quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

GUERRA E PAZ LEON TOLSTOY














































Parte 1
São Petersburgo, julho de 1805.Uma elegante soirée está acontecendo na casa de Anna Pavlovna Scherer, uma das figuras mais importantes da sociedade da época e dama de companhia da imperatriz Marya Fyodorovna. Era uma mulher bela, inteligente, impulsiva, apesar de seus quarenta anos e solteira. Sua casa é uma das mais distintas da região russa. “Não, eu o previno, que se você não me disser que estamos em guerra... você não é mais meu amigo...”. Assim ela recebe príncipe Vassily, oficial destacado do exército e o primeiro a chegar à festa. Eles falavam em francês, com a entonação pomposa dos que tinham crescido na corte. Sua filha o pegaria, mais tarde, para irem a um jantar do embaixador da Inglaterra. Eram amigos antigos e muito íntimos, podendo trocar confidências. As últimas notícias falavam sobre os navios que Napoleão havia queimado na conquista avassaladora da Europa. A Áustria já estava subjugada e o imperador Alexander da Rússia deveria ser o salvador da Europa, segundo eles. A Inglaterra mercantil ainda não evacuara a ilha de Malta. Prússia declarara que Bonaparte era invencível e quase todo continente europeu estava subjugado ao imperador francês. Visconde Mortmart, Abbé Morio e muitos outros príncipes, princesas e condes, enfim toda a nobre sociedade fora convidada para sua casa a fim de discutir política e outros assuntos mais frívolos. Os seus convidados falam sobre personalidades a serem nomeadas, distinguidas, bajuladas pelos políticos e por Alexandre. Os nobres carregavam os nomes de Novosiltsov, Barão Funke, Príncipes Anatole e Ippolit (filhos de Vassily que se tornaram imbecis) e outros que veremos com o decorrer da história, com um tom bastante humorístico. Anna pergunta se Vassily nunca pensara em casar o filho pródigo, Anatole, pois ela tinha em mente uma pequena jovem, rica e nobre da família Bolkonsky, cujo pai apesar de riquíssimo era usurário. Isso seria o ideal já que seu amigo gastava uma fortuna com os péssimos hábitos dos jovens herdeiros. Se sua amiga conseguisse esse casamento, o príncipe “será para todo o sempre seu mais fiel escravo”! O salão pouco a pouco começa a se encher com a mais alta distinção de Petersburgo. Pessoas das mais diferentes personalidades e idades. Sua velha tia é apresentada a todos, mas permanece sempre só numa poltrona. Chega a belíssima princesa Lise Bolkonsky, que estando grávida está mais linda ainda, com seu bordado para fazer, já que pensava trata-se de um encontro informal. Mesmo as pessoas feias e deprimidas, quando a viam, melhoravam pensando que sua simples presença as deixava como ela! Era como se “qualquer coisa que ela fizesse fosse um festival para si e para quem a rodeava”. Lise afirma, com tom de queixa, que seu marido Andrey a está desertando, ele está indo se matar na guerra. Logo mais chega um jovem de constituição grande e vigorosa, usando óculos. O admirável rapaz era o filho ilegítimo de um famoso dandi dos dias de Catharina, conde Bezuhov, que se encontrava às portas da morte em Moscou. Pierre ainda não tinha uma profissão, acabara de chegar da Europa, onde fora terminar seus estudos e esta era sua primeira aparição na sociedade. Anna Pavlovna respondeu ao seu cumprimento com um simples aceno de cabeça, reservado para as pessoas da mais simples hierarquia. Apesar de ser muito educado,
parecia procurar alguma coisa com os olhos. Sabia que todos os melhores cérebros estavam nesta casa e, continuamente, esperava por algo excepcionalmente inteligente! Ficava sempre próximo de algum grupo interessante, ouvindo com atenção. A festa corria solta e três grupos mais importantes se formaram: no mais masculino, o Abbé Morio era o centro, no grupo dos jovens, a princesa Ellen, filha de Vassily, e a linda Bolkonsky eram o chamariz e finalmente o terceiro grupo era composto pela anfitriã, o jovem visconde Mortemart e intelectuais. Visconde Mortemart considerava-se uma celebridade e Anna olhava-o como o principal entretenimento que estava dando aos seus convidados. (Durante a narrativa da história, Tolstoy é impagável nas comparações que faz entre pessoas e restaurantes ou hotéis, ou pessoas e alguma comida especial.) A graciosa princesa Ellen apesar de lindíssima era tolinha, e quando a conversa tornava-se mais intensa e interessante, a pobre olhava a expressão de Anna e assumia a mesma postura, voltando mais tarde ao seu sorriso imutável. A perfeição da princesa Ellen era tal que, quando ela se sentou ao lado do visconde, ele tonto com sua beleza, baixou o olhar. Le charmant Hippolite[2] , chamava atenção de todos, pois apesar de ser idêntico à sua belíssima irmã, era terrivelmente feio; “tinha o semblante coberto por uma nuvem de imbecilidade e agressividade”. A soirée percorria com amenidades quando Pierre junta-se ao Abbé e, entusiasticamente, discutem política, para desespero de Annette. Pierre também se aproxima do príncipe Andrey Bolkonsky felizes por se reencontrarem. Ao lado da velha tia isolada, está a viúva princesa Drubetskoy, que se dirige resolutamente ao príncipe Vassily, a fim de implorar-lhe que consiga junto ao imperador um posto nas Guardas para seu jovem filho Boris, pois o nobre devia favores ao seu pai. A empobrecida princesa Drubetskoy fora à casa de Anna, com o único propósito de ajudar seu filho. Depois disso, ela se retirou. Príncipe Vassily pega na mão de Pierre e, dirigindo-se a anfitriã, solicita que ensine boas maneiras “aquele urso”, pois ficaria hospedado em sua casa por um mês e “nada era tão necessário a um jovem com a companhia de uma mulher inteligente!” diz. Nesse momento, Anna Pavlovana, que não suportava Napoleão quer saber do visconde Mortemart como ocorrera a farsa de sua coroação em Milão, com todos os bajuladores ao seu lado. “Todo mundo perdeu a cabeça”, diz ela. Todo o universo soberano havia mandado seus embaixadores para congratular o usurpador. “Os soberanos. Não estou falando da Rússia... Os soberanos!... Madame”! Relata o jovem visconde “O que eles fizeram para Luís XVI, para a rainha, Madame Elizabeth? NADA!” Ele resume que se Napoleão ficar mais um ano no trono da França, com o mesmo estilo e linha de pensamento, “as coisas terão ido muito longe”. “Com intrigas e violência a boa sociedade terá sido destruída para sempre, e então...” termina Mortemart sem fechar a frase. A anfitriã, porém, está sempre vigiando Pierre, que muito interessado em política, não tem chance de debater com os grandes nomes presentes. Entretanto ele consegue interpor-se e afirma que quase toda nobreza cedeu a Bonaparte. Parafraseando o imperador fala: “Eu lhes mostrei o caminho da glória, eles não o aceitaram”, continuou... “Eu lhes abri minha ante-sala e eles a abarrotaram”. Agora surge um sério embate entre os presentes sobre o assassinato de um nobre. Pierre contra ataca e afirma “que a execução do príncipe d’Enghien[3] fora uma necessidade política, e ele considerava uma prova de grandeza de alma o fato de Napoleão não ter hesitado em tomar toda a responsabilidade do ato nos seus ombros!” “Meu Deus”, sussurra Anna, terrificada. Olhando sua audiência sob seus óculos, Pierre continua solenemente “Porque os Bourbons fugiram da Revolução, deixando o povo entregue à anarquia; e Napoleão sozinho foi capaz de entender a Revolução e para o bem do povo ele não poderia parar de repente com a execução de tal homem”. Anna perturbada tenta resgatar Pierre para uma nova mesa, mas ele insiste “Napoleão ficou acima da Revolução subjugando as tendências diabólicas e preservando tudo o que era bom – a igualdade de todos os cidadãos, a liberdade de expressão do povo e da imprensa... Só por esses fatos ele se apoderou de supremo poder.”. Mortmart, reafirmando sua posição, relata que Bonaparte não precisaria ter cometido assassinato! Pierre, afirma que o povo lhe dera o poder para se livrar dos Bourbons e por exato motivo o considerava um grande homem. “A Revolução foi um grande fato” diz e com esta afirmação desesperada o jovem “trai sua extrema juventude e o desejo de dar a maior expressão a tudo que pensava”... “Alguém mais da festa também aclama Bonaparte.” Todos os convivas passam a atacar Pierre, mas o tolo Ippolit desconsidera Napoleão, chamando-o de plebeu. Pierre encabula-se, mas com um grande sorriso na face, parece implorar por indulgência que lhe é oferecida. O visconde percebe que este Jacobino[4] é, sem dúvida, tão formidável quanto suas palavras! Príncipe Ippolit conta uma piada em russo para desanuviar a tensão criada e todos voltam a falar de assuntos mundanos. A soirée termina e Pierre tão alto quanto desajeitado despede-se de Anna Pavlovna, que perdoando sua falta de sociabilidade, espera vê-lo novamente. No dia seguinte Andrey e Pierre encontram-se na casa do primeiro e comentam os acontecimentos da noite anterior e o susto que a senhorita Anna Pavlovna Scherer levara com suas interpretações políticas. Pierre diz ao amigo estar indeciso quanto a escolher o serviço diplomático ou a cavalaria. Não gostava de nenhum. Príncipe Andrey, sendo um homem prático e pragmático aconselha Pierre a se decidir por alguma coisa, pois isso é esperado por seu pai, o qual concordaria com qualquer coisa. Pierre já estava a três meses procurando o que fazer, sem sucesso. Andrey admite que irá para a guerra por não suportar a vida fútil da sociedade russa. Ele desaprova as atitudes frívolas da jovem mulher, Liza, tratando-a com total indiferença. Príncipe Andrey se arrepende amargamente de ter se casado, apesar de sua admiração pela esposa. Segundo ele “o casamento fecha todas as portas e oportunidades para um homem e só lhe restará a sala de visitas, onde você conviverá até mesmo com um idiota! Bonaparte conseguira seus objetivos porque era um homem livre!” “Case-se e será arrastado e torturado pelas festas e futilidades da sociedade”! Pierre discorda veementemente de sua opinião, contudo olha o amigo como um modelo de perfeição, pois ele possuía no mais alto grau, todas as qualidades que eram deficientes nele mesmo - sua memória, destreza, conhecimento e facilidade de argumentação eram características fundamentais. Pierre, então, se pergunta o que ele é? Um bastardo, sem nome e sem fortuna. O único conselho que seu companheiro lhe dá é sair da casa dos Kuragins, pois aquele não era lugar para um jovem, nem a companhia do príncipe Anatole, que queriam casar com sua querida irmã. Pierre promete mudar de vida. “Mas como sempre acontece com pessoas de caráter fraco, como se fala, ele se sente subjugado com tal desejo apaixonado de aproveitar, uma vez mais, esse tipo de dissipação que tinha sido tão familiar a ele, que se determinou a ir.” Pierre realmente voltou aos Kuragins. Lá rolava solto o baralho, apostas e jantares. Ao chegar tudo havia terminado e estava silencioso. No terceiro cômodo, ouve gritos de vozes familiares e entra. Aí, três jovens assustam os demais que estavam lá, com um filhote de urso preso a uma corrente. Todos estavam bêbados e Pierre se junta a eles, bebendo copo após copo. Kuragin e Dolohov eram conhecidos no rápido e dissipado mundo de Petersburgo. “Dolohov, mesmo embriagado, jamais perdia sua clareza de raciocínio”. Pulando para a janela, e se sentando do lado de fora dela, aposta que tomará uma garrafa cheia de rum sem tirá-la dos lábios, naquele local. Alguém mais sensato fala da idiotice do ato. Em vão. Tentando manter o equilíbrio, que lhe falta por uma vez, acaba com a bebida e feliz declara: “Vazia”. O inglês com quem havia apostado, tira sua carteira e paga a aposta. Pierre, embevecido, é tolo o suficiente para valsar pela sala abraçado ao urso! Nesse ínterim, príncipe Vassily mantém sua promessa e consegue o lugar na Guarda para Boris. Na casa dos Rostovs, havia uma festa para a qual todos eram convidados: ricos, pobres ou nobres, pois era costume na Rússia antiga, festejar-se o Dia do Santo, que tivesse o nome do morador. O tempo todo, incessantemente, carruagens iam e vinham da casa da condessa Rostov em Povarsky. Ela e sua filha mais jovem chamavam-se Natalya. Essa linda mulher, Natalya Rostov, de quarenta e cinco anos e com um rosto fino de oriental, tivera doze filhos e mantinha um ar de dignidade. Seu marido, conde Ilya Andreivitch Rostov adorava a vida social e festas, sentindo-se à vontade em tais circunstâncias. O conde convidava, pessoalmente, todos que passavam para entrar, comer, beber ou jantar. (No relato desses momentos, o escritor faz uma descrição nada elogiosa sobre o comportamento das mulheres presentes. São fofoqueiras, tagarelas e só pensam em falar sobre Pierre e seu pai, conde Bezuhov, que está morrendo). Comentam da má escolha do jovem quanto às companhias, pois ele fora levado para Moscou, após o incidente do urso, que finalmente fora atado às costas de um oficial, o qual caiu em um canal de Petersburgo, o Moika. Essa é a notícia mais jocosa do momento. Tentaram apresentar Pierre para a Condessa Marya Kuragin, mas ela recusou-se, pois tinha filhas! Os herdeiros do rico conde enfermo, que teve diversos filhos ilegítimos, serão Pierre ou príncipe Vassily, através de sua mulher. Ele chegara à véspera à Moscou para ficar com o velho conde. Natasha e outras crianças entram de repente na sala onde os adultos conversavam, mas são graciosos e muito bem recebidos. Natasha tem uma irmã, Vera, quatro anos mais velha que se porta como uma adulta, fazendo parte da nova geração de nobres. Entre eles chegam num rompante à sala Nikolay, filho da condessa, e Sonya, a sobrinha, que, contra a vontade, voltava os olhos para o primo por quem estava apaixonada. Entrementes, Boris, filho da viúva, recebera uma patente de oficial e o jovem Nikolay desistira da faculdade para juntar-se ao exército, que para ele era uma vocação. Conde Ilya adverte que Bonaparte influenciou todos os jovens, pois sonham ser como ele, que fora de tenente a imperador. A sorridente Julie começa a conversar com o filho da condessa, “causando uma forte facada de ciúmes no coração de Sonya!” A jovem Natasha, além de linda, “possui tal voz”, que quer tornar-se cantora, tendo aulas de canto com um professor italiano. Natasha também está apaixonada apesar de ter apenas doze anos. Seu eleito é Boris. Sendo resoluta e destemida quer que o jovem a beije, quando ele hesita , ela se joga em seus braços e o beija levemente nos lábios. Apesar deles se amarem, Boris quer pedir sua mão em casamento, somente em quatro anos, quando voltar. Assim selam um pacto. Ela terá dezesseis anos, contados nos seus dedos de menina! A condessa Rostov estava cansada e não queria ver mais ninguém. Ela esperava por um diálogo tête-a-tête [5]com sua amiga de infância, princesa Anna Mihalovna, que com seu rosto envelhecido e amável puxa a cadeira para perto dela. A condessa confessa que sua vida não é nenhum mar de rosas, mas quer saber dos problemas de sua companheira de escola. Ela a admira muito por ter coragem de resolver sozinha todos os seus problemas, cavalgando com homens importantes de Petersburgo à Moscou. “Como consegue isso?” “Deus a proteja de não saber como é ser deixada como uma viúva”, responde. Ela se encontra pobre e precisa de dinheiro para comprar o enxoval de seu filho Boris, que entrou para a Guarda. Espera que o moribundo príncipe Kirill Bezuhov, padrinho de seu filho, deixe algum dinheiro para o afilhado. Anna Mihalovna podia estar sem recursos materiais, “mas recursos morais não lhe faltavam para convencer, com delicadeza e astúcia, as pessoas que lhe interessavam.” Seus trajes muito usados não faziam dela uma mulher sem dignidade. Após algum tempo, mãe e filho, finalmente, conseguem entrar na mansão do conde Kirill Bezuhov quando encontram com o príncipe Vassily, trajado com uma jaqueta caseira de veludo. Desconcertada, diz que viera trazer Boris para agradecer-lhe o favor prestado. O médico sai do quarto do doente e ela pergunta como estava “nosso paciente”. Vassily não gosta desta intimidade, contudo deseja boa sorte a Boris que está muito constrangido por depender de terceiros, porém suas maneiras são impecáveis. O rapaz vive na casa de Ilya Rostov, um jogador inveterado. A princesa insiste em ver o tio Kirill e Vassily a vê como mais uma rival na herança do conde. Seria muito difícil livrar-se dela neste momento! Anna consegue com muita perseverança ver seu tio. Quando Pierre chega à casa do pai, o conde moribundo, é recebido “como um homem que se levantou dos mortos ou contaminado por uma praga”. A confusão que ele se meteu com o urso não fora esquecida. Suas primas acusam-no de atormentar o pai. Ele está sempre ocupado causando desconforto a ele, enquanto elas estão sempre ocupadas cuidando dele! Vassily aconselha Pierre a não causar mais problemas. Mais tarde, os jovens nobres se encontram e Pierre, feito um maníaco e gesticulando muito, não reconhece Boris, mas é cortes com o rapaz. Boris fica interessado com as notícias que ouve, nunca ouvira falar da ameaça de Napoleão sobre a Inglaterra e lamenta que em Moscou as pessoas só discutam sobre escândalos e jantares, jamais se preocupando com política. Os presentes só pensavam em tirar o dinheiro do conde e isso horroriza os dois jovens. Boris, para que não paire nenhuma dúvida quanto à sua conduta, diz que o pobre homem poderia muito bem viver mais do que qualquer pessoa que estivesse ali! Mostrando simpatia pelo rapaz, Pierre espanta-se ao saber que só agora ele iria ter com seu pai no leito de morte e, finalmente aceitou o convite para jantar na mansão dos Rostovs. Princesa Anna chega e desolada afirma que o destino de Pierre e o deles depende do que o barão determinou em seu testamento. Em sua casa, a princesa Rostov está muito preocupada com os problemas degradantes de sua amiga de infância. Conversando com seu marido (Rostov sempre se sente culpado por algum deslize) pede, não, ordena que lhe dê 500 rublos. Meio hesitante acaba oferecendo 700 rublos em notas novinhas. “Ah, dinheiro, conde quanto sofrimento ele causa no mundo!” diz a condessa. “Esse dinheiro, tenho grande necessidade dele”. Quando a princesa Anna chega com seu filho, a bondosa senhora o oferece como um presente dela ao Boris, para a compra do equipamento. Abraçadas choram pela amizade tão longa e pela perda da juventude, contudo eram doces lágrimas! Condessa Rostov, com suas filhas e um grande número de convidados, está sentada na sala de visitas. Dentre eles o oficial Berg com quem Boris partirá para a guerra e um velho solteirão, muito refinado, Senhor Shinshin. Pierre chega, sentando-se na primeira poltrona que vê. A princesa e a condessa tentam falar com ele, mas está monossilábico. Finalmente entra a grandiosa Marya Dmitryevna e todos os presentes se levantam diante de sua figura. “Marya sempre fala em russo”. Essa mulher dirige-se primeiro a Natasha, a quem dá seus brincos e em seguida a Pierre. Reprova, gentilmente, sua conduta por estar se divertindo com urso, enquanto seu velho pai está em um leito de morte. O conde chega e tomando Marya pelo braço, encaminham-se para os devidos lugares, na sala de jantar, seguidos por um séquito, em ordem de importância social. Na ala jovem, Berg conversa com Vera, encantado, e Pierre com Boris. Pierre comia e bebia muito e quanto mais bebia mais olhava para todos os convidados. A pequena Natasha encanta-se com o rapaz e trocam sorrisos sem saber o motivo. O glorioso jantar prossegue com conversas, olhadelas, ciúmes, risos e mortificações. Enfim um sucesso! Na ala masculina o assunto é, claro, guerra e Shinshin, um civil, está indignado com a entrada da Rússia no conflito “Que espírito demoníaco precisa nos fazer ir à guerra com Bonaparte?”diz. “A razão do por que, meu bom senhor é exatamente que o imperador conhece o problema”. “Ele não pode negar aliança a Bonaparte, pela segurança do império. As alianças são fundamentais. “Devemos lutar até a “última gota”, diz o coronel, e morrer pelo nosso imperador, é tudo”. Pronunciando isso olha para Nikolay, que é todo ouvidos. Marya Dmitryevna, com sua voz de contrabaixo, quer saber a razão do barulho e, orgulhosamente, declara que seus quatro filhos estão na guerra! “Está tudo nas mãos de Deus”... “Na batalha Deus protegerá”! Porém a pequena Natasha enfrenta a poderosa Marya. Sua insolência é motivo de riso. Acabando o jantar, todos voltam para a sala de visitas e o clima é muito positivo.(Tolstoy nos brinda com uma descrição muito precisa e deliciosa, nos colocando entre seus convivas! Ele argumenta muito bem sobre o sentimento dos adolescentes: seus medos, seus amores e incertezas, decorrentes da ida dos mais jovens aos campos de guerra). A orquestra começa a tocar e a atrevida Natasha corre para Pierre, pedindo-lhe para dançar com ela. Encantado com a garota coloca sua gorda mão bem a baixo, para alcançá-la e começam a bailar. Com todos radiantes, conde Rostov e Marya Dmitryevna dançam, formando um grotesco par, já que ela é bem mais alta e forte que seu amigo! Enquanto o baile corre solto, na residência do conde Bezuhov, o cenário é de preocupação, pois os médicos já o consideram quase morto. Muitas personalidades estão presentes, até o governador de Moscou. Mesmo descrevendo o estado patético dos presentes na cena da morte próxima, Leon escreve com humor. Príncipe Vassily vê, pelos gestos da princesa mais velha, sua fadiga e esperança para que um breve desenrolar dos eventos chegue logo. Vassily diz a Katerina Semyonovna que as três princesas Mamontov e sua mulher são as únicas herdeiras diretas do conde. Todavia o conde passou por cima de todos e deixou toda a fortuna para Pierre, em um documento! Ele enviou uma carta ao imperador solicitando a legitimação do bastardo e Katerina deveria procurar e descobrir tais papéis, pois Pierre poderá se tornar o próximo conde Bezuhov! A princesa parece não entender a gravidade da situação. Vassily impacientando-se tenta convencê-la de que se os documentos chegarem ao destino elas ficarão deserdadas! Katerina, ferida em seu orgulho, não quer nada, parecendo ter perdido a fé no mundo. Dizendo que ainda há tempo, apressa a jovem a tomar uma resolução rápida. Ela relata que isso é um plano de Anna Mihalovna, que estivera lá no último inverno, dizendo horrores ao conde, que em um momento de ira redigiu o tal testamento, mas que a viúva pagará caro por isso. Nesse ínterim Pierre e o desafeto de Katerina dirigem-se à mansão de Bezuhov. Ao chegarem são conduzidos pela porta de trás. Subindo pela escadaria, quase são atropelados pelos empregados com baldes nas mãos, que não se surpreendem com a presença deles. Já no topo da escadaria, o jovem diz à sua companheira que talvez fosse melhor não incomodar o pobre senhor e ir direto para seu quarto. Contudo Anna (astutamente me parece) insiste para que ele veja o pai moribundo, pois agora ele se tornara como um filho para ela! Obedientemente segue a princesa. Enquanto passavam, olharam inconscientemente para o quarto, onde princesa Katerina e príncipe Vassily estavam sentados próximos e conversando. Ao deparar-se com o par, ele fez um gesto de impaciência e a princesa pulou da cadeira batendo a porta, com toda a força, ao vê-los. Anna Mihalovna, decidida, procura o quarto do conde e, com a ante-sala cheia de pessoas, entra silenciosamente nos aposentos do enfermo, informando ao médico que Pierre é seu filho e que deseja que não seja tarde demais! Falando com misericórdia e deferência ao jovem pede para que ele espere por ela e desaparece. Todos mostram um grande respeito a Pierre, que não entendendo NADA, resolve esperar pelas ordens de sua mentora. Nesse momento chega príncipe Vassily que o cumprimenta com uma consideração que o jovem nunca vira antes. Atrás dele está Katerina. A viúva Anna sai do quarto do conde e então, todos em procissão entram no aposento. O conde receberá a extrema-unção. Pierre olha para o quarto que tão bem conhecia. Estava todo iluminado por velas e seu pai achava-se sentado em uma cadeira de rodas. Tudo era muito formal e grandioso. Lá estavam padres, as princesas, ajudantes, Vassily e à porta Anna, que, rapidamente coloca uma vela nas mãos do alarmado Pierre, que mal compreende a razão de toda aquela encenação. Começa o serviço religioso. Durante a cerimônia, Vassily sai de seu posto ao lado do conde e vai direto falar com Katerina. Juntos deixam o aposento, voltando logo depois. Pierre resolve não prestar mais atenção ao que ocorre ao seu redor. Junto de Anna, ele se aproxima do conde, que nesse momento se encontra deitado na sua suntuosa cama, com a cabeça sobre os travesseiros. Sem saber como agir, olha novamente para a viúva e beija as belas mãos de grandes ossos e musculosa de seu velho pai. Senta-se então, em uma poltrona, imóvel, parecendo uma estátua egípcia! Olhando para o filho, mantém um fraco e sofrido sorriso que parecia caçoar de sua própria desesperança. De repente, O jovem sente um nó na garganta e lágrimas brilham em seus olhos. Enquanto isso, Katish e Vassily planejam algo, mas são interrompidos por Anna e Pierre. Todos os parentes e amigos estavam no mesmo cômodo tomando chá, em torno de uma mesa circular, para se fortificarem. Esse era um local que Pierre lembrava bem, com seus espelhos suntuosos e pequenas mesas. Só, procura por Anna, mas encontra-se com Vassily e a princesa mais velha, ambos falando em tons excitados. Anna aparece e tenta dissuadir a princesa de levar um portfólio para o conde, não sendo esse um momento apropriado, visto que já havia sido preparado para sua última jornada. Enquanto essas terríveis discuções ocorrem, o barão finalmente falece e Katerina, furiosa com a presença de Pierre, sai. Vassily encontrando o jovem, com a voz embargada fala: “Que pecados, que grandes fraudes nós cometemos, e tudo para que?... Tudo termina em morte, tudo. A morte é horrível”. Anna acredita que seu protegido será o senhor da fortuna de seu pai e pede-lhe que cumpra a promessa feita pelo barão e ajude seu filho Boris. Depois disso ela volta à casa dos Rostovs e vai dormir. Em Black Hills, domínio do príncipe Nikolay Andreivitch Bolkonsky, pai de Andrey, a chegada dele e sua mulher eram muito aguardadas. Nikolay era um homem muito inteligente, severo e pragmático, estando sempre muito ocupado com assuntos relevantes e transmitindo seus enormes conhecimentos à sua filha, princesa Marya. Ele mesmo tomou para si a tarefa de instruí-la, dando-lhe aulas de geometria e matemática até seus vinte anos, mapeando a sua vida em uma ocupação sem interrupções!! Seu pai julgava a regularidade o ponto mais importante a ser considerado. Apesar de exigente, o fazia com delicadeza, inspirando admiração de todos. O leitor certifica-se, através das exposições de Tolstoy, porque seu filho também era avesso às futilidades. Mesmo sua irmã, princesa Marya, era tratada com severidade pelo zeloso pai. Quando essa jovem não corresponde aos seus duros ensinamentos de matemática e álgebra, que ela detesta, ele diz: “Matemática é uma grande matéria, madame.... Paciência, e você passará a gostar disso”. Ele a tocava no rosto. “Ela retirará toda a besteira de sua cabeça”. Marya recebe uma carta de sua melhor amiga, Julie Karagin, que estivera na festa dos Rostovs. Dizendo que a ama, relata que a guerra já começou e que o querido imperador “deseja expor sua preciosa existência aos riscos da guerra”. Todos seus irmãos já partiram, “inclusive seu amigo mais querido, o jovem Nikolai Rostov, que apesar de sua juventude é muito superior aos velhos de vinte anos”. Ela sabe que ele é muito jovem para ser mais do que um amigo, mas sua doce amizade e pura intimidade já preencheram as necessidades de seu coração! Julie relata a morte do conde Bezuhov, informando que Pierre é o dono de toda sua imensa fortuna e que as três princesas ficaram sem nada. Assim sendo, todas as mães e moças casadoiras querem conhecê-lo e o reverenciam. Uma grande notícia é que o príncipe Anatole foi escolhido para ser marido de Marya. Era preciso alertá-la, mandando-lhe um livro místico de presente, onde ela encontrará paz e elevação da alma! (Esta carta é maravilhosamente bem escrita, resumindo páginas e páginas desta novela!) Marya responde, imediatamente, dizendo que “quanto ao amor só acredita no Amor Cristão”. “Não posso concordar com você sobre Pierre, que conheci quando criança. Ele sempre me pareceu ter um excelente coração e essa é a qualidade que mais estimo nas pessoas”. Ela lamenta por Vassily, mas tem mais pena ainda de Pierre, que tão jovem já está queimado por essa riqueza. Marya é extremamente religiosa e só quer saber dos ensinamentos de Deus, e quanto ao casamento, se for por Sua Vontade, ela o fará com grande prazer. Reclama que seu pai só fala de marchas e contra- marchas e que a humanidade esqueceu os ensinamentos de seu divino Salvador, despedindo-se, assim, da amiga. Sua dama de companhia diz que o príncipe teve uma altercação com Mihail Ivanov, seu arquiteto, e que está de péssimo humor. Andrey chega com sua esposa, mas o fiel valet[6] Tihon, com sua peruca, quase cochichando, avisa que o príncipe Nikolay está tirando sua soneca diária e não pode ser incomodado em sua rotina. O casal apressa-se para ver Marya. Mademoiselle Bourienne, cheia de prazeres, vai avisar a princesa da chegada do irmão. As cunhadas se abraçam e beijam repetidas vezes e até choram, mas haviam se encontrado apenas uma vez! Andrey não compreende tais sentimentalismos femininos. Os irmãos estão felizes por se encontrarem e Andrey afirma que realmente irá para a guerra e será amanhã. Seu pai acorda e manda avisar que o encontrará em seu apartamento, antes do jantar. Ele é recebido pelo príncipe, vestido de peignoir[7]. Era seu costume usar um kaftan, como os velhos nobres russos. Pai e filho conversam com mútua admiração e Andrey se desculpa por trazer mulher e filho para nascer na casa de seu pai. O príncipe quer saber sobre as estratégias de guerra e Andrey fala, entusiasmadamente, sobre elas. Quinhentos mil soldados aliados atacariam a França de todos os lados e ao mesmo tempo. Seu pai acha que Napoleão terá um plano tão formidável quanto o deles! Durante o jantar todos estão presentes, inclusive o insignificante arquiteto, com quem Andrey conversa animado. Andrey, depois do jantar, vê a árvore genealógica da família pendurada na parede e ri. Ri porque seu pai com tanto intelecto, mostra condescendência com tal trivialidade! O jantar seguiu um rito antigo e solene, que encanta a princesinha Liza. O assunto à mesa é sempre batalha e que os homens públicos atuais não conheciam o ABC das táticas de combate. Napoleão era um insignificante francês, que tivera a sorte de não ter nenhum Potyonkin[8] e Surorov contra ele. Andrey recebia esses comentários com prazer e respeito pelo pai. Ele continua afirmando que Bonaparte é mais esperto e o jovem não entende a opinião do velho Nilolay. Andrey admira-se que ele sendo um homem só e isolado do mundo, ainda conhecesse tanto de táticas e de política atual, sem nunca mais ter saído de sua casa. O jovem príncipe está partindo e suas coisas são arrumadas e limpas. Leva pouca coisa mais um sabre e duas pistolas turcas, dadas pelo pai, quando viera da campanha Otchakov. Sua face, agora, está sonhadora e gentil, todavia sua irmã chega dizendo que gosta muito da princesinha, que é ainda uma criança! Ele é um homem de sorte. Imagine-se na posição dela, criada na alta sociedade e agora, no campo, sozinha! Elogiando seu pai é interrompida pelo irmão. Ele acha que ela sofre com o rigor e severidade paterna, mas Marya apenas lamenta a sua falta de religião. Implora para que ele, como seu avô e bisavô, use a santa imagem de prata para protegê-lo na guerra. Vendo seu semblante concede em usá-la. Ela beija a imagem e abençôa-se com o sinal da cruz, pedindo que ele faça o mesmo. Pede também que não julgue severamente Liza. Andrey confessa que nem ele nem Liza são felizes, mas não sabe a razão. Na hora da despedida todos se perfilam para despedir-se de Andrey. Ele segue para o estúdio do príncipe. Entendendo-se muito bem, seu velho pai afirma que o casamento é um mau negócio para todos! Andrey pede para que cuide de sua mulher e quando chegar a hora do parto, chame um parteiro em Moscou e caso ele morra em batalha, cuide de seu filho, em sua casa! Abraçando seu filho, entrega-lhe um manuscrito, sobre a guerra de Suvorov, ao imperador, depois da morte de seu velho pai. Andrey dirige-se a Liza e a abraça ternamente, depois se despede de Marya e sai. Príncipe Nikolay abre a porta do estúdio e fala; “Foi. Bem, uma boa coisa também”! Olhando furioso para a princesa, quase desfalecida, bate a porta com toda força.
Parte 2

Em outubro de 1805 as tropas russas ocupam a cidade austríaca de Braunau, no rio Inn, e acampam a meia milha. Apesar da fadiga, os soldados arrumam todos os seus pertences, principalmente seus uniformes e botas de solas furadas, devido à grande caminhada. Mesmo sem dormir por muito tempo, conseguem ficar impecáveis para a alegria do general e do major Mihail Mitritch. Eles admiravam seu regimento que passaria pela inspeção de Kutuzov. Contudo este deseja que o exército fique exatamente como chegou, com seus casacos, carregando as bagagens e sem nenhuma preparação. Ele deseja mostrar ao general austríaco a péssima condição em que a tropa havia chegado, portanto quanto pior, melhor para o comandante-em-chefe. Após essa notificação o general desespera-se com o tempo perdido. A inspeção é feita e ele ordena que todos se troquem, novamente. Uma verdadeira convulsão acontece na segunda troca de roupas e o general se desentende com um soldado, Dolohov, que o enfrenta: era obrigado a receber ordens, não a se humilhar. “Vindo”, finalmente grita a sentinela. O general acomoda-se em seu cavalo, pega tremulamente sua espada e todos ficam absolutamente imóveis. Em um coche, com diversos cavalos, estão o general austríaco e sua comitiva, atravessando a rodovia com árvores plantadas dos dois lados. É uma chegada triunfal e Kutuzov com seus 2000 soldados os olham sem fôlego. Os generais, acompanhados do comandante-em-chefe, inspecionam a tropa, a melhor que já chegara da Rússia, com exceção das botas, é claro! Kutuzov ao mostrar o estado delas ao austríaco alega que não tem a menor culpa por isso. Ao seu lado vinha um belo jovem, príncipe Bolkonsky, e Nesvitzky. Passando pelos soldados e oficiais, o comandante-em-chefe reconhece alguns velhos companheiros e pergunta por Dolohov, que fora rebaixado. Este se apresenta, prometendo provar devoção a sua majestade, o Imperador, e à Rússia. O regimento se fragmenta em grupos e vão ao quartel, esperando encontrar novas botas, roupas e descansar após a longa marcha. O general está feliz com o resultado da inspeção e, antes que Kutuzov parta, descreve o comportamento de Dolohov, pois se não melhorar será mantida sua patente mais baixa. Contudo o jovem tem ótimas conexões pessoais que devem ser levadas em conta. Por fim, ao som do belo canto dos soldados russos, Kurtzov parte, emocionado com sua comitiva. Ele conversa com o general austríaco e diz que se dependesse dele o desejo da majestade, Imperador Francis, já estaria realizado. A Áustria é rica, mas o peso recai sobre os ombros russos. Dirigindo-se ao príncipe Andrey pede a carta do arquiduque Ferdinando, que é lida em alemão. Andrey compreendendo muito bem o que fora dito e não dito, mas subentendido, leva vários papéis para a recepção. Agora ele é outro homem, absorvido em seu trabalho, que considera agradável e interessante. Kutuzov escreve para o pai do príncipe e se considera afortunado por ter tal assistente trabalhando ao seu lado. Em Ulm, a Áustria é derrotada por Napoleão. A tropa russa logo veria seu oponente. Apesar do perigo iminente, Andrey sempre fiel às suas convicções, estava feliz em saber da humilhação dos confiantes austríacos e do prospecto de confronto entre Rússia e França, o primeiro desde os dias de Suvorov. Todavia sentia temor da genialidade de Napoleão Bonaparte! O príncipe se zanga com dois oficiais brincalhões, pois 40000 soldados já haviam sido massacrados e o exército aliado destruído. Não havia razão para risos e piadas. “Ninguém, a não serem garotos de escola, poderia achar graça em tais piadinhas”! Entrementes, Nikolay Rostov estava aquartelado em uma vila na Alemanha, Salzeneck. Os homens, sob a chefia do capitão Denisov estavam entediados com a falta de ação e a impossibilidade de qualquer tipo de diversão. No local, o dinheiro de Denisov some e Rostov o acha com um oficial que estivera bebendo em uma taberna. O jovem Rostov, indignado, menciona o fato a Denisov, na presença de outros soldados e oficiais. O regimento se revolta com esta delação, pois seria uma desonra ter um ladrão entre eles! Rostov, enfim, com grande dificuldade compreende a situação que criara e se sente culpado. Nesses tempos de guerra do século dezenove, os nobres eram tratados com deferência e o conde Rostov não poderia se retratar. Durante a confusão criada, entra Zherkov e avisa que Mack havia capitulado com todo o seu exército! Para excitação geral, todos são convocados para o front de guerra! Em 23 de outubro as tropas russas, destruindo a ponte do rio Inn e Traun, atravessam a cidade de Enns com suas casinhas brancas de telhado vermelho, suas catedrais e pontes. Agora a cidade estava abarrotada de soldados russos. O rio Danúbio podia ser visto com seus barcos e a ilha do castelo, cercada pelas águas dos rios Enns, desaguando no Danúbio. Bem ao longe estavam os inimigos e dois tiros de canhão atingem uma das pontes. Nesses momentos de perigo os nobres tomavam a dianteira nas batalhas, defendendo seu povo corajosamente. Mais uma bala atinge as águas do rio, perto do príncipe Nesvitsky. Denisov chega ao local dos disparos reclamando do congestionamento de soldados, pois sua tropa estava imóvel. A figura altiva de Nesvitsky e seu Cossaco, somados à determinação de Denisov faz com que consigam atingir o outro lado da ponte. Agora o príncipe deixa o comando nas mãos competentes do coronel. O resto da infantaria atravessa a ponte e uma planície, cerca de 600 jardas, separa os russos das tropas francesas Qualquer homem sente uma excitação nervosa e ao mesmo tempo um forte sentimento de batalha ao se deparar com o inimigo. O ataque francês é muito violento e os russos são obrigados a se retirar do campo para não perder todos os seus soldados. Todavia chega uma ordem para que eles voltem e queimem a ponte. Rostov pertencia ao regimento que deveria queimá-la. Os canhões franceses fazem sua parte e as túnicas azuis correm em direção à ponte, mas ao chegarem os hussars [9]já haviam sido bem sucedidos em queimá-la, todavia as balas inimigas já haviam matado três soldados. Apesar da terrível luta travada, a natureza, ignorando os fatos, continua maravilhosa, com o céu azul, as verdes montanhas e o belíssimo por do sol. Rostov, desolado com os acontecimentos, pensa na morte e se sente um covarde. Batem em retirada. Perseguidos pelo exército de 100.000 homens, comandados por Bonaparte, os russos são obrigados a se abrigarem em um baixio no Danúbio. O exército russo, composto por 35.000 homens é novamente atacado e abandonado pelos austríacos. Agora estavam sós! A ordem é de retirada para evitar a perda da armada. Depois de quinze dias conseguem a primeira vitória. Príncipe Andrey leva um despacho para Brünn. Napoleão retirara-se com seu exército. No caminho, encontrando-se com um comboio de soldados feridos, Andrey dá a um dos soldados três moedas de ouro e segue viagem. Chegando a Brünn, encontra a cidade intacta, cheia de vida e iluminada, para sua alegria. Ao entrar no palácio do imperador Francis, ele se dá conta de como era fácil conquistar vitórias sem sentir o cheiro fétido da pólvora. Essa realidade faz com que ele desdenhe o ministro da guerra. Sem olhar para o príncipe russo o ministro, ostensivamente, não levanta os olhos para ele. “Do General – Field Marshal Kutuzov?” pergunta. Eram boas notícias, mas um de seus generais havia morrido. Andrey verá o imperador em outro momento. Andrey encontra-se com um grande amigo, inteligente diplomata que não partilha com ele da vitória. Considerou-a de pequena importância, deixando o príncipe desapontado. Esse homem é Bilibin, que gostava de conversar tanto quanto gostava de trabalhar. Sua comunicação era original com frases polidas de interesse geral. Diz que a corte de Viena não tem nada a ver com as vitórias russas, mas “Hurrah pelo Tzar, pela Rússia e pela fé”. É uma pequena vitória sobre Napoleão. Porém Viena e Schönbrunn estão ocupados pelos franceses. Essa conquista é muito pequena comparada aos estragos já feitos. No dia seguinte Andrey seria apresentado ao imperador Francis. No círculo de Bilibin não se fala de guerra, mas de coisas mundanas e entre eles encontra-se o príncipe Ippolit. Esses jovens querem mostrar a vida noturna a Andrey, que declina o convite, pois tem um encontro com o Imperador. Francis o recebe, no meio do salão, e para surpresa de Bolkonsky, ele estava embaraçado. Trocando pouquíssimas palavras, Francis encerra a sessão e Andrey é bajulado pelos oficiais austríacos e até mesmo pela Imperatriz. Finalmente a vitória parecia ter sido reconhecida e ele é condecorado! Contudo Bonaparte já atravessara a ponte que seria explodida e está perto de Brünn. Todos estão fugindo. Andrey pensa, desesperadamente, como poderia salvar a armada russa. Bilibin tenta dissuadir o príncipe de buscar seu exército. Bilibin é uma pessoa muito inteligente, um filósofo, mas Andrey se sente ofendido em seu heroísmo característico. Quando Andrey, enfim, encontra a armada russa, perto de Esselsdorf, os soldados com todas suas bagagens se movimentam com grande pressa e a maior desordem. Napoleão prossegue. Entre os russos há cavalos, carroças, armas, animais feridos e carcaças. Temos soldados afundados na lama até os joelhos e mais toda a sorte de infortúnios e sofrimento. Príncipe Andrey olha para tudo isso com certo desdém, lembrando-se de seu ídolo francês, mas segue em frente. “Voila le cher holy armament”[10]pensa Bolkonsky, lembrando-se das palavras de Bilibin. Encontrando Nesvitsky ele testemunha o horror em que se encontra o exército russo e passam a noite em Znaim. Reunindo-se com outros importantes oficias decidem que a capitulação está fora de cogitação, estão se preparando para outro ataque. O comandante em chefe, Kutuzov, está ocupadíssimo, quando recebe de Andrey a carta de Viena. Este se junta ao seu grupo e Kutuzov, agora, quer saber de detalhes da entrevista que o jovem tivera com o imperador austríaco. Kutuzov, em Krems, é notificado que Napoleão Bonaparte e seu exército de 150.000 soldados o cortariam de todas as comunicações. Com apenas três alternativas difíceis, decide arriscar a encontrar a armada francesa pelo caminho e rumar para Olmütze, onde se uniria com as forças russas. Contudo com isso poderia perder todo exército, como ocorrera com os austríacos em Ulm. Kutuzov envia Bagration com 40.000 homens para as montanhas, fazendo marcha forçada. Marcharam 45 verts com chuva e lama. Contudo, exaustos, alcançaram Hollanbrum, poucas horas antes dos franceses. Estes propõem uma trégua de três dias. Bragation envia um emissário para Kutuzov analisar a situação. Kutuzov aceita a trégua para ganhar tempo. Napoleão ao saber da notícia irrita-se com o príncipe Murat e ordena-lhe que marchem em direção ao inimigo! Nesse ínterim, os famintos russos alimentam-se e se secam, sem saber que o próprio Bonaparte estava a caminho. Príncipe Andrey se junta a Bragation. Os russos pressentiram a batalha, mas não sabiam que estava tão perto! Andrey acompanhado de um oficial resolvem fazer uma ronda para verificar as posições dos exércitos. Encontram vários oficiais e soldados fora de suas posições e ordenam-lhes que voltem aos seus postos. Do alto da montanha Andrey pode avistar o acampamento francês. À medida que cavalgava em direção a eles, avistava soldados russos muito mais organizados e compenetrados em suas funções. Os soldados de ambos os lados estavam tão próximos uns dos outros que franceses e russos começaram a conversar! Andrey vê Dolohov numa disputa com um granadeiro francês sobre quem fora derrotado: franceses ou russos? Terminando as piadas, voltam a se confrontar. Os soldados estavam relativamente relaxados conversando, quando uma bala de canhão explode ao lado deles. Andrey observando tudo cavalga rapidamente para notificar Bagration que a batalha já começara. Murat, ansioso por corrigir seu erro, imediatamente move sua forças para a linha de combate. Esperam a chegada de Napoleão para destruir o insignificante exército inimigo. A guerra tinha começado! Os soldados franceses atacam, obrigando os russos a se esconderem em uma ravina, mas estes precisam voltar a atacar. Os franceses sobem a colina, com tiros de canhão, mas Bagration comanda seus homens sempre para a esquerda e finalmente caem em cima dos franceses. Agora quem bate em retirada são os russos e neste regimento estão Kutuzov e Dolohov. (Os sentimentos dos soldados, seus medos, heroísmos e as batalhas em si são descritos por Tolstoy nos mínimos detalhes e nuances). Novamente os russos conseguem fazer com que os franceses recuem: outra pequena vitória. Dolohov consegue fazer prisioneiro um oficial francês. A bateria de Tushin consegue atear fogo em Schöngraben. Duas vezes os franceses se aproximaram, mas foram baleados. Durante a campanha de guerra Andrey se vê apavorado, contudo insiste em continuar e permanecer no campo de batalha em meio a canhões e soldados mortos. Apesar da ordem de deixar os feridos e mortos para trás, alguns soldados se arrastam atrás das carroças e canhões. Dentre eles está o jovem Rostov. Os franceses são repelidos pela última vez. Os russos são bem sucedidos sob o comando do heróico Tushin e uma ordem de parada é dada. Os soldados se aglomeram na estrada enlameada e acendem um fogo, ao qual o exaurido Rostov se junta. O jovem solitário e semi consciente permanece junto ao fogo para se aquecer. Ninguém se importava com ele! Os franceses não retornam e os remanescentes dos soldados russos juntam-se a armada de Kutuzov.

