quarta-feira, 4 de março de 2009

CONTOS DE ANTON CHEKHOV



Selecionados e Editados por Ralph E. Matlaw

Este grande escritor russo era considerado por alguns um pessimista. Retratava a desesperança, futilidade “a voz da Rússia” de isolação, o processo de vulgarização e a falta de comunicação entre as pessoas. Insistia na honestidade e na verdade. Seus contos apresentam o humorista e satirista e também o retratista de uma existência mais séria. Pelo fato dos contos serem muito curtos, aconselho a leitura na íntegra dos mesmos, que mostram toda a sua beleza e concisão.

OSTRAS
A fome faz com que a imaginação trabalhe muito rápido. É absolutamente degradante permitirmos que as pessoas passem fome. Pai e filho estão morrendo de uma doença chamada Fames[1]. O garoto imagina como deve ser uma ostra com seu maravilhoso perfume, que está sendo servida em um restaurante. Ele as come em pensamento, mesmo sendo nojentas, pois as idealiza como sapos com grandes olhos, em uma concha! Até que acorde com um gosto horrível de fome em sua boca. Seu pai não conseguira nada para comerem, mesmo esmolando com grande constrangimento. Ao meio dia com sede, olhou para ele que ainda caminhava de um lado para o outro, gesticulando!


UMA CRONOLOGIA VIVA
Dois amigos conversam ao pé de uma lareira. O anfitrião está acompanhado do vice-governador do local. O anfitrião tem quatro crianças e através da idade delas pontilha suas histórias de quando a Rússia costumava ser divertida e cheia de vida! Só ele fala, e quando não lembra as datas dos acontecimentos pergunta, aos gritos, a idade dos filhos para sua mulher, a qual se encontra em outro cômodo, pois todas as crianças haviam nascido em datas importantes... Até que a conversa acaba e a última brasa se transforma em cinzas!


O CAÇADOR
Nenhuma nuvem no céu. A floresta silenciosa. Um alto e forte homem de quarenta anos aparece sob o sol inclemente com seu cão, sua arma e sua caça. Uma voz feminina chama-o. Era sua esposa camponesa, que apesar de estar casada com ele há doze anos, nunca havia se deitado ao seu lado. O casamento fora arranjado quando ele se encontrava muito bêbado, contudo não quisera ficar com ela. A liberdade era seu maior trunfo. Sendo ele o melhor caçador da região, jamais poderia trabalhar em uma vila, pois não queria criar raízes. O ócio o possuía desde a infância! Depois de poucos momentos de conversa, vai embora e sua doce e apaixonada mulher o vê ao longe, desaparecendo pelo bosque, até que mais nada possa ser visto, a não ser seu boné branco.


O REQUIEM
Um comerciante desesperado de dor não consegue esquecer que sua linda filha fora uma atriz... No seu conceito, uma prostituta. Depois de sua morte prematura, com essa idéia já fixada em sua mente apesar de amá-la, pede, por escrito, ao padre um réquiem para uma prostituta, sua filha. Deus e a igreja já haviam lhe perdoado, mas seu pai não!


ANYUTA
Stepan Klochkov um estudante do terceiro ano de medicina dividia seu quarto com uma jovem simples, que o ajudava. Para estudar os pulmões, em pleno inverno, pede para que ela tire a blusa a fim de marcar com carvão suas costelas. Anyuta, pequena e magra menina castanha, já cuidara de outros cinco estudantes de medicina e o este era o sexto. Um dia, um deles vem pedir-lhe para que seja seu modelo, pois era também um artista. Ela estava azul de frio, mas descartada por Stepan, concorda. Stepan, acidentalmente, adormece e quando acorda lembra-se das palavras do amigo- um homem culto deveria viver em um lugar mais decente e arrumado, pois sua casa era uma pocilga. Assim resolve demitir Anyuta, no momento em que ela chega, exausta, alegando que um dia teriam mesmo que se separar. Ela pega suas coisas e, nesse meio tempo, ele se condói com a posição da jovem e abre a chance dela ficar mais uma semana, se quisesse. Com lágrimas nos olhos, Anyuta volta e recoloca suas poucas coisas no lugar, enquanto ele continua falando em voz alta, para decorar a formação dos pulmões. Na passagem alguém grita: “Grigory! O samovar.”

