupadas, mas não conseguiam mudar a situação, mesmo com apoio internacional. Entre os a favor do Ocidente, a política independente adotada pelo Egito com relação a Israel causava hesitação e vexame e quase todos os estados árabes cortaram relação com ele, mas sem cortar o fluxo de remessas de dinheiro dos migrantes. Síria, Iraque e Iêmen do Sul eram ajudados pela União Soviética. Na Líbia, Kadhafi, queria tomar a posição de Nasser, sem nenhuma base de força. Nesse período houve alguns conflitos. A descoberta de importantes jazidas de fosfato extraído por uma empresa espanhola motivou, na década de 1970, a reivindicação do Marrocos dessa área. Após um longo processo diplomático Espanha, Marrocos e Mauritânia chegaram a um acordo em 1975. Mas nesse ano, o Polisario (Frente Popular de Libertação do deserto do Saara ocidental) surgiu como oponente e exigiu independência. Teve inicio um conflito que durou por vários anos e complicou as relações também para a Liga Árabe e a Organização da Unidade Africana. Outro conflito estourou no Líbano. O novo estado tinha uma constituição democrática e, na época da retirada francesa, houve um acordo entre líderes maronitas e muçulmanos sunitas de que o presidente da República seria maronita, o primeiro ministro sunita, e outros postos distribuídos entre diferentes comunidades religiosas, mas o poder efetivo sempre nas mãos cristãs. Ocorre que a população muçulmana cresceu mais rápido do que a cristã e na década de 1970 eles eram mais numerosos do que os cristãos. As rápidas transformações econômicas fizeram com que Beirute se transformasse em uma grande cidade e o Líbano era uma extensa cidade-estado, precisando de um governo potente e eficaz. Os pobres sunitas ou xiitas aumentaram de número e em 1958, com todos esses fatos, estourou uma guerra civil. As atividades palestinas no sul estavam levando a uma forte reação israelense, podendo ameaçar a independência do país. Seguiram-se cinco anos de incômoda trégua. Em 1978 Israel desencadeou uma invasão deixando para trás um governo sob o controle israelense numa faixa ao longo da fronteira. A invasão levou os xiitas da área a criar sua própria força militar, o Amal. Em 1982 Israel tentava estabelecer sua própria solução dos problemas palestinos, assim invadiu o Líbano em junho de 1982. O sítio acabou em um acordo. Nessa ocasião, uma eleição presidencial tornou Bechair Gemaval presidente, mas ele foi assassinado e seu irmão, Amin, eleito. Israel ocupou o Beirute Ocidental e o Kata’ib, massacrando palestinos em grande escala, nos campos de refugiados de Sabra e Chatila. O novo governo, dominado pelo Kata’ib e apoiado por Israel tentou impor sua vontade. Isso despertou forte oposição de outras comunidades. A Síria e seus aliados podiam obter ajuda da URSS e o Kata’ib e seus arrimos israelenses do EUA. Uma tropa militar com ajuda americana foi enviada ao Líbano, foi retirada, porém retornou. A partir desse momento, o componente americano na força multinacional foi aumentando suas funções. Ajudou a negociar, em 1983, um acordo Líbano - israelense. Sem apoio americano o governo libanês cancelou o acordo com Israel. Com isso houve o surgimento do Amal e outros grupos xiitas com grandes fatores na política libanesa. Em 1984 o Amal controlou Beirute e as forças israelenses se retiraram do Líbano. Um terceiro conflito ocorreu: a guerra entre o Irã e Iraque em 1980. O novo regime iraniano recorreu aos muçulmanos que restaurassem a autoridade do Islã, especialmente os xiitas do Iraque. Em 1980 os iraquianos invadiram o Irã. Depois de um tempo o Irã tomou a ofensiva e invadiu o Iraque. A guerra dividiu o mundo árabe. A Síria apoiou o Irã, mas os outros Estados deram apoio financeiro e militar ao Iraque. A luta acabou com um cessar-fogo negociado pelas Nações Unidas em 1988. Nenhum dos dois lados saiu ganhando alguma coisa. Em 1988, a população de Gaza tinha explodido num movimento de resistência quase universal. Esse movimento, a intifada, continuou por 1988. Revelou a existência de um povo palestino unido e restabeleceu a divisão entre territórios sob ocupação israelense e o próprio Estado de Israel. Israel não conseguiu suprimir o movimento. O Conselho Nacional Palestino apresentou uma carta proclamando a disposição de aceitar a existência de Israel e negociar um acordo final com ele.