Parte 3

Vassily era um homem do mundo e muito bem sucedido. Vários planos formam-se continuamente em sua mente, mas não de maneira deliberada. Essa é sua maneira de ser; as idéias surgem espontaneamente. O instinto o guiava. O jovem Pierre agora rico, em Moscou, precisa de um gentleman de bedchamber[11], o que seria conselheiro de estado. Príncipe Vassily garantiu, com astúcia, esse cargo a ele. Ele sabia o momento de fazer uso das pessoas influentes! Pierre torna-se de repente Conde de Bezuhov e sua vida muda inteiramente para melhor, apesar de trabalhar muito e receber diversas pessoas importantes todos os dias. De tanto ser bajulado e elogiado fica mais seguro, acreditando mesmo que é bom caráter e muito inteligente. As pessoas gostam dele e mesmo a princesa mais velha, que fora prejudicada, lhe é agradecida por ter recebido uma letra de 30.000 rublos e por poder ficar com suas irmãs na belíssima mansão. Vassily dirige a vida do jovem e Pierre meio contrafeito, no início, aceita as honrarias. O príncipe, de maneiras indiretas, pega para si uma parte da herança! Todos os amigos de Pierre encontram-se na guerra e, com isso, estava sempre acompanhado do príncipe Vassily, sua gorda mulher e sua bela filha Ellen, que era considerada ousada demais pela sociedade. A influente Anna Pavlovna também muda sua maneira com o rapaz. Em 1805 Anna convida-o para uma de suas famosas festas e menciona que a bela Ellen estaria presente. Ele se alarma por se ver relacionado com a moça. Anna dividiu os convidados, como sempre, em grupos. No principal estavam Vassily, alguns generais e a novidade, um Diplomata. Pierre, como no primeiro vesperal, adoraria ficar no primeiro grupo, mas Anna pede para que Ellen e ele façam companhia para sua velha tia. Contudo antes mesmo de soltar seu braço elogia Ellen e a felicidade do homem que se casar com tal beleza e distinção! Ficando muito próximos ao falar com a velha senhora, Pierre vislumbra os seios de mármore e sua linda nuca e naquele momento exato, o jovem sentiu que Ellen não somente podia, mas se tornaria sua esposa. Já tinha poder sobre ele. E entre eles naquele instante não existia nenhuma barreira. Quando Pierre chega a casa, sozinho, pondera que a conhecia desde criança e que só agora a considerava uma real BELEZA feminina. Isso o excitava muito. Lembrou-se que ela e o irmão Anatole estavam apaixonados e esse fora o motivo dele partir para o exército. Havia algo de sórdido e irreal nesse desonrado casamento. Mesmo assim ele pensava nela. Príncipe Vassily parte para pegar Anatole e com ele visitar Nikolay Bolkonsky, a fim de tentar casá-lo com sua filha Marya. Contudo precisa ainda convencer Pierre a casar-se com Ellen. Seis semanas após a festa, Pierre vê com horror que está ligado a figura de Ellen por todos e que talvez não possa voltar atrás. Ele está seguro que um casamento com a jovem seria uma calamidade. Precisa evitá-la, sair antes de unir sua vida com a dela! Sinceramente tentava decidir o que Ellen era. Sabia que todos esperavam que ele dissesse uma palavra, para atravessar certa linha, e sabia que acabaria atravessando-a. Um tipo incompreensível de horror apossava-se dele ao simples pensamento desse terrível passo! Pierre era o tipo de pessoa que só é forte quando se sente perfeitamente pura. O senso de pecado do dia da festa paralisou sua vontade. Durante uma festa dada para Ellen, o Dia da Santa de seu nome, todos os convidados conversavam animadamente, mas os olhares e risos pareciam concentrados no jovem casal. “Será estabelecido hoje” demonstrava dizer Vassily. “Os jovens pareciam ser tão indecentemente e provocativamente felizes” dizia por sua vez a gorda mãe de Ellen. Pierre constrangido imagina: “Então tudo acabou”. Aturdido quer analisar quando isso começara, mas não encontra nenhuma pista. Acabando a festa, os convidados começam a partir certos de que o casal está feliz e enamorado. Anna cochicha para a prima Kuragin, congratulando-a. Agora Pierre e Ellen estão sozinhos, como muitas vezes anteriormente, mas nunca falara de amor com ela! Sente-se bastante envergonhado. Como a palavra de Pierre não vem, Vassily toma uma atitude, indo até eles e, congratulando-os chama sua mulher e todos choram de felicidade! Nenhuma palavra saíra da boca de Pierre! Ele pensa que precisa inevitavelmente atravessar a barreira, mas não consegue. Forçado a se declarar a Ellen diz “Eu amo você.” Mas estas palavras soam tão pobres que ele se sente encabulado. Seis semanas depois estavam casados e morando na belíssima mansão redecorada em Petersburgo. Príncipe Vassily, imediatamente, ataca em outro flanco. Escreve uma carta ao velho príncipe Bolkonsky avisando-o que irá visitá-lo com o filho Anatole. O velho senhor sempre tivera uma pobre opinião a respeito do caráter de Vassily e agora mais ainda, por ele se aproveitar das pessoas com intuito de se promover a patamares mais altos. No dia de sua chegada, Bolkonsky estava muito irritado, andando entre as estufas, com o cenho cerrado e silencioso. Sua filha Marya está apavorada com o comportamento irado do pai. A princesinha, esposa de Andrey, não desce por estar totalmente terrificada por ele. Liza vivia permanentemente aterrorizada com o sogro e sentia uma aversão inconsciente por ele. O velho Bolkonsky pensava o mesmo sobre ela. A cólera desse homem era tão grande que mandou seu empregado devolver a neve que havia tirado da estrada, para atormentar os convidados. À noite eles chegam e são conduzidos a apartamentos diferentes. A notícia da beleza de Anatole corre pela casa e Liza corre para ajudar Marya a se vestir o melhor possível. Seria uma noite muito importante. O senso de dignidade pessoal da apagada Marya fora ferido por sua própria agitação interna, assim ela se põe inteiramente à disposição de Liza e da Senhorita Bourienne para tornar-se mais atraente. Essa tarefa era impossível, pois o rosto apavorado da pobre jovem não mudava, apesar das trocas constantes de vestidos e penteados. Marya olha-se imóvel no espelho e vê lágrimas em seus olhos e sua boca tremendo. Finalmente deformada com tantas mudanças é deixada sozinha e só pode pensar em um belo marido e um bebê em seus braços, mas isso nunca ocorrerá, pois ela se julga muito feia. Ao descer se posta em frente à imagem do Salvador e reza por um marido e filhos, pois seu grande sonho é um amor terreno. Muito religiosa ouve a resposta de Deus. Se Ele quiser que esse seja seu destino estará pronta para obedecer à sua vontade. Fazendo o sinal da cruz, desce as escadas sem pensar em NADA. Quando chega a sala vê todos, nos mínimos detalhes, menos Anatole. Quando um vislumbre brilhante e bonito para em sua frente ela o encara e fica impressionada com sua beleza! Ele a olha com compostura e segurança imperturbáveis. Sua aparente superioridade parecia dizer às três mulheres “Você ficará suficientemente encantada, claro”. Marya sente isso e volta-se para Vassily. A conversa acabou ficando muito animada e todos, inclusive Marya, compartilharam da alegria do momento, graças ao esplendor e afabilidade de Liza. O velho príncipe ruminava o porquê de levarem sua filha para um marido. Sua vida sem ela seria impensável. Ela se casaria só para ser infeliz. Nesse meio tempo, Anatole acha a francesinha bonita e espera que Marya a leve quando se casarem. Ele consegue se divertir muito, até mesmo em Bleak Hills. Príncipe Nikolay escrutiniza Anatole e começam a conversar com civilidade. Após poucas perguntas, leva Vassily para o escritório para informá-lo que sua filha só se casará se quiser, mas precisa conhecer seu filho melhor. Vassily percebe o quão direto este homem é! Concorda que Anatole não é um gênio, mas uma boa criatura e de bom coração. Anatole desperta os melhores e mais preciosos sentimentos naquelas três mulheres desprovidas de companhia masculina e Marya sente-se aturdida de felicidade, tentando se concentrar. A provocativa senhorita Bourienne sempre sonhara em se casar com um príncipe russo e agora ele viera até ela! Até Liza flerta com ele esquecendo-se de sua posição, sem motivo, apenas o coração aberto em frívola felicidade. Ele se sente lisonjeado com a reação das três jovens. Ninguém dormiu de excitação nessa noite, a não ser Anatole. Todos pensam nele e o velho Nikolay sentiu como se tivesse sido insultado através de sua filha! Ele percebe que o jovem só tem olhares para a francesinha e apesar da atitude tão flagrante, sua filha parece estar gostando dele. Ela não tem orgulho, pensa. Nikolay ficaria privado das duas pessoas que gostava. Apesar de nada ter sido dito entre Anatole e a francesa, eles se entendiam perfeitamente bem. Sentiam que tinham muito a dizer em privacidade (ambos eram canalhas). Nikolay, ao encontrar a filha, vai direto ao ponto e diz que foi pedida em casamento. Apesar de seu pai não ver com bons olhos seu casamento, essa seria sua única oportunidade de mudar seu destino! Ele menciona a atração de Anatole pela Senhorita Bourienne, fato que magoa muito Marya. Saindo do estúdio ele ouve a voz familiar de sua dama de companhia e Anatole e os observa abraçados. A jovem foge, mas Anatole , sorrindo, vem saudar Marya. Mais tarde, essa boa alma consola Senhorita Bourienne e toda PAZ volta para seus lindos olhos. Vassily espera pela resposta de Marya dizendo que o futuro de seu filho está em suas mãos! Havia uma lágrima verdadeira em seu olho. “Meu desejo, mon père[12], é nunca deixá-lo... Eu não quero me casar”, ela diz resolutamente, contemplando com seu lindo olhar Vassily e seu pai. Pensa que sua vocação é ser feliz com a felicidade alheia. Fará tudo para que Amélie se case com Anatole! Por outro lado, há muito tempo os Rostovs não recebiam notícias do seu Nikolushka, mas no meio do inverno uma carta de seu filho é enviada e entregue ao conde Rostov, contando como fora ferido o pequeno conde e... promovido... Graças a Deus. Não sabem como dar a notícia à sua mãe. Anna Mihalovna fica encarregada de dar a notícia a ela. Durante o jantar desse dia, a sagaz Natasha percebe algo entre o conde e Anna. Um segredo certamente e quando a refeição termina, a menina sai correndo atrás de Anna para saber do que se tratava. Esta, chantageada, lhe conta sobre o acidente, sob a condição que Natasha não conte a uma alma sequer. Imediatamente vai até Sonya e relata tudo. “Nikolinka[13]... ferido... a carta...” proclama triunfante. “Nikolinka!” é tudo que a outra garota consegue dizer, pálida de medo. Nesse instante chega o irmão Petya que recrimina o choro das duas e está feliz por ele ter sido promovido a oficial. “Os franceses são umas bestas”, diz. Sonya quer escrever para seu amor, agora um oficial e herói ferido na guerra. Petya, que tem somente nove anos, acusa Natasha de estar apaixonada por seu professor de música! Anna Mihalovna prepara a condessa para a notícia, mostrando-lhe a carta. O conde, curioso com o que ocorrerá, põe a orelha no buraco da fechadura para ouvir melhor. Primeiro o som de uma conversa indiferente, depois um longo discurso da amiga, então um grito, então silêncio, então as duas vozes conversando ao mesmo tempo com entonações de alegria, passos e a porta se abre. As crianças se aproximam e a leitura da carta começa. Ele manda lembranças a todos e a Sonya, quem ele ainda ama. A carta é relida centenas de vezes. Durante uma semana, todos, supervisionados pelo duque e a duquesa, mandam suas cartas, incluindo os criados e mais a soma de 6.000 rublos para os equipamentos. Boris levaria a carta para Nikoluska. Em novembro a armada de Kutuzov estava em Olmütz[14] e seria inspecionada por dois imperadores: o Russo e o Austríaco. Rostov recebera uma nota de Boris e, por conta do dinheiro, comprara o cavalo Bedouin de Denisov e gastara em tabernas e em um restaurante de certa Caroline, onde havia toda sorte de meninas. O jovem Nikolay parte para o acampamento de Boris, chegando todo esfarrapado como um soldado que estivera sob a linha de fogo! Isso impressionaria a todos. Boris, agora, continua em sua escalada para obter amigos influentes e conhece o príncipe Andrey Bolkonsky e Berg, que era nessa época capitão. Nikolay chega e abre a porta gritando: “Aqui estou finalmente!” Boris levanta-se e exclama “Céus, como você mudou!” Nikolay queria fazer alguma brincadeira com ele, todavia é recebido polidamente, com três beijos. Rostov descreve a vida dos hussards no front e Bóris as amenidades e vantagens do serviço sob o comando da realeza. Recebe as cartas e o dinheiro, ficando emocionado e saudoso de sua família. Boris o deixa sozinho. Berg era um capitão exemplar, mas o jovem Rostov ao lhe contar sobre o ferimento exagera em muito o ocorrido! “Dizer a verdade é uma coisa muito difícil; e pessoas jovens raramente são capazes disso”, relata Tolstoy. Nesse instante entra o encorajador Andrey. Nikolay acaba ofendendo o príncipe por achar sua posição confortável, longe da linha de guerra. Com elegância e inteligência ele pondera que é melhor deixar o assunto encerrar ali. Furioso Rostov volta para o acampamento. No entanto, estranhamente desejaria ter como amigo aquele detestável ajudante! As tropas dos dois imperadores formam um exército de 18.000 homens e juntos estão impecavelmente uniformizados e com os cabelos glosados! (nesse parágrafo o senso de humor de Leon é impagável) A impressão de que algo solene irá ocorrer está no ar e esses soldados têm a consciência de sua própria importância. Cada um sentia-se parte de um todo. Quando os imperados e suas comitivas chegam o silêncio é total. As trombetas tocam e a jovem voz do imperador Alexandre grita: Hurrah! Esse é um grito tão desafiador e tão jovem que os soldados sentem-se amedrontados com a multidão e força dessa massa que formavam. Nikolay ao ver o imperador de perto, experimenta um sentimento de ternura e arrebatamento como nunca havia conhecido antes. Ele morreria pelo Tsar! Ficara tão enlevado que ao ver Andrey Bolkonsky decide que amava todos e perdova todos naquele momento! (Tolstoy, narrando o sentimento de amor e fraternidade absoluta entre os soldados, lembra-me Shakespeare, em Julio Cesar, quando Marco Antonio e Júlio Cesar se sentem mais ligados e amados um pelo outro do que se sentiriam com suas próprias mulheres. É um elo muito bizarro e muito forte). Boris segue para Olmütz. Lá encontrará Bolkonsky, a fim de conseguir a posição de ajudante de algum personagem importante. Ao avistar o local com seus quartéis, diplomatas e imperadores seu desejo de pertencer à classe mais alta é muito exacerbado. Encontrando-se com o príncipe, que conversa com um general, e parando sua fala para receber o jovem, percebe que há outra hierarquia que não a da subordinação do exército. Isso só faz acelerar seu desejo de seguir esse código não escrito! Andrey que era ávido em ajudar os jovens leva Boris para o palácio. Lá havia tido um conselho de guerra para decidir sobre o avanço das tropas aliadas e começar imediatamente a guerra com Bonaparte. Os velhos generais e Andrey não concordam com esse movimento tão rápido. Príncipe Dolgorukov juntamente com o resto do conselho avaliou que “Todas as vantagens estavam de nosso lado. Nossas imensas forças, indubitavelmente superiores às de Napoleão estavam concentradas no mesmo local; as tropas eram encorajadas pela presença dos dois imperadores....”. Dolgorukov está exultante com a decisão do conselho e advoga a vitória. Receberam uma carta de Bonaparte e ao respondê-la não sabiam como chamá-lo: cônsul, imperador ou general. Por fim Bilibin decide por au chef du gouvernement français[15]. Napoleão detestaria extremamente essa frase! Quando Andrey e Boris vão falar com seu amigo ele é levado para junto do imperador. Boris não conseguiu ver Bolkonsky ou Dolgorukov novamente, mas a sensação de importância permaneceu com ele. Na madrugada do dia seguinte Nikolay Rostov, no esquadrão de Denisov, vê passar por ele cossacos, hussards, batalhões de infantaria e artilharia e os generais Bragation e Dolgorukov, contudo seu esquadrão fica recuado. Ele ouve tiros e soldados franceses são feitos prisioneiros. Fora um dia de guerra e vitória, mas Rostov, com um aperto no coração, não participara dela. O imperador já chegara e todos correm para seus postos. O Tzar aproxima-se de seus soldados e por dois segundos seus olhos azuis se fixam nos olhos de Rostov, que se encontra totalmente deslumbrado com sua presença. Em seguida parte em um galope. “O jovem imperador não podia deter seu desejo de estar presente à batalha.” Denisov é promovido a major. Rostov vagueia pensando que gostaria de morrer em frente ao Imperador. Estava apaixonado pelo Tzar, a gloria do exército russo e a vitória que viria. No dia seguinte, em Vishau, o Tzar não estava bem. A causa era o choque muito violento que sua sensível alma sofrera com a visão dos mortos e feridos! Um oficial francês, Sarary, tem a missão de propor um encontro entre Alexandre e Napoleão. Na noite do dia 19 uma multidão de 80.000 homens levanta-se de seu posto e com um murmúrio de palavras move-se para a batalha. Era como a primeira ação no maquinismo central de um grande relógio de torre! O resultado de todo esse complexo movimento humano de 160.000 franceses e russos – todas suas paixões, esperanças, arrependimentos, humilhações, sofrimentos, impulsos de orgulho, de medo, e o entusiasmo desses homens – era somente a perda da batalha de Austerlitz, a chamada Batalha dos Três Imperadores[16]. Antes dessa tragédia Bonaparte não fora temido e os russos decidiram atacá-lo. Kutzov fora frontalmente contra esse assalto. Os conselhos de guerra foram no quartel de Kutzov e Weierother, responsável pelos procedimentos da batalha, falava em um tom monótono e sem parar. Seus planos eram muito complicados e intrincados. Muitas controvérsias surgiram durante sua leitura de mais de uma hora, mas ele continuava sem parar. Príncipe Andrey, depois de ouvir o conselho de guerra, está incerto e desassossegado. Várias vidas estavam em risco, inclusive a dele. Com a perspectiva de morte uma cadeia de memórias assola sua mente. Ele sonhava com sua vitória particular e sua glória perante as pessoas! Nessa guerra cada soldado, cada homem tinha sua própria ilusão de grandeza. Rostov sonhava em servir o Tzar. Ele e seus hussards ouviam gritos e fogos inimigos cada vez mais próximos e distintos. O jovem volta e relata aos generais. Retornando para inspecionar a região observa os inimigos muito perto e alertas. Dolgorukov, todavia, insiste que estão de fato se retirando e não atacando. Com sua perspicácia Rostov consegue ser atendente de general. Os fogos e os gritos ouvidos pelo jovem eram a proclamação de Napoleão lida para as tropas francesas! Gritavam “Vive l’empereur![17]” Os soldados aliados avançam e, no nevoeiro intenso que se formara, estão perdidos e uma sensação de desespero os assola. O inimigo está muito perto. Curiosamente, onde Napoleão estava com seus generais o céu está claro e límpido. Bonaparte vestido com seu casacão azul olha intensa e silenciosamente para as montanhas e as tropas inimigas marchando em sua direção. O imperador e seus marechais aguardam as tropas aliadas. Era um dia de glória para Bonaparte O aniversário de sua coroação. Olhava para as colinas de Pratzen, e o sol estava nascendo. Quando tudo fica claro, faz um sinal a seus marechais e em poucos minutos a armada francesa estava se movendo em direção ao exército inimigo. Kutuzov comanda o regimento que chegará a Pratzen. Andrey vinha entre um número imenso de pessoas que faziam parte da comitiva do general. “Estava em um estado de excitamento, irritação e ao mesmo tempo de calma reprimida, como um homem freqüentemente está ao chegar um momento longamente desejado. Kutuzov é surpreendido por um esquadrão de cavaleiros de diferentes cores. Eram os dois Imperadores e suas comitivas. Kutuzov dá o comando de parar e cavalga até os Imperadores. Sua figura, antes forte e tensa, se transformou. Agora era um subordinado que aceita sem críticas! Alexandre encontrava-se mais magro, depois da doença, mas sua beleza e a predominantemente expressão de um jovem de bom coração eram a mesma. O imperador Francis também estava lá com sua comitiva. “Eles eram como um ar fresco que chegava a um cômodo abafado!”Kutuzov informa ao Imperador que está aguardando todas as colunas, que ainda não estavam lá. O Tzar ouviu-o e não gostou! Contudo, o general ordena que seus homens comecem a se mover, novamente. Ao chegar ao entroncamento entre duas estradas vê que por ambas marchavam os soldados aliados, montanha a baixo. O fogo havia se dissipado e os inimigos podiam ser vistos distintamente e tão perto! Príncipe Andrey observa uma coluna de franceses subindo em direção a eles. “Aqui está, está chegando o momento decisivo. Meu momento chegou!”pensou Andrey. O tumulto é geral entre os militares, alguns já recuando e Nesvitsky exasperado gritava para Kutuzov sair, pois seria feito prisioneiro, certamente. Entretanto ele galopa em direção aos canhões e a bateria russa ainda está atirando, todavia os soldados franceses correm em direção ao grupo. Todos acabaram mortos ou feridos e da comitiva de Kutuzov apenas restavam quatro pessoas. Os soldados atiram sem ordens e o general ao ver a bandeira da Rússia caída fica atônito. Andrey, imediatamente pega o pesado mastro e o levanta outra vez. Gritando Hurrah alguns soldados o seguem, um homem pega a pesada bandeira de suas mãos, mas é imediatamente morto! Pegando, de novo, o estandarte vê a artilharia francesa tomando os canhões russos. Andrey é ferido e sem senti-lo percebe que não comanda mais suas pernas e cai. Vê somente o céu azul e as nuvens calmas e belas, tão diferente da situação em que se encontrava e sente que “não há nada, nada senão aquilo. Mas mesmo isso não é nada, não há nada senão PAZ e quietude. E graças a Deus!...”Prince Bragation propõe que alguém seja enviado ao comandante-em-chefe para receber ordens mais recentes. Precisava de alguém muito ágil, pois a distância era de oito milhas e olhando a face juvenil de Rostov, que estava por perto, envia-o para tal tarefa. “Todas suas esperanças tinham sido realizadas nesta manhã”. Ele estava sendo conduzido para uma comissão até Kutuzov, talvez mesmo ao Tzar em pessoa. O cenário é de uma guerra real já deflagrada, com muitos tiros de canhões e mosquetões. Enquanto cavalgava em direção à ação é quase atropelado por guardas da cavalaria que vinham em sua direção. Seu medo é zero. Pouco depois da passagem dos belíssimos cavalos e seus cavaleiros, ouve uma explosão e “tudo é fumaça”. Somente dezoito desses belos oficiais foram salvos. Rostov, contudo, não se intimida e quer chegar ao Imperador, de qualquer forma. Quando alcançou a infantaria ouviu seu nome ser chamado. Era Boris com um sorriso feliz, daqueles que enfrentam o fogo pela primeira vez. Haviam abatido alguns franceses. Continuando seu destino avista soldados russos e austríacos. Estes informam que os franceses haviam matado todos! Nas estradas, entre a multidão havia muitos feridos. Chegando a Pratzen, tudo é uma enorme confusão com canhões atirando no exército aliado. Kutuzov e o Imperador não se encontravam lá. Fica sabendo que o Tzar fora levado a toda velocidade pelas rodovias, pois “fora perigosamente ferido”. Um soldado que passava pergunta-lhe se procurava o comandante-em-chefe. “Oh, ele foi morto por uma bala de canhão, atingida no peito, em frente ao nosso regimento”. Outro soldado diz não ter certeza se era Kutuzov ou não, mas poucos estavam vivos. Rostov chega a uma pequena vila sem esperanças de encontrar os dois homens, todavia ao longe vislumbra um bem vestido cavaleiro solitário que lhe parecia familiar. Era o imperador Alexandre com o rosto pálido e cansado, entretanto seu charme era ainda maior! Rostov sente-se paralisado ao vê-lo e não consegue se aproximar dele, dando as mais inacreditáveis desculpas para si mesmo! Decide voltar para não incomodá-lo em um momento de tanta dor! Quando vira a cabeça, o avista sendo ajudado por um capitão. Essa fora a sua chance e a perdera! Volta a procurar Kutuzov. “Por volta das cinco horas a batalha tinha sido perdida em cada ponto”. Mais de cem canhões estavam em posse dos franceses. Na paisagem outrora bucólica, só se encontram homens sofrendo, feridos ou mortos. Dolohov é atingido por uma bala de canhão e cai numa poça de sangue. A agitação é total. O gelo se quebra sob o peso dos homens e eles começam a se afogar. Ainda assim a saraivada não para, atingindo o gelo, a água e a multidão de pessoas. Príncipe Andrey depois de perder a consciência, abre os olhos com dores dilacerantes e vê Bonaparte. Ele fora inspecionar os mortos e feridos. Quando o Imperador avista Andrey de costas no chão, segurando a bandeira exclama: “É uma bela morte!” Ele sabia que se tratava de Napoleão, seu ídolo. Contudo, agora, “isso parecia insignificante em comparação ao que se passava entre sua alma e o céu azul infinito!” O Imperador ordena que os feridos sejam levados para um hospital. Chegando lá, Napoleão quer saber quem é o comandante e o cumprimenta pelo dever cumprido! Ao ver Andrey Bolkonsky lamenta por uma pessoa tão jovem já estar na guerra! Aparenta lembrar-se dele no campo de batalha ao chamá-lo com o mesmo epíteto “jovem”. Fala-lhe: “E você, jovem, como está se sentindo, mon brave[18]?” Agora tudo lhe parecia tão trivial em comparação com aquele céu, o qual ele havia visto e compreendido. “como eu seria feliz e em paz, se pudesse dizer agora, Senhor tenha misericórdia de mim!” As macas começaram a se mover e a dor intolerável persistia. A febre aumenta e ele entra em delírio. As visões de seu pai, sua irmã e seu futuro filho, a figura de Napoleão e todo aquele céu passaram em sua mente. Doutor Larrey, o médico de Bonaparte, examina-o “ele é uma ocorrência nervosa e belicosa” diz, “não irá se recuperar”. Junto com os outros casos perdidos Príncipe Andrey é deixado aos cuidados dos habitantes do distrito.
Parte 4