AGATHA
O prazo para ficar lá no farol já se esgotara, mas Agatha não voltou para casa, apesar de alertada. Finalmente seu marido chega, mas faz como se não ouvisse nada, pois quer continuar com seu amante, Savka. No dia seguinte é mandada embora pelo insensível jovem, guarda de um jardim de vegetais de uma comuna, o qual a compara a um gato. Do outro lado do rio está o marido a esperá-la. Agatha oscila, tomba, cai e se apavora. Ao longe Savka a olha junto com um amigo. Repentinamente levanta-se; “Agatha marcha com passo firme para o marido. Agora ela tinha resolvido, podia-se ver, e tinha criado coragem.”


UM AMIGO GENTLEMAN
Vanda, uma jovem prostituta charmosa saiu do hospital e não tinha para onde ir, não tinha dinheiro e, além disso, estava mal vestida. Depois de muito pensar, decide-se procurar um velho cliente, dentista, certa de pedir-lhe dinheiro emprestado. Antes havia penhorado um anel sem valor e conseguira um rublo, ou seja, nada. Queria comprar um chapéu, um agasalho e um par de sapatos cor de bronze. Chegando à casa suntuosa, vê-se refletida no enorme espelho e se assusta com sua aparência apavorante. Era uma mulher comum e aos trapos. O dentista não a reconhece e ela, tremendo, diz ter um buraco em um dos dentes. Após examiná-lo, conclui que este deve ser extraído. Com muita dor e sofrimento ele arranca-o, mostrando-o para a jovem. Em nenhum momento o dentista a reconhecera. Ao despedir-se dela, entretanto, pede seus honorários. Corando, Vanda dá ao Judeu o único rublo que possuía. Na rua se sente mais envergonhada do que nunca e acha que vai morrer. Contudo, no dia seguinte está dançando novamente no Renaissance, “com seu enorme chapéu vermelho, uma jaqueta moderna e sapatos cor de bronze. Foi levada para jantar fora a convite de um mercador jovem de Kazan.”

THE CHORUS GIRL – A VEDETE
Uma jovem cantora recebe um homem da sociedade russa em sua casa e, repentinamente, toca a campainha. Ele sai do cômodo e uma senhora entra, procurando seu marido, que havia cometido um desfalque e seria preso. Essa mulher insiste, repetidamente, que a bela Pasha era uma prostituta ordinária e vil. Havia aniquilado sua vida e a de seus pequenos filhos. Queria os presentes e jóias que seu marido lhe dera de volta. Pasha, aturdida, diz nunca ter recebido nada de Kolpakov e se ele estivesse lá, seria por sua própria vontade, nunca forçara ninguém em sua casa. A jovem senhora alega que os viu, no caís, e ela estava coberta de jóias. Desesperada com a insistência, Pasha pega absolutamente tudo que havia ganhado de outros clientes, pois Kolpakov era um usurário e nunca lhe dera nada, entregando seus pertences a ela, que sai sem agradecer. Ofendida Pasha chora muito. Kolpakov reaparece e grita com a jovem, pois sua digna mulher se jogaria aos seus pés para obter os 900 rublos que devia. Saindo furioso, deixa a cantora aos prantos. Pasha já lamentava “o que havia dado impulsivamente e seus sentimentos estavam feridos. Lembrou-se de um mercador que, há três anos, havia batido nela por nada, sim, absolutamente nada, e este pensamento a fez chorar ainda mais alto.”