Uma Perturbação de Espíritos. Os conflitos no Líbano e no Iraque prenunciaram uma inimizade que poderia ocorrer facilmente por discordâncias dentro dos Estados. No Iraque havia a oposição entre árabes e curdos. Estes habitavam os vales montanheses ou eram membros de tribos nômades. Eles não queriam controle estreito por burocracias urbanas. A idéia de independência foi descartada por eles. Uma revolta ocorreu em fins da década de 1980, durante a guerra do Irã e Iraque. Parte da população das áreas das montanhas Atlas no Marrocos e Kabylia na Argélia era berbere, falando dialetos e com longa tradição de organização e liderança locais. No Marrocos havia o prestígio da cultura árabe das grandes cidades e o berbere não era uma língua escrita de alta cultura. Na Argélia, porém a tradição de cultura árabe era mais fraca e a cultura francesa mais forte. Diferenças étnicas aprofundavam as diferenças de interesse. No Sudão havia um problema análogo. Alguns eram cristãos convertidos por missionários britânicos e estavam apreensivos quanto ao futuro: o novo governo poderia tentar estender o Islã e sua cultura para o sul. No início da década de 1980, o governo começou a seguir uma política mais islâmica: uma revolta continuou em larga escala por toda a década, e o governo não pode suprimi-la e nem chegar a termos com ela. Uma situação perigosa existia nos Estados com grande população xiita como Iraque, Kuwait, Bahrain, Arábia Saudita, Síria e Líbano. Grande parte do aumento das receitas do governo com o aumento do lucro do petróleo ia para compra de armamento. Um campo importante de expansão foi a indústria de consumo, mas por toda parte a agricultura foi negligenciada, com exceção da Síria, que permanecia investindo no setor. O crescimento econômico não elevou o padrão de vida da população unanimemente, porque os sistemas políticos e sociais não proporcionavam uma distribuição justa dos ganhos da produção. Havia uma população flutuante na esfera informal, como vendedores ambulantes, biscateiros ou desempregados. Alguns governos criaram serviços sociais e houve certa redistribuição de renda em habitação popular, serviços de saúde e educação, contudo nem toda a população beneficiava-se deles. No Cairo o sistema de esgoto entrara em falência. Havia ocorrido mudanças que afetariam a posição das mulheres, como a educação. A escolha de trabalho aumentara e fábricas modernas empregavam mulheres, mas em condições de depressão ou superemprego eram as primeiras a serem demitidas. As mulheres educadas trabalham em repartições públicas como secretárias ou eram advogadas, médicas e assistentes sociais. Houve a disseminação do anticoncepcional que favoreceu as mulheres e as famílias urbanas tornaram-se menores. Com a educação as mulheres passaram a casar-se mais tarde. Na Arábia Saudita ainda se usava o véu nas ruas e a educação era estritamente segregada e isso mantinha o poderio masculino e em nenhum Estado havia uma lei de herança secular. O heróico período de luta para a independência acabara. Como poderia a elite educada falar às massas em nome delas? Qual era o laço moral entre eles? O problema de identidade expressava-se em termos de relacionamento entre a herança do passado e as necessidades do presente. Para ser saudável, a vida política e econômica dos árabes deveria derivar de seus próprios valores morais, baseados na religião. Um famoso escritor disse que “a cega adesão à tradição e a cega inovação eram ambas incorretas”. Grande parte da dificuldade contemporânea girava em torno do presente e passado. Outro escritor afirmou que “O pensamento religioso era não apenas falso, mas também perigoso.” E assim impedia um consistente movimento de libertação político-social. Alguns grupos como os Irmãos Muçulmanos estavam preparados para a violência e martírio. Isso foi comprovado em um assassinato e tentativa de derrubada de governo. Um estudioso desses países na década