No começo de 1806, Rostov volta para casa com Denisov. Este é convencido pelo amigo a ficar em Moscou para uma visita. Ao se aproximar de sua casa tenta acordar o amigo que dorme profundamente devido a uma bebedeira de vodka. Ao chegar nota a casa mal cuidada, mas entra ansioso para ver se tudo estava bem. Já na sala, uma porta se abre bruscamente e alguém corre para beijá-lo e em poucos minutos a família toda o cobre de beijos e carinho! Sonya com dezesseis anos, que também está lá, encontra-se mais linda do que nunca por tanta felicidade. Finalmente Vassily Denisov é apresentado. Na manhã seguinte Rostov é acordado pelos irmãos e amigo. Com tanto amor e bondade sua alma e sua face sorriem inocentemente. Por um ano e meio ele não havia rido. O mundo de sua casa e sua infância deu-lhe um dos maiores prazeres de vida. Natasha, agora com quinze anos, conta-lhe o quanto Sonya ainda o ama e amará sempre. Apesar disso, ela quer deixá-lo livre para viver o que quiser. Quanto a ela própria, nunca se casará, pois quer ser bailarina! Indaga se Vaska (Denisov) é uma pessoa boa e alegre. A resposta é afirmativa. Rostov, nesse dia, encontra Sonya e ambos ficam embaraçados. As palavras soam naturais, mas o olhar fala do quanto um ama o outro. Denisov, em seu uniforme novo, é uma figura arrebatadora e gentil com todos. Rostov está mudado e amadurecido. Ele olha para o passado como um tempo muito distante. Sua paixão pelo Tsar havia diminuído um pouco, mas sempre o elogia e vangloria. Nessa época Alexandre era denominado pelos russos como “o anjo encarnado”. Rostov vê pouco Sonya, mas é óbvio que ela está apaixonada por ele. O jovem, contudo, tinha muito que fazer para ficar pensando nisso. Seu pai, o velho conde, dará um magnífico banquete, no Clube Inglês, em homenagem ao Príncipe Bragation. Conde Ilya Andreivitch pede a seu filho que convide o conde Bezuhov e, talvez sua esposa, para o jantar. Anna Mihalovna chega e comenta que o pobre Pierre está em dificuldades com a consorte, pois depois de receber Dolohov e lhe emprestar dinheiro, este se encontra no encalço de Ellen. No dia da grande festa, duzentos e cinqüenta membros do clube mais cinqüenta convidados esperam pelo herói da campanha da Áustria, príncipe Bragation. Nessa época, os russos estavam tão acostumados com a vitória, que quando notícias da atual derrota chegam fazem uma conspiração de silêncio em torno disso. Quando os líderes políticos resolvem falar, culpam Kutuzov pela derrota, a traição dos austríacos e a juventude e inexperiência do Tzar. A armada russa continuava sendo absolutamente extraordinária! Bragation é feito o herói dos heróis, porque era um outsider[19], desse modo mostravam desaprovação ao general Kutuzov! “Nada era comentado sobre Bolkonsky, e somente aqueles que o tinham conhecido intimamente lamentavam que tivesse morrido tão jovem, deixando uma esposa com filho, e seu bizarro velho pai”. Os salões do clube estão repletos, principalmente de pessoas mais velhas. Os mais jovens são poucos e entre eles Denisov, Rostov e Dolohov, cujas faces demonstram deferência aos mais velhos. Pierre com sua magnífica figura, agora sem óculos e de cabelo mais longo, está entre os mais velhos, condição dada a ele por sua fortuna e título. Um footman[20], correndo anuncia de maneira alarmada: “ELE chegou!” Para tal ocasião o príncipe não portava seu chapéu ou espada e não estava usando seu quepe de Astracã, usava um uniforme novo com as comendas e o cabelo recém cortado, o que o mudou para pior! Bragation encontrava-se embaraçado, sem saber o que fazer com as mãos! Ele estaria mais à vontade marchando sob o fogo nos campos de guerra. (o senso de humor de Tolstoy continua afinadíssimo, descrevendo como os homens olhavam, uns sobre os ombros dos outros, para vê-lo como se ele fosse “uma espécie de besta rara!”) Colocado sentado no meio do sofá, lhe é oferecida uma bandeja de prata com um verso. Bragation olha de modo sombrio e reprovatório para o velho conde. O autor dos versos passa a lê-lo em voz alta, enquanto Bragation baixava a cabeça e ouvia o poeta. Eram versos ridículos e de repente ouvi- se uma voz anunciando: “O jantar está servido” e todos se levantam antes que as rimas se acabem! A porta se abre sob o som da Polonaise. Os três jovens são colocados juntos, em frente a Pierre e o príncipe Nesvitsky. O conde apresenta seu filho a Bragation que o reconhece. “Seu trabalho não fora em vão”. Tudo corre muito bem, regado a champanhe. Saúdam o Tzar com gritos de Hurrah e a jovem voz de Rostov se destaca sobre todas as outras trezentas vozes. Rostov num ímpeto quebra sua taça e outros seguem seu exemplo. É caco de vidro por todos os lados, tendo de serem retirados por diversos serviçais. Nesse instante, um chorus [21] de cantores começa a cantata composta por Ivanovich Kutuzov[22]Mais brindes e mais copos quebrados até que o velho conde Ilya Andreitch sucumbe de tanta emoção, com o rosto coberto pelo lenço! Pierre comia e bebia muito durante a cerimônia, mas quem o conhecia bem sabia que uma grande mudança estava ocorrendo com ele naquele dia. Estava silencioso, distraído e deprimido devido ao que sua prima havia dito quanto a proximidade de sua mulher e Dolohov. Este, sentado a sua frente, despertava em Pierre um estranho sentimento de como ele era belo e cruel, contudo não desejava acreditar que alguma coisa acontecia entre os dois. Algo terrível e odioso estava crescendo na alma de Pierre. “Ele é um duelista amedrontador” pensava. “Para ele não significa nada matar um homem”. Os três jovens companheiros falavam sobre ele e sua bela mulher e, maliciosamente, Dolohov propõe um brinde às belas mulheres! Pierre sente que não pode mais suportar a tensão quanto, provocativamente, Dolohov se apossa da cantata, que havia sido escrita para a festa e dada a Pierre como presente. Nesse exato momento desafia-o para um duelo. Odiava sua mulher! Rostov seria o segundo de Dolohov e Nesvitsky de Bezuhov. O duelo seria em Sokolniky. No dia seguinte estavam todos lá. Pierre agora tinha certeza da culpa de sua esposa e Dolohov. Nesvitsky e Denisov tentam apaziguá-los e obter um pedido de desculpas, todavia os oponentes se enfrentam, apesar da densa névoa e de Pierre nunca ter sequer segurado uma pistola! Depois da demarcação dos lugares, Pierre avança e atira, se assustando com o solavanco e a fumaça produzidos pelo próprio tiro. Dolohov é atingido na mão e sua face ficara pálida e tremendo. Agora ele se aproxima apontando a arma para Pierre, que expõe seu peito, e atira. “Perdida” gritou Dolohov e caiu desesperançado com a face na neve. Pierre segurou sua cabeça e virando-se caminhou para a floresta, dizendo palavras incoerentes. “Estúpido... estúpido... mentiras” ele repetia. Nesvitsky levou-o para casa. Rostov e Denisov levam o amigo para Moscou, que com uma expressão apaixonada e ferida murmura: “Eu a matei” “ela não se recuperará deste fato. Ela não pode suportar...” “Quem” pergunta Rostov. “Minha mãe” e assim ele descobre, para seu espanto, que esse notório duelista vivia em Moscou com sua velha mãe, uma irmã corcunda e era o mais amoroso filho e irmão! Pierre, ultimamente, raras vezes via sua esposa sozinho, quer seja em Moscou ou em Petersburgo e quando chega a casa vai direto para o quarto, onde, ao morrer, estivera seu pai. Ele deitou e tentou dormir imediatamente, mas “tal era a tempestade de sentimentos, pensamentos e reminiscências subitamente elevadas em sua alma”, que foi forçado a levantar-se e andar a passos rápidos pelo quarto. Lembra-se de quando se casou e como Ellen, com o passar do tempo, se tornara vulgar. “Sim, eu nunca a amei” pensa Pierre. “Eu sabia que ela era uma mulher dissoluta”. Não aceita o fato de ter caído nessa cilada, tão bem preparada contra ele. Agora Dolohov, seu amante, estava morto por ele. Pierre era uma dessas pessoas que não procurava um confidente para suas mágoas, então decide voltar para Petersburgo e deixar uma carta para Ellen anunciando sua decisão de deixá-la para sempre. No dia seguinte após uma noite terrível, o valet vai levar-lhe o café da manhã e atrás dele aparece a figura majestosa da condessa, que com toda a calma espera o criado sair. Seu sorriso é de desdém e o pobre jovem se transforma, agora, em uma criatura tímida! Ela o desafia sem parar. “Pierre tentou dizer alguma coisa, olhou para ela com olhos estranhos”. “Ele estava em agonia física nesse momento”, precisava fazer alguma coisa para aplacá-la, “mas o que ele queria fazer era horrível demais”. Para se separarem ela pediu uma verdadeira fortuna. “Vou matá-la” grita e furioso ele avança para ela com uma pesada placa de mármore na mão e “com uma força que ele não tinha conhecido em si mesmo até então, dá um passo em direção a Ellen e a balança para ele.” A face da jovem era terrível de se ver. Ele atira a placa, fazendo-a em pedaços e grita “Vá” e a mulher sai correndo do quarto, pois ele faria qualquer coisa naquele instante! Uma semana mais tarde Pierre deixa para sua esposa a maior parte de seus rendimentos da metade de seus bens da Grande Rússia e volta sozinho para Petersburgo. Nesse ínterim, somente dois meses depois da derrota russa é que notícias de Andrey chegam com uma carta de Kutuzov, descrevendo o heroísmo do jovem ao seu velho pai. Eles não sabem se está vivo ou morto. Marya olhando sua face poderia dizer que uma terrível calamidade, a pior de sua vida, a morte de alguém muito querido estava estampada nela. Ele grita “Morto!” Nesse minuto a princesa abraça seu pai e pede para juntos prantearem o jovem príncipe e quer saber como foi, mas ele só repete para ela sair, várias vezes, e avisar Liza. Encontra a princesinha, com um olhar de grande alegria, olhando o ventre que está com o bebê se mexendo. Feliz diz que o amará para sempre. Vendo Marie chorando, quer saber o que ocorrera, mas ela diz que sente algo triste sobre Andrey. Nem ela nem seu pai foram capazes de dizer a verdade! Estão totalmente desolados. Liza pede notícias de Andrey, mas Marie resolve adiar enquanto tiver esperanças. O conde diz a todos que seu filho morrera e a cada dia que passa fica mais fraco, mais sem forças e mais deprimido. Esse ambiente triste de Bleak Hills influencia Liza sem que ela saiba a causa e um dia, muito pálida, pede ajuda a Marie, que vai correndo buscar a parteira Marya Bogdanovna. O momento chegara, mas o médico ainda não estava lá. A casa está em silêncio total e as velas acesas. Uma consciência de que algum mistério acontecerá naquele momento é sentida por todos. A parteira pede que informem ao sogro de Liza que o trabalho de parto já começara. A noite de inverno estava horrível. O tempo passava e Marie não consegue mais continuar lendo seu livro de orações. Repentinamente o vento sopra forte e abre as persianas. A enfermeira, ao fechá-las, nota luzes e um ruído na rua. Deveria ser o médico alemão chegando. “Ah, meu Deus, obrigada!”, pensa Marya. Descendo as escadas para recebê-lo ouve uma voz muito familiar e julga ser Andrey, mas isso seria muito extraordinário! Mas então,.aparece a figura de Andrey, de casaco de pele, “coberto por uma profunda camada de neve. Sim era ele, mas pálido e magro, e com uma expressão transformada e estranhamente suavizada, agitada em sua face. Subiu as escadas e abraçou sua irmã”. Não haviam recebido sua carta. Atrás dele vinha o médico e ambos correm para o quarto de Liza! O príncipe a observa. Os olhos brilhantes, cheios de terror infantil e excitação repousam nele. Príncipe Andrey a beija na testa e a chama de preciosa, uma palavra que jamais usara antes. “Deus é misericordioso...” diz. Enfim, depois de muita luta, nasce o bebê! O médico deixa o quarto sem pronunciar uma palavra. Andrey entra e vê a esposa morta, na mesma posição de cinco minutos atrás e, em um canto seu filho nas mãos de Marya Bogdanovsa. Duas horas depois ele entra no quarto do pai e ao vê-lo se abraçam e cai em lágrimas como uma criança. Em outros cinco dias segue-se o batismo do principezinho Nikolay Andreitch. Andrey olha com alegria e aprovação! Nesse momento, Rostov é promovido à assistente do governador de Moscou. Ele acompanha o restabelecimento de Dolohov, que se mostra outra pessoa e espera encontrar uma mulher de pureza angelical para redimi-lo. A casa dos Rostovs estava cheia de alegria e juventude e Denisov também se encontrava lá. Dolohov era admirado por todos, exceto pela pequena Natasha. Ela achara o duelo horrível e dera razão a Pierre. Acredita, inclusive, que Dolohov estava apaixonado por Sonya e Rostov percebe alguma coisa nova entre os dois, começando a ficar fora de casa o maior tempo possível. No outono de 1806 notícias da guerra contra Napoleão se avivam e Nikolay está ansioso para voltar a ela. Permanecia muito tempo em jantares, festas e bailes. Uma festa é dada para a partida dele e a atmosfera de amor, nunca havia sido tão grande. Nikolay percebe algo errado no ar e pergunta a Natasha o que seria. Ela relata-lhe que Dolohov propora casamento a Sonya, com apoio da mãe, mas ela recusara, pois amava outra pessoa. Ela afirma que o irmão nunca se casará com Sonya! Querendo falar com a prima, ficam juntos sozinhos pela primeira vez desde seu retorno. Sonya explica que nunca se unirá a Dolohov e ele conversa longamente, tentando fazê-la aceitar o pedido. Interrompido, Sonya diz que o ama como a um irmão e não quer mais nada, além disso. Nikolay se acha indigno de tal afeto! Pelo lado mais social, os bailes de Iogel eram os melhores de Moscou. Lá os jovens executavam os passos aprendidos e o ambiente era de bom humor. Dois casais já haviam se casado através dessas festas. Na mansão de Bezuhov, um baile é oferecido por Iogel e entre as jovens mais bonitas encontra-se Natasha, sua melhor aluna, que pela primeira vez veste um traje longo. Ela se apaixona por tudo ao ver o baile. A mazurca está em voga e Iogel sugere que Rostov dance e este convida Sonya. Denisov é encorajado a dançar, cedendo e com sua graciosa parceira, Natasha, dão um espetáculo que é muito aplaudido. Entusiasmados os velhos poloneses conversam sobre os tempos antigos. Dolohov envia uma carta ao amigo, convidando-o para um jantar de despedida no Hotel Inglês. Ao chegar encontra Dolohov jogando e muito mudado. Forçando-o a jogar, quando ele pede as cartas lembra-se que sua família está em uma situação financeira difícil. Rostov dera sua palavra de honra aos pais que não pediria mais nenhum rublo sequer. Perdendo está na expectativa de uma carta que decidirá sua vida. Perde mais do que poderia pagar, sendo levado por Dolohov a perder 43.000 rublos, o número 43 é a soma da idade dele e de Sonya. Dolohov sabia, é claro, o que essa perda significava para Nikolay. Ele quisera ganhar 100 rublos para dar um presente à sua mãe e agora se encontrava totalmente paralisado e se submetendo a Dolohov... Aquelas mãos que ele amara e odiara prendiam-no em seu poder... “Uma sensação torturante nunca o abandonava.” Nikolay finge estar calmo e quer continuar, mas Dolohov deseja receber o dinheiro. Seu oponente repete o velho ditado “infeliz no jogo, feliz no amor”. Ele sabia que sua prima o amava! Dolohov menciona o nome de Sonya, mas é cortado rispidamente por Nikolay que promete pagá-lo no dia seguinte! “Dizer amanhã e manter o tom certo não era difícil”, mas chegar a casa e enfrentar a família era outra coisa. O ambiente era o mesmo - de alegria e bem estar. Alguns jogando outros cantando. Procurando por seu pai fica sabendo que ainda está no Clube Inglês. Enfrentá-lo seria difícil, pois sabia das condições deles e de sua palavra dada. Natasha com seu rápido instinto detecta que ele está tenso, mas está tão feliz ao lado do apaixonado Denisov, que resolve que aquilo não era nada. “Deveria estar feliz como ela.” Rostov, nesse clima festivo, pensou que se pode matar, roubar e ainda assim ser feliz... Mas a realidade o força a pensar na dívida e falar a verdade para seu pai, que fica absolutamente incrédulo. Contudo sendo o tipo de homem muito compreensivo, se compromete a levantar o dinheiro para o filho! Ele se desculpa sinceramente com o conde Nessa mesma noite tão movimentada, Natasha encantada e excitada corre para anunciar à sua mãe que Denisov acabara de pedi-la em casamento. A condessa considera isso uma tolice! Era jovem demais. Demovida de aceitar a proposta, já que o amava como um amigo diz: “Vassily Dmitritch, sinto por você!... Não, mas você é tão bom... mas não farei... que... mas eu sempre amarei você como o amo agora”. Depois das explicações coerentes de sua mãe Denisov parte de sua casa, sem olhar a amada. Após a ida do amigo, Nikolay passou mais quinze dias em Moscou a espera do dinheiro para pagar seu débito. Quase não saia de casa, passando o tempo todo com os mais jovens e a adorável Sonya, que não sabia o que fazer para agradá-lo. Em seguida ao recibo de quitação de Dolohov, parte para a Polônia, onde seu regimento o aguardava.

Parte 5

Depois da entrevista com sua esposa, Pierre partiu para Petersburgo. Mas ele ainda se encontrava obcecado por uma questão sem resposta. Agora na solidão de sua jornada a figura de sua mulher voltava a atormentá-lo. “E eu matei Dolohov porque me considerei ultrajado. Luís XVI foi executado porque eles o consideraram um criminoso e um ano depois seus juízes foram mortos também por alguma outra causa. O que é errado? O que é certo?” Pierre se perguntava. Queria descobrir que força controlava tudo! Não havia resposta lógica para isso. Tudo se resumia: “Morre-se e tudo acaba... Mas morrer também era terrível. “Nada tem sido descoberto. Nós podemos somente saber que não sabemos nada. E este é o mais alto grau de sabedoria humana” pondera Pierre. Absorvido em seus pensamentos, outro viajante acomoda-se em seu compartimento e fica perto dele. É um senhor de rosto vincado, feições sérias e olhos azuis claros. Pierre se sente fascinado por esse indivíduo, que tem sua atenção atraída pelo olhar fixo do jovem sobre ele. Reconhecendo-o, diz que seu nome é conde Bezuhov e sabe muito bem da desgraça que se abatera sobre o rapaz. Sendo velho gostaria de poder ajudá-lo. Ele tinha o semblante frio e severo, mas Pierre estava irresistivelmente arrebatado por ele. Descobre que se trata de um maçom muito convicto da existência de Deus e seus poderes. Discursando de maneira simples, Pierre vai se acalmando e não quer interrompê-lo por nada. “Deus existe, mas compreendê-lo é difícil” diz o senhor, com essa afirmação Pierre responde, de maneira titubeante, que não... acredita em Deus. “Sim, você não o conhece, senhor. Você não o conhece, e é por isso que está infeliz”. Ele considera as pessoas sem fé como crianças, que não entendem as peculiaridades da vida e seus mistérios. “A crença não é adquirida pela razão, mas pela vida”. Argumenta que Pierre é jovem, rico e culto e quer saber se ele está satisfeito com sua vida. Ele a odeia, confessa. Após apontar cada ato de Pierre o senhor declara que não há sabedoria em sua vida! O jovem agora teme que ele parta sem ajudá-lo, contudo é aconselhado a ter, em seu regresso, uma vida de solidão e autoconhecimento e não voltar à sua velha rotina. Pede-lhe, também, que entregue uma carta ao conde Villarsky e deseja-lhe todo sucesso. Esse estranho era Osip Alexyevitch, um dos mais famosos maçons e Martinista[23], mesmo no tempo de Novikov. Pierre gostaria de voltar a ser virtuoso e a maçonaria lhe parece fraterna. O jovem conde passa todo o seu tempo em Peterburgo recluso, apenas lendo o livro de Osip, que lhe revelara todo o mistério da crença e da bondade. Um dia chega o jovem conde Villarsky, convidando-o para entrar como membro da livre maçonaria e quer saber se conseguira abdicar de seu estilo de vida e se, agora, crê em Deus. Com uma resposta afirmativa os dois rapazes partem em um coche. Chegando à maçonaria, seus olhos são vendados por seu patrocinador, Villarsky, e apesar do sorriso nos lábios “estava ciente dos sentimentos mais complexos e conflitantes”. O que seria revelado a ele? Após as batidas na porta ele tira a bandagem e olha em volta de si. Tudo estava escuro e via-se uma lâmpada, um livro e um crânio humano, com seus dentes e ainda havia uma arca com ossos humanos. Um homem baixo com avental branco entra e quer saber o porquê dele estar lá. “O que você procura de nós?”Sabedoria, virtude, iluminação?” Chegando mais perto do rhetor[24]·, Pierre reconhece nele um homem que já conhecia, Smolyaninov. Pierre afirma que quer começar uma nova etapa em sua vida, esperando por ajuda e renovação. Afirma que deseja que seja fraterna e igualitária de homens com metas virtuosas! Declara também ter sido ateísta. Os principais princípios da maçonaria eram a purificação e regeneração de seus membros para combater a maldade que é o mais importante, o supremo do mundo. A reformulação da raça humana era o que interessava Pierre. O rhetor aponta-lhe os sete passos de Salomão: discrição, obediência, moral, amor à humanidade, coragem, liberdade e amor à morte. O longo ritual continua e, às vezes, ele é chamado de postulante, sofredor ou seeker[25]. A cerimônia é extensa e constrangedora, mas ao final Pierre se sente iluminado, parecendo ter voltado de uma longa jornada, onde se passaram dezenas de anos e voltara completamente mudado, renunciando seus velhos hábitos e maneiras de vida. Depois, em casa, enquanto Pierre lia e meditava, entra príncipe Vassily, intempestivamente, falando sem parar sobre o duelo e defendendo a filha. O jovem sentiu que aquilo que respondesse agora dependeria seu futuro. Transtornado, diz apenas: “Vá”. Aturdido o príncipe sai e Pierre resolve visitar suas propriedades e seus camponeses e lá trabalhar seu espírito. As memórias do duelo proibido vão fenecendo aos poucos. A culpa toda desse fato é jogada sobre Pierre, e Ellen é até mesmo recebida pela sociedade com deferência! Anna Pavlovna, que sempre fora contra Pierre, continuava oferecendo suas soirées. Hoje a atração da noite era Boris Drubetoskoy, recém chegado como mensageiro especial da armada Prússia! Estava elegantemente vestido e muito bem humorado. Recebera esse importante cargo e já havia assimilado como desejava o código não escrito, ou seja, passar por cima das outras pessoas. (Ele era o que chamamos de alpinista social). Quando discursa é muito apreciado por todos, mas especialmente por Ellen, que o convida insistentemente para uma visita em sua mansão e se tornam amigos muito próximos, durante sua estada em Petersburgo. Finalmente a guerra eclode mais próxima das fronteiras russas. As notícias que chegavam não eram confiáveis. A vida dos Bolkonsky foi grandemente mudada em 1806 e o velho conde, apesar de sua fraqueza e idade, é apontado como comandante-em-chefe, fato que lhe dá uma nova vida. Marya, agora, faz às vezes de mãe do pequeno Nikolay. O conde dá a seu filho Bogutcharovo, uma grande propriedade a trinta milhas de Bleak Hills, onde Andrey encontra a solidão que necessitava, mas não voltaria à guerra! Quando da partida de seu pai, volta a Bleak Hills, ficando duas noites sem dormir, porquanto seu pequeno filho está com febre muito alta. Cartas de seu pai chegam e ele, irritado, começa a lê-las. Seu pai relata a vitória sobre Napoleão em Eylan e pede para que ele compareça sem demora a Kortochevo. A carta enviada por Bilibin, em francês, descreve toda a campanha com a autocrítica e escárnio exclusivamente russo. Relata como as vilas sem nenhuma comida são saqueadas pelos soldados. Andrey não vai até que a criança esteja melhor. Em casa, não gostando nada do que está ocorrendo, sai correndo para ver o principezinho e, em estado de pânico, não consegue visualizar o bebê, que agora já está melhor apenas transpirando. Os olhos luminosos de Marya brilhavam mais do que o usual com lágrimas de felicidade! Pouco depois da cerimônia maçônica, Pierre vai a Kiev, onde pretende aplicar suas novas doutrinas de libertação e igualdade sobre seus servos. O chefe dos empregados expressa grande simpatia com os novos projetos, mas avisa-lhe que tem importantes assuntos a serem tratados. “E assim o primeiro dever com o qual ele é confrontado era aquele para o qual tinha a menor capacidade e inclinação – atenção aos negócios práticos”. Ele saia com seu empregado, mas sentia que não avançava um centímetro. De um lado o serviçal colocava as coisas do pior modo: a necessidade de pagar seus débitos. Do outro lado, Pierre urgia pelo trabalho de libertação de seus servos. Nosso jovem não tinha nenhuma tenacidade prática para executar o negócio sozinho. Suas tentativas de colocar seu novo sonho em ação foram infrutíferas, indo por água abaixo! Todos queriam recebê-lo e com isso a continuidade da mesma vida antiga, só que em um local diferente! Resolve visitar todos seus domínios, mas não sabe que por detrás dessa bonança que via, havia sempre um plano ardiloso para mascarar a verdade. Seu empregado, um velhaco, compreendia bem o ingênuo conde e jogava com ele como se fosse um brinquedo, vendo o efeito produzido em Pierre por essas recepções cuidadosamente arranjadas. Tinha a certeza de que o conde jamais verificaria se as vendas das florestas e propriedades para o pagamento das hipotecas dos bancos seriam inquiridas e certamente nunca descobriria que os edifícios, quando terminados, ficavam vazios, e que os camponeses eram pagos em trabalho e dinheiro exatamente o que outros donos pagavam, ou seja, tudo era tirado deles! Pierre voltando feliz de sua turnê resolve visitar seu amigo Bolkonsky, que não via há dois anos. Ele encontra Andrey muito mudado. Isso o surpreende e o choca. Havia “um brilho morto em seus olhos". Pareciam não falarem mais a mesma língua. Perguntado sobre seus planos diz que pretende fixar-se naquele lugar. Mas Andrey não quer continuar discorrendo e pede para que Pierre fale sobre seus novos preceitos. Na hora do jantar, porém, Andrey se entusiasma e fala sobre o certo e o errado, querendo expressar-lhe sua nova visão sobre as coisas. “Ele falava em francês. Eu só conheço dois males muito reais na vida, remorso e doença... Viver para mim é evitar esses dois demônios: esta é a soma da minha sabedoria agora”. Pierre discorda com veemência, dizendo que Andrey só vivera para ele mesmo! Sorrindo ironicamente, promete que verá sua irmã, princesa Marya. Andrey declara que só vivera para os outros, para a GLÓRIA e assim arruinara sua vida. Pierre retruca que só poderia se sentir feliz ajudando os camponeses e as pessoas necessitadas. “Isso é a real felicidade”. Contudo, Andrey continua divergindo. Diz: “Estou construindo uma casa e formando um jardim, enquanto você está construindo hospitais. Ambas as ocupações servem para passar o tempo. Mas quanto ao que é certo e o que é bom - deixe para aquele que conhece tudo para julgar; não é para nós decidirmos”. “Hospitais é outra bobagem. Se alguém sofrer um ataque é melhor que morra do que ser um fardo para a família. Outros nascerão” diz Andrey que não crê na medicina e fala rápida e fluentemente. Têm pontos de vista conflitantes quanto à liberdade, remorso e morte. “Não, não, mil vezes não! Jamais concordarei com você”, diz Pierre. À noite os dois homens seguem para Bleak Hills e Andrey mostra as melhorias que estava fazendo no manejo da terra. Pierre encontra-se calado e pensando em como poderia ajudar seu amigo. Depois de um longo silêncio, de um estalo, fala sobre a maçonaria e suas idéias. “Freemansory[26] é o ensinamento da Cristandade, livre de seus grilhões políticos e religiosos; o ensino da igualdade, fraternidade e amor”. Príncipe Andrey não se mostra receptivo, por causa da perda que sofrera e de sua experiência na guerra, mesmo assim continuam discutindo o assunto. Pierre afirma “nós precisamos viver, precisamos amar, precisamos acreditar”. Desse modo ao olhar o céu que seu amigo havia apontado, pela primeira vez desde sua queda na batalha de Austerlitz, repentinamente sente-se feliz e jovem em sua alma. Chegando a casa, o velho conde ainda está na cidade e não voltara. Vão direto ao encontro de Marya. A princesa conversa com Pierre e pede para que persuada Andrey a sair e ter uma vida com mais ação e atividade. Lá não era o lugar certo para ele. Depois da ceia, Pierre junta-se ao velho príncipe e começam uma disputa na qual o jovem achava que não haveria mais guerra e o velho caçoava dele com bom humor. Pierre sente-se muito bem com o calor humano daquela família e é convidado a aparecer outras vezes. Em outro local, Rostov chega a seu destino e está muito feliz ao ver os husssards, os oficiais e seu amigo Denisov. Sente-se em casa no regimento. Lá não havia Sonya e nenhuma possibilidade de ir de um lugar para outro. Não poderia pensar na dívida com seu pai e a perda com Dolohov. Gostaria de ter uma boa conduta e se tornar um excelente soldado. Estavam todos acampados em Bartenstein à espera do Tzar e o começo de uma nova campanha. As estradas estavam geladas, lamacentas e intransitáveis. Os soldados se dividiam para achar algo para comer, mas havia muito pouco deixado para trás no ambiente abandonado! “O regimento Pavlograd tinha perdido somente dois homens feridos em ação, mas tinha perdido quase a metade de seus homens de fome e doença”. Em abril, a armada estava excitada com a notícia da vinda do Tzar. Os dois amigos estavam ainda mais unidos e viviam em rudes cabanas feitas de lama, de um modo precário sem comida para alimentá-los. Estava claro que Denisov resolvera tomar conta de Rostov. Este acha um polonês e sua filha na mais profunda miséria e resolve instalá-los no seu campo. Denisov não sabia da presença da jovem e faz uma piada de mau gosto, confundindo com sua amada. “Que belo grupo de tolos todos os Rostovs são” ele diz, e Rostov viu lágrimas nos olhos de Denisov, que desaparece. Finalmente chegam os vagões com provisões de comida e atrás Denisov com dois oficiais, discutindo. Um admoestava Denisov, o qual respondia que seus homens estavam sem comida por dois dias e não abriria mão dela. Expulsando os oficiais, um deles fala que aquilo era roubo. Entretanto Denisov diz que não deixaria os homens morrerem de fome. Ele e seus comandados haviam levado os mantimentos à força. O coronel aconselha-o a corrigir o ocorrido e se possível dar um recibo para tantas provisões. Denisov iria seguir seu conselho, mas estava tão mal que não podia falar. Ele só dizia que não iria à corte marcial e pedia água. Havia ido ao local para resolver sua pendência, mas fora mal recebido e acusa Telyanin de querer matá-los de fome. Infelizmente inquéritos haviam sido feitos sobre o caso e haveria uma corte marcial! Ele graceja sobre o fato, porém Rostov detecta em seu companheiro o medo da corte marcial. Inimigos são observados, contudo Denisov, sem proteção, vai fazer uma inspeção e é atingido por uma bala. Assim prefere ir para o hospital em vez do campo de batalhas. Em julho Rostov vai visitar seu amigo e o encontra em um sanatório, nas mais precárias condições de higiene e saúde. Com dificuldade o acha dentre muitos doentes, todavia é outra pessoa: magro doente e sarcástico. Ele, porém, não quer entregar uma petição pedindo perdão, mas quando Rostov está em vias de partir escreve-a e pede para o jovem príncipe entregá-la a alguém influente. Em 13 de junho os imperadores francês e russo se encontram em Tilsit. Entre os poucos que viram as duas majestades, estava Boris Drubetskoy. Desde que começara a freqüentar essas altas esferas anotava tudo o que via e ouvia. Estava alojado com um rico conde polonês, educado na França. Uma noite ele oferece aos soldados franceses um jantar, sem achar nenhum significado maior no fato da França ser comandada por Bonaparte. Rostov vai até Tilsit para falar com ele e ao ver o uniforme inimigo fica atônito e sentimentos de ódio e raiva, que sentira durante a batalha, afloram. Boris recebe-o com aborrecimento tentando escondê-lo, mas Rostov afirma friamente que viera em uma má hora, que não deveria ter vindo. Boris tenta dissuadi-lo, apresentando-o aos presentes, mas o rapaz continua mudo. O diplomático Boris finge não perceber o constrangimento geral, todavia Rostov o chama, em particular, para falar das dificuldades de Denisov. Enquanto fala Boris o olha como um general para um subalterno. Irritado sai, mas Boris diz que fará o que for possível. Rostov havia chegado a Tilsit quando os preliminares do acordo de paz entre França e Rússia já haviam sido assinadas. Estava fora de questão ir direto ao general, uma vez que estava trajando roupas de civil e havia vindo sem permissão. Os imperadores trocaram honrarias e um suntuoso banquete fora marcado. Rostov, ressentido, parte logo cedo, para não ver Boris. A cidade estava em festa com as bandeiras francesas e russas por toda a parte. Aborrecido, pensa em não partir até que entregue a carta ao imperador... Nesse instante, lembra-se que ele estava na cidade e sairia a qualquer momento. “Se eu pudesse dar-lhe a carta diretamente, e dizer-lhe”... Com esse pensamento foi direto a casa onde o imperador estava hospedado. Ele fantasiava um diálogo entre os dois! Ao entrar é interpelado por sua presença e quase enxotado para fora. Porém é reconhecido pelo antigo general de seu regimento, o qual se oferece para entregar a petição. A suíte[27] do imperador desce e dirige-se para os seus cavalos e logo depois ele chega, encontrando-se com o general. Conversando brevemente responde: “Eu não posso, general, e eu não posso porque a lei é mais importante do que eu”. Os dois imperadores estão em praça pública e Napoleão tinha um sorriso desagradavelmente hipócrita no rosto, enquanto Alexandre uma expressão cordial! Bonaparte pede permissão para dar a Legião de Honra ao seu soldado mais bravo. Lazarev foi o escolhido, era o melhor atirador. Depois da condecoração, os dois homens mais importantes partem e o batalhão se desfaz. Rostov observa a festa de longe e se pergunta o porquê dos imperadores se tratarem com tanto respeito! Vêm-lhe a mente a figura do pobre Denisov e seu horrível hospital e todos aqueles braços e pernas decepados e os tantos homens mortos! Nikolay não consegue achar uma razão para tudo que está ocorrendo. Contudo, revoltado com a atitude de alguns soldados que criticavam o Tzar começou a gritar que “eles são somente soldados e não podem julgar Alexandre”. Se sua Majestade reconheceu Bonaparte como imperador e fez uma aliança com ele era preciso admitir que tal fato fosse o mais certo. Depois desse desabafo, embriagado, pede mais uma garrafa!

Parte 6

Em 1809, Napoleão e Alexandre estavam tão próximos, que quando o primeiro declara guerra à Áustria, Alexandre coloca-se ao lado de seu ex-inimigo. Dizia-se mesmo da possibilidade de um casamento entre Bonaparte com uma das irmãs do Tzar. Todavia, mudanças internas aconteciam em todos os departamentos do governo. Príncipe Andrey passou dois anos seguidos no campo, conseguindo, sozinho, realizar tudo o que Pierre desejara e este, infelizmente, não conseguira concretizar seus sonhos. Ele não possuía o que sobrava no príncipe, tenacidade prática. Andrey modernizara suas propriedades e o critério de vida dos ocupantes, transformando servos em agricultores, dando saúde aos camponeses assim como alfabetização. (Aqui Tosltoy descreve a beleza dos campos russos na primavera e um velho carvalho). Na primavera de 1809 Andrey parte para a propriedade de seu filho da qual era o responsável, Ryazan, e durante a jornada é tomado por uma sensação de paz e bem estar. Está certo de que deveria continuar com o mesmo tipo de vida: contente em não fazer o mal, nada temendo e nada desejando. Como administrador de seu filho necessita falar com o prefeito da cidade, Conde Ilya Andreivitch Rostov e em maio vai vê-lo em Otradnoe. Durante a viagem ouve risos juvenis, descompromissados e felizes. Na mansão, Rostov recebia seus convidados, durante a quente primavera, e a casa estava repleta de pessoas. Bolkonsky é convidado a passar a noite com eles. Durante o jantar ele olhava Natasha sempre sorridente e se perguntava por que ela estaria tão feliz. (Tolstoy descreve uma belíssima noite primaveril, muito quente, com uma lua clara iluminando toda a magnífica paisagem e Natasha, inquieta, não conseguindo dormir para apreciar o luar). Tudo isso Andrey viu e ouviu da janela de seu quarto, pensando “E nada para fazer com minha existência!” Dentro de sua alma cresce um desejo totalmente inesperado de juventude e esperança! Com esse sentimento ele vai dormir. Contudo, no dia seguinte parte bem cedo, sem esperar pelas damas. Passando, novamente pela floresta reconhece o local onde estava o carvalho com o qual simpatizara. Vendo-o todo verde e imponente, os melhores momentos de sua vida voltam à sua mente. Então, decide que aos trinta e um anos, ainda tinha muita vida, que deveria ser compartilhada com outros. Desse modo, começou a fazer planos para ir a Petersburgo no outono. Toda sua experiência e cultura precisavam ser postas em prática. Queria muito rever Pierre. Chega a Petersburgo em agosto de 1809 e lá estava o Tzar que havia sido ferido no pé. Nesse período grandes mudanças políticas estavam ocorrendo na Rússia, devido à visão liberal do jovem imperador Alexandre. Ele agora trabalhava sob a supervisão de Speransky, no lado civil, e com Araktcheev no lado militar. Ao ser recebido pelo Tzar, percebe um frio olhar de reprovação. “Sua majestade estava descontente com a retirada de Bolkonsky do serviço ativo desde 1805”. Andrey tendo resolvido voltar para a armada e apresentar suas idéias de reforma tem uma entrevista com o intragável ministro da guerra, Araktcheev, que se nega a ajudá-lo. O príncipe percebe que está em preparação uma vasta modificação política e que seu mentor era o genial Speransky, que ele não conhecia. Essa reforma passa a interessá-lo bastante. Visitando o partido é muito bem recebido, por sua posição liberal, pois havia emancipado seus servos e era um homem de grande cultura e inteligência. “As pessoas falavam dele, estavam interessadas nele e ansiosas por vê-lo”. Um encontro é arranjado entre ele e Speransky. Este o impressiona muito por sua calma, autoconfiança, tom de voz e a alvura do rosto e mãos, que ele só vira nos soldados feridos do hospital onde estivera. Esse homem era o conselheiro confidencial de Alexandre e secretário de estado. Quando o nome de Andrey é mencionado ele o congratula por seu comportamento. Declara que o conhece pela libertação dos servos e por ter começado a vida militar pelos postos mais baixos, sem se valer de suas prerrogativas de nobre. Conversando e ao mesmo tempo admirando Speransky, confessa ser um admirador de Montesquieu[28] e de sua teoria, que o princípio das monarquias é a honra e isso lhe parecia incontestável. Admirado com essa declaração o secretário passa a discutir sobre l’honneur[29], a qual não pode ser baseada em privilégios prejudiciais ao trabalho do governo! E assim se faz no governo de Napoleão Bonaparte. Concluindo seu raciocínio deixa o local sem se despedir, à la française[30]. Andrey, durante sua estadia, percebe a inconsistência dos homens importantes da época, depositando suas esperanças apenas em Speransky, o qual o adulava como um possível associado para o futuro. Ele se vê tão fascinado por esse personagem que concordava com tudo que dizia. Contudo Speransky mudava constantemente sua linha de pensamento e concluía estar sempre com a razão, nunca tendo dúvidas sobre isso. “E aquela particularidade da mente de Speransky era o que mais atraia o Príncipe Andrey”. Filho de um padre de classe baixa fez-se notar pela sua inteligência e esforço próprios. “Queremos dar novos poderes judiciais ao Senado, e nós não temos leis. Por isso é um pecado que homens como você, príncipe, não estarem no governo”. Em uma semana Andrey era membro do comitê para reconstrução das regulamentações das armadas e chairman para a revisão do Código Legal! Em 1808, Pierre volta a Petersburgo e é um dos principais membros da Maçonaria, construindo templos e mantendo a construção da casa dos pobres às suas próprias custas. Todavia continuava bebendo e comendo muito. Apesar de refletir que isso era imoral e degradante era incapaz de resistir a essas tentações. Pierre começou depois do lapso de um ano, a sentir mais e mais que “o chão da maçonaria estava escorregando sob seus pés”, mas isso só fazia com que ele se sentisse mais afeiçoado a ela. Sabia que seus irmãos não passavam de pessoas comuns que não obedeciam às suas leis. Seu coração não estava do lado místico da maçonaria e se sente insatisfeito com o que está fazendo, assim parte para o exterior, a fim de estudar os mais altos mistérios da ordem. Em 1809 ele volta com muitas novidades. “Queridos irmãos” ele começou falando... “Estamos caindo em estado de inatividade, e precisamos agir”. “Precisamos purificar os homens dos preconceitos... começar a educação da geração mais jovem”... “cada reforma pela violência deve ser rechaçada... porque a sabedoria não precisa da violência.” “Devemos proteger o talento e a virtude”. “Cada pessoa deveria ser capaz de achar satisfação para suas paixões dentro dos limites da virtude, e nossa ordem deveria prover meios para esse fim”. Acabando o discurso há sérias discuções e a irmandade acaba se dividindo em duas partes. Uma contra o conde e outra a favor dele. O Grande Mestre não aceita suas idéias e Pierre, simplesmente, vai para casa. Fica três dias sem sair e isolado para meditar, mas recebe uma carta de sua esposa pedindo uma reconciliação! Pierre viu que havia uma conspiração contra ele, que queriam reconciliá-lo com sua mulher. Sem responder à carta vai encontrar-se com Osip Alexyevitch em Moscou. Ele é bem recebido pelo homem, que agora se encontra muito pobre e doente. Osip relata que dos três pilares da maçonaria o principal era auto-reforma e auto-purificação. Somente no centro das dificuldades do mundo conseguimos o autoconhecimento, maior perfeição e amor à morte. Aconselha-o a não abandonar a maçonaria, tentar ajudar seus irmãos e manter-se atento às suas atitudes! Dá-lhe um caderno para anotar suas ações futuras. Seis dias depois voltara com sua mulher, esperando esquecer o passado! “Possa ela nunca saber o quanto foi doloroso para mim, vê-la novamente!” Nessa época, a sociedade russa exaltada dividiu-se em diversos círculos. Ellen pertencia ao maior de todos, o francês, e era reconhecida e admirada por sua beleza e sagacidade. Ir aos seus salões significava muito prestígio. A maioria queria estar perto dela, assim lhe confidenciavam muitas coisas e ela se tornara poderosa. Pierre ficou muito admirado com isso, já que conhecia muito bem sua falta de inteligência e cultura. Ele não tomava parte desse mundo e sua concentração em coisas imateriais dava-lhe um tom de despreocupação, indiferença e benevolência a todos. Entre os convidados que Ellen mais recebia estava Boris Drubetskov, que se tornara seu preferido e conseguira sucesso em seu trabalho. Pierre desgostava dele, mas não se importava mais com as atitudes de sua mulher para se resguardar de qualquer mortificação, como ocorrera anteriormente. A presença física de Boris o aborrecia e, no entanto, no passado havia gostado dele. Um complexo e laborioso processo de desenvolvimento interior ocorria dentro de sua alma! Passara a anotar seus feitos no diário dado por Osip. Em uma dessas vezes descreve que fora o rhetor de Boris quando este entrara para a maçonaria. Todo o tempo da cerimônia ele tentara não sentir ódio, todavia isso foi impossível, pois o rapaz estava sendo insincero, querendo apenas conhecer pessoas de importância dentro da ordem. “Ó Grande Mestre da Natureza, ajude-me a encontrar o verdadeiro caminho que conduz para fora do labirinto da falsidade!” O diário foi largado, mas logo recomeçado. Certa vez, através de uma conversa com outro maçom, irmão A, encontra paz e esperança e as dúvidas se dissipam. Ele diz que a trindade é composta por enxofre, mercúrio e sal.“O mercúrio é sem substância, flutuante, essência espiritual – Cristo, o Espírito Santo, Ele.” Contudo, no dia seguinte ele não se concentra e pensa na imagem de Dolohov, após o duelo ter ocorrido. Dolohov esperava que Pierre estivesse mentalmente bem apesar da falta da mulher! O jovem conde assustado com sua grande violência contida passa a ter pesadelos sobre isso e pede a Deus que o proteja. Em outra casa, as finanças dos Rostovs estão péssimas, apesar da promessa feita pelo conde de não gastar, no entanto em Otradnoe, seus hábitos fazem com que seu débito cresça a cada dia. A única solução seria ele ir para Petersburgo e procurar um emprego no serviço governamental. Todavia lá ele é um provinciano e desconhecido, ao contrário de sua situação em Moscou. Agora, em sua casa sempre aberta, os novos freqüentadores são pessoas de diversos níveis e os mais assíduos Boris, Pierre e Berg, um oficial que se apaixonara por Vera. Berg fala muito de seus atributos e méritos (exagerados), mas todos acabam acreditando nele, que é, sem dúvida, um rapaz com excelente reputação. A proposta de casamento é feita e os Rostovs, a princípio titubeiam por sua origem obscura, mas é finalmente aceita. Ele pensa que a linda Vera trará consigo um valioso dote, mas a ama de qualquer maneira. O velho conde está preocupado, pois não pode oferecer nenhum dinheiro para sua filha. Seus débitos são enormes, apesar de não saber quanto, e ele vendera uma propriedade e os outros bens estão penhorados, não podendo ser vendidos. Ele não tem nada a oferecer! O prático Berg, um dia entra em seu escritório para saber exatamente qual seria a quantia que Vera receberia, caso contrário não poderiam se casar, pois não teria como mantê-la. O conde muito nervoso desconversa e promete-lhe uma letra a ser descontada no futuro. Ele não aceita, mas o velho Rostov pede-lhe um beijo e sai. Natasha está agora com dezesseis anos e mais linda do que nunca. Faz quatro anos que prometera se casar com Boris. Apesar de afirmar que tudo era uma tolice da infância, no fundo da alma está preocupada. Boris não havia aparecido por quatro anos e não dera notícias. Presentemente, ele se vê obrigado a visitar os Rostovs, a fim de dizer a mesma coisa que Natasha pensava. Seus planos são de se casar com uma rica herdeira que conhecera em Petersburgo e quando vê Natasha fica atônito. “Que linda você se tornou” exclama. Natasha o observa sem reservas e percebe que ele se tornara um dandi. O olhar intenso da garota o faz se sentir embaraçado e depois de apenas dez minutos está resolvido a não voltar mais. Apesar disso ele passa a ser o mais assíduo freqüentador da casa. Natasha parece estar ainda apaixonada por ele e Boris não consegue dizer que não se casará com ela, deixando tudo para trás, até suas visitas a Ellen, a qual lhe envia notas de reprovação! Uma noite Natasha deita na cama de sua mãe, como gostava de fazer, e quer falar sobre o casamento com Boris. Sua mãe a reprova dizendo que ela virara a cabeça do rapaz, que ele não significa nada para ela, mas a menina não concorda. A condessa revela-lhe que ele está noivo de uma rica moça e semi-enlouquecido com tudo. Sua mãe promete que pedirá a ele para não vir mais visitá-los, entretanto Natasha concorda em não se casar com o jovem, mas quer continuar a vê-lo, apesar de ele ser para seu gosto muito cinza e estreito, de algum modo como um relógio de parede! “Bezuhov não, agora é azul, azul escuro e vermelho, e ele é quadrangular.” A mãe afirma que ela está flertando com ele, também. “Não, ele é um maçom, ouvi dizer. Ele é jovial, azul escuro e vermelho; como posso explicar para você...”relata a menina. O velho conde chega e Natasha vai para seu quarto sonhando com palavras elogiosas que os homens lhe diriam um dia! No dia seguinte a condessa pede para Boris deixar de freqüentar a residência. Em 31 de dezembro de 1809, na véspera do ano novo, um grande e imponente baile se realizará em Petersburgo. Todas as celebridades se encaminham para o local. O imperador também iria à grande ocasião. Era um delírio total e quando um terço dos convidados já havia chegado, os Rostovs ainda estavam se preparando. (Tolstoy descreve, longa e minuciosamente e ainda de maneira muito bem humorada, os preparativos da festa e dos Rostovs, em especial o comportamento delirante da jovem Natasha, que queria preparar tudo e a todos). Depois de muitas evoluções, Natasha fica pronta. Está maravilhosa, magnífica e juntamente com o resto da família, acompanhados pela Madame Peronsky, partem para o baile, com grande atraso. Era a primeira vez que Natasha iria a um baile dessa magnitude. Natasha está encantada com os prospectos da festa e as emoções que sentiria. Ao entrar com Sonya assume um porte majestoso, que considera indispensável. A primeira impressão que causa nos anfitriões é de beleza e simpatia e ao ver os olhares em sua direção se acalma. Ellen chega e Madame Peronsky afirma que os homens estão loucos por ela. Ela descreve e conta a peculiaridades de todos os convidados aos Rostovs. Pierre ao entrar caminha rápido, cumprimentando os presentes com naturalidade “como se estive em um mercado.” Natasha aguarda Pierre que havia prometido encontrá-la e ao seu lado está o belo Bolkonsky. Reconhecendo-o a jovem acha-o mais feliz e mais bonito. Madame Peronsky não gosta dele por suas idéias liberais. Quando o Tzar aparece, os músicos começam a tocar uma Polonaise e a glória chega ao ápice. Anda rapidamente com seus anfitriões logo atrás e todos os tolos querem vê-lo de perto. Os pares se formam e começam a dançar, o salão está repleto de casais. Natasha, incrédula, não é convidada por nenhum rapaz, ficando de tal maneira magoada pelas pessoas que olham para ela e não a vêem que sente vontade de chorar! Ellen e um excelente bailarino são o centro das atenções. Príncipe Andrey está conversando, quando Pierre pede-lhe que dance com sua protégée[31], Natasha. Ele o faz com grande felicidade e prazer. Natasha, agora vista, dança a noite toda sem parar. Já ofegante volta novamente aos braços de Andrey, o qual encantado por sua beleza e frescor, deseja até se casar com ela. Era uma pessoa rara entre todos os presentes! Andrey, um ótimo bailarino e com ela tão próxima dele, se sente cheio de vida e juventude outra vez. Natasha, mais feliz do que nunca, ao se dirigir para a mesa do jantar, observa Pierre como rosto nublado de infelicidade e vai ter com ele para ajudá-lo. Não compreende como alguém possa estar infeliz em um lugar tão maravilhoso. Na manhã seguinte Andrey pensa no baile, mas isso ocupa pouco a sua mente e começa a trabalhar. Bitsky, um apaixonado de Speransky, mas que muda de idéia como quem muda de roupa, chega para falar com o príncipe. Menciona o discurso de Alexandre, onde cita que o governo deveria ser instituído em secure basis[32]e que o sistema fiscal precisava ser reconstituído assim como as contas públicas. Andrey não se entusiasma com que ouve, pois isso não o faria mais feliz! Ele começava a perder o entusiasmo anterior de quando chegara à cidade. À contragosto comparece a um jantar na limpíssima casa de Speranky, cujos convidados faziam um círculo em volta dele. O anfitrião está descontraído e rindo muito e alto, parecendo outra pessoa aos olhos do decepcionado Andrey. Os convidados o bajulam contando também muitas piadas de mau gosto. Não conseguindo participar dessa insólita sociedade volta para casa mais cedo, revendo o trabalho que realizara nesses meses e sente vergonha de si mesmo! No dia seguinte vai visitar os cordiais Rostovs e quer ver Natasaha, julgando que eles não têm idéia do tesouro que a jovem é. Após o jantar ela se dirige ao clavicórdio e começa a cantar, a pedido de Andrey. Durante a canção pensa em todas as suas perdas dolorosas e no futuro. Isso o emociona e sente vontade de chorar. Tarde da noite ele volta para casa, mas não consegue adormecer. Percebe que está apaixonado pela menina e pela primeira vez, depois de muito tempo, começa a elaborar planos de felicidade. Quer visitar a Inglaterra, Suíça e Itália. Precisava tirar vantagem de sua liberdade, de sua força e juventude. “Enquanto se está vivo é preciso viver e ser feliz” reflete. O coronel Berg convida-o para uma pequena soirée em sua casa. Faz questão que ele compareça dez minutos antes das oito, mas chega quinze minutos antes das oito, entretanto Vera e Berg já estavam esperando por ele. Convidado a se sentar, destrói a simetria da decoração da sala, puxando uma cadeira só para si. Boris comparece e depois vão chegando o coronel e sua mulher depois o general e finalmente os Rostovs. A certa altura Pierre senta-se em frente à Natasha e fica chocado com sua expressão de indiferença a tudo! Ele se pergunta, muito preocupado, o que acontecera com ela. Andrey, sentado ao lado da garota, começa a dizer-lhe algo e ela fica muito corada. Nesse instante Natasha volta a ser a menina esfuziante que costumava ser. Pierre, enquanto jogava cartas, os observava e muito agitado com o ocorrido se esquece do que estava fazendo. Vera diz a príncipe Andrey que Natasha tem vários pretendentes, todavia ela os recusava por querer alguém com substância. Quando Pierre se aproxima ele diz, embaraçado, que precisa muito falar com o amigo. No dia seguinte Andrey volta aos Rostovs e todos percebiam a razão da visita. Natasha fica tensa e não consegue que ele diga nada para ela, todavia conversara com a condessa e dissera que iria para o exterior e queria saber onde passariam o verão. Natasha pensa que algo sério vai suceder e confidencia que sente medo dele. Sua mãe sente o mesmo. Parecia à jovem que havia se apaixonado por ele em Otranoe, e achava impossível que ele tivesse, do mesmo modo, gostado dela. Enquanto Natasha confidencia seu amor por Andrey ele faz o mesmo com Pierre! Em uma recepção na casa de Elena Vossilyevna Pierre começa a sentir, aos poucos, o retorno de velhos hábitos mais humanos e não consegue parar de pensar na noite do baile, mas tenta tirar isso de sua mente assim como Andrey e sua mulher, Ellen. Trabalhava nos assuntos maçônicos esperando que esse mal estar passasse, quando Andrey entra em seu quarto. Contrariado diz que está ocupado, mas seu amigo, com o rosto mais feliz, diz-lhe que está apaixonado. Contrafeito quer saber se é por Natasha e a resposta é sim, quem mais poderia ser! Está tão feliz que não quer nem saber se é velho demais para ela. Casar-se-á com ela com ou sem o consentimento de seu pai. O mundo para ele agora era novo e diferente. Dizia isso a Pierre, porque precisava abrir seu coração. Quanto mais feliz ele ficava, mais continente e triste Pierre se encontrava. Para realizar seus planos, Andrey vai saber a opinião de seu pai, porém o velho príncipe, interiormente, fica furioso com sua escolha, quer seja pela idade da jovem, quer seja por sua posição social e econômica muito inferior a deles. Com muita calma pede-lhe que postergue o casamento, por um ano, para que tenha certeza de que é isso que realmente quer fazer. Três semanas depois retorna a Petersburgo. Natasha havia esperado por ele todo esse tempo, sem saber notícias suas, em um estado de insegurança, irritabilidade e choro. No final desse período, ela levanta com seu costumeiro bom humor e elevado estado de espírito. Indo ao estúdio canta e dança na frente do espelho, admirando-se. “Sim, esta sou eu”, diz sorrindo. Sente-se bonita, jovem e desimpedida. Todavia ela ouve a voz de Andrey, mas não quer mais ser torturada. Ele lhe confirma que desapareceu para ver seu pai e gostaria de falar a sós com a condessa. Pede a mão de Natasha em casamento e explica a condição que seu pai impusera- a espera de um ano para realizar o casamento. Apesar disso quer continuar vendo a jovem. Natasha chega à conclusão de que verdadeiramente estava apaixonada por ele e aceita o pedido. Estava tão feliz que o beija e chora ao mesmo tempo. Esse ato de total amor faz com que Andrey observe que sua reação não é poética como antes e não está tão feliz quanto esperava! Agora a condição é mais séria e profunda. Por sua vez, Natasha também está assustada com o futuro, contudo resolvem que o noivado será discreto e sigiloso para que Natasha tenha tempo de se conhecer melhor e refletir se esse é mesmo seu desejo. A menina deverá ter plena liberdade de ação durante esse período, para saber se realmente o amava. O relacionamento do casal torna-se simples e sincero. Todos da casa gostavam dele e raramente os dois falavam sobre o futuro. Natasha pergunta sobre seu filho, mas ele diz que o pequeno príncipe não viveria com eles, mas sim com sua irmã e pai. A garota adoraria conviver com a criança. O convívio entre eles era agradável e feliz e antes que parta para o exterior leva com ele Pierre, para visitá-los, pedindo que, na sua ausência, se aconselhem com Bezuhov, pois é uma pessoa boa e inteligente. No dia da partida Natasha encontra-se muito bem e não chora, está apenas um pouco distraída. Após quinze dias, se recupera totalmente e volta a ser ela mesma! A saúde de Nikolay Andreitch Bolkonsky tinha, durante esse ano depois que o filho o deixou, piorado bastante. Estava mais irritável do que nunca e ofendia os sentimentos de sua filha constantemente, que apesar disso o perdoava. No inverno Andrey volta para visitá-los e está muito feliz, gentil e amoroso. Marya havia percebido que durante a sua despedida pai e filho estavam estranhados, mas agora estão bem. A jovem resolve escrever uma carta alentadora para a melhor amiga, a qual sonhava ser um dia a esposa de Andrey, sobre a morte de seu irmão em Moscou. Explica que não poderá visitá-la por causa de Napoleão. Seu pai está muito mal, irritando-se ao saber que Bonaparte é considerado um imperador pelos governantes russos. Andrey se recuperara de suas perdas, ela escreve, e voltara a ser feliz novamente, mas sua saúde piorara. Está mais magro e nervoso. Ele é reconhecido em Petersburgo, conta, pela sua causa junto aos servos e seu sentido de justiça. Marya se espanta como os rumores daquele lugar chegam rapidamente à Bleak Hills e que ouvira falar do noivado de seu irmão com a jovem Rostov, não crendo que seja verdade, pois ela não é o tipo de pessoa que o atraia! Termina a missiva assinando somente Marie. No meio do verão seguinte, recebe uma carta de Andrey contando-lhe toda a verdade sobre seu noivado. Agora se encontrava na Suíça para tratamento médico. Após seis meses está mais firme do que nunca em sua resolução e lá ficaria por mais três meses. Seu pai ao ler a carta do jovem conde pede para Marya lhe dizer que logo morrerá e assim estará livre de sua promessa para fazer o que bem quiser! Toda a raiva do conde é despejada sobre a pobre Marya! O que ninguém sabia é que ela recebia peregrinos em sua casa, ansiosos por falar-lhe, escondida de seu pai. Conhecendo uma suave peregrina, Fedosyushka, decide que também deveria fazer, ela própria, essas peregrinações, confidenciando apenas ao padre Akinfy, o qual aprova o seu projeto. Ela mantinha em seu guarda-roupa, o traje completo de peregrina, imaginando-se andando o tempo todo até chegar ao céu eterno! Entretanto, olhando seu pai e seu adorado sobrinho chorava em silêncio, via-se como pecadora, pois os amava mais do que a Deus!