VANKA
Vanka, um garoto de nove anos e órfão, escreve desesperado para que seu avô venha buscá-lo da habitação em que vivia, na cidade de Moscou. Fora mandado para essa casa, após a morte da mãe, mulher amorosa que o havia sempre tratado com carinho. Agora, era espancado diariamente pelos donos da casa- um sapateiro e sua mulher. Não comia a não ser pão seco e não tomava chá. Infeliz, na noite de Natal, enquanto se encontrava sozinho, pega tinta, caneta e papel, escrevendo uma carta apressadamente. Depois, corre até a caixa do correio, sem agasalho, e ao voltar, congelado, dorme imediatamente no chão frio, sonhando com um forno e seu avô sentado em cima dele, balançando os pés descalços, enquanto o velho a lia para o cozinheiro.

EM CASA
Evgeni Bykovski, um advogado, chega a casa e a governante afirma que Seriozha havia fumado por duas vezes e precisava ser repreendido. Ele pergunta quantos anos seu filho tem. “Sete anos”, ela reponde. Ele imagina seu pequeno menino envolto em círculos de fumaça e sorri para si mesmo. Manda que a criança se apresente em seu escritório e fica sabendo que o tabaco havia sido retirado de sua escrivaninha. Isso, porém era muito grave. Já o era em sua época de criança e, a partir daí, passa a ter uma série de recordações familiares muito agradáveis, há muito escondidas em alguma parte de seu cérebro e que só agora começavam a fluir. Lembra-se que um amigo seu havia sido expulso da escola por este motivo. Os adultos sabiam que isso fazia mal, entretanto não sabiam explicar a razão. Nenhum deles. Mentes muito ocupadas não tinham tempo para isso, mas essas recordações trazem “um tipo de conforto e agradável descanso em si mesmas”. Ele imagina o que deveria falar, mas de repente o menino chega e se aconchega em seu colo. Colocando-o em pé diz que precisava falar com ele, pois cometera um grave erro, entretanto por mais que falasse o garoto não conseguia se concentrar e alcançar a gravidade do que fizera. Quanto mais ele argumentava mais se distanciava do objetivo. Evgeni fala da posse, pois o tabaco era seu e não dele. Fala do tio que havia morrido por causa do cigarro, mas o garoto lembra-se só do violino que ele tocava. Tristeza e medo brotavam em seu rosto, pois havia perdido a mãe e o tio. O que deveria dizer, pois percebia que seu filho não dava nenhum valor ao que fizera. O que deveria falar? Sério o pai percebe que ele possuía seu próprio campo de pensamento. Nesse instante o garoto desenha uma casinha e um soldado bem maior do que ela, pois se ele fosse menor do que a casa, seus olhos não apareceriam e isso era muito importante para ele. Jogando o desenho, volta-se para seu pai, acariciando sua barba. Ao sentir o calor de sua respiração, pensa em como alguém poderia puni-lo. “Hora de ir para cama” finaliza, sem ter mais o que fazer. Mas ele quer uma estória antes de dormir. Seria uma estória improvisada, pois não tinha tempo para saber as estórias que sua mãe contava. “Era uma vez...” E conta que um velho rei vivia em um palácio de cristal com jardins de flores e frutas, com sininhos de cristal. Esse palácio também tinha inúmeras fontes. E o velho rei tinha um filho, um pequeno que seria o se herdeiro. Ele era bom e ia sempre cedo para cama, tendo apenas um deslize: fumava. Serioska ouvia tudo atentamente. Por causa de seu vício o menino adoeceu e morreu com apenas vinte anos. Assim o ancião não tinha quem cuidasse dele. Inimigos vieram e o mataram, destruíram o palácio, que agora não tinha mais árvores e flores. Mais uma vez a tristeza veio ao rosto de Serioshka, que disse em voz baixa: “Não vou mais fumar”. Ele reagira às palavras certas para sua idade!