de 1980 notaria que os laços de cultura bastante fortes não deram origem a uma unidade política e notaria a aparente estabilidade dos regimes políticos. Os governos agora tinham meios de controle e repressão que não possuíam no passado: exércitos, serviços de inteligência e segurança. Os grupos dominantes mantinham sua própria ‘asabiyya, ou solidariedade, dirigida para a manutenção do poder. A máquina governamental era maior e mais intricada. Um grande número de pessoas estava ligado a ela ou dela dependia. Em todos os países havia mais funcionários públicos do que empregados na indústria. Influenciados pelos colonizadores, o primeiro pensamento a aparecer foi o da independência. O segundo foi da justiça social e a terceiro foi o Islã. O Islã podia oferecer uma linguagem efetiva de oposição. A maioria dos governos que optou por esse caminho interpretou o charia com uma definição modernista. A Arábia Saudita, Kuwait e Sudão optaram pelo antigo regime. Havia, porém, fragilidade nos regimes apesar da aparente estabilidade. Os preços do petróleo subiram e o auge deu-se em 1981, mas depois caíram rapidamente devido ao excesso de produção. A tendência dos governos instalados era serem cheios de segredos e recolhidos e só raramente darem alguma explicação. Por outro lado, o fortalecimento de vínculos humanos entre eles, com a educação, migração e meios de comunicação, a longo prazo, poderiam trazer um efeito positivo. O país mais provável para se beneficiar com o poder constitucional parecia ser o Egito, que tinha uma grande classe educada. Sob Hosni Mubarak, iniciou-se uma cautelosa mudança no Egito. Se ocorressem mudanças mais radicais na década de 1980 seriam em nome da idéia islâmica da justiça de Deus. O termo “fundamentalismo” trazia uma variedade de sentidos. Seria a volta à doutrina e à pratica do Profeta e da primeira geração de seguidores ou ,então, a volta à idéia de que só o Corão fornecia a norma de vida humana. Isso era revolucionário, pois o líder líbio Kadhafi dizia que só os muçulmanos tinham o direito de interpretar livremente o Corão. O termo fundamentalismo podia ser também a palavra “conservadora.” As circunstâncias dos países árabes variavam enormemente. Um movimento poderia ter interpretações diferentes nos diversos Estados. No Iraque, com maioria xiita, os homens de saber não tinham uma íntima ligação com as massas urbanas ou influência sobre o governo como no Irã. A liderança dos movimentos islâmicos quase sempre estava nas mãos de leigos, da moderna elite educada. Os movimentos não tinham santidade e conhecimento herdados e reconhecidos. Eram apenas partidos políticos. Eram forças de oposição, mas não tinham condições de poder para desenvolver governos. O conhecimento antigo dos ulemás era de que não deviam ligar-se em demasia ao governo do mundo, pois era perigoso atrelar os interesses eternos do Islã ao destino de um governo transitório do mundo. Os ulemás eram humanos e tão sujeitos às corrupções do domínio e riqueza como outro qualquer, portanto não seriam bons governantes. Essa era a suspeita popular. Poderia acontecer que o apelo a idéias religiosas deixasse de ter a mesma força de outro sistema de ideais: uma mistura de moralidade social e lei que fosse secular, mas tivesse uma relação com princípios de justiça social implícitos ao Corão.
POSFÁCIO
Depois da morte da Albert Hourani decorreram acontecimentos trágicos como a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, uma guerra civil na Argélia, a unificação do Iêmen, a morte de Hussein da Jordânia em 1999, de Hasan do Marrocos, do presidente Hafez da Síria em 2000, o assassinato de Rabin em 2002. Mas o mais dramático foi o ataque às Torres Gêmeas em Nova York e Washington em 11 de setembro de 2001. Albert Hourani morreu em 1993, mas segundo a autora deste posfácio, Malise Ruthven, nenhum desses atos o teria surpreendido totalmente. O livro foi publicado em 1991.