Parte 7

A tradição bíblica nos ensina a comer com o suor de nosso próprio rosto. O ócio é mal visto e uma voz secreta nos culpa por isso. Segundo Tolstoy, é no serviço militar que encontramos essa obrigatória e irrepreensível ociosidade mais consistente e atrativa. Nikolay Rostov gozava desse privilégio no mais alto grau, enquanto permanecia no regimento Pavlograd, no comando que havia sido de Denisov. Era amado pelos seus subordinados e superiores. Recebia cada vez mais freqüentemente cartas de sua mãe que expunham a precariedade pecuniária de sua família e que precisava voltar para casa. Não ligava para elas, mas um dia recebe uma, em que sua mãe lhe conta sobre o noivado de Natasha, ficando furioso com o fato dela se casar com Andrey, somente com o consentimento do pai dele. Além disso, a casa seria colocada em leilão e eles estariam perdidos. Apesar de tudo só resolve voltar para casa, depois de seu cochilo costumeiro. Lá enfrentaria tudo que mais detestava, deixando a paz do exército para trás. Antes de abandonar o regimento, seus camaradas oferecem-lhe um caríssimo jantar e o conduzem cantando até a próxima estação. Na primeira metade da viagem está feliz, pensando nos companheiros, mas na segunda metade começa a se preocupar com o que encontraria em Otradnoe. Na estação dá uma bela gorjeta e corre, sem fôlego, os degraus acima de sua casa, como um menino. Lá está tudo exatamente igual, apenas seus pais um pouco mais irritados e a bela Sonya com vinte anos, mais linda do que nunca e louca de paixão. Os que mais o impressionaram foram Natasha e Petya, este está muito alto com treze anos e Natasha mais deslumbrante do que já era e uma grande dignidade exalava da garota. Ela se diz feliz, mas que já se apaixonara por Boris, pelo professor deles, por Denisov, porem agora era totalmente diferente. Está calma porque sabe que não existe no mundo ninguém melhor do que ele! Nikolay demonstra sua insatisfação com a espera de um ano, mas ela acha que para serem felizes precisavam da aprovação do velho conde. Ele parecia cético quanto a esse casamento, por vê-la tão serena longe do noivo por tanto tempo. Algo errado estava ocorrendo aqui. Conversando com sua mãe, descobre que ela também não acreditava muito no evento, visto que ele não regressava da Suíça e isso só significava uma coisa: doença. Mas que ele não dissesse nada a sua irmã que estava tão serena. Nikolay pretendia resolver o mais rápido possível os problemas existentes e vai direto falar com o pouco confiável Mitenka, que ajudava seu pai. Ameaça-o e o chama de ladrão. O conde Ilya fica preocupado com sua reação e o jovem decide que contabilidade está acima de sua compreensão, não se metendo mais nesses assuntos. Sua mãe mostra-lhe uma nota que deve a Anna Mikalovna, mãe de Boris que tanto ajudaram, e Nikolay a rasga deixando a condessa chorando de felicidade! Depois disso seu único objetivo é a caça, que se mantém em grande escala na propriedade de Ilya. O outono acabara e o inverno começa a se instalar na Rússia. Os jovens lobos já estavam maiores do que os cachorros. Essa era a melhor época para a caça. Nikolay olhando para o céu que parece estar se derretendo e sem nenhum vento, conclui que hoje é uma ótima ocasião para caçar. Acariciando seus cachorros dá ordens para Danilo, o ucraniano serviçal da caça, para preparar os cavalos e tudo o mais para a caçada à raposa que se encontrava em uma reserva florestal em Otradnoe. Depois de checar os cães vai aos cavalos. Natasha, desarrumada, entra em seu apartamento e pergunta se ele irá caçar. Ela quer acompanhá-lo e apesar da resistência do irmão manda selar seu cavalo. Todos partem para a caça, inclusive Petya, com cachorros, cavalos, serviçais e caçadores atrás da raposa. Cento e trinta cachorros, mais a comitiva de vinte homens a cavalo movem-se sem o menor ruído ou conversa para a floresta. Natasha e Petya, como sabemos, fazem parte do grupo e um senhor, parente distante ao qual chamavam de tio, olha-os com muita desaprovação por se misturarem com assuntos sérios como aquele! Eles prometem não se envolver no tema e ter o máximo cuidado. Assim, os cavaleiros marcham rapidamente. O velho conde Ilya chega atrasado com seu valet[33] Tchkmar.Vermelho pela corrida e pelo vinho que havia tomado mais parecia um bebê saindo para passear, com um humor genial. Subitamente vêem um lobo que parara em sua fuga para decidir que rumo tomar, desaparecendo entre os arbustos. Os cachorros latem atrás dele desesperadamente, mas o conde perde a oportunidade de caçá-lo e ninguém mais consegue alcançá-lo. Enquanto isso, Nikolay estava em seu posto esperando pelo animal, sabendo pela movimentação na capoeira o que poderia estar acontecendo. Haveria lobos jovens e mais velhos. Sabia também que alguma coisa havia saído errado. Achava-se desafortunado nas cartas, na guerra e em tudo! Repentinamente vê um lobo que o encara, sem saber o que fazer, mas apesar de acuado pelos cães ele consegue escapar, entretanto caçadores e cães conseguem encurralá-lo. Contudo o animal morde ferozmente um de seus cachorros preferidos. O lobo é emboscado, mas correndo para a capoeira encontra segurança outra vez. Danilo, depois de muito esforço, domina-o, colocando seu pé no pescoço da besta, um graveto nas suas mandíbulas e amarrando suas pernas. Felizes e exaustos amarram o lobo vivo ao cavalo, seguindo para o ponto de encontro e lá todos passam as mãos em seu pelo. Danilo sorria com doçura e amabilidade. (Leo Tolstoy narra nessa intrincada caçada a beleza da espessa mata russa, dos cavalos e dos cachorros como um belo poema, pontilhado por sons, imagens e odores característicos desses eventos). Homens de Ilagin, vizinho dos Rostovs estavam caçando nos seus domínios. Sempre julgado como um inimigo, Nikolay se surpreende ao ver um gentleman de aparência majestosa vindo cumprimentá-lo. Desculpando-se diz que punirá os homens e ao ver Natasha a chama de Diana, por sua beleza e paixão pela caça! Convida-os a conhecer suas terras e o número da comitiva dobra! Finalmente Ilagin parte. Nikolay encontrava-se muito longe de casa para voltar àquela hora e desse modo aceita o convite do tio para seguirem para sua rústica casa. Conduzidos ao estúdio Petya dorme imediatamente e o tio reaparece vestido com um casaco de Cossaco, parabenizando Nastasha pela sua resistência. A companheira de seu tio, Anisya Fiodorovna, é “ela”, uma mulher forte, risonha e de pés descalços. Traz uma bandeja com deliciosos quitutes e bebidas para que todos comam o que havia de melhor na casa. O tio era considerado pelos empregados e vizinhos um homem justo. Indagado pelo jovem da possibilidade de ligar-se ao exército responde que isso já não era negócio para ele, mas a caça sim. Logo chega Mitka tocando a balalaica e os convidados se admiram com o maravilhoso som. O tio, por sua vez, começa a tocar violão esplendidamente. Natasha sente-se feliz como nunca estivera antes e, ao som da música, dança como só os verdadeiros russos sabem fazê-lo. Às dez horas da noite chega uma diligência para levá-los de volta. O simpático tio acompanha-os até o coche. Os jovens, durante a viagem, estão muito felizes e Natasha concorda com Nikolay que jamais se sentira tão feliz e em paz como naquele momento. Conde Ilya Rostov desistiu de seu cargo governamental pelas despesas decorrentes dele. Passaram a ter uma vida sossegada em Otradnoe, mas do mesmo modo cerca de vinte pessoas sentavam-se à sua mesa diariamente. Era inevitável. Apesar de receberem pouco, os gastos do estabelecimento de caça haviam aumentado muito com Nikolay. Eram cinqüenta cavalos e quinze empregados. A única maneira de salvar seus filhos da ruína seria casar o jovem Nikolay com Julie Karagin, herdeira de uma imensa fortuna. Nikolay diz à sua mãe que não o fará, pois já estava apaixonado por uma mulher pobre, a bela prima Sonya! Essa jovem era tão impecável que era impossível achar um único defeito em sua conduta. Uma nova carta de Andrey chega relatando que sua ferida se abrira na Itália e não poderia voltar até o Ano Novo. Natasha passa a ficar deprimida. O Natal chega com o tempo gelado e o céu maravilhosamente azul, contudo nada de anormal acontece. A mesma rotina continua. “A vida não era alegre na casa dos Rostovs”. Porém no terceiro dia da semana do Natal, Natasha está impaciente com a solidão e mesmice e, chorando, pede à mãe que quer o noivo imediatamente. Sente-se muito infeliz e inquieta. “Há um tempo para cada coisa”, responde a condessa desolada. Agora a jovem começa a dar ordens para todos e para tudo. Ninguém mandava naquela casa como Natasha! Desesperada solicita à mãe que dê Andrey para ela, repetindo a mesma frase diversas vezes! A esfuziante Natasha simplesmente não suporta mais aquela rotina. Dialogando com Nikolay quer saber se ele já sentira melancolia. Afirmando que sim, “os dois irmãos sorriem com jovialidade, eles entram em suas reminiscências; não as memórias melancólicas da velhice, mas as memórias românticas da juventude”. Os jovens Nikolay, Natasha, Sonya e o não tão jovem Dimmler, conversam sobre filosofia e eternidade. A condessa, entretanto, pede para que Natasha cante. Sua mãe ao olhá-la com seu instinto materno avalia que há muito em Natasha e que talvez esse fato não permita que ela seja feliz! Quando a menina para de cantar, Petya entra correndo, para avisar a chegada dos mummers[34].(Leo Tolstoy narra o encantamento do Natal russo, seus antigos costumes, como os mummers, as comida especiais, o frio e a neve, sendo impossível não nos enternecermos com essas belas narrativas!) Os fantasiados jovens Rostovs decidem visitar os Melyukovs e são alegremente recebidos. Nessa gelada e encantada noite Nikolay percebe o quanto amava Sonya e ao relento, sob a luz do luar beijam-se na boca! Rostov confessa à sua irmã que já havia decidido o seu futuro com Sonya e encontra-se muito feliz! Pouco antes de irem dormir Natasha aflige-se, novamente, quanto à saúde do príncipe Andrey, era seu destino em jogo. Após o Natal, Nikolay comunica sua decisão de se casar com Sonya.Chorando e amargurada a condessa diz que ele pode se casar com quem quiser, mas não terá a benção dos pais. O conde reconhece que perdera toda a fortuna com seus maus hábitos e agora não pode censurar seu filho, pois ninguém melhor do que Sonya para ser sua esposa. O relacionamento tão feliz dos Rostovs torna-se deprimido, pois a condessa não aceitara com bons olhos o casamento dos dois filhos e Natasha irrita-se com as cartas de Andrey, pois ele tem uma vida normal, enquanto ela passa seus dias esperando-o. São forçados a vender a propriedade perto de Moscou e Ilya leva com ele Sonya e Natasha, mas a condessa fica para trás por estar doente.

Parte 8

Depois do noivado de Natasha, Pierre acha impossível continuar vivendo como antes. Apesar de sua devoção, com a notícia da morte de Osip Alexyevitch e o noivado dos jovens, sua vida religiosa que se encontrava no ápice, subitamente começa a fenecer. Não suportava mais a intensa vida social e seu cargo na corte. Para de freqüentar a maçonaria e se envolve novamente na antiga vida de dissipação e vícios. Resolve partir para Moscou. Entrando em sua imensa mansão com a rotina de sempre e vendo os antigos rezando na capela Iversky sente-se confortável, aquecido e em casa, “como em um velho pijama!” É recebido pela sociedade com muito carinho por suas inúmeras qualidades. “Sua carteira estava sempre vazia, porque estava sempre aberta para qualquer pessoa.” Nada acontecia sem sua presença! Era igualmente amável com todos. Em vez de ser um homem cheio de glórias, como poderia ter ocorrido, ele era um aposentado, o riquíssimo marido de uma mulher infiel, indulgente consigo próprio e o predileto da sociedade moscovita. Mas às vezes se via como alguns membros do clube inglês, que entraram lá e só saíram sem dentes e carecas. Isso o apavorava, contudo ele ainda aspirava fazer alguma coisa para que a humanidade fosse mais justa. Após algum tempo em Moscou, ele não desprezava mais seu companheiros, mas se apiedava deles e a si mesmo! Ele via a “insignificância escondida no fenômeno da vida.” Pierre filosofava sobre os absurdos e iniqüidades da existência e se atormentava com os acontecimentos como se fossem novos. Ele sofria da faculdade de alguns homens russos que viam e acreditavam na possibilidade do bem e da verdade! Tudo para ele, agora, se conectava com o mal e a decepção. Era horrível viver sob a carga desses problemas insolúveis. Lia e relia tudo que estivesse por perto. O vinho se tornara uma necessidade física e moral para ele. Ele também se refugiava nos livros para não pensar. “Nada é trivial, nada é importante, tudo é o mesmo; é preciso escapar disso o melhor que se puder” pensava Pierre. “Apenas não vê-lo, aquele terrível isso.” No início do inverno príncipe Nikolay Andreitch Bolkonsky e sua filha mudaram-se para Moscou. Seu passado e suas idéias fizeram com que ele se tornasse o venerado centro das atenções na sociedade moscovita de oposição ao governo. Sua postura, a de sua filha e da bela francesa faziam um espetáculo agradável. Porém a vida privada não era vista e a pobre princesa Marya se viu destituída do que mais gostava; os romeiros que a visitavam além disso, sua solidão aumentara muito, já que seu pai não permitia que nenhum jovem se aproximasse dela. Não tinha um só amigo. Quando tentou se aproximar de Julie, sua velha amiga, esta se afastou. Mesmo os preparativos do casamento de seu irmão pareciam cada vez mais impossíveis. Ao ensinar seu sobrinho, descobriu que tinha o mesmo gênio irritável de seu pai e não gostava do que fazia. Mas de longe, sua maior carga era o gênio do conde que descarregava tudo sobre a jovem. Esse homem aparentemente gentil, a fazia ver que estava sempre errada. Agora ele insistia em ser galante com senhorita Bourienne, pois pretendia se casar com ela, já que seu filho também se casaria. “Ele está velho e fraco, e eu ouso julgá-lo” pensava a maravilhosa Marya. No ano de 1811, um famoso e jovem médico francês instalou-se em Moscou e pela sua reputação vai tratar do príncipe Andreitch, cujo humor estava ainda pior. Ele o visita duas vezes por semana. Em uma dessas consultas é escorraçado pelo velho aos gritos de traidor, espião e escravo de Bonaparte! O doutor sai, mas promete voltar quando estivesse mais calmo. Nesse dia o velho príncipe recebe poucas pessoas para o jantar e o assunto dirigiu-se à política atual, que era criticada por todos. As censuras são dirigidas ao próprio Tzar. “Bonaparte trata toda a Europa como piratas fazem com um navio capturado.” Eles falam sobre o caso de Oldenburg. Pierre, curioso, está muito interessado nos debates e presta a maior atenção. Conde Rastoptechin concorda com as idéias de Nikolay e afirma enfurecido: “Como poderíamos lutar contra os franceses... nossos deuses são a França, e Paris nosso Paraíso”. O Príncipe responde: “Sua conversa é uma musica, e estou sempre feliz ao ouvi-la”. Todos partem, mas Pierre fica e conversa com Marya, que se encontra muito agoniada. Percebendo que Drubetskoy estava interessado por ela, pergunta, amavelmente, se gostaria de casar-se com ele. Hesitante Marya quer saber sobre Natasha, se é uma boa jovem e inteligente. Pierre percebe que ela gostaria de ter um não como resposta, mas diz a verdade; ela é fascinante! Nesse meio tempo, Boris não havia sido bem sucedido em se casar com a rica herdeira, então estava em Moscou à procura de duas sucessoras muito ricas: Marya e Julie. Pessoalmente preferia Marya, contudo Julie, com vinte e sete anos, era gentil e sua mãe jogava cartas com a senhora Karagin. Boris não conseguia pedi-la em casamento, pois era uma pessoa desagradavelmente exasperada e possuía uma face irresoluta. Contudo ao saber que príncipe Vassily enviaria seu filho para fazer-lhe uma proposta, força sua natureza e não olhando para seu desagradável rosto, a pede em casamento. Ela aceita, imediatamente, contudo pelas suas florestas de Nizhnigorod e as propriedades em Penza ela exige tudo que poderia fazê-lo. Assim o jovem casal inicia a preparação do esplêndido casamento. O conde Elya Rostov chegou à Moscou no fim de janeiro com Natasha e Sonya. Sua casa não havia sido aquecida, então se hospedam com Marya Dmitryevna Ahrostimov, que de longa data pressionava sua hospitalidade. Agora a senhora mora sozinha, seus filhos no exército e sua filha casada. Raramente saia e se o fizesse era para visitar alguém muito importante. Quando os Rostovs chegam gelados, ordena chá com rum para todos e se diz feliz por recebê-los. Pergunta francamente o que eles desejariam fazer e o conde diz que precisa comprar o enxoval da filha, vender o imóvel e felizmente, tem agora uma proposta atraente. Ela olha ternamente sua afilhada Natasha e a aconselha a ser gentil com o pai de Andrey, pois um casamento sem consentimento era ruim, pois se desejava PAZ e amor em uma família. Natasha relutantemente concorda. Adorava Andrey acima de tudo! No dia seguinte a menina e seu pai vão visitar príncipe Nikolay. Ambos os pais estão nervosos. Ao chegarem ficam sabendo que o velho príncipe não estaria recebendo naquele dia, mas senhorita Bourienne os conduz ao apartamento de Marya. No primeiro instante Marya desagradou-se com Natasha, pois a considerou muito bem vestida e vaidosa. Ela não suspeitava que, em verdade, estava com ciúmes da linda jovem. Rostov aliviado por não ver o conde, pede para Marya ficar com Natasha, por algum tempo, até que ele volte de um compromisso. Natasha não gostou da maneira como fora recebida, da demora e da frieza de Marya. Quando seu pai chega, ela apressa-se a sair do lugar desagradável e chegando a casa chora por não saber a razão de ter sido tão maltratada. Mais tarde vão à opera, mas Natasha está muito triste com a falta de seu noivo, o qual não chegava nunca! A presença das duas lindas jovens e do conde, que há muito não vinha a Moscou, atraíram a atenção de todos. No teatro eles têm a oportunidade de ver toda alta sociedade. Natasha encontra Ellen pela primeira vez e esta olha intensamente a jovem. Natasha, que havia passado muito tempo no campo, não consegue compreender ou gostar daquela ópera grotescamente falsa. Durante o intervalo, o belo e altivo Anatole Kuragin senta-se ao lado de Ellen. Rostov ao vê-los admira-se com a semelhança entre os irmãos. O jovem havia notado a beleza de Natasha, enquanto Shinshin relatava alguma intriga referente a ele. Pierre também se aproxima da jovem para conversarem. No próximo ato Natasha percebe que Kuragin a olha intensamente e isso a faz muito feliz. Convidada por Ellen a ficar em seu camarote é apresentada a Anatole e se encanta com sua simplicidade e jovialidade. Os olhares dos dois sempre se encontram e a moça observa, com horror, que não havia aquela barreira de reserva modesta, quando ela e outro homem se entreolhavam! Ele a convida para um baile que seria muito divertido. Anatole olhava-a direto nos olhos e sorria exatamente como ela costumava fazer. Isso lhe causava mal estar! Ao saírem do teatro, Anatole os acompanha até a carruagem e ao ajudá-la pressiona seu braço. Natasha cora e excitada, olha em sua volta. Em casa, a garota horroriza-se com seu comportamento leviano e a não ser com sua mãe poderia desabafar sobre isso! Teria de resolver seu problema sozinha. Decide não ver mais Anatole, portanto nada havia acontecido, “ainda assim algum instinto falou-lhe que a velha pureza de seu amor por Andrey estava perdida”. Anatole estava em Moscou, porque havia feito uma enorme dívida e seu pai arranjou-lhe um emprego como ajudante de um comandante-em-chefe e ainda sugerira-lhe que procurasse as ricas Marya e Jane. Anatole, sendo devasso gostava de qualquer tipo de mulher e ainda tinha um grande segredo: há dois anos fora forçado a casar-se com uma garota polonesa pelo pai dela. Querendo abandonar a esposa propõe-lhe enviar uma grande soma em dinheiro e ninguém saberia do ocorrido. Sentia-se feliz consigo mesmo e emprestava muito dinheiro sem nenhuma intenção de devolvê-lo! Apesar de seu péssimo caráter achava-se, no fundo do coração, um homem impecável e com sua consciência tranqüila, andando de cabeça erguida. Dolohov estava de volta e o jovem o admirava .“Natasha havia causado um grande impacto em Kuragin.” Ele pretendia flertar com ela. “Anatole Kuragin era incapaz de considerar as coisas e não tinha noção, como nunca tivera, do que viria com suas ações.” (Precisamos analisar que Natasha era uma adolescente de apenas dezesseis anos, alegre, bela, mimada e cheia de vida e apesar disso estava amarrada a um amor distante e sem futuro). Agora sempre que pensava em Andrey,sua imagem se misturava com seus desagradáveis pai e irmã e a presença de Kuragin no teatro. Ela não estava mais alegre e serena como antes! Em um domingo, Marya Dmitryevna coloca seu melhor vestido e vai tirar satisfações sobre a conduta de Nikolay Bolonsky em relação à sua afilhada. Na casa de Dmitryevna, Natasha experimentava um vestido novo, quando Ellen chegou para convidá-los para um recital. Elogiava muito a jovem e estava genuinamente admirada por sua beleza. A sua idéia era unir Natasha e Anatole. Dizendo que seu irmão está perdidamente apaixonado por ela apesar de tudo, a menina cora. “Então ela sabe que já estou noiva e o bom Pierre também”, pensa. Influenciada pela mulher mais velha acaba aceitando como se fosse um fato natural. “Marya Dmitryevna volta do jantar silenciosa e séria, tendo sido, evidentemente, derrotada pelo velho príncipe.” “Eu não faço questão em me associar com a condessa Bezuhov e não o aconselho a você” diz a velha senhora à Marya. O velho conde leva as duas meninas à casa dos Bezuhovs para uma festa. Anatole se encontrava na porta e a acompanha e o mesmo sentimento de vergonha reaparece. O velho Príncipe Nikolay não gostava de ver tantas pessoas notórias por seus livres pensamentos. Durante a festa Mademoiselle Georges[35] observou atentamente sua audiência com um olhar severo e começou a recitar. No final do espetáculo Natasha não sentia absolutamente nada. Não podia entender esse mundo novo, inteiramente diferente do dela! Os Rostovs são convencidos a ficar para o baile improvisado. Natasha dança algumas vezes com o belo Anatole, que lhe confidencia que está apaixonado por ela. Natasha pede para que ele se cale, pois é noiva e ama outro homem, contudo o rapaz não fica desconsertado com isso e Natasha parecia mais feliz do que o normal. Informando que não tem mais nada a dizer, lábios ardentes a beijam, e ela se sente livre, novamente! Não conseguindo dormir por estar torturada por uma questão insolúvel, não sabe mais quem ama verdadeiramente. Na manhã seguinte ela faz de tudo para parecer natural aos olhos dos outros. Marya Dmitryevna aconselha-os a partirem para Otradnoe e esperar, visto que o velho conde estava louco. Ilya concorda com seu bom senso. Dando uma carta de sua futura cunhada os encoraja a partirem imediatamente. Na carta a jovem princesa pede desculpas por seu comportamento e diz que a ama, pois fora escolhida pelo irmão e que releve as atitudes do pai que é velho e doente, mas de bom coração e generoso. Natasha não sabe o que responder e lembra-se de seu amor por Andrey, mas também seu novo amor por Anatole! Uma carta do rapaz lhe é entregue e com mãos trêmulas lê o texto de amor, composto por Dolohov a pedido de Anatole. A carta diz entre outras coisas “que o amor conquistaria tudo.” “Sim, sim, eu o amo!” pensou Natasha relendo a missiva inúmeras vezes. Chegando a casa tarde, Sonya encontra a prima vestida dormindo no sofá. Ao seu lado está a carta que ela pega para ler. Sua reação é cair em lágrimas, pois aquele rapaz era um vilão, isso estava muito claro! Como ela pudera esquecer Andrey? Nikolenka faria o que? Mas talvez Natasha estivesse insultada com o gesto! Acordando-a, ela diz que não pode ser verdade que após um ano Natasha acabe tudo com Andrey. “Três dias” responde a menina, “parece que o amei por cem anos”. Sonya quer saber se existe algum segredo entre ela e Andrey, por sua ausência tão prolongada, e se ela ama Anatole. Mostrando-lhe a carta a jovem confirma sua decisão. Sonya, alarmada, diz que escreverá para ele. Insultada Natasha deixa o aposento e responde à carta da irmã de Andrey dizendo que ela romperá com o compromisso, já que lhe fora dada toda a liberdade para isso. As jovens conversam sobre sua decisão e à medida que Natasha ficava mais feliz Sonya ficava mais séria. Está com medo que a menina seja arruinada com tal decisão. Apesar de ser odiada por ela a partir de então, mantém-se vigilante quanto à garota. Natasha anda distraída e na expectativa de que algo iria acontecer. Depois do jantar recebe outra carta e fica claro que está planejando alguma coisa para aquela noite. “Ela vai fugir com ele” pensa Sonya, sem saber o que fazer. Anatole agora vivia com Dolohov e o plano para seqüestrá-la já havia sido concebido. Natasha o esperaria nos fundos da casa e eles iriam para Kamenka e lá se casariam. Depois seguiriam para a estrada de Varsóvia e de lá para o exterior! Ele tinha passaporte e 20.000 rublos emprestados. Dolohov, por sua vez, também tentava dissuadir o jovem, pois já sendo casado poderia ser processado criminalmente. Anatole não se importa, porque já havia subornado o pai da jovem polonesa. “Você vai se colocar numa enrascada”, comenta Dolohov. Balaga, um excelente e corajoso cocheiro, chega com seus cavalos para levar Anatole. Ele gostava dos dois jovens, pois era igual a eles. Era um camponês de vinte e sete anos, rude e de rosto muito vermelho. Anatole despede-se de seus companheiros de juventude, fazendo a antiga cerimônia russa, na qual viajantes sentam-se juntos por poucos momentos antes de seguirem viagem. Depois de tomarem um bom vinho e saudarem o jovem, lembram-se de pegar uma peliça de pele de raposa para Natasha. Balaga pula em seu cavalo e deliberadamente arruma as rédeas em suas mãos, gritando Tprooo! Ei!... Tprooo! Ao chegarem à residência de Marya Dmitryevna uma armadilha os espera e não podem levar a jovem Natasha. A senhora Marya, contudo, ao saber que eles haviam fugido, fica furiosa. Antes admoestara Natasha, duramente, por sua atitude desonrosa. Trancada em um quarto, não chora! Irritada, Marya decide poupar o conde da notícia e não contar a mais ninguém. Desesperada Natasha diz a ela que deverá morrer! Contudo a senhora só lhe deseja o bem, contando-lhe que quando seu irmão e Andrey soubessem do ocorrido iriam a seu encalço. Seu pai chega feliz, pois conseguira vender a propriedade por um bom preço e vai falar com a filha, mas fica sabendo que ela ficara doente na noite anterior. O conde fica triste por ver sua favorita doente e tem um pressentimento de que algo muito grave ocorrera. Isso atrasaria o retorno para o campo e sua mulher. Nesse ínterim Pierre, com a chegada da esposa, quer ir para qualquer lugar, a fim de não estar perto dela. Ficara tão impressionado com o humor e a beleza de Natasha que decidira ir para Tver. Ao chegar recebe uma carta da jovem princesa Marya solicitando que venha urgentemente. O assunto era Bolkonsky e sua noiva. Saindo para seu compromisso urgente vê Anatole na praça de ótimo humor e “o julga um verdadeiro filósofo, pois não via nada além do momento presente!” Pierre queria ficar longe da jovem, mas o destino sempre o jogava para perto dela. Ao chegar vê a expressão sofrida da adolescente e vai direto falar com Marya Dmitryevna. “Cinqüenta e oito anos tenho vivido neste mundo, e nunca vi nada tão abominável!” diz ela. Marya relata exatamente o que havia ocorrido. Pierre ouve tudo atônito, sem compreender a jovem tola. Quanto mais ele se solidarizava com o amigo, mais recriminava Natasha! “Ele não podia saber que o coração de Natasha estava repleto de desespero, vergonha e humilhação”. Pierre grita que Anatole já era casado e não poderia casar-se outra vez. Ele já havia amado a própria irmã! O conde parecia ansioso e transtornado, pois soubera do rompimento entre os noivos. Natasha manda chamar Pierre para confirmar, com suas palavras, o casamento de Anatole. “Como uma besta ferida e caçada olha para os cachorros e caçadores que se aproximam, Natasha olhava de um para o outro!” Baixando seus olhos e sentindo piedade da menina, confirma a sordidez de Anatole. Perguntando se ele ainda estava em Moscou, a jovem pede para que saiam do quarto. Pierre procurando por Anatole Kuragin tinha dificuldades em respirar com o coração acelerado! Ao entrar no clube, um dos membros pergunta-lhe se é verdade o que ocorrera entre Natasha e Anatole. Sorrindo, diz que isso é uma grande bobagem. Não o encontrando, volta tenso para casa e o acha conversando com sua irmã, Ellen, e outros convidados. Dirigindo-se a ela diz “Onde quer que você esteja, há vício e maldade” com um olhar terrível de raiva e poder! Pega o cunhado pelo braço e indo para seu apartamento, ameaça-o com um peso de mesa. Depois de sacudi-lo pelo colarinho até que um botão salte, pega a carta que Anatole enviara a jovem e chocado diz que sua gravíssima atitude era apenas para se divertir, nada mais! Esse ato afetaria profundamente a vida de diversas pessoas! Dando-lhe dinheiro, Anatole parte para Petersburgo, no dia seguinte. Pierre vai à casa de Marya Dmitryevna e fica sabendo que Natasha tomara arsênico! Contudo apavorada com sua ação, avisa Sonya e antídotos lhe são ministrados. Agora está fraca demais para viajar. Pierre também quer salvar a reputação da menina e resolve calar mais uma vez. Espera com terror a volta de seu amigo Andrey. O velho conde Nikolay Andreitch ouvira todos esses rumores e está exultante, mostrando às duas jovens a carta que rompia com o relacionamento. FINALMENTE, Andrey chega e seu pai lhe mostra a nota. (o jovem viúvo fora parcialmente culpado pelo péssimo desfecho, pois deixara uma garota de dezesseis anos sozinha e com poucas notícias, na minha visão). Ouve os relatos com generosas adições dos lábios de Nikolay. Pierre vai vê-lo, pensando encontrá-lo nas mesmas condições de Natasha e se surpreende como os três estavam tão bem! Conversavam animadamente e o assunto era Speransky e as notícias de sua traição acabavam de chegar. Andrey estava dizendo: “É fácil condenar um homem quando está desfavorecido, e jogar sobre ele a culpa de todos os erros de outras pessoas. Mas mantenho que se alguma coisa de valor foi feita no presente reinado, foi feita por ele, por ele sozinho...” Parou vendo Pierre. “eu não gostava e não gosto de Speransky, pessoalmente, mas gosto de justiça” finalizou. Depois de algum tempo, leva Pierre para seu quarto e lhe mostra um pacote de cartas de Natasha. Sem demonstrar o menor sentimento e rindo malignamente como seu pai, diz que tudo está acabado, e mesmo sabendo que Natasha quase morrera, não quer que Pierre fale nada sobre ela se quiser continuar sendo seu amigo. Seu pai e Marya também estavam muito aliviados com o desfecho. Durante o jantar Andrey estava mais vivaz do que nunca e Pierre sabia muito bem de onde vinha tamanha vivacidade! Naquela mesma noite ele vê Natasha que está mais magra e pálida, mas não arrasada de vergonha. Os dois não se cumprimentam com as mãos, mas as mantém ao longo do corpo. Pierre está arrebatado com sua fragilidade e sente muita piedade pela menina! Ela fala que Príncipe Andrey está em Moscou e sendo seu amigo que lhe diga para perdoá-la. Isso é dito e feito de uma maneira tão trágica e difícil que um sentimento de pena que ele jamais havia conhecido inundou o coração de Pierre! Ele diz para que ela não fique tão triste, pois tem o futuro em sua frente e pode sempre contar com sua amizade, mas Natasha diz que tudo havia se acabado para ela. Então Pierre confessa se ele fosse jovem e livre se poria a seus pés e a pediria em casamento. Deste modo, pela primeira vez, Natasha chora lágrimas de gratidão por alguém. Saindo para o vestíbulo e entrando correndo na carruagem lágrimas de felicidade e um nó se forma na garganta de Pierre, que se considera o homem mais feliz por ter recebido aquelas lágrimas da adorada Natasha. Volta para casa e na noite escura e estrelada Pierre vê o cometa de 1812, que era considerado de mau agouro, mas seu brilho está em plena harmonia com seu coração, que tinha ganhado vigor para florescer em uma nova vida!