NO EXÍLIO
Filho de um diácono, o velho Semyon, apelidado de o Pregador, com sessenta anos, forte e sem dentes, estava exilado na Sibéria e consolava um jovem Tártaro de vinte e cinco anos, que sonhava com a mulher e chorava. Seu conselho é não ceder ao Diabo e esquecer-se de todo passado. A Sibéria era o melhor lugar para viver, quando se abre mão do mundo mundano. Não havia ninguém mais livre e mais rico do que ele, apesar de tudo. Ele conta ao rapaz que há quinze anos Vassily Sergey, um russo, havido sido mandado à Sibéria. Queria ser um colonizador e desejava sua mulher presente, a qual ficara três anos ao seu lado; contudo depois desse tempo fugira com o amante, por tanta solidão e frio. Continuava todo esse tempo galopando atrás deles, no entanto nunca poderia retornar à Rússia. Sua filha cresceu e tornou-se uma linda jovem, porém teve tuberculose e empalideceu, empalideceu. Ele gastou todo o dinheiro com ela atrás de bons médicos para curá-la. O jovem Tártaro achou ótimo; três anos eram melhores do que nada e, ainda, tinha uma filha. Ele raciocina que se sua mulher viesse por apenas uma hora de felicidade seria muito bom e ele suportaria tudo que viesse de ruim. Além disso, era inocente! “Você se acostumará com isso” repete diversas vezes Semyon. E a bela filha doente do russo queria pomadas aromáticas e alegria e não um pai intransigente junto a ela. O Tártaro volta a pensar em sua amada esposa. Mas, se ela viesse? Onde viveria e o que comeria? Em sua província passavam frio, aqui também, todavia havia o fogo para esquentá-lo. Viajando com o Pregador, pede esmolas e trabalho, mas sua mulher aceitaria essa situação? Seria para ela uma terrível humilhação. Remando e cansado ele adormece e sonha que tudo não passara de um pesadelo. Quando acorda pergunta-se se já estava em casa. Barco... Barco... é a resposta. Um tiro é disparado, na outra margem do rio, para acordá-los, mas Semyon, com sua sabedoria, diz que eles têm muito tempo já que tudo conduziria ao nada! O som dos remos era ouvido ao longe e alguém pede pressa, pressa. Era o russo, pai da moça doente, vestido todo de pele, enquanto os remadores tremiam de frio com seus trapos. Iria procurar outro médico para ela. Estava taciturno, mas Semyon disse: “Mesmo na Sibéria as pessoas podem viver – podem vi-ver.” Havia uma expressão triunfante em sua face como se tivesse provado algo e estava feliz por elas terem acontecido como ele havia previsto. O Pregador aconselha-o a esperar mais um pouco, pois o tempo estava terrível e nevava. Vassily não desiste e quando desembarca dá-lhe uma gorjeta, sem falar. O jovem Tártaro qualifica Semyon de besta e de pedra, pois Deus não gostava dele e havia feito as pessoas para terem sentimentos. Sergey, sim, era bom – tinha sentimentos. Voltam ao acampamento, exaustos e gélidos deitando-se no chão da choupana gelada, com seus andrajos e tremendo de frio. O vento forte abre a porta da cabana, contudo ninguém quer se levantar para fechá-la. Um som de cachorro ganindo vem de fora. Era o Tártaro chorando. “Ele se acostumará com isso” diz Semyon e dorme imediatamente. Os outros logo caem no sono, também. “A porta permaneceu aberta.”