Parte 9

Em fins de 1811 começou uma concentração de forças da Europa Ocidental e em 1812 esses milhões de homens moveram-se do oeste para o leste, em direção à fronteira da Rússia. Em 12 de junho essas forças atravessaram a fronteira e a guerra começou. Milhões de homens perpetraram, uns contra os outros, uma grande massa de crimes jamais vista. Muitas podem ter sido as causas de tal barbárie - a Inglaterra que estava isolada comercialmente, a ambição de Napoleão, o duque de Oldenburg, a Áustria. A verdade é o que estava fadado a ocorrer com a amarração desses fatores, sobreveio! Milhões de homens, repudiando o bom senso e o sentimento humanitário, moveram-se do ocidente para o oriente e massacraram seus companheiros, como séculos atrás, hordas de homens orientais se moveram para o oeste e massacraram seus semelhantes! “E assim todas essas causas – miríades de causas – coincidiram para trazer o que aconteceu”. “Somos forçados a cair sobre o fatalismo na história para explicar eventos irracionais”. “Quanto maior a posição de um homem na escala social, maior as conexões que ele tem com outros, e mais poder tem sobre eles, e mais conspícuo é a inevitabilidade e predestinação de cada ato que ele comete”. “Os corações dos reis estão nas mãos de Deus[36] O rei é o escravo da história.” “Quando uma maçã está madura e cai – por que cai? É por causa da gravidade da terra... porque está seca pelo sol... ou porque o menino em baixo da árvore quer comê-la?” “Em eventos históricos grandes homens – assim chamados – são apenas as lombadas de livros que servem para dar um nome ao evento, e como lombadas, eles têm a menor conexão possível com o evento em si.” Em 29 de maio Napoleão deixou Dresden, dando de presente à Imperatriz da Áustria, Marie Louise, que se considerava sua esposa apesar de ele ter outra em Paris, seus diamantes e pérolas (retirados de outros reis). Apesar de diplomatas acreditarem em uma possibilidade de PAZ, Napoleão escreveu uma carta a Alexandre, chamando-o de “Monsieur mon frère[37]”, garantindo não ter desejo de guerra, contudo apressou o progresso de sua armada do oeste para o leste. Viajou fortemente protegido pelas cidades de Posen, Thorn, Danzig e Königsberg, sendo ovacionado “com entusiasmo e trepidação por milhares de pessoas.” Em 10 de junho pernoitou em Vilkvik, na propriedade de um conde polonês. Vestindo um uniforme polaco atravessa o rio e no dia seguinte, para surpresa dos diplomatas, já podia ver os Cossacos e quando as tropas o viram chegando gritaram “Vive l’Empereur[38]”.Um regimento após o outro , em um rio contínuo, emergiram da imensa floresta que os escondia e se espalharam pelas três pontes. Em 13 de junho galopando em direções às pontes russas continuava sendo ovacionado. Foi a Kovno, precedido por guardas. Alcançando o largo rio Niemem parou ao lado de um regimento Polonês-Ulaniano. Os soldados poloneses com seus cavalos galoparam pelo rio. Centenas de Uhlans seguiram e quase todos, pela força da correnteza, se afogaram junto com seus cavalos, para agradar Napoleão que nem os olhava! Não era uma nova convicção para Bonaparte, que quando se juntava aos exércitos, da África às estepes da Rússia, seus homens eram impelidos a cometer atos de sacrifício próprio para agradá-lo. Alexandre tinha, nesse ínterim, passado um mês em Vilna inspecionando suas tropas, mas nada de prontidão para uma guerra! Havia, mais do que nunca, vacilação de qual plano a ser seguido pelos russos. Seus homens e alguns poloneses pareciam querer que só existisse bem estar e que todos esquecessem a guerra. Bailes e festas eram oferecidos pelos generais poloneses e magnatas e para o dia 13 de junho fora marcado uma grande recepção seguida de baile para Alexandre. Exatamente no dia em que Napoleão atravessou a fronteira russa com sua armada, o Tzar encontrava-se no baile, em casa do conde Bennigsen. Toda elite russa estava no local, inclusive a condessa Bezuhov, que com seu estilo russo de beleza ofuscava todas as damas polonesas! Boris, recém casado, deixara a mulher em Moscou e vivia em Vilna “en garçon[39]“. Ele estava na recepção e agora sendo um homem riquíssimo, havia dado uma grande soma para a festa. Boris, em pé de igualdade com qualquer nobre, encontra Ellen e vão dançar, sem mencionar o passado. Todavia não deixava de observar atentamente o Tzar, quando chegou o general do staff[40], Balashov, um dos mais próximos a Alexandre. Os dois homens se dirigiram para a varanda e Boris queria saber o que conversariam, antes de qualquer um, a fim de garantir sua supremacia de homem muito bem informado perante os outros nobres. Ele abandona Ellen no salão e os segue e ouve o Tzar dizer: “Entrar na Rússia sem declaração de guerra!” Fica irritado por Boris ter possivelmente ouvido e ordena que não conte a ninguém. Boris lamentou ter de ficar calado. Alexandre voltou para casa de madrugada e fez uma declaração de guerra e que nunca haveria paz enquanto um só soldado francês permanecesse na Rússia. Envia uma carta a Napoleão dizendo que seus motivos para a invasão são fúteis e que ele não provocara tal atitude. Demanda que ele retire suas tropas, a fim de que não haja outra guerra, etc., etc., assinando Alexandre. Pede para o general Balashov entregá-la, pessoalmente, a Napoleão e que FRISE a ordem de saírem do solo russo. Em Rynkonty é parado por sentinelas francesas e um deles chega a desembainhar a espada, mas o general dizendo seu nome é conduzido ao oficial superior. Depois de muita espera, a qual o general não estava habituado, o oficial o leva ao acampamento de Napoleão, quando o dia já estava claro! Durante o trajeto encontra o enlevado Murat, intitulado o Rei de Nápoles, ricamente vestido e bem humorado, que lhe deseja boa sorte em sua missão, pois também não desejava nova guerra. O general Balashov é barrado, desta vez, por Davoust, um homem cruel e iletrado que se comprazia em abordar mal as pessoas, tratando deliberadamente o general russo, com uma rudeza singular. Pedindo o despacho de Alexandre para dar a Bonaparte é contrariado, pois Balashov fora incumbido de entregá-lo pessoalmente por sua majestade. Davoust faz com que o general, com sentimentos de dependência e insignificância, fique por quatro dias aguardando em vão, pois seria enviado de volta a Vilna para a mesma casa de onde tinha recebido a carta de Alexandre! A cidade havia sido invadida por Napoleão e a mansão ocupada por ele e seus homens! “Apesar de Balashov estar acostumado com a pompa das cortes, fica impressionado com o esplendor e luxo da corte de Napoleão.” A recepção estava cheia de magnatas poloneses e generais esperando ver o imperador. “Duroc diz-lhe que Napoleão o receberá antes de partir para cavalgar.” Ele permanece no mesmo estúdio onde recebera a carta de Alexandre! As portas se abrem e com passos firmes chega Bonaparte. (Todos esses capítulos sobre a decisão de Alexandre, a ida do general ao acampamento e as posturas do imperador francês diante de outras pessoas são páginas memoráveis de descrição refinada, humorada e total conhecimento da alma humana. Talvez sejam as melhores páginas dessa novela espetacular). “Ele estava usando um uniforme azul, aberto sobre um colete branco... seu cabelo curto tinha sido escovado... ele cheirava a água de colônia... Sua face cheia, ainda parecendo jovem, com seu queixo proeminente, usava uma expressão de graciosidade imperial e majestosamente condescendendo boas vindas...”. “Era evidente, também, que naquele mesmo dia estava particularmente de bom humor.” Dizendo que recebera a carta que havia trazido, olhou-o com seus grandes olhos. Continuou falando que não desejava a guerra, realmente, mas eles o haviam forçado a isso e que estava disposto a receber qualquer explicação que pudessem dar-lhe e, brevemente, expôs ao general russo as suas razões. Julgando pelo amável tom de voz de Bonaparte, Balashov foi persuadido de que ele realmente desejava a PAZ. Disse que o imperador Alexandre não considerava o pedido de passaporte de Kurakin uma causa suficiente para guerra e que ele, Kurakin, agira por iniciativa própria, sem o consentimento do Tzar e que o Tzar não tinha relações com a Inglaterra. Depois de dizer o que lhe fora pedido, Balashov hesitou em falar as duras palavras que Alexandre frisara e disse simplesmente: “Em condições que as tropas francesas se retirem além do Niemen[41].” Com o desenrolar da conversa, Napoleão andava e falava rapidamente e cada vez mais alto! “Você diz: Eu comecei a guerra. Mas quem foi o primeiro a juntar sua armada? O Imperador Alexandre e não eu.” continuou. Bonaparte, querendo provar sua retidão e a duplicidade de erros de Alexandre. Glorificava a si mesmo, ao contrário do que pretendera no início da palestra. General Balashov responde sua pergunta sobre a Turquia e confirma que a paz havia sido concluída, mas sem a posse das províncias de Moldávia e Wallachia. Napoleão diz que teria dado essas províncias para o Tzar e que ele poderia tê-las unido ao seu império e teria aumentado as fronteiras da Rússia do Golfo de Bothnia à boca do Danúbio. “Catarina a Grande não poderia ter feito mais” exclamou. Apontando deliberadamente os atos desastrosos de Alexandre, Napoleão diz-lhe que um soberano não deve estar com o exército, exceto quando é um general! Ele disse essas palavras para desafiar o Tzar visto que sabia que Alexandre queria ser um grande general. Confirma que conhece a armada russa tão bem quanto a francesa, citando números precisos, que os russos estavam divididos e desarticulados. Além disso, seus aliados turcos não serviam para nada, assim como a Suécia, que só possuíra uma sucessão de reis loucos! “Para cada sentença de Napoleão, Balashov tinha uma resposta pronta” e tentava articulá-la, mas o imperador no seu estado de exasperação gesticulava e falava muito rápido, sempre o interrompendo. Queria simplesmente provar que estava certo. O general teve que ficar quieto, mantendo a compostura e ereto, devido à fúria irracional que Napoleão se abandonara. Com suas brancas mãos próximas à face do general declarou, furiosamente, que se incitassem a Rússia contra ele, a removeria do mapa da Europa. Balashov pronuncia que para a Rússia o melhor seria a PAZ. Interrompidos por seus oficiais, Napoleão ainda ameaça dizendo para o general expor a Alexandre que ainda é devoto dele, como antes, e que o louva altamente por suas nobres qualidades. Deverá enviar sua carta para o Tzar! Certo de que não o veria mais, é surpreendido por um convite para jantar com Bonaparte. O imperador o coloca a seu lado, e muito bem humorado quer saber tudo sobre a velha Moscou. O número de igrejas e monastérios e a quantidade de rodovias. Balashov se sai muito bem com suas repostas pertinentes e depois do jantar vão tomar café no estúdio de Napoleão, onde quatro dias atrás estivera o Tzar! Ironicamente diz que Alexandre unira-se a todos os seus inimigos não pensando que ele faria o mesmo. Ele acreditava que agora Balashov não era seu inimigo, mas um fiel seguidor, dizendo que expulsaria todos da Rússia. Cheirando rapé, Bonaparte dá um beliscão na orelha do general russo de quarenta anos! Isso era considerado na corte francesa como a maior honraria que se pudesse ter. A carta é entregue a Alexandre e todos os detalhes são discutidos com o Imperador Russo. A guerra começou! Príncipe Andrey vai atrás de Anatole em Petersburgo, mas ele já havia se unido à armada na Moldávia. Andrey encontra com seu antigo general Kutuzov que lhe propõe que o acompanhe até a Moldávia. Ambos seguem para a Turquia, mas lá também não estava Anatole Kuragin, a quem queria propor um duelo, pois sua raiva contida só aumentava com o tempo. Ele havia voltado para a Rússia. Talvez em um país estrangeiro achasse a vida mais fácil de ser suportada, sem pensar em suas inúmeras perdas e em sua reação no campo de Austerlitz. Não queria que nada fosse eterno e misterioso. O serviço militar seria o melhor para ele nesse momento. Em 1812 , quando as notícias da guerra chegam a Bucareste, Andrey pede para ser transferido para o exército do oeste e assim é comissionado para Barclay de Tolly. Antes de se juntar ao exército vai a Bleak Hills. Sua vida tinha se transformado muito nos últimos três anos com tantas vicissitudes, que se espantou ao chegar a sua casa e encontrar tudo exatamente como era antes. Princesa Marya continuava a mesma jovem tímida, porém não mais na sua primeira juventude e não extraindo nenhuma felicidade de sua pobre vida, tiranizada pelo pai! Exteriormente a residência estava a mesma, mas interiormente a casa havia se dividido em dois grupos. O primeiro com o velho conde, a francesa e o arquiteto. O segundo com Marya, Dessale, Nikoluska e todas as enfermeiras. A única pessoa a mudar foi o jovem Nikoluska, agora um garoto alto, rosado e com o mesmo sorriso de sua bela mãe, Liza. A família se unira para jantar, todavia era uma coisa forçada. Diante do silêncio o velho príncipe vai para seu escritório e mais tarde Andrey se junta a ele para animá-lo, mas só o que ouve são reclamações contra Marya. Perdendo o controle Andrey diz francamente a seu pai que a única pessoa da casa culpada pela situação insustentável era a senhorita Bourienne, a francesa. Andrey não consegue sequer sentir ou dar afeto ao seu filho e um cansaço da vida sobrevém sobre ele muito intensamente! Precisava escapar disso tudo quanto antes e lamenta por Marya não fazer o mesmo. Sua irmã ao deparar-se com seu semblante doído aconselha-o a se acalmar. “Se lhe parece que alguém o prejudicou, esqueça-o e perdoe. Não temos o direito de punir. E você conhecerá a felicidade e o perdão” diz a jovem. “A vida parecia ao príncipe Andrey uma série de fenômenos sem sentido que se seguiam um ao outro sem nenhuma conexão.” Chegando ao quartel em junho, no acampamento em Drissa, fica sabendo que o Tzar estava lá. Todos os russos estavam insatisfeitos com os eventos em curso, mas não podiam imaginar que a guerra chegaria às províncias, se estendendo além das fronteiras polonesas do oeste! Andrey se apresenta a Barclay de Tolly, que o recebe com secura. Anatole não estava lá, mas em Petersburgo. Andrey fica aliviado, pois queria estar no centro da imensa guerra em progresso e esquecer o resto. Com sua experiência em campo de guerra inspeciona tudo, chegando à conclusão que no combate “tudo depende em como e por quem a batalha é conduzida”. Fica sabendo que o exército está dividido em três. A primeira armada sob o comando de Barclay de Tolly, a segunda sob Bragation e a terceira sob Tormasov. Na primeira armada encontrava-se o Tzar, com seu staff imperial, mas não era um staff[42] militar! Apesar dele não ser o comandante-em-chefe, ele, de fato, mantinha o controle supremo de todas as armadas em suas mãos. Seu estado maior era enorme e composto por pessoas muito importantes com idéias diferentes uma das outras, sem experiência de combate. Na verdade quem planejara tudo fora Pful, um rígido teorista que só acreditava em suas próprias visões. Havia além dessas pessoas outras de importância secundária que também opinavam. Príncipe Andrey detectou partidos opostos e diferentes opiniões! O primeiro grupo consistia de Pfuhl e seus seguidores teóricos, que achavam que a armada deveria recuar para o coração do país. O segundo grupo estava em direta oposição ao primeiro e o terceiro grupo tentava conciliar-se com os dois primeiros. Havia ao todo nove grupos com interesses completamente diferentes. “Apelo ao povo e despertá-los para a defesa da pátria mãe” foi o que o Tzar aceitou imediatamente e o patriotismo que se seguiu a esse apelo foi a principal causa do subseqüente triunfo da Rússia! Bolkonsky é chamado pelo Tzar para que ele responda algumas questões sobre a Turquia. Ao chegar ele estava fora, em inspeção de tropas e Andrey tem a oportunidade de observar Pfuhl, la cheville ouvrière[43] de tudo. Ele era a expressão mais perfeita de um teorista alemão, igual a outros que o príncipe havia visto em 1808. Era um homem baixo, magro, porém forte e robusto. O general é apresentado a Andrey, pois havia acabado de chegar da Turquia e desse modo poderia, facilmente, julgar seu caráter. Ele era um desses imutáveis homens orgulhosos, prontos para encarar o martírio de suas próprias idéias. Esses prepotentes alemães julgavam que possuíam a verdade em uma ciência de sua invenção, o que era para eles a absoluta verdade! Sua ciência era a teoria do ataque oblíquo e tudo que fosse mais moderno era uma imbecilidade. Quando chega o Tzar pede para o príncipe esperá-lo na sala de conferência. Andrey presencia uma verdadeira Torre de Babel, com cada homem falando um idioma diferente e com uma opinião diferente, sempre favorável a cada um deles. Era uma desordem, mas Pfuhl, apesar de sua estreiteza de idéias era o único a não querer tirar proveito próprio. Queria realmente que seu plano fosse seguido à risca. O que unicamente os unia era o pavor que tinham de Napoleão. O debate entre os generais durou muito tempo e quanto mais continuava mais quente ficava! Andrey presenciando tal cena lembra-se que o melhor general era Bragation – o próprio Napoleão admitira o fato. No dia seguinte Andrey é questionado pelo Tzar sobre o local onde gostaria de servir e diz desejar ser enviado para o front de guerra, ao invés de pedir um posto na corte. “Antes do começo da campanha, o jovem Nikolay Rostov recebera uma carta de seus pais na qual informavam brevemente a doença de Natasha e a quebra do noivado e pediam para se retirar do exército e vir para casa”. Escreveu duas cartas: para seus pais e para Sonya. Para a noiva diz que se sentiria desonrado em deixar os companheiros, mas que imediatamente após a guerra voltaria para seus braços. Não podendo voltar, Rosotv faz o possível para se sentir útil e feliz com a vida no regimento. Fora promovido a coronel e a campanha começara. A armada fora obrigada a recuar devido a varias considerações de estado, políticas e táticas! Agora a ordem era para avançarem sobre um pequeno lugar chamado Ostroyna. Com a mesma alegria e familiaridade, os oficiais começam apressadamente a se preparar. No serviço ativo Rostov permitia-se galopar um belo cavalo cossaco, em vez do cavalo do regimento. Enquanto marchavam pensava na forte chuva que caia, na esposa do médico que os acolhera tão bem em sua casa e, nunca, um único pensamento era dirigido para o perigo que o aguardava. Com o lindo céu límpido em um dia quente, eles ouvem tiros. Teriam de avançar a toda velocidade. Os cavalos estancam atrás dos Uhlans, que formavam a linha de frente e eles a reserva. Com a claridade podiam-se ver os soldados russos e suas armas pesadas, todavia na frente estava o inimigo que já atirava contra eles com balas de canhão. Os Uhlans cavalgaram para baixo da montanha em direção à cavalaria francesa e os hussards subiram-na a fim de cobrir a bateria. Rostov olhava para os franceses e Uhlans lutando como se estivesse em uma caçada! Rostov pediu permissão para juntar seu regimento na contenda que se travava e tomou a frente de seu esquadrão. Fazia tudo por instinto como em uma caça ao lobo! Os dragões franceses avistando os hussards batem em retirada. Nikolay e seus homens voltam com seus prisioneiros, mas o jovem estava vago e confuso com a captura que fizera de um jovem oficial francês, que se rendera, com uma expressão de pavor em seus olhos azuis. Uma recompensa seria oferecida por sua bravura, mas “ele ainda sofria daquele vago sentimento desagradável de náusea moral”. Ele estava silencioso e ainda “sentia o mesmo desconforto e vago remorso”. Pensativo imaginava que eles estavam ainda mais apavorados do que os russos e que o jovem francês achou que ele iria matá-lo. “A roda da fortuna estava girando a seu favor, como tantas vezes acontece no serviço”. Nikolay recebe o comando de um batalhão de hussards por sua bravura e quando um oficial de coragem inabalável é requerido ele é o escolhido. A condessa Rostov ainda não havia recuperado suas forças quando recebeu a notícia da doença de Natasha. Assim ela, o filho e seus criados viajam para Moscou e ficam em sua própria casa. Natasha estava tão mal que a causa do ocorrido ficara para trás. Vários médicos apareciam para diagnosticar a causa da enfermidade, mas eles nunca pensavam que as doenças são a conjunção de diversas causas. Mesmo tomando diversos remédios e sendo muito acariciada por todos, ela só veio a melhorar com sua juventude e seus sofrimentos começaram a se recuperar com o cotidiano da vida. Eles cessam de ser um fardo pesado e começam a se esvanecer no passado e Natasha retoma sua saúde novamente. Ela está mais calma, mas não feliz. Cantar, sorrir e ser admirada para ela era impossível, pois o remorso e o vexame tomavam conta de sua alma. O pressentimento, que sua liberdade e alegria de viver haviam acabado, estava certo. Não saia mais de casa e só conseguia se alegrar com seu irmão Petya e as visitas de Pierre. Às vezes Natasha sentia certo embaraço em Pierre com sua presença. Nunca ocorrera a menina que as palavras que Pierre havia pronunciado com a partida de Anatole eram verdadeiras! A possibilidade de amor entre os dois estava longe de qualquer pensamento. Convidada a se comungar diariamente pela condessa Byelov, se entrega inteiramente à religião, achando mais consolo e bem estar com isso, do que com as medicações dos diversos médicos. Com as orações Natasha encontrava a possibilidade de corrigir seus pecados e conduzir uma nova vida de pureza e felicidade. Em 11 de julho o manifesto do Tzar é recebido em Moscou. A cidade encontrava-se repleta de belos soldados uniformizados e Natasha e sua mãe estavam indo à missa. A jovem teve a impressão de estarem falando dela e sua conduta, pois essa era uma fantasia recorrente em sua mente. Durante a missa o padre pede para que Deus olhe por todos e especialmente pela Rússia e o Tzar e que salve seu povo! Natasha, em seu coração, sentiu horror da punição de Deus sobre ela e pede-lhe que a perdoe e lhe de PAZ e felicidade. Desde que Pierre visitara Natasha e vira o cometa no céu, as coisas terrestres cessaram de atormentá-lo e tudo fora trocado pela imagem DELA. Pensava “eu a amo e ninguém jamais saberá disso. Longe das horas que passava com os Rostovs continuava vivendo em sociedade, bebendo e comendo muito. Como maçom procurava respostas do destino em profecias e, fazendo diversos gráficos, chega à conclusão que o nome de Napoleão e o russo Besuhof chegam a 666. “Seu amor por Natasha, Anticristo, a invasão de Napoleão, o cometa e o número 666, o imperador Napoleão e o russo Besuhof” – tudo isso junto iria se desenvolver em uma crise que o conduziria à grande felicidade! Pierre acaba vendo, na casa de Rastoptchin, uma carta de Nikolay para seus pais e sua condecoração por bravura e também que Andrey estava como comandante de um regimento de cavalaria leve. A idéia de entrar para o exército já havia sido cogitada, mas sendo supersticioso resolve esperar o que o destino reservaria para ele. Pierre vai aos Rostovs e ouvindo Natasha cantar, abre a porta encantado com sua recuperação; ela volta-se e ao vê-lo corre rapidamente para ele: “Eu quero tentar cantar de novo. Conde, isso é errado, cantar?”Natasha não queria fazer nada que ele não gostasse, pois confiava plenamente no rapaz! Além disso, esta ansiosa por saber se Andrey a perdoaria. Pierre não encontra NADA a perdoar. (Ela estava apaixonada por ele e não sabia! Pobre menina). Petya os interrompe com a novidade de que se juntaria ao exército. Logo seus pais chegam e o manifesto será lido, contudo os soldados haviam recuado outra vez. Todos estão inquietos para ouvir o manifesto que Pierre trouxera, contudo ele não consegue achá-lo. Sonya corre para o vestíbulo e lá estão os papéis, sob o chapéu de Pierre. A condessa é aconselhada a não falar francês naqueles tempos de guerra[44]. O manifesto é lido por Sonya. Os presentes ficam atentos às ameaças feitas à Rússia e ao apelo do Tzar em convocar o povo contra o inimigo. Petya, muito vermelho, pede aos seus pais permissão para juntar-se ao exército, o que lhe é negado. Natasha, durante esses momentos, olha diretamente nos olhos de Pierre, o qual, embaraçado, vai embora. Pierre decide não voltar mais aos Rostovs, pois amava muito Natasha e sentiu ser correspondido! Petya se arruma como um adulto e sai sem ninguém observá-lo, pois o Tzar chegara a Moscou e sonhava encontrá-lo e dizer-lhe que, apesar de sua juventude, desejava servir a nação. Fingindo uma postura mais velha, encaminha-se para o Kremlin, mas à medida que vai chegando, uma multidão se formara e quando o Tzar aparece, ele é quase esmagado por ela, desmaiando. Acorda com um diácono tentando levá-lo para um imenso canhão[45] colocado no Kremlin. De lá poderia ver ainda melhor seu ídolo. Enquanto tiros de canhão eram ouvidos, o povo gritava Hurrah! Nesse instante, um sentimento de gravidade da ocasião se apossa de Petya. O Tzar desaparece para o jantar, mas o povo continua esperando por ele. Petya havia decidido que no dia seguinte iria para o exército! O Tzar reaparece na varanda comendo biscoitos,quando um pedaço cai e um homem corre para pegá-lo, assim Alexandre pede um prato dessas delícias e joga para a multidão que se acotovela para pegá-las! (Tolstoy mistura a seriedade da hora com humor). No dia seguinte, a contra gosto, o velho conde vai procurar um lugar na armada para Petya que não houvesse tanto perigo! No dia 15, um grande número de nobres, mercadores ricos e militares estavam no palácio Slobodsky. Pierre, uniformizado observava tudo com grande excitação! Esse cenário fez com que “idéias profundamente impressas em sua alma” florescessem. Eram o Contrato Social e a Revolução Francesa. No meio dessa aglomeração acalorada, um oficial reformado começa a discursar e Pierre se aproxima para ouvi-lo, mas não gostando do que escutava, sente um impulso de falar e inicia seu discurso, exibindo suas idéias liberais. Contudo os velhos nobres não concordam com elas e ele também é cortado por três frentes contrárias, não podendo concluir seu pensamento! Agora inúmeras vozes gritam e falam ao mesmo tempo, tornando tudo incompreensível. (um dos muitos encantos desses parágrafos são a primorosa descrição dos personagens e seus atos. O tom é sempre de humor e crítica). Sem ser entendido Pierre grita: “Cavalheiros, os senhores estão me esmagando!” Conde Rastoptchin, usando um uniforme de general, em voz alta, declara a todos os presentes que o Tzar decidira unir-se aos ricos negociantes que despejariam seus milhões e a obrigação dos nobres seria conseguir reunir seus homens e não se pouparem... “era o mínimo que podiam fazer”. Com a concordância geral os ânimos se serenaram. No dia seguinte o Tzar parte e essas pessoas surpreendem-se com que tinham feito!

Parte 10

Alexandre recusou todas as negociações, porque se sentiu pessoalmente insultado com o arrobo de fúria de Napoleão na presença de Kurakin e de Balashev. A guerra começara! Barclay de Tolly deu o melhor de si para comandar a armada e ganhar a reputação de grande general. Os europeus sob o comando de Napoleão tinham que chegar ao coração da Rússia e lá perecer. (Tolstoy analisa as causas da destruição da armada francesa em 1812. Elas entraram muito tarde, no inverno, chegando ao coração da Rússia sem nenhuma preparação suficiente. O fato dos franceses terem incendiado as cidades geraram um ódio muito grande nos camponeses. Na época, ninguém previa que o maior exército do mundo, com 800.000 soldados e os melhores generais, seria derrotado pela inexperiente armada russa com a metade da força, conduzida por inexperientes generais. Historiadores franceses e russos descreveram possibilidades muito diferentes do que ocorreu. A verdade é que Napoleão forçou caminho para entrar no solo do inimigo e Alexandre fez de tudo para detê-lo! Essa é a versão verdadeira segundo Leo Tolstoy). “Napoleão pensava só em avançar, embora o avanço, como se vê agora, significou uma ruína inevitável”... “Tudo veio a ocorrer pela oportunidade.” Os russos foram forçados a recuar, dando chance para o avanço francês até Smolensk. Bragation atrasou o encontro das armadas russas porque detestava o alemão Barclay de Tolly a quem acabou subordinado. Não havia unidade, nem supremo comando: Barclay era impopular. Todos os fatores levaram a um fervoroso patriotismo russo. O Tzar deixou o exército para cuidar de outros aspectos da guerra. Barclay sem a presença do Tzar ficou ainda mais temeroso o que resultou em uma inação prudente! Os quartéis estavam tão cheios de alemães que Bragation dizia que, na prática, estava servindo o alemão, a quem não confiava. Smolensk foi incendiada pelos próprios habitantes, em represália, e assim se mudaram para Moscou. Isso serviu de exemplo para o resto da Rússia. Na esfera social, depois da partida do príncipe Andrey para a guerra, seu pai cortara relações com Marya e a francesa. Marya ficava apreensiva com a crueldade da guerra, que impelia para a matança mútua de homens. “Mas ela não tinha noção da significância desta guerra.” Ela não conversa com ninguém sobre isso, apesar de receber notícias por Julie, que reatara com ela. Sua amiga não escrevia ou falava mais o francês com ódio por tudo que fosse francês, inclusive a língua! O pai não falando com ela, não sabia sobre o avanço da armada. Mesmo aconselhado por Andrey a fugir para Moscou com a família, o velho príncipe parecia não compreender mais nada! Agora ele escreve repetidas vezes seu testamento e quer depositá-lo em uma caixa de ferro! Está totalmente senil. À noite relendo as cartas do filho, imagina-se no lugar dele como um jovem general que fora, desejando que o presente passe depressa para ter paz. Em Bleak Hills, uma carta é escrita por um de seus empregados junto com Marya para o governador, a fim de que ela saiba o real perigo de ficarem lá. Contudo o velho Alpatitch é quem a levará e apesar de ver soldados inimigos e ouvir tiros de canhão, não se dá conta do perigo iminente! Enquanto um documento dizia que a cidade estava salva, multidões de pessoas e vagões com seus pertences moviam-se pela cidade em retirada. Enquanto tudo “pegava fogo”, Alpatitch e seu amigo taberneiro Ferapontov bebiam chá e falavam sobre o preço do milho! Apesar dos tiros os habitantes pareciam não compreender muito bem o que se passava. Um bombardeio, ordenado por Napoleão, minara a cidade. A rua esvaziou-se, mas os tiros continuavam incessantes. “A cidade está cercada, fujam” gritou um oficial. No coche do velho conde, fogem Alpapitch e a família de Ferapontov. Vendo sua loja sendo saqueada, esse bruto volta para defendê-la e diz que a Rússia acabou! Na confusão ouve-se uma voz familiar. Era Andrey querendo saber o que faziam ali. Zangado escreve uma nota para sua irmã. “... Saia para Moscou imediatamente.” Em Smolensk as tropas russas continuam a recuar e as francesas a avançar. O tempo continuava quente, seco e sem chuva para atenuar o calor. As estradas estavam repletas de soldados marchando. Essa queimada e o abandono da cidade marcaram para sempre a vida do príncipe Andrey. Quando alcançavam as vilas lutavam nos poços, por água. Andrey se entristece pela vila onde nascera e passara sua juventude, agora abandonada e desprotegida. Resolvendo visitar sua antiga casa em Bleak Hills se sente refrescado, apesar de todo o estrago da localidade. Depois de sua incursão ao ar fresco e livre, volta para a estrada poeirenta e seus homens. Em 7 de agosto Bragation escreve uma carta para o conde Andreevitch, que também seria lida pelo Tzar, lamentando o abandono de Smolensk e da perda de homens russos no embate, mas que ela não fora significante, mas, por outro lado, as perdas foram imensas para o inimigo. “Desse modo nós poderemos trazer, em breve, o inimigo a Moscou”. Aconselha a não fazerem um acordo de PAZ depois de tudo que haviam suportado. Isso faria a Rússia se voltar contra o conde. “Precisaria haver um homem no comando, não dois.” finaliza. O objeto principal de suspeita de toda armada era o auxiliar de campo Woltzogen. Entre esses fatos, a vida dos salões de Petersburgo e Moscou continuava sem mudanças. As casas de Ellen e Anna Pavlovna continuam repletas desde 1808 a 1812, com o mesmo entusiasmo. Nos salões de Anna, os legitimistas, ou seja, os patrióticos seguiam os rumos da guerra com preocupação e passaram a abominar os franceses. Todavia, os convidados de Ellen, o círculo francês, esperavam que o acordo de paz viesse o mais breve possível. Vassily criticava a indicação de Kutuzov como Presidente da Corte, pois além de velho possuía uma moral das mais baixas. “Ninguém se opusera a essa visão”, mas apesar de tudo Kutuzov é apontado para o cargo, com autoridade ilimitada. Mudando completamente de ponto de vista, Vassily revela exultante o cargo de Kutuzov aos seus companheiros, que ficam perplexos com sua nova opinião. Nesse momento os franceses se aproximavam cada vez mais perto de Moscou. Os historiadores russos dizem que Napoleão Bonaparte fora atraído para lá pelos russos e os historiadores franceses que ele foi atraído para os muros de Moscou pelos eventos naturais de uma guerra. “Depois de Smolensk, Napoleão tentou forçar uma batalha além de Dorogobuzh, em Vyazma, e então em Tsarevo-Zaimishtche. Mas os russos não puderam oferecer essa batalha”. De Vyazma avançaram direto para Moscou. “Moscou, a capital asiática desse grande império, a cidade sagrada de pessoas de Alexandre, Moscou, com suas inumeráveis igrejas em forma de pagodes chineses!” Essa Moscou não deixaria a imaginação de Napoleão sossegar. Bonaparte quer interrogar um Cossaco traidor sobre os planos russos. Lavruska, um oportunista sem moral, revelou tudo o que sabia, fingindo não reconhecer o grande general. Ganha por sua delação a liberdade como um “oiseau qu’on rend aux champs qui l’ont vu naître[46]”. Ocorre que Lavruska pertencia ao batalhão de Nikolay Rostov, acampado em Yancovo. Ele deu um cavalo ao delator e saíram galopando juntos. Princesa Marya não estava em Moscou como pensava seu irmão Andrey. O velho conde resolvera ficar em Bleak Hills, mas enviara seu neto e Dessalle para lá e, pela primeira vez em sua vida, Marya ousou desobedecer ao pai e permanecer perto dele, desde que sua presença desagradável não fosse notada. Seu pai totalmente vestido como um general sai, mas uma multidão havia se formado e trazia um pequeno homem condecorado, com uma expressão de submissão. Era seu pai, que havia tido uma ataque cardíaco e estava paralisado. É levado para Bogutcharovo e quando chegam descobrem que Dessalle e o pequeno príncipe haviam partido para Moscou. O velho conde sofria física e mentalmente, pois não havia recuperação. Marya olhava por ele com preocupação e horror de perdê-lo. Todavia o mais estranho era que esperanças e desejos escondidos dentro dela começaram a aflorar! Ela se sente profundamente culpada por pensar em sua liberdade depois da morte do pai que, no fundo da sua alma, desejava. Muito mal, o conde quer falar com a princesa, mas não consegue articular nenhuma palavra, no entanto ela adivinha que sua alma está em sofrimento. Interpretando seus sinais e sons, Marya chora e não sente mais nada. Apenas seu amor apaixonado por seu pai! Finalmente ele morre e a pobre moça fica desorientada. As mulheres o lavaram e o vestiram com seu uniforme e suas comendas. Inúmeras pessoas se aproximaram de seu caixão para se despedir. Os camponeses de Bogutchavoro eram muito diferentes dos de Bleak Hills. Eram oriundos das estepes geladas e considerados selvagens. Muito supersticiosos e analfabetos ligavam a guerra à vinda de um Anticristo. “Como pássaros voando para reinos desconhecidos sobre o oceano, esses homens com suas esposas e filhos foram em direção ao sudoeste. Muitos pereceram, muitos foram enviados para a Sibéria e muitos voltaram...” e “o movimento morreu como começou, sem uma causa óbvia.” Em 1812 a corte russa temia que, em caso de vitória do inimigo, Napoleão libertasse os servos. Os camponeses de Bogutchavoro não fugiram do local, permanecendo em suas casas e dizia-se que estavam se comunicando com os franceses. Um documento atestava que se lá permanecessem nada lhes aconteceria. “No dia da morte do príncipe o delegado urgiu Marya para sair no mesmo dia, pois estava se tornando perigoso.” Alpatitch, sabendo do que estava ocorrendo na vila, solicita ao representante dos aldeões, o velho Dron, carruagens e vagões a fim de levar a princesa para Moscou, mas ele detecta hesitação em seu olhar! Dron estava entre dois campos - o de seu mestre e o dos camponeses revoltosos. Ele ameaça ir à polícia denunciá-los se não obedecessem, contudo nada é resolvido. Depois do funeral de seu pai, Marya cai em profunda tristeza e imobilidade. Não quer sair de casa e não quer saber de nada. Perspicazmente Mademoiselle Bourienne se aproxima dela declarando seu amor e arrependimento por seus atos, sugerindo que fiquem em Bogutcharovo, pois tinha em mãos uma proclamação do General Rameau, pedindo para não abandonarem a casa, pois seriam protegidas pelos franceses. Lívida, com o documento em suas mãos princesa Marya ordena a partida imediata. Jamais ficaria sob a guarda dos franceses! Sentia-se a representante de seu finado pai e seu irmão e jamais se subjugaria. Não encontrando ninguém em casa chama Dron, que lhe informa não haver mais cavalos, vagões ou comida. Estavam passando fome e necessidades. Marya ordena que se distribua todo o trigo guardado para os camponeses e que faria tudo por eles! Os camponeses aglomeram-se em frente à sua casa e ela se espanta, porque não os havia chamado. É aconselhada pelos empregados a não sair de casa, entretanto resolve enfrentá-los e oferecer-lhes tudo o que possuía, para que não sofressem ainda mais e que partissem para Moscou. A multidão olha-a e todos têm a mesma expressão. Insistindo em sua oferta um deles grita que não quer sua ajuda, que parta e os deixem em paz. Novamente tinham a mesma expressão, que agora era, sem dúvida, de determinada exasperação! Marya volta para seu quarto e fica só com seus pensamentos. Em 17 de agosto, Rostov, Ilyan e o delator Lavruska partem para Bogutcharovo em busca de provisões, antes que os franceses chegassem. Nikolay Rostov não tinha noção de que a vila para a qual se dirigiam era de propriedade de Bolkonsky, que fora noivo de sua irmã. Ao chegar depara-se com os camponeses bêbados, mas logo chega Alpatitch e, com todo o respeito, pede-lhe que se dirija à casa do conde Bolkonsky, pois sua irmã não podia partir por causa dos camponeses revoltosos. “Impossível” grita o jovem e se encaminha para a residência, questionando o empregado sobre o que estava ocorrendo. Quando Rostov se avista com Marya, reconhece nela a jovem indefesa e carente, com quem sempre imaginara se casar! A princesa olhando para seu “rosto russo” e ouvindo um linguajar semelhante ao seu, fala com uma voz entrecortada de emoção. “E que ternura, que nobreza em suas feições e expressão”, pensa Rostov, enquanto ela conta sua história. Havia lágrimas nos olhos do rapaz. Marya fita-o com seu olhar luminoso que fazia as pessoas esquecerem-se de sua singeleza. Rostov consegue debelar o motim e eles ajudam a carregar os objetos dos Bolkonskys aos carroções. O jovem, não querendo forçar sua presença à princesa, espera-a do lado de fora e ao vê-la acompanha Marya até Yankovo, feliz pela oportunidade de conhecê-la. Agradecendo ao rapaz estava radiante com sua gentileza e carinho apesar de suas dores, imaginando como sua irmã pudera recusar Andrey! “Estaria apaixonada por ele?” “E em tudo isso, Princesa Marya viu a mão da Providência.” Apesar de sua preocupação e de odiar ouvir seus companheiros dizerem que havia escolhido uma grande herdeira russa, Nikolay não podia imaginar nada melhor do que ter Marya como esposa. Mas e Sonya, e sua promessa? Nesse meio tempo Kutuzov recebe o comando do exército russo e lembra-se de Andrey, mandando chamá-lo. O príncipe ao chegar encontra-se com Denisov no acampamento, que também esperava o general. Os dois haviam pedido a mão de Natasha em casamento, e assim recordam-se de um passado amoroso, até agora adormecido pela guerra! Denisov conta ao príncipe sobre seu plano de atacar as comunicações francesas e assim imobilizá-los. Ele o apresentará a Kutuzov. O general chega e é recebido com grandes manifestações por parte dos generais e oficiais, mas ele não se altera, pois estava acostumado com a liderança. Seguido por uma imensa quantidade de generais, após desmontar do cavalo, encaminha-se em direção aos dois jovens. Ele estava mais corpulento do que nunca e sua fisionomia cansada e preocupada sem mudanças. Andrey conta sobre a morte de seu pai, o velho conde, e Kutuzov faz o sinal da cruz, dizendo que o amava e respeitava muito, com lágrimas nos olhos. Denisov aproveita esse momento e vai ter com ele, mesmo tendo sido admoestado a não fazê-lo. Corajosamente apresenta seu plano ao general, que o ouve meio contrariado, mas ao saber que era sobrinho de um amigo promete voltar a falar com ele. Kutuzov desprezava o conhecimento e o intelecto, conhecia outras coisas mais práticas que colocariam tudo nos seus devidos lugares! Escutava os conselheiros por escutar, “por ter orelhas”, mas só acreditava em sua experiência de vida e na sua idade. Kutuzov queria que Andrey ficasse com ele, mas o oficial declina e diz que seu lugar era no campo de batalha, com seus homens! Aceitando sua decisão diz: “É relativamente fácil tomar uma fortaleza, mas é difícil acabar uma campanha satisfatoriamente”. “Tempo e paciência – eu tomei mais fortalezas do que Kamensky e fiz os Turcos comerem carne de cavalo.” Balançou a cabeça. “E os franceses farão o mesmo.” “Mas marque minhas palavras, querido menino! O mais forte de todos os guerreiros são esses dois – tempo e paciência.[47]”. Despedindo-se do rapaz volta à sua novela de Madame Genles[48], Les Chevaliers du Cygne. Andrey ao regressar a seu regimento tem a sensação de que Kutuzov, com sua simplicidade e seu conhecimento de guerra, colocaria a Rússia em segurança e faria os franceses comerem carne de cavalo! Quando o Tzar deixou Moscou, a vida da cidade volta ao que era antes, sem patriotismos, mas o pedido oficial de contribuições de homens e dinheiro é apresentado oficialmente e é inevitável. Contudo, com a aproximação cada vez mais perto dos franceses, seus habitantes reagem ao medo com uma alegria nunca vista, para esquecer o perigo iminente. Nos salões, se fala muito da vida alheia e se recrimina o uso do francês, mas era a língua que eles sabiam. O russo era pouquíssimo usado. Pierre estava montando uma milícia, mas não tem a intenção de comandá-la, pois com seu corpo muito grande seria um alvo fácil para o inimigo. Ele fora bastante provocado por Julie. Depois disso, os convidados passam a falar mal dos Rostovs. Pierre não gosta do que ouve e defende-os, dizendo que ainda estavam em Moscou, porque Nikolay chegaria a qualquer momento e iria para seu grupo. Julie provoca-o mais uma vez dizendo que havia um boato na cidade de que ele era o cavaleiro da condessa Rostov. Indignado diz não compreender tal crueldade. A presença da princesa Marie em Moscou e a perda de seu pai, também é motivo de comentários. Julie diz que ela fora refém de revoltosos e que Nikolay Rostov a resgatara de suas mãos. “Outro romance. Essa fuga geral, evidentemente, almeja casar todas as velhas donzelas”, comenta um voluntário. Quando Pierre volta para casa fica sabendo que, na realidade, era desejável que as mulheres e mercadores saíssem da cidade, pois haveria menos pânico e que o exercito se aquartelaria em Vysma, onde se poderiam achar armas a preços mais baratos. Era evidente que o perigo estava perto. A única prima de Pierre que ainda morava com ele, vem ao seu encontro desesperada para partir em direção a Petersburgo, pois as ruas estavam perigosas, todos estavam partindo e ela estava com medo de ser assassinada pelos empregados, que já se mostravam insolentes. Ele permanece em Moscou esperando, com alarme e alegria, que algo horrível acontecesse. Seu contador informa-lhe que era impossível levantar dinheiro para a sua milícia e que o único modo seria vender todos os seus bens. “Pois os venda” disse Pierre, para quem quanto pior, melhor! Seus amigos haviam partido da cidade, exceto os Rostovs, mas ele não os visitou. Pierre viaja para ver o balão de ar que estava quase pronto e tinha sido encomendado pelo Tzar, para ser usado na guerra. Durante o caminho vê uma turba aterrorizando alguns franceses e, nesse momento, resolve juntar-se ao exército. Em vinte e quatro horas parte de Moscou. No dia 24 ele chega a Mozhaisk, que está como um mar de soldados, vagões, canhões e aparatos de guerra. A sua visão de mundo modificara-se. “Não estava interessado em saber o alvo do sacrifício, mas o sacrifício em si conferiu-lhe uma nova sensação de júbilo! No dia 24 e 26 foram travadas as batalhas de Shevardino e Borodino. Batalhas sem nenhum sentido. Napoleão perdeu grande parte de seu exército, assim como Kutuzov ,e ambos ficaram mais perto de Moscou, e um batalhão ainda mais perto do outro. Apesar da genialidade e previsibilidade desses dois grandes generais, eles eram os agentes menos independentes da guerra. Os historiadores dizem que após a retirada de Slomolensk a Rússia procurou uma posição melhor e encontraram-na em Borodino. Eles fortificaram esse reduto, mas Napoleão atacou-o e resgatou-o. Mas isso é incorreto! Foi um acontecimento absolutamente acidental. Os russos até 25 de agosto de 1812, jamais sonharam com uma batalha naquela planície. Napoleão avançando a Valuev, em 14 de agosto, não vira a posição avançada da armada russa, mas perseguindo a retaguarda tropeçou no flanco esquerdo da posição russa de Shevardino e suas tropas atravessaram o Kolotcha e, como era muito tarde para os russos recuarem, se encaminharam para sua ala esquerda da posição que pretendiam ocupar, e tomaram nova posição. Atravessando o rio Kolotcha Napoleão deslocou a batalha toda da direita para a esquerda, transferindo-a para a planície de Borodino e aí foi travada toda a batalha. Os russos, pegos pelo acaso, se encontravam com metade de suas forças armadas, perdendo, desse modo, para os franceses que estavam com o dobro de soldados. “A batalha de Borodino[49] não foi travada em uma posição fortificada cuidadosamente escolhida, com forças ligeiramente mais fracas do lado russo”. Fora uma fatalidade. Na manhã do dia 25, Pierre vai em direção a seu regimento e no caminho encontra-se com um vagão de combatentes feridos e logo depois com um grande número de soldados cantadores e camponeses, entoando canções de guerra, pois iriam para Moscou. Em seguida encontra um médico conhecido, que o aconselha encontrar Sua Alteza antes de prosseguir. Ele se apressa, pois no dia seguinte haveria uma batalha. Pierre acha tudo estranho quando segue para Tatarinovo. Imagina que eles morrerão amanhã e como os soldados podem pensar em qualquer coisa que não seja a morte! Pierre prossegue e avista a milícia de camponeses de camisas brancas e uma cruz no boné, admirando-se com sua alegrias e disposição. A visão desses camponeses de barba impressionou Pierre mais do que qualquer outra coisa que vira anteriormente. Tendo alcançado o alto da montanha podia ver, ao longe, o combate entre as duas forças, a fumaça, os rios e as massas indistintas dos inimigos. O mais impressionante era que, ao mesmo tempo da batalha, havia uma procissão trazendo a Virgem Protetora da Rússia, seguida por padres, generais e muitas outras pessoas, dentre elas o fervoroso general Kutuzov, que ao parar beija, como uma criança, a imagem sagrada. Pierre é chamado por uma voz familiar. Era Boris que estava atendendo o Conde Bennigsen e lhe propunha que os seguissem. Havia entre os principais comandos da armada dois partidos claramente definidos: De Kutuzov e de Bennigsen. Agora o momento decisivo da batalha chegara. Um dos dois homens importantes seria consagrado. Muitos conhecidos de Pierre estavam lá, todos com uma expressão de agitação, mas ele nunca poderia esquecer aquele olhar de excitação, visto em outros rostos, que sugeriam problemas, não sucesso pessoal, mas “as questões universais de vida e morte.” Kutuzov ao ver Pierre pede para alguém chamá-lo, mas ao se aproximar o jovem conde vê Dolohov se insinuando para o general e se pondo a sua disposição. Boris também quer ser notado e fala da milícia de camisa branca. “Ah!... Um povo maravilhoso e único” Kutuzov repete com um suspiro. Dolohov se aproxima de Pierre e abraçando-o pede perdão pelos erros do passado. Meia hora mais tarde Kutuzov vai para Tatarinovo e Bennigsen e sua comitiva, entre eles Pierre, inspecionam a posição. De Gorky, Bennigsen foi para o alto do outeiro, no qual os milicianos trabalhavam escavando a terra. Esse seria o famoso reduto fortificado, que se chamaria Reduto de Raevsky. Não entendo as táticas de guerra, Pierre fica admirado ao ver no pé da montanha, homens armados e estacionados. Eles não sabiam que as tropas estavam lá, em emboscada, para observar o inimigo e os atacar. Bennigsen vai para outra posição sem avisar nada ao comandante em chefe. (É muito interessante observar como Tolstoy, durante essas complicadas manobras de guerra, continua descrevendo a belíssima natureza, sempre imutável e seguindo os ciclos naturais, diante das barbáries humanas). Em Knyazkovo, o príncipe Andrey tinha a mesma irritabilidade que sentira antes em Austerlitz. Já havia dado suas ordens e só restava esperar, pois a morte se revelara para ele, pela primeira vez, como uma coisa concreta. Apenas três coisas de sua vida chamam sua atenção: Seu amor por uma mulher, a morte de seu pai e a invasão francesa, que já ocupara metade da Rússia. Andrey ouve uma voz familiar e lá está Pierre. Sua reação é de hostilidade, mas pergunta por sua família e fica sabendo que foram para as propriedades de Moscou. Conde Bezuhov quer saber sobre os prognósticos da batalha, mas Andrey está decidido a ser cínico e responde com ironia suas perguntas. Ele diz que o resultado de uma batalha depende de diversos fatores e não apenas de ordens dos generais. O certo é que amanhã 200.000 soldados se enfrentarão, russos e franceses, “e o lado que lutar mais desesperadamente e se poupar mais conquistará a batalha... o que quer que aconteça teremos a vitória.” Continuando o raciocínio ele diz não ser a favor de resgatar os inimigos, mas simplesmente matá-los. Bezuhov sente que a questão que o estava perturbando o dia todo, agora o atingira e tudo estava claro e resolvido. “Guerra não é uma recreação polida” diz Andrey e continua “Quais são as morais de um mundo militar?” “... as morais de uma classe militar – falta de [50]qualquer independência, que é, disciplina, ócio, ignorância, crueldade, deboche e embriaguez. Reflete que essa é a classe mais alta e em qualquer pais do mundo, exceto na China, todos os soberanos usam uniformes militar e dão as maiores recompensas ao homem que matar mais.” Aconselhado a voltar para Gorky, Pierre vacila, mas sabendo que ele não o quer lá, retorna. Nesse ínterim, no acampamento de Bonaparte ele está satisfeito e diz a M. Beausset que como ele gosta de viajar, em três dias, estarão em Moscou, a capital Asiática. Ele trouxera-lhe um presente da Imperatriz. Era um magnífico quadro pintado por Gérard[51]. Esse pintor famoso retratava o filho de Napoleão e a filha do imperador austríaco, que era chamado, não se sabe porque, de Rei de Roma. Ficara tão extasiado com o retrato que mandara colocá-lo na frente de sua tenda, a fim de que todos pudessem admirar a tela. Após o café da manhã com Beausset, Napoleão dita sua proclamação aos soldados. “Courte et énergique![52]“Demanda a seus soldados que sejam heróicos como foram em Austerlitz, Friedland, Vitebsk, e Smolensk. Desejava um breve retorno, pois a vitória estava nas mãos deles. O dia todo de 25 de agosto, Bonaparte passou inspecionando as tropas e criticando os planos de guerra. A parte a ser atacada era aquela que ficara mais enfraquecia, então não era necessário tanto empenho de seus generais para chegar a essa conclusão. Segundo historiadores, Napoleão não concordara com isso. A disposição de Napoleão é escrita e deveria ser seguida à risca. Das quatro principais ordens dadas por ele, nenhuma foi executada por falta de praticidade e os movimentos durante a batalha dados por ele, na verdade, foram executados por outros generais, visto que ele se achava muito longe do campo de ação! O resultado da batalha decorre da idéia que “o curso dos eventos terrenos é predestinado do alto, depende da combinação de todas as vontades dos homens que tomam parte nesses eventos, e que a influência predominante de Napoleão nesses eventos é puramente externa e ficcional!” O massacre de São Bartolomeu, ordenado por Carlos IX, também não resultou de sua vontade como o massacre de Borodino não aconteceu devido ao desejo de Napoleão. A armada francesa aniquilou seus irmãos em Borodino, não pela ordem de Bonaparte, mas pelo desejo dos próprios soldados em fazê-lo! E não foi a vontade de Napoleão que ordenou o curso da batalha, mas ela prosseguiu independentemente dele, dos desejos de centenas de milhares de homens que tomaram parte nela! Depois de retornar da segunda inspeção muito cuidadosa, Napoleão resolve repousar “antes do grave negócio que se colocava em sua frente.” Todavia as preocupações não o deixaram dormir, assim como um forte resfriado! Levanta-se espirrando muito e conversa com Rapp, que entrara em sua tenda, relembrando os acontecimentos desde Smolensk. Napoleão disse: “Essa pobre armada que já foi grandemente diminuída desde Smolenk. La fortune est une franche courtisane[53]”. Reflete também que “o corpo é uma máquina de viver, só isso.” Às quatro da manhã ouve um longínquo barulho das tropas francesas começando a compor sua posição. Bonaparte, com um chapéu de pele, avista uma sentinela e quer saber se está bem; estava sempre preocupado com seus soldados. Ouvindo tiros de canhão exclamou que “o jogo tinha começado.” Pierre, ao voltar para Gorky, pede para que tudo esteja preparado para a manhã seguinte, pois queria ver o campo de batalha. A manhã do combate era esplêndida e os soldados, canhões e toda artilharia pesada podiam ser vistos do alto do morro. Pierre sente uma vibração de prazer ao ver a beleza do espetáculo. Ansiava estar lá no meio da fumaça, das baionetas que brilhavam, o movimento e o barulho. Sem saber, dirigiu-se para a ponte sobre o rio Kalotcha, entre Gorky e Borodino, que estava sendo atacada pelo inimigo. Apesar de ver tantos soldados e ouvir muitos tiros, o ingênuo conde não imaginava que lá era o centro da batalha. Fica sabendo que no flanco esquerdo, na divisão de Bragation, estava apavorantemente quente. No meio do terrível embate, Pierre é obrigado a desmontar e se encaminha em direção ao cume da montanha. Desse ponto poderia ter uma visão geral de tudo, contudo esse era o posto mais importante dos campos de combate. Pierre, sempre com um sorriso no rosto, observa os canhões atirando continuamente, envolvendo tudo com nuvens de fumaça. Os soldados da bateria, muito contrafeitos, afirmam que ele não poderia ficar lá. Contudo, logo é aceito pelos combatentes por sua cortesia e calma sendo chamado de “our gentleman[54]” por eles. Pierre testemunhou os horrores dessa guerra, vendo russos e franceses feridos, mortos, prisioneiros ou sendo carregados em macas. O sol continuava elevado e o barulho dos canhões cada vez mais alto e mais perto, atrás do véu escuro. Havia centenas de armas em ambos os lados e a nuvem de fumaça negra que se formara era tão densa que nada podia ser visto. Os combatentes não tinham idéia do que estavam fazendo, tal a intensidade dela, que obstruía qualquer visão. Borodino havia sido tomada e um oficial vem trazer a notícia de que a ponte havia sido queimada pelo inimigo, a mesma onde Pierre havia estado no começo daquele dia! Napoleão, seus marechais e generais davam suas ordens sem participar da batalha, com poucas aparições nos campos e essas ordens ou não eram executadas ou raramente levadas a cabo. Na guerra o mais importante é o espírito de sobrevivência de cada soldado! O dano e a morte era o trabalho das balas de canhões e espingardas que voavam pelo espaço aberto, onde os homens corriam de um lado para outro. As perdas francesas foram tão grandes que Murat solicitou mais reforços. Napoleão, atônito, quer saber o porquê dessa solicitação, já que era um confronto contra a fraca armada russa. Ele envia a divisão de Friant, que desaparece na nuvem preta dos campos. Napoleão sentia-se como um jogador acostumado a ganhar sempre e, repentinamente, “vê que está certo de perder.” Com sua longa experiência de guerra, não avaliou que, com oito horas de ataques mal sucedido, seus homens estivessem desesperançados. Quando ouviu que os russos ainda mantinham seus lugares, um sentimento terrível se apossou dele! Não fora uma batalha, mas um massacre prolongado, o qual não foi de valia para nenhum dos dois lados. Ele pensou: “Oitocentas léguas da França, não vou deixar minha Guarda ser destruída.” Assim galopou de volta para Shevardino. Murat havia sido feito prisioneiro e Kutuzov ao saber sorriu. Woltzogen informa-lhe que cada ponto da posição russa está em posse do inimigo, mas eles estão enraizados, não podendo ser mover, os homens fugiram e não há como fazê-los parar. A armada francesa não pode avançar além de Borodino. A expressão de todos era de tensão máxima. Em estado de estupefação, Kutuzov, encarou Woltzogen não entendendo mais nada. Ele reafirma que as tropas estão paradas. Kutuzov, então, os atacará no dia seguinte e tirará os inimigos da santa terra da Rússia e suas ordens são instantaneamente transmitidas. Desse modo, os soldados arrasados voltaram a sentir coragem e conforto. O regimento de príncipe Andrey está nas reservas, atrás de Semyonovsky, em completa inação. O regimento perdera um terço de seus soldados e estavam ocupados em carregar os mortos e feridos. Estavam silenciosos e sombrios, não havendo razão para o coronel dar qualquer ordem. Tudo havia sido realizado por si mesmo. De súbito um grande estrondo é ouvido e Andrey cai com o rosto no chão e uma poça de sangue começa a se espalhar. Andrey, na maca, abriu seus olhos e por um longo tempo não podia saber o que estava passando em seu redor. Uma sensação de conforto o toma, nada importava mais. Levado ao hospital, um oficial assistente tira suas roupas. O médico curvou-se e apalpou a ferida. Uma dor excruciante fez Andrey perder os sentidos. [55]Acordando depois dos procedimentos, sentiu uma PAZ como não havia conhecido há muito tempo. Um ferido, com uma cabeça familiar, está em uma mesa próxima a sua e com um grito agonizante ele vê sua própria perna que havia sido amputada! . Era Anatole Kuragin e se lembrou da ligação que existira entre eles, na juventude, e Natasha em seu primeiro baile. Quanto a Napoleão, o horrível espetáculo da batalha lhe causou uma reação inesperada. Saiu do campo de guerra e voltou para Shevardino ouvindo o som do combate, imaginando a agonia e a morte de seus soldados como sendo a sua. “Não sentia mais desejo por Moscou, por vitória ou por glória”, mas tem que ordenar mais ataque. Apesar do fogo os russos permaneciam firmes. Completamente só, em Santa Helena, ele escreve que imaginava ter um império sem fronteiras, com as pessoas viajando por todos os mares e todos os rios pertencendo a todos. Sua ditadura teria terminado e um reinado constitucional começaria... “Paris teria sido a capital do mundo e a França a inveja das nações”! Persuadiu-se que seus atos haviam sido tomados para o bem estar das pessoas e que “poderia controlar milhões e trazer a prosperidade através do exercício de seu poder.” Os russos haviam perdido metade de sua armada; mas a força moral dos franceses e a armada de ataque estavam exaustos. A VITÓRIA MORAL fora ganha pelos russos em Borodino! A conseqüência desses fatos resultou na fuga, sem causa, de Napoleão, a ruína de sua armada e a queda do Império Napoleônico, que pela primeira vez, em Borodino, encontrou um espírito mais forte!

Parte 11

“A ciência da história enquanto avança está continuamente tomando menores e menores unidades para análise e desse modo determinar a verdade o mais próximo possível.” As forças armadas de doze países diferentes da Europa invadem a Rússia. O exército russo cai. As forças armadas francesas seguem para Moscou e cada soldado da armada prossegue pela força de um ímpeto de avanço. Os russos estão em fúria, em Borodino as armadas se encontram e os russos recuam inevitavelmente a cento e vinte verts além de Moscou. Os franceses alcançam Moscou e por cinco semanas não há uma simples batalha! “De repente, sem nada novo, eles fogem e então, sem um simples fato sério, voam mais e mais rapidamente para Smolensk, para Vilna, para Verezina e além dela.” Em 16 de agosto Kutuzov avisa o Tzar, o qual ordena que as tropas estejam em prontidão para outra batalha, a fim de completar a derrota do inimigo, mas nenhum dos dois exércitos tem condições físicas de fazê-lo, com tantas perdas. Apesar do ímpeto dos soldados franceses, sem munição, armas, informação ou soldados tornara-se impossível continuar as batalhas. E apesar das forças russas terem alcançado Moscou em primeiro de setembro elas a abandonaram aos inimigos! “O desejo de Kutuzov era atacar no dia seguinte”, mas para atacar não é suficiente desejar, mas haver possibilidade de fazê-lo. Um comandante-em-chefe tem várias decisões a tomar e nem sempre isso é possível. As decisões de Kutuzov foram tomadas, espontaneamente, em Shevardino, em Borodino e a cada minuto do recuo de Borodino à Fili. As condições momentâneas é que foram determinantes. Em Fili, Kutuzov teria de “bater em retirada”, abandonando a antiga capital russa sem uma batalha. Um conselho militar é formado com os generais e “nem um gesto, um sorriso” poderia ser visto entre eles, tal a gravidade do momento. Todos discutem, mas o velho general não entra na conversa e não dá sua opinião. “A face de Kutuzov torna-se mais preocupada e sombria. De toda essa fala Kutuzov viu somente uma coisa: a defesa de Moscou era fisicamente impossível no sentido mais amplo das palavras.” Só uma questão importava para ele: Seria possível que ele deixara Napoleão tomar Moscou e quando isso teria ocorrido? “Moscou precisa ser abandonada. A armada precisa se retirar, e eu preciso dar a ordem para isso.” Tal ordem para ele era semelhante a abandonar o comando do exército! Ele diz: “Ma tetê, fût elle bonne ou mauvese, n’a qu’à s’aider d’elle même”[56]. Esse conselho acontece na casa de um camponês, às 2 horas. Todas as figuras mais importantes do exército estavam lá. Bennigsen abre o conselho, com 4 horas de atraso. A questão é abandonar a sagrada terra da Rússia ou defendê-la. Todos os olhares se fixam em Kutuzov. “A salvação da Rússia depende de sua armada. É melhor arriscar perder a armada e Moscou oferecendo batalha, ou abandonar Moscou sem batalha.” Alguns generais falavam da direção que a armada deveria tomar na retirada. O plano de mover o batalhão para o flanco esquerdo, à noite, era muitíssimo arriscado. Depois de um silêncio momentâneo ele fala: “Mas eu” (parou), “pela autoridade que me foi confiada pelo Tzar e meu país, dou a ordem de retirada.” Kutuzov pensa: “Quando, quando se tornou inevitável que Moscou deveria ser abandonada?” e “quem deve ser culpado por isso?” “Sim, mas eles terão de comer carne de cavalo como os Turcos!” O abandono e queima de Moscou foi tão inevitável como a retirada do exército sem luta. A população rica havida fugido levando tudo de valor e os mais pobres que permaneceram queimaram e destruíram tudo o que restara. Fugiram, simplesmente, porque ficar sob as ordens francesas jamais poderia ocorrer! Todos juntos estavam, genuinamente, praticando o grande ato que salvou a Rússia! Nessa época, Ellen encontrava-se em Petersburgo com uma difícil situação. Havia dois homens importantes que a cortejavam e ela não queria desagradar nenhum deles. Um era um jovem príncipe, com quem ela queria se unir, mas, já sendo casada, apela para a situação do próprio Napoleão, que mesmo casado, unira-se com a filha da família real austríaca. Isso deixa o príncipe atônito. O outro era certo senhor francês mais velho e fascinante chamado M. Jobert, um leigo jesuíta, que a leva a uma igreja e um padre confessa-a, absolvendo-a de seus pecados passados, assim ela toma a Hóstia Sagrada! Dois dias depois, fica sabendo que o próprio Papa ouviria seu caso e enviaria um documento a ela. Nesses casos as pessoas mais tolas ganham sempre das mais sábias! Associando-se aos jesuítas, fala em doar todo o seu dinheiro, mas aconselha-se com seu novo conselheiro espiritual o quanto seu casamento esperaria. O problema maior era que ela sendo casada, entraria em um novo casamento, mas seu pecado poderia ser perdoado. Querendo prolongar seu raciocínio é cortado por Ellen que alega pertencer, agora, a verdadeira religião, portanto não estaria ligada a dogmas da falsa religião. Isso caiu como um ovo de Colombo. M.Jobert fica encantado com a rapidez de raciocínio de sua nova pupila! Com sua naïveté[57] conta a seus amigos que ambos a pediram em casamento, mas ela amava os dois e não queria magoá-los. (lembre-se, Ellen tinha um marido vivo). A sociedade, na grande maioria, aceita o fato e só pensam em como deixar a pobre Ellen mais feliz. Qual dos dois? Aconselhando-se com Bilibin, ele sugere que se case com o mais velho, pois morrendo mais cedo deixaria o caminho livre para o príncipe. Porém Ellen se desconsola. (Em verdade queria ficar com os três). Une maîtresse femme[58].Mas qual seria a opinião de seu marido? Achando que ele a amava muito, tem certeza de que consentirá. Sua mãe, que sente ciúmes da filha, pergunta a um padre russo se isso seria possível. Obviamente a resposta é negativa e ao explicar à sua querida filha a proibição, o elegante conde chega e a condessa vê-se forçada a se retirar, lamentando que em sua juventude não tivesse sido tão esperta! Ellen escreve-lhe uma carta pedindo o divórcio, exatamente quando ele estava no tumulto de Borodino. Pierre só tem um pensamento nesse dia, voltar à vida normal e segura entre quatro paredes! Em seu redor só havia sofrimento e dor! Juntando-se a três soldados, encaminham-se para Mozhaish. No caminho é reconhecido por seu pajem e levado à pousada, que se encontrava apinhada de pessoas. Assim dorme em sua carruagem. Pierre pensa em como eles (os soldados) foram heróicos, firmes e calmos até o fim. “Eles ficaram claramente e nitidamente em sua memória – separados do resto de todas as outras pessoas.” Pierre fica sabendo da morte de Anatole, seu cunhado, e do príncipe Andrey. No dia 30, Pierre voltou para Moscou. Indo direto ao palácio do governador, enquanto espera lê uma proclamação onde diz que Kutuzov irá defender Moscou até a última gota de sangue. Porém ela é falsa. Um dos presentes no recinto diz lamentar que ele esteja com problemas familiares, pois sua esposa preparava-se para partir para o estrangeiro. Pierre é recebido por Rastoptshin, que o aconselha a partir imediatamente, pois tudo estava muito perigoso e a deixar a maçonaria. Antes de Pierre sair da sala, lhe pergunta se é verdade que a condessa caíra nas garras de um homem da Sociedade de Jesus. Pierre não responde, mas sai furioso. Em casa lê a carta de Ellen e desaparece. Ninguém pode descobrir seu paradeiro “apesar dos esforços em segui-lo.” Os Rostovs ainda permaneciam em Moscou até primeiro de setembro. A condessa consome-se em pensar que tinha dois filhos no exército e pudessem vir a morrer. Apesar de Moscou estar abandonada, ela não sai de sua casa e, finalmente, Petya chega em 28 de setembro, mas só tem olhos para a irmã. Depois de muita demora o embarque foi marcado para o dia trinta. Do dia 28 a 31, Moscou era alvoroço e movimento, milhares de soldados feridos estavam sendo transportados pelas suas ruas. Os mais diversos e contraditórios rumores circulavam pela cidade, os franceses chegariam. “Moscou continuou com sua rotina diária de vida”, apesar de tudo. Os Rostovs estavam se preparando para a saída, mas a única pessoa prática e sóbria era Sonya. Mesmo ciente do encontro de Nikolay com a rica princesa Marya, sabia que essa era a única maneira de tirar os Rostovs da horrível situação econômica que se encontravam. Os únicos a estarem alegres eram Petya e Natasha, pois “algo extraordinário estava acontecendo, o que é sempre inspirador, especialmente para os jovens.” No dia 31 de agosto a casa deles estava de cabeça par baixo. Sonya comandava a mudança e Natasha estava entre pilhas de vestido, laços e sedas, sem saber o que escolher e o que dar. Uma enorme quantidade de feridos passa em frente à casa dos Rostovs e a criadagem e Natasha vão vê-los, movidos pela curiosidade. Mavra pede ao oficial que deixe os feridos na casa, pois seus patrões estavam de partida. Eles ficam muito felizes e Natasha pede permissão aos pais para isso. O conde e a condessa, ela a contra gosto, permitem que fiquem lá. A condessa é tomada por um grande pânico e “declara que morreria de terror se não partissem naquela mesma noite.” Depois do jantar, a casa está um caos, com criados gritando, brigando e fazendo barulho. O conde só dá ordens contraditórias. Natasha, com grande eficiência, começa a trabalhar no empacotamento – o que tivesse valor seria levado o resto seria deixado para trás. Graças a sua supervisão os preparativos seguem rapidamente. Pouco antes de partirem, um oficial ferido gravemente é levado para dentro da casa, pois não há mais esperanças para ele. Era o Príncipe Andrey Bolkonsky. O último dia de Moscou chegara e uma enorme multidão lotava a praça. O governador não comparecendo, a aglomeração se disperse para os bares e bodegas. Os preços sobem às alturas e o valor da moeda cai vertiginosamente. Nos Rostovs tudo seguia bem, apenas sabiam que o valor de seus trinta carroções tinha de um imenso valor! Quase no momento de partir, o conde vê um enfermo que pede para seguir no vagão com a bagagem. O conde consente, com seu bom coração e a condessa ao acordar depara-se com arcas e mais arcas, de grande valor, sendo retiradas e substituídas pelos feridos! O conde Rostov explica, com muito carinho, à sua esposa que era melhor deixar as coisas para trás e levar os prisioneiros com eles, pois são vidas humanas. A condessa assume um ar de resignação chorosa e protesta que o governo é que deveria cuidar de seus feridos. Eles possuem muitos valores em rublos e o conde deveria pensar em seus filhos! Sem dar resposta, o conde sai e Natasha vê Berg, seu cunhado, indo em direção a casa deles. Berg, agora coronel e muito bem vestido, avisa que naquele momento um conselho de guerra estava acontecendo com seus principais chefes. Sua visita se dera apenas por mesquinharias, pois queria alguns empregados para ajudá-lo a pegar umas lindas peças de mobiliário, que havia comprado de alguém desesperado para Vera! Quando Natasha descobre que feridos seriam deixados para trás, por falta de lugar nos carroções, enfurece-se e pede aos seus pais que as coisas de importância fiquem e levem os miseráveis feridos. Seu amado pai e sua mãe concordam e os caixotes são retirados e os feridos colocados em seus lugares. “Querida sua ordem está certa... “Os ovos... os ovos ensinando à galinha.” Murmurou o conde entre lágrimas. Eles levariam somente o que fosse necessário e o resto ficaria nos depósitos da casa e tudo- prataria, bronze, louças caríssimas, espelhos, roupas, tapetes, quadros e enfeites, cuidadosamente escolhidos e empacotados por Natasha, ficariam em Moscou. “A família toda e os empregados estavam ansiosos e felizes.” Natasha encontrava-se em êxtase. Às quatro horas as carruagens estavam prontas para partir. Os vagões de feridos estavam se enchendo um após o outro. O coche que transportava Andrey chamou a atenção de Sonya e ela viu que se tratava do príncipe Bolkonsky. Sonya alerta a condessa e ambas imaginam o que Natasha faria se soubesse do fato. O conde despede-se dos criados com um abraço afetuoso, mas Natasha chega e percebe que sua mãe não está bem. Indagando não recebe nenhuma resposta convincente. Enfim, todos a bordo das carruagens, partem de Moscou e Natasha está exultante quando se vê saindo da agitada cidade. Os coches e vagões seguem em procissão. Natasha vê uma carruagem diferente e a observa diversas vezes.(era o coche de Andrey). Com a cabeça para fora da carruagem, vê Bezuhov em roupas de cocheiro e o chama. Sem graça vai falar com ela, mas Pierre diz que ficará em Moscou e ela desejaria ser um homem para poder ficar com ele também. Depois disso se despedem, mas a jovem continua olhando-o com uma alegria sem fim. Pierre estava há dois dias, depois de seu desaparecimento, morando na casa de seu tutor, Osip, que havia morrido. Quando ele recebera a carta de Ellen Vassilyevna, Pierre foi tomado por um sentimento de desesperança, era como se não tivesse mais futuro! Quando o seu mordomo entrou pela segunda vez para saber se já havia escrito a resposta da carta, ele saiu se escondendo e, alcançando a rua, enfiou um chapéu na cabeça. Pegou o primeiro coche que apareceu e se dirigiu para a casa da viúva de seu mestre Osip. Tinha a sensação de um garoto que foge da escola. O cocheiro lhe informa que haveria uma grande batalha no dia seguinte. Dirige-se à casa de Sofya Danilovna para pegar os livros. Em seu estúdio vazio, escuro e empoeirado fica mais de duas horas até que o criado Gerasin venha lhe perguntar se deseja que ele dispense o cocheiro. Pede ao empregado que lhe consiga roupas de camponês e uma arma. Sem questionar, Gerasin traz as roupas, mas a pistola só conseguiria no dia seguinte. Com essas roupas de cocheiro vai comprar a pistola e lá encontrara os Rostovs. Em primeiro de setembro Kutuzov ordenara a retirada do exército pela estrada Ryazan. Contudo, lá se encontrava uma massa de soldados em pânico e pressa. No dia 2 de setembro o congestionamento acabara e a armada já estava além de Moscou. No mesmo horário Napoleão estava no monte Poklonny, observando o espetáculo diante dele. “Ao vislumbre da cidade estranha, com suas formas novas e arquitetura não familiar, Napoleão sentiu algo como uma curiosidade invejosa e desconfortável que os homens sentem ao ver os aspectos de uma vida estrangeira.” “Esta cidade asiática com inumeráveis igrejas, Moscou a sagrada. Aqui está finalmente, a famosa cidade! Já não era sem tempo.” O Imperador imagina onde estaria Alexandre. Nos monumentos antigos de barbarismo e despotismo, deixaria inscritas as grandes palavras da justiça e da misericórdia. “Eu lhes ensinarei o significado da verdadeira civilização” pensou. Duas horas se passaram e seu discurso já estava pronto em sua mente. Ele decide tomar o coração russo e amar e respeitar o povo e o Tzar. Não acreditava estar diante dessa belíssima cidade! Contudo seus homens estavam muito preocupados, pois Moscou permanecia vazia a não ser por poucos bêbados. Como contar isso ao Imperador? Ele precisava ser preparado para saber a verdade. Os franceses só pensavam no “Le ridicule”[59]. Cansado de esperar, Napoleão ordena que a armada marche para Moscou. Desmontando do cavalo, o Imperador encaminha-se para os portões Tver, Kaluga e Dorogomilov da cidade, esperando por uma delegação russa. Moscou estava vazia! Não haveria delegação.. A cidade, assim como uma colméia abandonada, não tinha ninguém quando Bonaparte marchava para Kamerkolezhsky esperando o que para ele era essencial em uma posse – a delegação. “Moscou abandonada! Que acontecimento inacreditável!” pensou. “As tropas russas estavam cruzando Moscou entre as duas da madrugada e às duas horas do dia seguinte levando com ela os feridos e os habitantes que estavam partindo.” O maior congestionamento aconteceu em duas pontes: Yauzsky e Kamenny. Na cidade abandonada, a casa dos Rostovs tinha apenas dois serviçais e Mavra Kuzminishna, a qual indo ao portão vê um jovem soldado russo com as feições dos Rostovs querendo falar com o conde. O garoto de dezoito anos queria algum dinheiro, pois estava esfarrapado e precisava alcançar seu regimento. A boa mulher volta com um lenço e de dentro dele tira vinte e cinco rublos e dá para o jovem que os pega sem relutância, saindo exultante. Ele era sobrinho do conde. A população pobre da cidade, bebendo e discutindo muito, se sente inteiramente abandonada pelo governo. São pequenos comerciantes e trabalhadores braçais, sem instrução ou dinheiro. Percebem que foram tratados como “cachorros”. Na noite de primeiro de setembro, o governador volta mortificado com Kutuzov, pois não só não pudera tomar parte no conselho, como ainda sua sugestão fora negada. De madrugada, recebe uma simples nota pedindo oficiais de polícia para escoltar as tropas através da cidade. Furioso, ele não entendia porque milhares de habitantes tinham sido traídos e a cidade “ficara abandonada e assim arruinada.” Conde Rastoptchin sentia-se como um comandante de navio que estava naufragando. Sentia-se fraco e sem utilidade, quando o chefe de polícia avisa-lhe que uma enorme multidão o aguardava. O pobre povo ou populacho queria lutar contra os franceses! Diziam que era uma ordem do próprio governador. “Eles querem uma vítima”, pensou, mas ele também a queria, um objeto para sua fúria! Abrindo a porta do balcão do palácio, o povo que estava gritando se aquieta e ele promete punir o patife que havia arruinado Moscou! Olhando um jovem magro, que por acaso, caminhava em sua direção, o governador o chama de patife e culpado pela crise de Moscou! Muito tímido, ri sem graça, mas vai ao local determinado para ser execrado em praça pública. Todos os olhares se fixam nele. “Ele é um traidor do Tzar; ele desertou para Bonaparte... e através dele Moscou está perdida.” Disse o governador. O jovem acanhado não sai do lugar. Rastoptchin incita o povo a fazer com ele o que quisessem. O populacho, porém, continua em silêncio. “Batam nele” grita. A multidão resmungou, todavia parou novamente. O conde, agora, manda os Dragões abatê-lo e o jovem é ferido. Ouve-se “Aí meu Deus” e em seguida um grito de piedade! A multidão se solidariza com o jovem golpeado e avança, como um só corpo, e os soldados que haviam batido e estrangulado o rapaz não puderam matá-lo. Entretanto essa mesma multidão, ao seu redor, o esmaga, sem deliberação, até que ele acabasse por morrer. “Ó Deus, a multidão é como uma besta selvagem, como ele poderia sobreviver!” um dos homens do povo grita. Seu fino pescoço fora quebrado pelo Dragão e eles próprios levam o corpo esquartejado e mutilado. O populacho se afasta do corpo inerte e sangrento. Rastoptchin fica branco e acovardado. Foge para sua casa em Sokolniky e enquanto viajava pensou nas palavras do miserável rapaz: “Conde, há um Deus acima de nós!” Passado o primeiro impacto, sorri por ter cumprido seu dever de apaziguar a multidão! Havia preservado sua dignidade de governador! Chegando a casa continua a pensar em suas ordens, mas vai ter com Kutuzov e ao encontrá-lo, na ponte do rio Yauza ainda repleta de pessoas, fala desordenadamente, mas Kutuzov responde com calma: “Sim, não abandonarei Moscou sem uma batalha.” O medroso governador segue em seu coche junto com os outros. Às quatro da tarde, Murat entra em Moscou e atrás, com uma imensa comitiva, vem o próprio Rei de Nápoles. Um dos interpretes avisa Murat que os portões da cidadela estavam bloqueados e que provavelmente havia uma emboscada no lugar. Eles ouvem os sinos da igreja tocando para o serviço religioso, mas crêem ser um chamado para o exército; então colocam seus canhões e atiram, mas não há reação. Atiram novamente e, por fim entram no Kremlin que é purgado com suas presenças. Os franceses avançam e começam a atear fogo. Apesar de exaustos eles entraram em Moscou com disciplina e eram ameaçadores. Mas não havia ninguém na cidade. Ao se dispersarem para as ricas residências, a armada estava perdida para sempre e em seu lugar viam-se saqueadores! Após cinco semanas eles não eram mais uma armada. O objetivo desses soldados não era mais lutar, mas saquear o maior número possível de coisas! Nenhum general ou oficial foi encontrado. Eles pilhavam as casas e abusavam de crianças e mulheres. Apesar da ordem de não saquearem a cidade, toda a sua maravilhosa riqueza e tradição foi levada como as águas de um rio que passa sobre um local de seca, levando tudo com ele. O motivo da destruição de Moscou, provavelmente encontra-se na condição de uma cidade construída de madeira, que se queima facilmente. A cidade era vítima de fogo, sempre, mas com seus habitantes era fácil cuidá-la, no entanto, com soldados fazendo fogo e cozinhando isso se tornara impossível. Não havia motivos para se pensar em incendiarismo para a conflagração do que seria inevitável. Moscou não se salvou da destruição como Viena ou Berlim, porque os habitantes não estavam lá para lhes entregar a chave da cidade! “O processo de absorção dos franceses em Moscou” não alcançou o local onde estava Pierre, que se encontrava em um estado mental próximo da loucura. Tudo lhe parecia um sonho. Ele havia ido à casa de Osip em busca de um refúgio tranqüilo, ao contrário do turbilhão em que sua vida se encontrava. Só conseguia pensar em sua insignificância e pequenez, ao contrário dos soldados de Borodino. Sua meta era participar da defesa de Moscou, disfarçado, junto ao povo ou até mesmo matar Napoleão, para colocar um fim na miséria de toda Europa! Um sentimento de partilhar o bem da nação apossara-se completamente dele e não conseguia estancá-lo! Ele já estava comprometido com isso pelo seu disfarce, sua pistola e sua fala com os Rostovs que não deixaria Moscou. Já sabendo da entrada de Napoleão não atuava! Ficara fantasiando suas intenções e ações. Ocorre um desentendimento com o velho e bêbado Makar, que se apossa de sua pistola, mas nesse instante, vozes e batidas na porta da frente são ouvidas. Eram os franceses! A porta é aberta e Pierre, tomado por uma curiosidade irresistível, permanece naquele lugar. Dois soldados entram e o oficial, olhando a casa, decide que será um bom quartel. Todavia, Makar com a arma na mão atira no francês que cai. Pierre, esquecendo-se de sua missão, corre até ele e fala em francês: “Você está ferido?” Sempre falando nesse idioma, desculpa-se pelo ato do pobre imbecil. O oficial, repentinamente, olha Pierre, e deduzindo que ele fosse francês diz: “Você salvou a minha vida, você é francês.” Pierre responde ser russo e pede perdão pelo ato de Makar, pois é um infeliz imbecil, que pegara uma pistola. O capitão dá-lhe o perdão. Deste modo, todos vão para a cozinha comer e beber um bom vinho. Pierre tenta, de novo, explicar que é russo, mas o oficial estava tão bem humorado e cortês que o conde acaba sentando-se à mesa com ele. O capitão lhe é tão grato que oferece sua amizade incondicional. Pierre aceita a mão do oficial que lhe é estendida, pela sua cordialidade e ingenuidade. Seu nome era Capitão Rambolle. Ao querer saber o nome de Pierre, este afirma não poder dizer. O francês aceita e pergunta somente seu nome de batismo. M. Pierre, repete o oficial e mais uma vez afirma que lhe deve a própria vida. Bebendo uma garrafa de ótimo Bordeaux e comendo a deliciosa refeição, Rambolle fica ainda mais relaxado e lhe mostra suas cicatrizes de guerra, lamentando por aqueles que não tivessem participado da batalha de Moskova[60], para ver o que havia acontecido. “Eu estava lá.” diz Pierre. Rambolle aquiesce que os russos eram ótimos inimigos e seus granadeiros soberbos! Depois dos dias de solidão, Pierre não podia deixar de sentir prazer em conversar com o coronel. Quando o nome de Napoleão é mencionado, Pierre fica muito interessado e ele é descrito como sendo justo, gentil, generoso, ordeiro, enfim um gênio. Fica sabendo que a entrada de Bonaparte dar-se-ia no dia seguinte e desse modo “ele é torturado pela consciência de sua própria fraqueza.” Todo seu sonho de vingança não poderia se realizar por sua natureza. Pierre quer sair imediatamente, mas não consegue, está totalmente paralisado! Ele aceita a gratidão e simpatia do francês mais uma vez! Rambolle conta-lhe sua vida, suas raízes e aventuras e, no final, diz que o mais importante de tudo é o AMOR. As histórias de suas amantes são ouvidas com grande curiosidade e Pierre passa a pensar em Natasha e seu grande amor por ela. Ele descreve que, ao contrário do oficial, sempre amou uma única mulher, que jamais poderia ser dele! Pierre decide contar sua vida aquele estranho e expõe que não poderia mais ter sua amada. “Amor platônico” murmura o conde que, com o efeito do vinho e da companhia, solta sua língua. Fala de seu casamento infeliz, de seu amor por Natasha e revela seu verdadeiro nome e posição social. O que mais impressionou o coronel foi o fato de ele ser imensamente rico e ter duas casas palaciais em Moscou, e abandonar tudo, escondendo seu nome e paradeiro! Saem juntos para ver a noite e a bela lua. Pierre lembra-se de seu primeiro intento e sua cabeça começa a girar. É levado para casa e dorme no sofá, imediatamente. Em outro lado, os Rostovs levam um tempo enorme para chegar ao seu destino, seguidos dos vagões de feridos. Durante a jornada, à noite, podem ver o brilho do fogo em Moscou! “Deus tenha piedade de nós, pobres pecadores!” alguém lamenta. Conde Rostov é informado que Moscou está em chamas, assim ele e Sonya vão ver o que estava acontecendo. Natasha encontrava-se diante de imagens sagradas, rezando, aérea e febril. Nessa manhã soubera por Sonya que o príncipe Andrey estava gravemente ferido e viajava com eles! Isso suscitou na jovem diversos sentimentos. Ela ficara petrificada. Sua mãe não deixara que ela visse o príncipe, mas por suas atitudes sabia que já tinha um plano arquitetado. O lamento que não parara a noite toda era de Andrey; disso Natasha tinha certeza e não parava de chorar! A jovem espera que todos durmam e levanta-se, colocando os pés no solo frio. Tudo estava silencioso, só se ouvia o lamento do príncipe e o bater do coração da menina. Eram perigo, amor e medo. Natasha considerava o encontro inevitável e quando o vê estava exatamente como era e seus olhos apaixonados olham para ela! Corre e se ajoelha a seus pés, Andrey sorri e lhe estende a mão. Sete dias já haviam se passado de seu ferimento. Sua perna estava gangrenada e apesar de voltar ocasionalmente à consciência, o médico tinha certeza que morreria. Delirante, Andrey pensava sobre o amor universal e se sente abençoado por isso. “Agora, pela primeira vez, ele sentiu toda crueldade de seu abandono, viu toda a crueldade de sua ruptura com ela.” “Uma nova esfinge branca aparece diante dele.” Perde os sentidos, mas quando acorda vê a Natasha real de joelhos ao seu lado. Delicadamente ela beija-lhe a mão... O médico entra e pede para que saia. Desde então Natasha jamais sairá do lado de Andrey. Pierre, por sua vez, acorda tarde em 3 de setembro com uma vaga sensação que tinha feito algo muito vergonhoso na noite anterior. Vendo a arma imagina o que o aguardava naquele dia. Vestindo-se rapidamente, pega a pistola, mas estava descarregada, então leva uma adaga. Pierre não tem exatamente o objetivo de matar Bonaparte, mas de realizar sua primeira meta. Todavia Pierre não pode realizá-la, pois Moscou estava em chamas, as ruas desertas e, Napoleão já se encontrava no palácio do Kremlin. Pierre se sente desesperançado, pois “ele estava sofrendo da angústia que os homens sofrem quando persistem em realizar uma tarefa impossível para eles.” Bonaparte, de péssimo humor, ordena a extinção do fogo, do saqueamento e a proteção dos habitantes russos! Contudo Pierre não sabia nada disso! O fogo se intensificara e, perambulando pela cidade, encontra diversas pessoas em grande agitação. Ele vê uma mulher desesperada, pois seu bebê ficara no meio de um incêndio e poderia estar morto. Pierre oferece-lhe ajuda e sente que subitamente voltara à vida depois de um grande desfalecimento! “A percepção do calor e fumaça e a rapidez de movimento, tudo produziu em Pierre o efeito estimulante de uma conflagração.” Em busca frenética pela criança, sob um banco de jardim vê uma menina de três anos, com um casaco rosa. Pegando-a em seus braços procura por sua família que já não estava mais lá, mas consegue deixá-la com uma pessoa de confiança que a entregaria à mãe. Agora se sente mais jovem e resoluto, queria salvar mais pessoas dos incêndios. Durante um incidente é confundido como um incendiário e preso com saqueadores e soldados franceses. Por ser o tipo mais suspeito de todos, é colocado separadamente, sob guarda estrita.