O ESTUDANTE
Um jovem estudante de teologia está triste porque “uma brisa de inverno” soprara na floresta e o céu começara a escurecer rapidamente. O inverno na Rússia tinha sido terrível. Sempre. E também continuaria a Fome, Infelicidade, Tristeza e Miséria, desde os tempos de Rurik[2], até os dias de hoje. Parecia-lhe que o frio havia destruído a ordem e a harmonia das coisas. Ele não queria voltar para a casa e vai até o jardim das viúvas, Vasilisa, a mãe e Lukerya, sua filha. Lá um fogo arde. Aquecendo-se na fogueira junto a elas, conta a história dos Doze Apóstolos. Vasilisa, uma mulher mais culta pois trabalhara em uma casa rica, se lembrava muito bem, contudo sua filha não. Então ele diz que durante a Última Ceia, Pedro, apesar de amar muito Jesus e estar pronto para ir com Ele para a escuridão e para a morte, o negara por três vezes. Emocionadas com a perfeita narração, as viúvas se comovem e choram pela alma de Jesus Cristo. Ivan Velikopolsky percebe que havia uma grande conexão entre elas e Pedro. Não choravam pelo modo como ele descreveu a história, mas pelo conteúdo em si. Elas se encontravam muito próximas do apóstolo Pedro, apesar dos séculos e milênio que já tinham se passado. Ao atravessar o rio, havia um por do sol escarlate e “a alegria, repentinamente, agitou sua alma.” “O passado, pensou, é ligado ao presente por uma inquebrável corrente de eventos fluindo, um depois do outro.” Ele pareceu ver ambos os lados: o começo e o fim dela. “A verdade e a beleza que havia guiado a vida humana,” lá no jardim do mais alto mestre, continuaram sem interrupção até nossos dias; e um sentimento de juventude, saúde e vigor e a doce expectativa de felicidade se apoderou dele, pouco a pouco, e “a vida pareceu-lhe encantadora, maravilhosa e cheia de elevado significado.”