Parte 12

A vida em Petersburgo continuava na mesma rotina de luxo e esplendor. Só nos círculos mais altos ouvia-se falar de guerra. Contudo as duas imperatrizes tinham objetivos diferentes. A mãe de Alexandre queria partir e sua mulher ser a última a abandonar a cidade. O assunto do momento nos salões de Anna era a doença da condessa Bezuhov. Tinha casado com dois homens ao mesmo tempo e um médico italiano estava tratando de uma inconveniência[61] surgida por isso. Finalmente chega o personagem principal que estavam esperando para que uma carta fosse lida por Vassily, que seria mandada ao Tzar. Eles ofereciam uma imagem sagrada de Santo Sergey para proteger a Rússia, comparando-a com Davi e Golias. (Golias eram os franceses). Havia rumores que a Rússia ganhara a guerra e que Napoleão estava preso. Logo esses rumores mostram-se falsos e a pátria estava subjugada, os queridos generais Bragation e Kutaissov mortos e a bela Ellen morrera de angina pectoris. Outro grupo dizia que ela tomara doses muito fortes de remédio e que acabara sucumbindo. O Tzar Alexandre ao saber do abandono de Moscou envia uma carta a Kutuzov para saber a exata posição da armada e os motivos que o levaram a essa desastrosa decisão. Nove dias depois de essa carta ser escrita vem a resposta de Kutuzov, através de Michaud. Kutuzov dizia que entre perder Moscou ou a armada russa, que não tinha nenhuma chance, optara pela última. “O Tzar estava respirando pesado e rapidamente, o seu lábio inferior tremia, e seus belos olhos azuis molhados de lágrimas.” Porém ele prontamente se recupera, pedindo explicações. Coronel Michaud relata que deixara o exército todo, dos generais aos soldados, desesperados de terror e esperavam que, com sua bondade de caráter, fizesse o acordo de paz! Alexandre emudece por um instante, e depois sugere que o coronel volte e avise aos bravos companheiros e que quando não tivesse mais nenhum recurso, ele sozinho enfrentaria o inimigo e jamais deixaria seus bondosos camponeses sem uma liderança. Se estivesse escrito na divina Providência que sua dinástica acabaria, então, depois de esgotar todos os seus poderes, deixaria a barba crescer até o peito e iria comer batatas com os mais humildes súditos em vez de assinar a vergonha do querido povo, cujo sacrifício sabia apreciar! Ele jamais poderia governar junto com Bonaparte. Enquanto metade da Rússia era conquistada e seus habitantes estavam fugindo, “as narrativas e descrições daquele período, sem exceção, nos conta do sacrifício próprio, patriotismo, desespero, dor e heroísmo dos russos.” “Na verdade não era nada disso.” O que contava era o interesse de cada personagem. Aqueles que estavam tentando ajudar de forma individual tornaram-se tolos sem utilidade, como era o caso do regimento de Pierre. “Em eventos históricos vemos, mais claramente do que nunca, a lei que nos proíbe de provar o fruto da Árvore do Conhecimento...” Em meio à guerra, com grande satisfação Nikolay Rostov vai comprar montarias para sua divisão em Voronezh. Para o jovem o mais maravilhoso dela era a variedade de mulheres que encontrava. Visitando o governador, a fim de saber o melhor local para comprar os cavalos é convidado pelo senhor, amigo de seu pai, a comparecer a uma festa em sua casa. As províncias russas tinham, nesse período, uma vida rica e cheia de alegria. A festa fora um sucesso para o jovem Rostov. Ali estava o melhor da sociedade local. Ninguém, porém, se comparava ao heróico conde Rostov! Nikolai, deslumbrado com tudo, está seduzindo uma linda loura casada, quando a mulher do governador leva-o para apresentá-lo a digníssima Anna Ignatyevna Malvintsev, que ouvira falar que ele havia salvado sua sobrinha. Ocorre que a sobrinha era a princesa Marya, filha do falecido príncipe Bolkonsky. Nikolay promete visitar a senhora e “experimenta uma sensação de vergonha, terror mesmo, que não poderia explicar a si mesmo.” Rostov é considerado um ótimo noivo para a princesa e ainda mais: organizaria a vida econômica de sua família! Encabulado resolve, em um impulso, abrir seu coração para a esposa do governador, uma estranha, como não faria com ninguém mais. Relata que desde que conhecera Marya ficara muito impressionado com sua personalidade. Ele gostava muito dela. A senhora pede para que deixe tudo em suas mãos, pois alcançará seu intento. Marya segue para Veronezh, na casa de sua tia, madame Malvintsev. A princesa estava preocupada e melancólica com as novas responsabilidades, mas do fundo do coração havia uma harmonia interna, desde que conhecera Rostov. Quando soube que o jovem iria visitá-la, toda sua firmeza arrefece-se e torna-se pensativa e desorientada, pensando qual atitude tomar. Porém quando Nikolay chega Marya se transforma. Seus olhos iluminam-se e sua voz tem mais compostura, ela toda está mais bela! Toda sua busca espiritual ficara mais radiante naqueles olhos luminosos, no seu delicado sorriso e na sua terna face. Enquanto a admira, Rostov tem certeza de que a jovem era muito melhor do que ele! Nikolay não conseguia imaginar como seria sua vida matrimonial com aquela rara criatura. Isso o encheu de medo! Contudo, ao saber da batalha de Borodino, o jovem só quer saber de voltar ao seu regimento e Marya está partindo para ver o irmão ferido. Nikolay e Marya, antes de partir vão ao serviço religioso, e observando a princesa percebe que havia nela uma tocante expressão de tristeza de prece e de esperança. Desse modo ele reflete sobre sua vida, coisa que raramente fazia, pois não compreendia Marya, como compreendia Sonya. Ele simplesmente amava a princesa e emocionado pede com fervor a Deus, que o tire da confusão de estar comprometido moralmente com a prima e amar outra jovem. Nikolay recebe uma carta de Sonya, libertando-o de seu compromisso, visto que seu casamento com Marya seria a solução dos problemas de seus pais e irmãos. Nikolay mal pode acreditar em tanta felicidade! No dia seguinte eles partem e Rostov acompanha sua amada até Yaroslavl[62] e poucos dias depois juntar-se-ia ao seu regimento. Essa carta fora escrita em Troitsa, pois a condensa se tornara uma tirana com relação à Sonya e exige que ela se sacrifique para a felicidade da família. Sonya estava desamparada na casa onde fora criada, mas seu amor por Nikolay estava acima de suas virtudes e religião! De acordo com os rituais da igreja ortodoxa, se Natasha se casasse com Andrey, Nikolay não poderia casar-se com Marya. Tendo esperanças naquele casamento, ficaria livre para casar-se com Nikolay. Esse não foi um pensamento egoísta, mas terno e cheio de amor. Em outra região da Rússia, Pierre é tratado pelos guardas com hostilidade, mas ao mesmo tempo, havia respeito. Via-se que era uma pessoa especial, pois salvara uma criança e falava francês fluentemente. Levados à presença de oficiais, todos são acusados de incendiários. Pierre sentiu-se perplexo com a variedade e quantidade de perguntas, que não passavam de uma armadilha para encarcerá-los. Pierre explica que estava salvando uma menina e defendendo uma mulher no momento da prisão, mas sente-se totalmente em poder dos franceses. No quarto dia de prisão, após um incêndio, os prisioneiros são transportados para a região do rio Criméia, onde ficaram mais quatro dias. Em 8 de setembro chega um oficial com um memorando que selaria o destino dos russos. Chamas e labaredas eram vistas por todos os lados, era uma conflagração, mas o Kremlin estava salvo e a cúpula do Monastério da Nova Virgem brilhava, enquanto os sinos tocavam alegremente. “Era evidente que o ninho russo estava em ruínas e destruído”, mas Pierre previu que sobre ele construiriam outro, totalmente diferente, com uma ordem fortíssima, peculiar aos franceses. Pierre é levado para uma diferente prisão, a antiga casa do príncipe Shtcherbatov, agora ocupada pelo inimigo. Ele é interrogado pelo cruel Davoust, mas que olhara para ele de um modo humano. Ele estava perturbado e atormentado com a questão de quem queria sua morte. Depois de muita reflexão, conclui que eram as circunstâncias e disciplina que estavam roubando sua vida! Tambores são ouvidos e os prisioneiros estão em pé, cercados por soldados franceses, russos, alemães e o povo. Pierre sentiu que parte de sua alma fora arrancada! Perdera sua reflexão, só conseguia ouvir e ver! “Pierre ouviu os franceses deliberando como eles seriam mortos, sozinhos ou dois a cada vez.” Um oficial lê a sentença em russo e francês, assim, dois a cada vez, eles foram sendo fuzilados... Todos, principalmente os soldados franceses, estavam pálidos e trêmulos, pois sabiam que estavam cometendo um crime! A cada explosão o som era terrível e quando chega sua vez junto a um rapaz de dezoito anos, ele é poupado e o menino assassinado. Ele não ouvira o tiro, só vira o sangue escorrendo do corpo destroçado. Ele corre para o local do fuzilamento, a espera de seu destino, mas ninguém faz coisa nenhuma! Gritaram para ele sair, contudo ele não compreende mais nada. Os pálidos atiradores começam a se dispersar assim como a multidão. Pierre fica preso em uma pequena e imunda igreja. Havia sido perdoado e seria transferido para a barraca dos prisioneiros de guerra. Depois de presenciar os fuzilamentos, tudo para ele perdera o significado! Este ponto marca a nadir na trajetória da jornada espiritual de Pierre! (Tolstoy narra esse episódio com diversos detalhes circunstanciais, que culminaram com essa tragédia). Esta é a queda da fé de Pierre! Ele fechou seus olhos e reviu o rosto apavorado do menino e dos seus assassinos involuntários. Já no acampamento, em escuridão total, um bom camponês que se tornara soldado, narra-lhe toda a filosofia das pessoas simples e caridosas, em um tom de voz que só as mulheres sabem fazer. Seu nome era Platão e não por acaso. Ele simbolizava o pensamento desse grande filósofo. Depois de alguns dias, ouvindo a história de sua vida e sua oração, Pierre experimentou como o mundo que há pouco havia se esmagado, ressurgira em sua alma, de novo, com nova beleza e com fundações que não poderiam ser abaladas! Platão permaneceria para sempre, em sua memória, como a personificação de tudo o que era russo. Gentil e redondo. Platão Karataev era uma pessoa da maior simplicidade, que amava tudo e a todos, sem nunca se apegar a nada. Apenas aceitava o destino. Enquanto isso ocorria Marya e seu sobrinho ao chegarem ao local que estavam os Rostovs e seu irmão, quer vê-lo imediatamente. Apesar disso a família toda a entretém com elogios ao menino. Ao ver Sonya tenta esconder sua hostilidade interior. Ouve passos e Natasha chega abraçando-a. Marya chora em seu ombro e compreendem, através do olhar, que o casamento de uma seria o fim da felicidade da outra. Natasha narra que há dois dias houvera uma grande mudança em Andrey e pede que a princesa testemunhe o fato. “Ele havia, subitamente, se tornado mais suave, e que aquela suavidade, aquela ternura era o sinal da morte.” As lágrimas e os soluços de Marya, ao ver seu irmão, cessam. Ela se sente tímida e culpada. No olhar de Andrey “há quase uma hostilidade.” A grande mudança era seu olhar, sua voz e a certeza da morte. O príncipe comenta que o destino fez com que Natasha cuidasse dele. Marya entende que se ele fosse viver, jamais faria tal comentário diante de sua amada. O príncipe recebera uma carta de Nikolay na qual escreveu que gostava muito de Marya, deste modo, se quisesse poderia se casar com ele. Ela lhe pergunta se gostaria de ver Nikolushka. Aquiescendo Andrey vê, com afetuosa ironia, a tentativa de sua irmã em reanimá-lo. Marya emocionada chora e seu irmão sabendo que chorava porque seu filho ficaria sem pai, pede que ela não chore, olhando-a com os mesmos olhos frios. O menino passa a se unir apenas com a tia e Natasha, a quem parece amar mais do que a própria tia. As duas jovens, serenas, passaram a se revezar ao lado de seu leito, e Natasha rezava continuamente para que seu espírito encontrasse paz. Uma estranha leveza de ser se apossa dele, pois sabe que está morrendo! “Era a última batalha moral entre vida e morte, na qual a morte ganhou a vitória.” (Tolsty descreve com delicadeza, durante o processo da sofrida morte de Andrey, a aceitação do que ele mais temera por duas vezes: a morte). Nesse momento ele a vê como um despertar da vida e se sente leve e reconciliado consigo mesmo. Finalmente quando falece Marya e Natasha, as quais nunca haviam saído de seu lado, sentiram que ele havia partido para longe delas! “Acabou” disse Marya. Natasha olhando em seus olhos mortos mantém a memória mais próxima possível dele e pensa: “Onde ele foi?”. “Onde ele está agora?” “Elas choraram de emoção e terror, que preencheram suas almas, diante do simples e solene mistério da morte que havia sucedido diante de seus olhos.”

Parte 13

“A combinação de causas de um fenômeno está além do alcance do intelecto humano. Mas o impulso de procurar as causas é inato na alma do homem.” “Teríamos de olhar abaixo da superfície de qualquer evento histórico .... no movimento de toda massa de homens tomando parte naquele evento.” (Tolstoy narra o movimento oblíquo da armada russa para Kaluga, onde estavam os suprimentos. Aquela marcha poderia levar ao extermínio do exército russo, mas esse movimento fora puramente acidental; o melhor que poderia ser feito ante a situação). Kutuzov não era um gênio, como dizem os historiadores russos, apenas seguiu o curso natural das coisas. O fato dos dois exércitos ficarem parados trouxe uma mudança na relativa força das duas armadas, com vantagens para os russos. Notícias de falta de disciplina dos franceses, o aumento de mortes na armada russa, a curiosidade de saber o que acontecia em Moscou e o longo descanso dos soldados russos fizera com que o avanço fosse inevitável! A armada russa sofrera uma reposição de generais, que haviam morrido ou se retirado. Em 2 de outubro o Tzar escreve uma carta recebida por Kutuzov, onde o responsabiliza pelos fatos ocorridos, uma vez que, ele possuía, agora, uma armada maior do que a francesa, cujos soldados estavam marchando para Petersburgo! Ocasionalmente, um Cossaco entra na floresta e vê os franceses sob o comando de Murat. Relatando esse fato como bravata a amigos, um oficial ouve a conversa e assim, sucessivamente, o fato vai parar nos ouvidos de Kutuzov, o qual recebera a carta do Tzar, percebendo que o momento estava maduro. Então, o ataque começou em 5 de outubro. Porém a ordem de ataque assinada no dia 4 só é entregue, e por acaso, no fim da noite, em uma festa, onde oficiais e generais estavam bêbados e com as jaquetas desabotoadas. “O decrépito Kutuzov” se preparava para a batalha, a qual não aprovava, com muito mal humor. Marchando em seu cavalo, encontrou generais e soldados totalmente despreparados para uma guerra. Após um ataque de fúria, que lhe era peculiar, teve que aquiescer e começar no dia seguinte. “No dia seguinte as tropas estavam amontoadas nos seus lugares determinados à noite e estavam se movendo na madrugada.” Avançavam sem barulho... Os homens foram proibidos de falar alto, fumar ou ascender um fogo. As colunas paravam em lugares errados e a única a chegar ao local estabelecido fora a menos importante, Orlov-Denisov. Um polaco, desertor dos franceses, aparece e avisa que se lhe dessem cem homens, os levaria ao local onde Murat encontrava-se, que era muito perto. O conde concorda e o major-general Grekov,com dois regimentos de Cossacos seguem com o desertor. E se ele fosse um espião? Arrependido por acreditar no polaco, conde Denisov ordena que voltem e ele mesmo resolve atacar. “Um aflito e desesperado grito do primeiro francês que vislumbrou os Cossacos, e cada criatura no campo, sem roupa e meio dormindo, correram para longe, abandonando canhões, mosquetes e cavalos. Os russos fizeram 150 prisioneiros, tomaram 38 canhões, bandeiras, e principalmente, selas, cavalos e vários outros objetos”. Outros grupos russos, “nesse ínterim, ajudantes e generais galopavam de lá pra cá, gritando com raiva, discutindo, declarando que eles haviam chegado ao lugar totalmente errado e muito tarde.” Kutuzov comandava uma coluna que atacaria os franceses no centro. Eles também estavam desesperados com o atraso! A batalha toda se resumiu no que haviam feito os Cossacos, sob o comando de Orlov-Denisov; “o resto das tropas simplesmente perde poucas centenas de homens por nada.” Em conseqüência dessa batalha, Kutuzov recebeu uma comenda de diamantes e muitos rublos; Bennigsen também e os generais dinheiro e medalhas de acordo com seu posto! Todas as batalhas – Tarutino, Borodino, Austerlitz – falharam em finalizar-se como planejadas. Foi inevitável. Desse modo baseadas em erros, as batalhas aconteceram, os franceses revelaram seu lado fraco e com o choque Napoleão colocou seu exército para correr. “Napoleão entra em Moscou depois de uma brilhante vitória de la Moscova.” “Os russos se retiram e deixam Moscou.... nas mãos de Napoleão” e “os russos não fizeram nenhum esforço para atacar.” Para ganhar a guerra era necessário apenas afastar os soldados da pilhagem, preparar roupas de inverno (que havia muito em Moscou) e buscar suprimentos que eram fartos, mas Napoleão escolheu ficar em Moscou sem combater e finalmente fugir por Mozhaisk e Smolensk, justamente as rotas devastadas do país. Mas Bonaparte nunca negligenciou o bem-estar de sua armada, nem o bem-estar dos russos, nem as negociações de PAZ! No lado militar e diplomático Napoleão age com presteza e precisão. Despacha capitão Yakovlev para Petersburgo a fim de abrir negociações. No lado judicial, os incendiários deveriam ser executados. No lado administrativo Moscou recebeu uma constituição. Resumidamente, diz que protegerá o povo russo e que a polícia continuará ativa para guardá-los. Os russos que retornassem achariam proteção quanto a sua má sorte e que o povo deveria tentar esquecer o que havia ocorrido. Pede que restaurem a confiança pública e que vivam como irmãos, dando proteção uns aos outros; que obedeçam as autoridades civis e militares, assim as lágrimas acabariam de rolar. Uma proclamação também é redigida. Incita os cidadãos a voltarem, pois serão bem tratados e os que permaneceram também. A violência seria combatida. Pede aos artesãos que voltem ao trabalho e seriam recompensados. Os camponeses deveriam sair de seus esconderijos na floresta e voltar a trabalhar livremente. Solicita que todas as pessoas cooperem com o bem estar público. Ele próprio saiu às ruas e conversou com o povo. Quanto à filantropia tomou medidas simpatizantes. Para manter a disciplina no exército, puniu os soldados descumpridores da ordem e deu um fim à pilhagem. Contudo apesar dessas medidas, os seus esforços nunca alcançaram a raiz dos problemas. Toda sua magnitude e justiça foram infrutíferas! Nenhuma de suas medidas foi cumprida. Desse modo, ele e sua armada foram obrigados a fugir de Moscou! Na manhã de 6 de outubro, Pierre saiu do barracão e quando voltou brincou com o cachorro que dormia com Platão Karataev. O jovem conde estava totalmente esfarrapado, magro e “seus olhos tinham um olhar de firmeza, calma e prontidão como nunca se tivera visto antes em sua face.” Seus pés descalços o lembravam do que havia se passado e aprendido durante esse tempo. E isso lhe era doce! Era chamado pelos franceses de M. Kiril, sendo muito respeitado por sua cultura e educação. O capitão costumava ter longas conversas com ele e faria qualquer coisa que Kiril desejasse. O exército francês estava se retirando de Moscou. Os prisioneiros e soldados davam-se muito bem, a ponto de Karataev fazer camisas para eles. Há quatro semanas Pierre era prisioneiro. As privações por que passara provaram sua ótima saúde e sua habilidade de adaptação, que ele olhava como positiva. Ele alcançara aquela paz e contentamento consigo mesmo, para a qual lutara tanto em vão! Todos os seus esforços anteriores haviam falhado e agora sem esforço conseguira uma harmonia interior! Suas idéias cabalísticas e de matar Napoleão pareciam um sonho sem valor. Pela primeira vez supria suas necessidades físicas no momento certo. Estava plenamente feliz. Encontrava-se internamente livre e espiritualmente em paz. Seu amor próprio fora resgatado pela admiração de seus companheiros! Sua força “aqui, entre esses homens, deu-lhe o prestígio quase de um herói.” Em 6 de outubro a marcha da retirada francesa começou e Pierre nota a mudança ocorrida entre os soldados. Fardados com seus tambores repicando o dram-da-da-dam estavam totalmente irreconhecíveis. “Pierre sabia que aquela força silenciosa já havia, completamente, tomado conta daqueles homens.” Eram trinta oficiais e trezentos soldados. Comentavam que toda Moscou estava queimada; era preciso partir. Os prisioneiros são reunidos e em fila marchavam atrás dos vagões dos soldados. Filas sem fim se estendiam longe, na distância. Com essa ampla massa o que se formou nas estradas foi um enorme congestionamento. Alguns soldados russos observavam, com a imobilização, a espantosa pilhagem feita pelos franceses. Graças à altura de Pierre, ele podia vislumbrar tudo o que estava ocorrendo, não obstante sua alma não enfraquecera com tal visão! “Pierre não via as pessoas separadamente; ele viu somente seu movimento.” Todos os rostos tinham uma crueldade fria. Pierre senta-se em um vagão vazio e fica mais de uma hora meditando. Subitamente ele começa a gargalhar e a falar: “Eles me mantêm prisioneiro. Quem sou eu? Eu. Eu- minha alma imortal!” Ria com lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Voltou, deitou-se e dormiu! Kutuzov recebera de Napoleão outra mensagem de abertura para a PAZ. Ele responde que não poderia haver nenhuma questão quanto à PAZ. “Kutuzov considerou que nenhuma ação era necessária”, “mas um pequeno destacamento é mandado para Fominskoe para atacar Broussier.” Essa missão fora dada a Dohturov, um modesto general, o qual nas missões mais difíceis estava sempre presente e atuante. Em 11 de outubro chega outra mensagem dizendo que Napoleão e toda a tropa francesa estavam em Forminskoe. Onde pensavam ter uma única divisão, havia uma armada inteira! Dohturov não ataca e pede instruções a Kutuzov. Durante a madrugada o mensageiro chega, mas como Kutuzov não dormia, há três noites, fica impossibilitado de falar com ele. Mas, perante a gravidade da notícia acordam o general. Kutuzov estava deitado refletindo sobre a guerra. Queria um ponto maduro para pegá-los. A armada francesa estava ferida e logo essa ferida seria mortal! Tempo e paciência. Kutuzov imagina, em sua insônia, milhares de contingências possíveis, mas não acreditava que após onze dias dar-se-ia “a completa aniquilação dos franceses.” Mandando entrar o mensageiro ele diz: “Diga-me, diga-me querido companheiro”, com sua baixa e envelhecida voz. “A Rússia está salva, eu O agradeço, Ó Senhor.” E caiu em lágrimas. Dessa hora até o fim da campanha, toda atividade de Kutuzov limitou-se em exercer sua autoridade, evitar ataques e manobras desnecessários com o inimigo perigoso. Dohturov marchou para Maley Yaroslavebets e Kutuzov avançou com a armada principal. Em todos os lugares ele recuava, e o inimigo, sem esperar por ele, fugia na direção oposta. Eles partiam sem saber para onde iriam, havendo sempre um sentimento de vergonha dentro deles. Esse número imenso de soldados franceses era com uma grandeza que se movimentava como um só bloco. Era impossível parar o deslocamento, no qual toda energia de toda aquela massa fora jogada! Era como uma “imensa bola de neve que não podia se derreter bruscamente!” De todos os generais russos só Kutuzov entendia isso.

Parte 14

Em outubro a Guerrilha Russa atingira seu máximo. Esses irregulares foram definitivos para a libertação russa. Os Cossacos e camponeses agiam de forma livre e tudo era possível para esses homens. Em 22 de outubro, nosso querido Denisov era o líder de um bando de irregulares e recusava-se a se juntar às armadas tradicionais e junto com Dolohov atacam com suas pequenas forças. Eles espionavam as dificuldades dos franceses sem atacá-los. Queriam juntar suas pequenas armadas e cair sobre os franceses como uma avalanche. Denisov estava irritado por não ter notícias de Dolohov e do prisioneiro francês capturado, que lhe daria informações. Chovia muito e tarde aparecem dois homens- um oficial e um Cossaco. Eles estavam gelados e ensopados. O oficial russo, muito jovem e rosado, entrega-lhe uma mensagem de seu general alemão. É nesse instante que Denisov reconhece Petya Rostov, o oficial! Petya, apesar de sua decisão de parecer adulto, fica feliz em rever o amigo e conta suas façanhas. Trazia uma carta do general para quem trabalhava como ajudante. Quer saber se deve partir ou ficar à sua disposição. Petya fica e Denisov manda um oficial à procura de Dolohov. Denisov, Petya, um guia camponês e alguns Cossacos partem para observar pessoalmente a posição dos franceses, com os quais travariam uma batalha no dia seguinte. A chuva parara e esses jovens seguiram o guia até a extremidade da montanha. À direita, em uma pequena vila podiam ser vistos multidões de homens franceses, através da neblina que se dissipava. Podiam até ouvir os gritos dos soldados e os relinchos dos cavalos subindo a montanha. Um tiro é ouvido e Tihon Schtcherbatov é visto, sendo perseguido pelos franceses. Ele era um camponês, um dos homens mais importantes entre os seguidores de Denisov. Era extremamente eficiente e com o passar do tempo é transferido para junto dos Cossacos. Tihon, porém, não gostava de cavalgar e andava sempre a pé em grande velocidade. Sua arma favorita era um machado que manejava com muita destreza. Todo trabalho pesado e difícil era executado por ele. Tihon era o mais bravo e mais útil homem de toda a equipe! Denisov olha para a floresta e vê uma pessoa com um machado no ombro e um Kazan[63] na cabeça. Era Tihon que havia encontrado o paradeiro dos franceses, mas não trouxera nenhum prisioneiro, pois estavam fracos e cansados. Depois Denisov supõe que ele havia matado um homem. Tahon era motivo de piada e troça entre seus companheiros, mas não revelara o ocorrido na frente do menino baterista francês que fora capturado. Petya passara a tomar parte no serviço ativo do general alemão e estivera na batalha de Vyazma. Desde então, ele procura incessantemente uma oportunidade de real heroísmo. Com Denisov buscava esse ideal. Em um jantar de oficiais, Petya ajuda, prontamente, a arrumar a mesa e se sente adulto ao sentar-se junto com outros oficiais mais velhos. Todavia, pensando no menino francês que tocava tambor, pede permissão para alimentá-lo. Denisov consente e diz que seu nome era Vicent Bosse. Saindo à sua procura é informado que já havia comido e estava próximo ao fogo para se aquecer. Com grande simpatia e admiração pelo garoto, o leva para dentro do abrigo. Roupas russas lhes são dadas, para que não seja feito prisioneiro. Denisov estava diferente com sua barba crescida e seu uniforme militar. Dolohov, ao contrário, parecia o oficial mais correto e formal da guarda. Denisov conta-lhe sobre a posição do inimigo. Dolohov responde ser essencial saber quantos soldados são e as quais tropas pertencem. Insistindo em acompanhá-lo, Petya com Dolohov, em uniformes de soldados franceses, cavalgam em direção ao inimigo, seguidos pelos Cossacos. Petya sente uma sensação inesquecível de êxtase. Os dois trotam em direção à ponte e lá uma sentinela francesa pede os passaportes. Dolohov não responde e pergunta pelo coronel Gerard. Irritado pela insistência da sentinela, força seu caminho dirigindo-se montanha acima. Um soldado de preto, cordialmente os informa que o coronel e seus oficiais estavam acampados no topo da montanha. Chegando, de longe, cumprimenta os soldados e pergunta onde estaria o Sexto Regimento. Eles os olham desconfiados, mas Dolohov continua falando e quer saber se a estrada estava livre dos malditos Cossacos. “Eles estão por toda parte” reponde um oficial. Dolohov diz pertencer a uma grande armada e quer saber quantos homens tinham naquele regimento, quantos batalhões e quantos prisioneiros. Petya ouve e vê tudo com a maior atenção, venerando a ousadia de Dolohov. Contudo, os franceses continuam cochichando e Dolohov pede os cavalos e os dois saem sem olhar para trás. Na estrada não voltam; continuam penetrando pela vila. Prosseguindo, ouvem vozes dos prisioneiros russos, voltam, passam pela sentinela e alcançam os Cossacos. Dolohov ordena que digam a Denisov para atacar ao amanhecer do dia. “Ó, você é um herói” grita Petya “Ó, quão esplêndido isto é” “Como eu amo você!” Petya encontrava-se tão empolgado que beijou Dolohov, o qual desapareceu na escuridão. Denisov espera Petya com ansiedade e muita preocupação, por sua tão pouca idade. Petya não consegue dormir de alegria e pede para que um homem afie sua espada, que nunca havia sido usada. Ele estava delirante e em arrebatamento. “Estava em um mundo de fadas, onde tudo era possível.” Petya tem um belo sonho com hinos, que se tornam cada vez mais distintos e acorda já com o dia claro! Podia ver a cauda dos cavalos marchando. Ele implora que Denisov lhe dê uma missão, mas este responde que não o desobedeça e fique só ao seu lado! O jovem se encontra cada vez mais excitado. A ordem de ataque é dada, e uma profusão de homens corre pela estrada de um lado para outro. Petya vê a primeira vítima francesa, morta com uma lança transpassada em seu peito. Denisov havia esquecido a existência de Petya. Em meio à batalha, franceses atacam os Cossacos e o Petya é visto com o corpo pendente para um lado do cavalo. Com o cavalgar, ele pende mais até cair no chão... Estava morto! Fora atingido por uma bala no cérebro! Entre os prisioneiros resgatados por Denisov e Dolohov estava Pierre Bezuhov. A artilharia francesa que os prisioneiros haviam visto nos primeiros estágios da retirada fora trocada por um imenso trem de vagões com bagagens do Marechal Junot. Atrás dos russos vinha a cavalaria. O sinal de indisciplina, agora, havia alcançado os limites extremos. Dos 330 prisioneiros restavam apenas 100. Os soldados franceses estavam revoltados por ter de vigiar o bando de russos esfarrapados e famintos, que iam morrendo pelo caminho ou eram obrigados a matar. Por isso os tratavam com morosidade e severidade. Pierre a esta altura se junta a Karataev e seu cachorro, contudo seu estado de saúde está tão deteriorado, que o odor que exala de seu corpo e seus lamentos são insuportáveis. Isso fez com que o conde se afastasse um pouco dele. Pierre, nessas condições, aprendera que os homens foram criados por Deus para a felicidade. “Entretanto, nesses momentos de dor, “aprendera uma nova e consolatória verdade” – que não há nada terrível para ser temido neste mundo.” Em qualquer posição o homem poderia ser feliz. “Ele descobriu que há um limite para o sofrimento e um limite para a liberdade, e que esse limite é facilmente alcançado! Que quando em tempos passados “havia colocado seus sapatos de dança apertados, tinha sofrido do mesmo modo que agora, quando caminhava quase descalço.” E com sua mulher tinha sido tão sem liberdade como agora preso na guerra. Ele tentava desviar sua atenção do que lhe causasse muita dor. E também não pensava muito em si mesmo! (É necessário ler todo esse contexto no livro, pois é de uma beleza e consolo inimagináveis). Karataev estava sem febre e contava uma história aos soldados já muito conhecida, mas que sempre arrancava lágrimas. Um bom e rico mercador fora viajar com outro abastado mercador, mas no dia seguinte ele é encontrado morto e a faca que o matara, em baixo do travesseiro do bom mercador, que era inocente. Ele é julgado e preso por muitos anos, mas não se lamenta por ele, só por sua mulher e filho. Ele não se rebela e diz que Deus o está punindo por seus pecados e pelos pecados de outros homens. Só roga pela morte. Enquanto contava sua sina para os outros prisioneiros, uma das pessoas presentes era exatamente aquela que havia cometido o assassinato; e desesperado ao ver o sofrimento do velho homem, pede para que cheguem ao Tzar e determinem sua soltura. Uma ordem é escrita para que seja absolvido, solto e recompensado pelos anos de prisão indevida. Todos procuravam o bom mercador, mas Deus já o havia perdoado, ele estava morto! Pierre se comove muito com o final dessa pequena história e “uma misteriosa alegria, vagamente, preenche e contenta sua alma.” Karataev, sentado sob uma árvore fixa seu olhar em Pierre, como se quisesse dizer alguma coisa, mas Pierre faz que não o vê. Dois jovens soldados franceses conversam seriamente com Platão e depois ouvem um tiro e um cachorro latindo. Os jovens passaram lívidos por Pierre, contudo nem ele nem os outros olham para trás. Havia um olhar determinado em suas faces. A cavalaria para em Shamshevo e Pierre dorme imediatamente. Entre o sonho e a vigília ele imagina que a vida é tudo. “Amar a vida é amar a Deus.” Pierre sonha com Platão Karataev, ele havia sido absorvido pelo planeta terra e desaparecido. É acordado pelos gritos dos Cossacos que chegavam. Enquanto Dolohov contava o número de prisioneiros, Denisov, com seu chapéu na mão, observava o corpo de Petya Rostov sendo enterrado, em uma cova recém aberta! “De 28 de outubro, quando o gelo começara, a fuga francesa assumiu seu aspecto mais trágico.” Os soldados morriam de frio e fome nos campos, enquanto o imperador, reis, duques com suas peles estavam em suas carruagens fechadas e protegidas. “A armada francesa continuou derretendo e desaparecendo.” Depois de lutarem em Smolensk os franceses matavam-se uns aos outros, lutando por comida! As ordens ainda eram escritas, todavia não podiam ser cumpridas pelas condições horríveis em que todos se encontravam. Cada grande personalidade pensava somente em como escapar o mais rápido possível para a segurança. As ações de russos e franceses durante a retirada de Moscou ao Nieman, mais parecia um jogo de bufão cego, onde, com os olhos encobertos, um tentava encontrar o outro! “Uma armada fugia, a outra perseguia” e com o grande número de estradas, não conseguiam escapar uns dos outros. Os historiadores franceses contam manobras mirabolantes de Napoleão durante a guerra. Na verdade ele escapara, isolado e embrulhado em seu casaco de pele, deixando seus companheiros para trás. Todavia os cronistas proclamam: “C’est grand[64]!” no sentido de grandeza moral. Ele era considerado um herói. Para quem acredita no certo e no errado ensinado por Deus, não há parâmetro diante disso. “E não há grandeza onde não há simplicidade, bondade, e verdade.” Os combates não sucederam como o programado por várias razões, mas a principal causa da derrocada dos dois exércitos foi a impossibilidade dos russos atacarem os franceses sem perecerem, pois já haviam gasto cada nervo, cada célula na perseguição a eles. Os soldados, além disso, estavam congelados e sem provisões. Os russos fizeram tudo o que podiam para serem merecedores de seu povo, e metade deles morreu por isso. A discrepância entre os fatos reais e a história escrita é que os historiadores só ouviram generais e não estavam presentes nas batalhas. Alguns imaginam um plano russo para acabar com Napoleão, isso teria sido impossível. O povo só fez o que deveria ter feito para expulsar os inimigos e isso eles conseguiram!