A DAMA COM O CACHORRO

As pessoas comentavam que uma recém-chegada tinha sido vista no promenade[3] - uma dama com o cachorro. Dmitri Gurov estava em Yalta, um elegante balneário, há quinze dias e estava acostumado a isso, porém sentado em um café, olhou para a jovem. Era clara, bela, não muito alta e atrás de sua figura trotava um Pomeraniano branco. Encontrou-se com a jovem diversas vezes durante esse dia, contudo ninguém sabia seu nome; referiam-se a ela como “a dama com o cachorro”. Gurov pensou que se estivesse sozinha gostaria de conhecê-la, apesar de ter uma esposa digna e três filhos, além do que, já estava com seus quarenta anos. Sua mulher era uma grande leitora e se referia a ela mesma como “pensadora”. Tendo se casado cedo, agora ela sabia que o marido não a admirava, estando sempre fora de casa, sendo-lhe infiel. Ele referia-se às mulheres como a raça mais baixa. Gurov, contudo, sabia que um novo affair[4] conduzia, inevitavelmente, a situações intoleráveis. Uma noite, estando em um restaurante, ela entra com o cachorro e senta-se em uma mesa próxima à sua. Gurov não pode conter a sensação de que um romance com aquela mulher, provavelmente casada e da alta sociedade, seria muito interessante. Brincando com o cachorro, que rosna, iniciam um diálogo. Ela havia chegado há cinco dias. Com os olhos baixos e tímida, relata que apesar dos dias passarem rápido eram muito aborrecidos! Ele fez uma graça e ela sorriu. Jantaram em silêncio como dois estranhos, mas ao saírem do restaurante juntos, embarcam em uma conversa leve e sem compromisso, ambos admirando a lua, refletida no oceano. Ele, despreocupadamente, conta-lhe ser formado em literatura, apesar de trabalhar em um banco e ter duas casas em Moscou... Ela crescera em Petersburgo, mas agora casada morava na cidade de S há dois anos e ficaria mais um mês em Yalta. Talvez seu marido viesse se juntar a ela, pois se encontrava adoentado. Ela não sabia exatamente a posição que ele ocupava, apesar de pertencer ao conselho da província. Mais tarde Gurov soube que se chamava Anna Sergeyevna. De volta ao hotel teve a certeza de que a encontraria no dia seguinte. Anna era pouco mais do que uma estudante, como sua filha, e provavelmente esta seria a primeira vez em sua vida que se encontrava sozinha, podendo ter mais liberdade para seus compromissos. Uma semana havia se passado desde o primeiro encontro e Gurov continuava comprando-lhe drinks[5] de frutas e sorvetes. O calor estava insuportável e, à noite, os turistas iam até o porto ver os navios entrarem. Eles também, e ela olhava tudo com muita atenção, quem sabe esperando ver o marido. Anna falava muito, mas ficando tarde a multidão começou a se dispersar. Então, ela não falou mais nada e não olhou mais para Gurov que, subitamente, tomou-a nos braços e a beijou. “Vamos para seu quarto” murmurou e eles saíram rapidamente. O quarto dela era perfumado e ele pensou: “Como a vida pode ser cheia de encontros estanhos”. Havia feito muitas mulheres felizes, mas não se prendera a nenhuma delas, nunca. Mas, agora, pela juventude e inexperiência de Anna havia um sentimento de constrangimento na atmosfera. Ela parecia considerar esse caso muito especial e sério, como tivesse se tornado uma mulher perdida! Assumiu uma pose de meditação, como uma pecadora. Disse-lhe que não estava certo e ele jamais voltaria a respeitá-la, mas Gurov assegurou-lhe que Anna não sabia o que está dizendo. “Que Deus me perdoe” exclamou a jovem. Ela sente que não só traiu o marido, mas a si mesma! O consorte era decente, honesto, porém flunky[6]. Ultimamente sentia-se possuída por uma grande curiosidade que acabara desse modo torpe. Depois de acalmá-la estavam novamente rindo juntos. Indo para Oreanda e olhando o mar, Gurov sente uma felicidade comparável a perfeição. Depois disso eles se encontravam todas as tardes no promenade, almoçando e jantando, passeando e admirando o oceano. Ele disse a Anna que ela era bonita e sedutora, faziam amor “com uma paixão impetuosa”. Durante todo esse tempo esperavam que o marido chegasse! Um dia ela recebe uma carta dele, pedindo que voltasse a S porque se encontrava doente. “É a intervenção do destino” diz ela, preparando-se rapidamente pra voltar. Anna despede-se sem chorar, mas estava triste e os músculos da face tremiam. “Pensarei em você” repete várias vezes e deseja que Deus o abençoe. Estavam se despedindo para sempre. Sozinho na plataforma, ele pensa que essa fora apenas mais uma aventura em sua vida que logo se esvaneceria de sua lembrança. Ela o julgara bom, inteligente e admirável... Havia, involuntariamente, a enganado. Quando Gurov voltou a Moscou estava no começo do inverno. Gradualmente foi se emergindo na vida da metrópole, lendo com avidez três jornais por dia, indo a diversos lugares, tudo com grande agitação. “Ele havia acreditado que, em um mês, Anna Segeyevna seria mais nada, além de uma vaga memória.” Contudo seu sorriso aparecia para ele em seus sonhos, como outras. Apesar do inverno já seguir e do mês ter acabado, tudo estava tão claro em sua memória como se tivesse acabado de se despedir dela. Tudo voltara em sua memória e ela o olhava das estantes de livros, da lareira, do canto. Ele podia até sentir sua respiração. “Seria amor o que estava sentindo?” Ele queria dividir o segredo de sua paixão com alguém, mas era impossível achar a pessoa adequada; eram todos uns brutos. Dormia mal, estava zangado com os filhos, com o banco e não tinha vontade de sair ou conversar. Nos feriados de Natal, inventou uma desculpa e arrumou as malas, partindo para a cidade de S “Com que fim?”. Ele não sabia, mas precisava ver e falar com Anna Segeyevna! Conseguindo achar o endereço da jovem, viu que moravam em grande estilo, luxuosamente, e a cidade inteira conhecia seu marido, Drideritz. Como era feriado ele estaria em casa, provavelmente. O melhor seria esperar por uma chance e falar com ela. A casa era circundada por uma segura cerca cinza, que logo ele passou a odiar. Pensando que ela havia se esquecido dele, volta para o hotel e dorme. Quando acorda, descansado, pensa em que fará. Durante sua chegada havia notado um pôster anunciando a performance de “A Gueixa”. Assim ele seguiu para o teatro, o qual era típico de uma província. Estava repleto, mas vasculhando com olhos atentos viu a figura de Anna Segeyevna, e percebe que no mundo não havia nada mais querido e importante para ele do que essa pequena mulher! Ela estava acompanhada por seu jovem marido, alto e flunky. Gurov sorriu feliz por isso. O jovem saiu para fumar no primeiro intervalo. Aproveitando a oportunidade chega-se a ela, perguntando como estava. A jovem “Olhou para ele e ficou pálida”... Olhou novamente e, alarmada, era incapaz de acreditar em seus olhos. Nenhum deles disse uma palavra. Lembrou-se que disseram que seria impossível verem-se novamente. “E quão distante o fim parecia ser agora.” Saíram e subiram uma escada para não serem vistos. “Ela lanço-lhe um olhar de medo, súplica, amor, e então o encarou firmemente, com se quisesse fixar suas feições em sua memória.” Aconselhou-o a ir embora. Ela iria se encontrar com ele em Moscou, mas era infeliz e jamais seria feliz. Gurov foi buscar seu casaco e partiu. Anna passou a vê-lo em Moscou, a cada dois ou três meses, dizendo ao marido que ia a um médico especialista em senhoras. Gurov ia visitá-la e ninguém sabia nada sobre o caso. Um dia ele vai encontrá-la, mas sua filha estando com ele, pensou em deixá-la na escola durante o trajeto. Estava levando uma vida dupla, uma em público e outra em segredo! Tudo que era bom e importante era segredo e tudo que era superficial e falso para ele era público. Começou a julgar os outros por ele mesmo, não acreditando mais no que via. Certa vez, “tirando seu sobretudo no lobby, foi para cima e bateu suavemente na porta. “Anna Segeyevna, usando um vestido verde que ele mais gostava,” exausta pela viagem e pelo suspense, esperava por ele. Estava pálida e séria, mas jogou-se em seus braços. O beijo foi prolongado, como não se encontrassem há anos! Olhando-se no espelho, Gurov viu que seu cabelo estava começando a ficar grisalho e havia envelhecido muito nesses últimos anos e tinha perdido muito de sua beleza. “Por que ela o amava tanto.” pensou. Nenhuma mulher tinha sido feliz com ele. Havia conhecido muitas, mas não amava nenhuma. Somente agora quando já estava grisalho havia, realmente, se apaixonado pela primeira vez em sua vida! Eles se amavam como pessoas muito próximas, como marido e mulher. “Eram como dois pássaros migrantes, o macho e a fêmea, que tinham sido apanhados e colocados em gaiolas diferentes.” Perdoavam-se mutuamente sobre o passado e o presente, e achavam que esse amor os havia mudado. “Ele sentia-se piedoso e desejoso de ser sincero, carinhoso.” “Pare de chorar” disse a Anna “Vamos conversar e tentar pensar no que vamos fazer.” Então discutiram por um longo tempo, tentando encontrar um meio para não precisarem viver escondidos. Parecia que uma bela e nova vida iria se iniciar. E ambos viram que o fim estava ainda muito, muito longe e “que o pior, a parte mais complicada estava somente começando.”

Anton Chekhov morreu em uma clínica de tuberculose em Moscou, 1904. Aos vinte anos era considerado um fenômeno raro. Sua educação era como a de uma escola pública inglesa. Ele leu Tolsty, Dostoyesvsky e literatura inglesa moderna. Ele tinha necessidade da figura paterna. Surovin foi seu grande incentivador. Seus contos eram publicados em revistas e jornais da época. Nasceu em 1860 na Rússia e foi escritor, dramaturgo e médico. Dizia que a literatura era a sua amante, mas a medicina sua esposa. Foi um dos maiores escritores já existentes. Começou escrevendo por dinheiro, mas suas ambições literárias fizeram com que ele desenvolvesse a técnica dos contos modernos. Influenciou James Joyce e outros modernistas. Seus contos eram de compreensão difícil, todavia julgava que um escritor deve questionar e não responder perguntas.
[1] Fome em latim.
[2] O primeiro governante da Rússia (862-879).
[3]Passeio. Calçada.
[4] Caso amoroso.
[5] Bebidas.
[6] Fracasso. Fiasco.