Parte 15

Após a morte de Andrey, Natasha e Marya fecharam seus olhos e “não ousaram olhar para a vida na face.” “Somente sozinhas estavam salvas do ultraje e dor.” Falar sobre o futuro parecia um afronta à memória de Andrey. Das duas amigas Marya foi a que mais cedo teve que voltar ao cotidiano, pois teria de se mudar para Moscou, onde a casa estava quase intacta. Ocupada com os preparativos e seu sobrinho, convida Natasha, que não estava bem, a mudar-se com ela. Isso é bem recebido pelo conde e condessa – uma mudança de ares. Natasha recusa e se fecha completamente do mundo exterior, conseguindo revê-lo espiritualmente. Quando parecia estar descobrindo os mistérios da morte, alguém interrompe sua meditação. Era a notícia da morte de Petya. Ao ver seu pai chorando e soluçando, sente como se fosse morrer. Observando o estado de seu pai e o grito rouco de sua mãe, ela, imediatamente, esqueceu de si mesma e de sua dor. Sua mãe estava em uma cadeira baixa batendo a cabeça contra a parede e dizendo que não era verdade. Acariciada por Natasha, tem um breve momento de calma e pede para sua filha contar-lhe toda a verdade. Vendo a incapacidade de sua mãe falar, a condessa “volta-se ao mundo do delírio.” Depois de não dormir e comer por muitos dias a condessa consegue, finalmente, chorar. Princesa Marya adiou sua viagem. Por três semanas a princesinha Natasha jamais saiu do lado da mãe, porque sua voz adorada era a única coisa que acalmava sua mãe. A morte de Petya havia tirado metade de sua vida e a condessa até então uma mulher vigorosa de cinqüenta anos, saiu do quarto uma velha senhora, meio morta, sem interesse pela vida. Aquela feria aberta trouxe Natasha de volta para a vida. “O ferimento de Natasha cicatrizou. Ela acreditava que sua vida estava acabada. Mas subitamente seu amor por sua mãe mostrou-lhe que a essência de sua vida - amor - ainda estava viva dentro dela.” A união entre Marya e Natasha fortaleceu-se, mas a saúde da jovem estava completamente acabada. Um dia Natasha, febril, pede a Marya que sempre, sempre, sejam amigas. “Daí surgiu uma amizade apaixonada, a qual existe somente entre as mulheres. Natasha encontra-se muito magra e frágil, sendo motivo de preocupação para todos. Ela, entretanto, à vezes se maravilhava com sua nova aparência (isso é muito atual, anorexia), mas temia por sua saúde. Natasha não tinha consciência, mas sua ferida começava a cicatrizar-se de dentro para fora. No fim de janeiro as duas partem para Moscou. Nesse ínterim os franceses continuavam recuando e Kutuzov atrás deles até Krasnoe, sem uma batalha sequer. A armada exausta tinha apenas cinqüenta mil soldados. O maior motivo da perda da armada francesa fora a rapidez com que recuava e Kutuzov tentava evitar um combate com eles. Kutuzov e seus homens sofreram muito com a velocidade dessa marcha! A posteridade e os historiadores aceitaram Napoleão como grand[65] e Kutuzov como velho dissoluto e intrigante. O Tzar estava insatisfeito com ele e Kutuzov foi acusado de “roubar a armada russa da glória da completa vitória sobre os franceses.” O mais estranho é que os cronistas russos consideravam Bonaparte um grande homem. Kutuzov, ao contrário de outros grandes homens, nunca falou de si mesmo e sempre permaneceu um homem simples e comum, apesar de todas suas qualidades em salvar a Rússia e seus soldados. Jamais pronunciara uma palavra sem sentido ou inconsistente! Sua postura vinha da pureza e fervor de uma emoção patriótica de seu coração. Em 5 de novembro ocorre a batalha de Krasnoe. Os generais estavam insatisfeitos, mas sete mil franceses já eram prisioneiros. Kutuzov ao ver a aparência desoladora desses homens reconhece a vitória, mas apieda-se dos inimigos, pois afinal eram também humanos! Em 8 de novembro, o dia final da batalha, todos os chalés estavam repletos de feridos e mortos. Havia um único vazio para o coronel do regimento russo. Os soldados, chegando, começam a preparar comida e alojamento, pois havia neve alta e gelo por todo lado. Alguns retiram os mortos dos chalés e aquecem o local. Outros tentavam baixar o muro alto de um celeiro. Oficiais conversam sobre as manobras futuras. Fogo e comida são vistos por toda parte. Apesar das péssimas condições e do frio, os soldados russos não estavam depressivos, pois “o que restara dos soldados era o melhor – em força de corpo e espírito!” Os outros já haviam sucumbido. Os homens conversavam sobre trivialidades como a bravura dos franceses e a cor branca de suas peles. Falavam do frio e do congelamento dos cadáveres e do céu com milhares de estrelas, o que significava gelo e frigidez. Finalmente o silêncio se faz. Os presos franceses estavam morrendo, porque os próprios russos não tinham roupas, comida e provisões suficientes para eles próprios. Em 29 de novembro Kutuzov chega à amada Vilna, onde já havia sido governador. Em oposição às ordens do Tzar, ele mantém a maior parte do exército nessa cidade e passa seu tempo à espera da Majestade. O Tzar com sua comitiva – condes, príncipes e o resto das autoridades, saíram de Petersburgo em 7 de dezembro, alcançando Vilna no dia 11, indo direto para o castelo. Apesar de contrafeito o Tzar abraça Kutuzov e ele se emociona. Alexandre expressa sua indignação quanto ao seu comando, mas Kutuzov, com era de seu estilo, não faz observações ou dá explicações. Saindo cabisbaixo, pois seu tempo no exército já se esgotara, recebe do conde Tolstoy a ordem de São Jorge do primeiro grau[66]. No dia seguinte Kutuzov deu um jantar em honra ao Tzar, que ao observar a homenagem recebida pensa: “O velho comediante.” Nos campos de batalha Pierre somente sente o estresse por completo, quando já havia acabado. Ele adoece da vesícula e permanece por três meses em Orel, recuperando-se. De todo o seu sofrimento não guarda quase nenhuma impressão em sua mente. No dia de seu resgate ele vira o corpo de Petya e soubera da morte de Andrey na casa dos Rostovs. Denisov, pensando que ele já soubesse, refere-se à morte de Ellen. Isso não significou nada no momento, mas em Orel caiu doente. Gradualmente ele se deu conta da morte de Andrey, de sua esposa e da saída dos franceses. Um sentido de liberdade arrebatou a alma de Pierre durante sua convalescência. A liberdade interior tornara-se também exterior! Ele diz a si mesmo que vai viver. “Ah, como é esplêndido!” pensa. O que viria então? Nada; e era exatamente essa ausência de objetivo que lhe dera o discernimento completo de felicidade. Em dias passados ele não pudera ver o grande e o infinito em nada. Agora ele tinha meios de ver o grande, o eterno e o infinito em cada coisa. “A terrível questão que havia despedaçado todos os seus edifícios intelectuais nos velhos tempos, a questão: Para que? Não existia mais para ele agora.” “Sem Deus nenhum fio de cabelo cairia.” Antes era um homem de bom coração, mas infeliz; agora um sorriso de alegria estava sempre em seus lábios. A princesa, sua prima, nunca havia gostado dele, mas hoje com alegria cuidava de Pierre. Seus empregados também notaram essa bela transformação. Ele não se preocupava mais com dinheiro, como no passado, mas de um modo diferente, mais seguro. Depois de receber cartas de Vassily quanto aos débitos de sua esposa e da reconstrução de Moscou, resolve fazê-lo sem saber o porquê, apesar de perder um quarto de sua fortuna com esse passo. Voltando para Moscou com Villarsky, parece um garoto de férias, vendo outros significados na vida. Onde seu companheiro de viagem via pobreza e ignorância comparadas à Europa, ele via um povo homogêneo e único naquela imensa extensão de neve. As pessoas haviam abandonado Moscou pelos motivos mais variados, “mas a volta dependeu somente da atração ao lugar chamado Moscou, a fim de depositar suas energias para lá trabalhar.” O empenho foi tanto que em 1813 a população já era maior do que em 1812. A pilhagem continuou com os próprios russos. “As pessoas voltavam como o sangue corre para o coração.” Quase a maioria queria tirar vantagem, mas rapidamente, tudo foi voltando à normalidade. No fim de janeiro Pierre chega a Moscou, porém pretendia partir em três dias para Petersburgo. Seus amigos queriam se aproximar dele e saber de seus planos, mas Pierre se preservava para não perder sua liberdade. Mesmo em Natasha, pensava raramente, como uma doce lembrança do passado. Sabendo que princesa Marya estava na cidade resolve visitá-la, por todo o infortúnio que havia passado. Sua mente estava totalmente ocupada com lembranças do querido amigo Andrey. Ao chegar dirige-se ao seu apartamento e vê que estava acompanhada de uma dama de companhia, toda vestida de preto. Eles conversaram sobre a morte de Andrey, todavia Marya mostrava-se embaraçada por causa de sua acompanhante e lhe perguntou se não se lembrava dela. Quando a jovem sorriu e lhe dirigiu um olhar iluminado ele reconheceu Natasha, percebendo que ainda a amava muito! Tentou esconder sua emoção, mas era impossível não notar que ele a amava. “Ele gaguejou em sua fala e parou de repente no meio da sentença.” A mudança física da jovem Natasha era imensa. Natasha não ficara embaraçada e um “olhar de prazer, levemente iluminou sua face.” “Ela veio para ficar comigo” disse Marya. Ao continuarem falando, notou que toda a sua liberdade havia se evaporado. “ele sentiu que agora havia um juiz criticando cada palavra sua, cada ação; um juiz cujo veredicto era mais conseqüente para ele do que o veredicto de todas as pessoas do mundo.” Pierre queria saber de detalhes sobre a doença de Andrey e se, finalmente, havia encontrado a paz. Natasha comenta que foi uma grande felicidade terem se encontrado no final de sua vida. “Falar do tempo agonizante e alegre ao mesmo tempo era evidentemente necessário para Natasha.” Ele se comove ao ver o filho de Andrey e chora. Convidado para ficar e jantar com elas, Marya comenta que era a primeira vez que Natasha havia falado sobre ele daquele modo. Os três estavam embaraçados e o silêncio pesava. Contudo, Natasha e Marya começaram a falar juntas e era como se a satisfação com a vida e a admissão de que havia felicidade nela, assim como a dor, fosse patente. “E então você é mais uma vez um partido desejável” disse Marya. Pierre corou e Natasha não deu nenhuma importância à afirmação. Ele é levado pelas perguntas das jovens a dar uma detalhada descrição de suas aventuras durante a guerra e começou a falar com uma surpreendente emoção! Natasha não perdia uma única palavra de suas narrativas ou um único gesto. Marya viu “a possibilidade de amor e felicidade entre Natasha e Pierre.” “Enquanto há vida há felicidade” ele diz a Natasha. Depois das três horas da madruga vão se deitar, mas Natasha questiona se fora certo falar tudo sobre a morte de Andrey a Pierre. Marya afirma que sim, claramente. “A jovem ainda fica acordada com um sorriso que não saia de seus lábios!” Pierre não dormira a noite toda e às seis horas da manhã decide: “Bem, o que fazer se não há escapada para isso?” Foi para cama feliz e livre da hesitação. Ele acorda sentindo-se feliz como nunca, achando todas as pessoas maravilhosas e boas. Tomando café com sua prima, fica sabendo que estavam desejando casar Marya e o jovem Rostov. Seria uma solução para os problemas da família do rapaz. Nessa noite foi jantar, novamente, com as jovens e ao chegar, Natasha vestia o mesmo vestido negro e seu cabelo igualmente preso como na noite anterior, mas estava completamente diferente. Era a antiga Natasha. Ele voltou diversas vezes e uma noite não conseguia sair, apesar de ser tarde. Princesa Marya, alegando dor de cabeça, levanta-se para se despedir e Natasha se retira. Marya dá um profundo suspiro, como se preparando para uma longa conversa. Pierre senta-se perto dela e pede excitado para que lhe ajude a se aproximar de Natasha, mesmo sabendo que não é merecedor dela. Ele não quer deixar passar aquela oportunidade -termo horrível- de se casar com ela. Pergunta se poderia ter esperanças. Marya diz saber que Natasha o amará, mas aquele não era o momento certo. Ele deveria escrever a seus pais e ela falaria com Natasha na hora mais adequada. Pierre segue para Petersburgo, mas antes se despede de Natasha, a qual afirma desejar vê-lo novamente! A única preocupação de Pierre era Natasha não aceitar seu pedido de casamento, todavia uma felicidade inesperada apossou-se dele. Natasha também se transformara; algo acordara em sua alma. Parecia que tinha esquecido seu passado e seu sofrimento. Marie, por vezes, achou que Natasha havia amado pouco seu irmão. Porém, quando estavam juntas não podia culpá-la. A força de vida que tomara conta dela era, obviamente, tão inesperada para a jovem que em sua presença não tinha direito de censurá-la.

Epílogo


Sete anos haviam se passado. Tudo parecia mais calmo, entretanto as forças misteriosas que moviam a humanidade ainda estavam presentes. Grupos de homens se separavam ou se uniam. Formações, dissoluções de impérios e migrações de pessoas iriam ocorrer. O oceano da história encontrava-se em suas profundidades e não jogado violentamente de um lado para o outro como antes. Agora em vez de guerra havia movimentos políticos. Os historiadores chamam isso de reação. Todas as pessoas célebres daquela época- de Napoleão, Alexandre a Chateaubriand- receberam críticas muito severas. Na Rússia o responsável pela reação era Alexandre I, o mesmo que havia começado um movimento liberal no início de seu reinado. Era culpado por todos os atos liberais que havia tomado depois da vitória contra a França. Por que a crítica de um personagem que fez a Aliança Sagrada, a restauração da Polônia e a reação a partir de 1920 em diante? Ele era um personagem do mais alto grau de eficiência e inteligência! Todavia vivera cinqüenta anos atrás, e não tivera a mesma visão de atualidade dos homens mais modernos de 1869. Com o correr do tempo, o que é bom para hoje não o será daqui a dez anos e vice-versa. (Toltoy era um homem muito além de seu tempo). “Suponhamos que Alexandre pudesse ter agido muito diferentemente... Não teria havido nenhuma daquelas atividades, não teria havido vida, não teria havido nada.” “Admita, por uma vez, que a vida humana pode ser guiada pela razão, e toda possibilidade de vida é aniquilada.” “Se o objetivo fosse a difusão de idéias, a publicação de livros teria alcançado aquela meta muito mais efetivamente do que os soldados... há meios mais efetivos de difusão da civilização do que a matança de homens e a destruição de suas propriedades.” (Toltoy descreve minuciosamente como fatos ocorrem por si só, sem intervenções geniais). Houve um movimento militar de massacre de homens de oeste para leste. E novamente de leste para oeste. As tropas russas não entraram na França, enquanto Napoleão estava lá. Bonaparte também teve sua glória por motivos circunstanciais. Ele massacrou os habitantes da África que não tinham armas, conquistou Malta e isso lhe deu a glória como se fosse um Cesar ou Alexandre da Macedônia. Quando chegou à Paris encontrou a desintegração do governo republicano, não tendo nenhum plano para salvar o império. Ele é levado à conspiração e ela é coroada de sucesso, com muita sorte. “Ele é dragado na assembléia dos dirigentes. Alarmado tenta fugir.” Mas os dirigentes da França falham ao dizer as palavras para preservar o poder e esmagá-lo. Não houve ato, crime ou traição que ele tenha cometido que nos lábios de outros, ao seu redor, não parecessem como um grande acontecimento. Moscou, a cidade anciã é conquistada; as armadas russas sofreram as maiores perdas da história e um enorme número de chances circunstanciais ocorreu de um tipo oposto - do frio tomado em Borodino, da faísca que incendiou Moscou, e em vez do ginius[67], lá foi mostrada uma loucura sem precedentes na história. A armada invasora foge. “Houve movimentos em direção ao oeste, a mesma coesão de pessoas, a mesma aderência da Europa Central ao movimento, a mesma hesitação no meio do percurso e o mesmo aumento de velocidade ao se aproximarem da meta. Paris, o destino mais distante, foi alcançada. O governo de Napoleão e seu exército foram despedaçados. O próprio Napoleão não tem maiores conseqüências.” A comoção pública começa a arrefecer. Napoleão fica só, confinado em sua ilha. A sina de Alexandre também é inevitável! Durante a guerra ele fora inoperante, mas quando uma Guerra Geral na Europa é inevitável, unindo os países Alexandre atinge seu objetivo. No auge de sua carreira sente-se desnecessário e se retira do poder, legando-o a homens desprezíveis! Disse: “Não para nós, não para nós, mas para Seu Nome! Eu também sou um homem como todos vocês; deixem-me viver como um homem, e pensem em minha alma e em Deus.” (Temos sentenças lindíssimas nesses trechos). Por outro lado, “o casamento de Natasha com Bezuhov, em 1813, foi o último acontecimento feliz na família dos velhos Bezuhovs.” O conde morreu no mesmo ano e a estrutura familiar se quebra em pedaços. Todos os horríveis eventos da guerra fizeram-no morrer. Antes de falecer pedira perdão à sua mulher por todas as desgraças que trouxera para a família, incluindo a morte de Petya e a pobreza. Nikolay estava em Paris quando soube da morte do pai. Deixando a armada volta e se assusta com o tamanho do débito – maior que o valor de suas propriedades! Os credores caem sem piedade em cima do jovem. Pagando metade do débito entra para o serviço governamental novamente. Apesar de abominar a vida civil vai para Sivtsevoy Vrazhok com sua mãe e Sonya. A condessa acostumada à grande luxo gasta todo seu dinheiro. Sonya cuidava da senhora e escondia dela sua pobreza. Nikolay jamais poderia pagar tal débito à amada prima, mas ele não conseguia amá-la novamente! Contudo a idéia de casar-se com uma rica herdeira para salvar sua situação repugnava-o. Ficara um jovem sombrio! Marya chega à Moscou no início do inverno e sabendo do que ocorrera com Nikolay vai visitá-lo, com muito esforço, pois ainda o amava. Ao vê-lo, em vez de amor, seu olhar é de orgulho ferido. Ele odiava a civilidade daquelas pessoas nobres. Depois de sua visita a condessa falava sobre ela diversas vezes e insistia para que seu filho fosse visitá-la. Sua mãe o lembra que sempre gostara dela e ele acaba cedendo. Marya, por seu lado, arrependeu-se da visita e se sente em uma situação indefinida. No meio do inverno Nikolay vai visitá-la. Ao vê-lo, percebe que era uma visita formal e adota o mesmo tom. Depois de apenas dez minutos ele se levanta para se despedir e uma abstração toma conta de Marya. Havia um olhar de grande sofrimento em sua face. Nikolay apieda-se e quer ajudá-la. Quando a acompanhante sai e os dois ficam sozinhos começam a conversar, olhando-se ocasionalmente. Nikolay lamenta o que havia se passado entre eles em Bogutchavaro não possa mais voltar e entende seu sofrimento por sua família. Então ela reconhece o homem que havia amado! Ele tinha uma alma nobre, firme e capaz de sacrifício. Ela percebe que sua frieza advinha de sua riqueza e da pobreza de Nikolay. Roga para que ele se abra com ela, pois também estava muito infeliz. Olhando ao redor eles percebem que o inevitável aconteceria! No outono de 1813, Nikolay casou-se com a princesa Marya e com ela, sua mãe e Sonya foram para Bleak Hills. Em quatro anos já havia pagado todos os seus débitos, inclusive a dívida com Pierre, sem vender uma única propriedade da esposa. O principal para ele, agora, se tornara seu trabalho e o bem estar de seus colonos. Marya sentiu que seu marido tinha um mundo privado, que lhe era intensamente querido, governado pelas suas próprias leis que ela não podia compreender! O método violento de punição, que aplicara durante a guerra, é substituído por outros mais amenos, aconselhado por Marya. Ele se relacionava cada vez melhor com ela, pois “descobria a cada dia frescos tesouros espirituais dentro dela.” A pobre Sonya é obrigada a se adaptar às novas condições, contudo parece gostar de cuidar das pessoas. A casa de Bleak Hills fora totalmente reconstruída de madeira e com muitos cômodos para poder abrigar todas as pessoas. As relações entre os Bolskonky e os Rostovs tornaram-se uma rotina, e às vezes passavam meses em Bleak Hills. Na véspera do dia de São Nikolay, em 5 de dezembro de 1820, Natasha e seus filhos encontravam-se lá há muito tempo. Denisov também estava hospedado na casa. Nikolay teria de receber convidados e com seu novo estilo de vida, não podia pensar no sofrimento de se arrumar para a festa. Chegara exausto e não trocara uma palavra com Marya, que se ressentiu. Nikolay estava zangado e ela não sabia porque. Eles viviam tão bem que causavam ciúmes na condessa e em Sonya. Cansado vai deitar no sofá, mas é acordado por sua pequena filha, a quem adora e conversa com ela. “É sempre assim” pensa Marya “ele fala com todo mundo menos comigo. Estou repulsiva, especialmente agora, grávida.” Nikolay a faz entender o seguinte: “não são aqueles que são bonitos que amamos, mas aqueles que amamos que são bonitos.” Marya pondera que nunca poderia creditar que alguém pudesse ser tão feliz quanto ela. Natasha, depois de ter seus filhos, havia se tornado em uma mulher robusta, diferente de como era na adolescência. Suas expressões eram mais calmas, definidas e serenas. Seu corpo e sua face eram vistos, não mais sua alma. Havia abandonado a música e a sociedade, dedicando-se inteiramente ao marido e filhos. Estava mais linda do que nunca! Natasha não tinha tempo para pensar em futilidades e vaidades. Não se preocupava com suas roupas e seu cabelo, mas tinha ciúmes de qualquer mulher - feia ou bonita. Pierre se interessava apenas por ciências e pesquisas, também não tinha vida social. “Natasha o amava tanto que se tornara uma escrava para ele.” (Vejam o conceito de uma boa esposa naqueles idos do século dezenove!). Depois de sete anos de casado Pierre tem, pela primeira vez, a convicção de que não era um homem mau e “pensava isso porque se via refletido em sua esposa!” (Maravilhoso raciocínio). Natasha se irritava quando Pierre viajava para seus estudos científicos e abstratos, pois eles não conduziam a nada. Nikolinka Bolkonky, um garoto inteligente de quinze anos, era quem mais amava Pierre entre seus sobrinhos. Ele queria ser como Pierre, inteligente e culto, não como seu pai, um homem de guerra. Através da conversas ouvidas, ele supunha que seu pai havia amado Natasha antes de morrer. Pierre, chegando de Petersburgo, trouxera inúmeros presentes caros e lindos para todos. Natasha ganhara um pente de pérolas, belíssimo, que não sabia quando poderia usar, provavelmente nunca! A condessa, com mais de sessenta anos, estava envelhecida e só desejava a PAZ. Ela fazia exclusivamente o necessário para manter-se viva. “Somente raramente um meio sorriso de lamento passava-se entre Nikolay, Pierre, Natasha e a Condessa Marya que traia a compreensão deles sobre sua condição.” Pierre conta as notícias mais recentes e que Araktcheev e Golitsin eram, agora, praticamente o governo e viam conspiração por toda parte. Quando após o jantar as crianças vão se deitar, Nikolinka pede permissão para ficar. Ele não perde uma palavra contada ou um gesto feito por Pierre. A conversa volta para o péssimo governo atual, criticado por todos e por Pierre. Natasha percebe que seu marido gostaria de falar sobre seu novo amigo, príncipe Fyodor, e pergunta sobre ele. Contudo ele continua falando sobre o governo dissoluto e assim as mulheres se retiram e os homens seguem para o estúdio, junto com Nikolinka. “Esta é a posição das coisas em Petersburgo: o Tzar deixa todas as coisas irem. Ele está totalmente envolvido em seu misticismo... tudo o que pede é a PAZ.” Magnitszy e Araktcheev e tutti quanti[68] estão destruindo tudo. “Gorjetas nas cortes, na armada nada, mas coerção e manobras: exílio – pessoas estão sendo torturadas e a cultura está sendo tolhida. Tudo de bom e honroso está sendo esmagado.” A filantropia e zelo na educação são desejáveis, mas agora outras coisas têm prioridades. Nesse momento observam a presença do garoto, mas o deixam ficar. Toda energia e juventude estão sendo dissipadas. “Homens independentes e honestos como vocês e eu – nenhum foi deixado para trás.” Ele disse aos homens: “Aumentem o escopo da sociedade: Deixem le mot d’ordre[69] ser não lealdade somente, mas independência e ação.” “Mas que ação e que assunto?” grita Nikoaly. “Simplesmente prevenir que Pugatchov venha a massacrar minhas crianças e as suas, que unamos as mãos com o único objetivo do bem-estar comum e segurança.” Cada palavra de Pierre acalentava o coração do jovem de quinze anos! Necessitavam de uma sociedade como a que existia na Alemanha - a Aliança da Virtude. Nikolay, porém, não queria saber de guerra, de greves, de sociedades, queria apenas a PAZ. O garoto queria saber se seu pai, se vivo, estaria ao lado de Pierre e este assentindo, Nikolay Rostov escondeu a fúria que se apossara dele! No dia seguinte Nikolay vê sua mulher escrevendo. Era o diário de Marya, que ele não sabia da existência. Lá ela anotava minuciosamente o comportamento de seus filhos, dia após dias. Lendo-o Nikolay olha com admiração para Marya e pensa que jamais poderia alcançar o alto mundo espiritual em que ela vivia! Eles abordam os temas que Pierre havia discorrido sobre a precariedade do governo e sobre o apoio que todos deveriam dar, para mudar o status quo[70]. Ambos são contrários a esses procedimentos. Agora falam sobre o jovem Nikolinka, pois o tio o acha um garoto esplêndido, contudo Marya se preocupava muito com ele! Continuou falando de seu trabalho e que, em mais dez anos, deixaria as crianças em ótima situação financeira. Marya pensa no amor incondicional que sente por seus filhos, mas para Nikolinka faltava ainda alguma coisa! Seu marido reflete que estariam perdidos se um dia ela morresse. Natasha também conversa com Pierre, quando ficam sós. Era uma conversa trivial, sem muita orientação, como só os casados sabem ter. Ele diz ter ficado irritadíssimo com as festas de Petersburgo e que as mulheres eram insuportáveis e fúteis, mas Marya era diferente, era maravilhosa com seus filhos. Pierre relata “que os pensamento e idéias para Nikolay eram divertimentos, quase um passatempo.” “Então você diz que idéias para ele não são sérias...” “Sim, e para mim nada é mais sério.” Em Petersburgo sentira uma grande necessidade de se expressar, expor suas idéias e unir as pessoas que se importavam por uma boa causa! “Príncipe Sergey é um companheiro capital e inteligente” resume. Natasha sentiu-se constrangida por um homem tão perspicaz e brilhante como Pierre ser seu marido. “Como isso acontecera?” se perguntou. Ela sugere qual seria a opinião de Platon Karataev sobre esse assunto e Pierre, depois de refletir, responde que ele não teria aprovado, pois a PAZ era o mais importante para ele. Nikolinka nessa noite sonha com o pai e sente que ele o aprovava, assim como a Pierre. Ele presume estudar, como queriam seus tios, mas um dia seria famoso como Plutarco e seus homens e seria admirado por todos! As questões do destino e da vida das pessoas, para os homens da antigüidade, eram resolvidas através da fé em suas entidades, mas os historiadores modernos rejeitavam esta hipótese, pensando no bem-estar da França, da Alemanha e Inglaterra, generalizando a humanidade a esse pequeno pedaço a noroeste do globo! Os historiadores modernos descrevem a conduta de pessoas separadas, as quais na opinião deles conduzem a humanidade: monarcas, reis, generais, ministros, e outros acrescentam oradores, cientistas, reformadores, poetas e filósofos. “Em 1789 houve uma fermentação em Paris; cresceu e espalhou-se, e achou continuidade no movimento de pessoas de oeste para leste. Diversas vezes aquele movimento é feito de leste em direção ao oeste. No ano de 1812 atinge o seu limite mais longínquo, Moscou, e então, com simetria irreparável, o contra-movimento segue de leste para oeste; desenhando com ele, como o primeiro movimento, os povos da Europa Central. O contra-movimento atinge o ponto de partida do primeiro movimento – Paris –e diminui. Durante esse período de vinte anos um número imenso de campos é queimado, casas incendiadas, o comércio muda de direção, milhões de homens tornam-se pobres ou ricos e mudam suas habitações; milhões de cristãos professando a lei do amor matam-se uns aos outros.” O que isso significa? Um homem da idade antiga diria que as divindades queriam que assim o fosse. “E a reposta teria sido completa e clara.” “Mas a história moderna não pode responder assim.” No fim do século dezoito, duas dúzias de homens falam em igualdade e liberdade. Essas pessoas mataram o rei, que governava mal, e fizeram muito mais. Nessa época vivia Napoleão que conquistou tudo e todos. Por alguma razão foi à África e aniquilou os africanos. Depois de ser feito Imperador dirigiu-se para a Itália, Áustria e Prússia, matando igualmente muitos homens. “Na Rússia havia o imperador Alexandre que resolveu restabelecer a ordem na Europa e guerreou com ele”. Em 1811 brigaram novamente e Napoleão tirou 600.000 vidas, e invadiu Moscou. Subitamente resolveu fugir. Então o Imperador Alexandre, ajudado por outros, uniu a Europa para se defender contra o destruidor de paz. E seus aliados se tornaram seus inimigos. Napoleão foi banido e enviado à Elba. Então Luís XVIII começo a reinar. Os monarcas se uniram, mas Napoleão invade novamente a França e recomeça a governar. Porém os monarcas enraivecidos lutam contra o homem e o gênio é foi conquistado e levado para a ilha de Santa Helena. Isolado o gênio morre lentamente e deixa seu legado à posteridade. Na Europa a reação prosseguiu e os soberanos oprimiram seus súditos novamente. Isso não é uma enganação – a caricatura da história. Isso foi descrito pelos compilamentos e memórias, escritos pelos homens da época. “Que forças movem uma nação?” Precisa-se saber se essas forças são perfeitamente conhecidas por todos. Nesses capítulos seguintes Tolstoy faz uma interessantíssima análise sobre os fatores que realmente influenciaram o desenvolvimento da Europa e modificaram sua história. Entre elas: 1- “As ações de um homem provêm de seu caráter inato e dos motivos agindo sobre ele. O que é consciência e sentido do certo e do errado na ação que se alimentam da consciência e da liberdade? Isso é uma questão de ética.” 2-“Não há alma e livre arbítrio, porque a vida de um homem é expressa em movimentos musculares, e movimentos musculares são condicionados pela atividade nervosa. Não há alma e livre arbítrio, porque em um momento desconhecido no tempo nós viemos dos macacos, eles dizem, escrevem e publicam.” 3- “Mas como na astronomia, a nova visão disse: “É verdade, nós não sentimos o movimento da terra, mas, se nós admitimos sua imobilidade, estamos reduzidos ao absurdo, enquanto admitindo seu movimento, nós somos conduzidos às leis.” Então na história, a nova visão diz, “É verdade, nós não sentimos nossa dependência, mas admitindo nosso livre arbítrio, somos conduzidos ao absurdo; admitindo nossa dependência no mundo externo, tempo e causa, nós somos conduzidos às leis” 4) No caso presente, é essencial transpor a consciência de uma liberdade irreal e reconhecer a dependência não percebida por nossas percepções.”

REGINA MAURA DE SANT’ANA HOREMANS
Resumo baseado no livro Guerra e Paz de Leon Tolstoy, com tradução de Constance Garnett
Introdução de Joseph Frank - Editora Barnes & Noble Classics - New York

Pequena Biografia

Um dos mais famosos escritores universais, Tolstoy (1828-1910) nasceu em uma família aristocrática, na Rússia, e perdeu seus pais ainda na infância. Estudou línguas e direito, participando da Guerra da Criméia. Tentou, também, melhorar a vida de seus camponeses. Nem a religião nem a filosofia o satisfizeram em sua busca de um ideal de vida. Casou-se com Sofia e teve treze filhos. Apesar de ter sido um jogador e bebedor, em momentos difíceis de sua vida quando jovem, inspirou com sua filosofia da simplicidade Mahatma Gandhi e muitos outros personagens importantes.

[1] Festa noturna elegante
[2] O charmoso Ippolit
[3] Foi acusado por Napoleão de tomar parte numa conspiração, organizada pelos Bourbons, para matá-lo
[4] Extremista revolucionário
[5] Frente a frente. A sós.
[6] Empregado pessoal.
[7] Um tipo de camisolão.
[8] Dois grandes generais.
[9][9] Soldados de cavalaria ligeira.
[10] Aqui está a amada armada.
[11] Cargo muito antigo, sem referência atual
[12] Meu pai.
[13] Diminutivo para Nikolay.
[14] Agora Olomouc, uma cidade da Moravia, na República Checa.
[15] Ao chefe do governo francês.
[16] Batalha dos Três Imperadores: Napoleão I, Tsar Alexandre da Rússia e Imperador Francis III da Áustria lá se encontravam.
[17] Viva o imperador!
[18] Meu bravo.
[19] Alguém de fora.
[20] Lacaio.
[21] Coro em inglês.
[22] Não confundir com o general Kutuzov.
[23] Tirado do nome do nome do teosofista Louis- Claude de Saint-Martin (1743-1803)
[24] Orador, retor.
[25] Hierarquia maçônica.
[26] Maçonaria, franco-maçonaria .
[27] Comitiva.
[28] Importante personagem e filósofo da classe pensante francesa.
[29] A honra em francês.
[30] À francesa.
[31] Protegida.
[32] Bases securas.
[33] Pajem.
[34] Antigamente os russos fantasiavam-se e visitavam os vizinhos, fazendo performances de canto e dança, recebendo em troca presentes de comida.
[35] M. Georges era uma artista consagrada e amante de Napoleão.
[36] Referência à Bíblia Provérbios 21:3.
[37] Senhor meu irmão.
[38] Viva o imperador!
[39] Como solteiro.
[40] Estado maior.
[41] Em 1812 esse rio marcava a fronteira entre Rússia e Polônia.
[42] Suporte, estado maior de exército.
[43] Obra prima.
[44]No século 19 muitos aristocratas russos falavam francês melhor do que russo; Alguns não falavam nada de russo.
[45] Fora construído em 1586, mas nunca usado!
[46] Um pássaro devolvido aos campos que viu seu nascimento.
[47] Tempo e paciência foi considerado um dos conselhos mais sábios de guerra.
[48] Famosa escritora da época.
[49] Kutuzov e seus homens em Borodino.
[50] Batalha de Austerlitz
[51] Gérard era um importante retratista do Império e da Restauração de Bourbon.
[52] Curta e enérgica!
[53] A fortuna é francamente uma cortesã.
[54] Nosso cavalheiro.
[55] Moscou queimada e Napoleão.
[56] Minha cabeça, esteja boa ou má, terá que ajudar-se sozinha.
[57] Ingenuidade.
[58] Uma esposa amante.
[59] O ridículo.
[60] Nome francês para Borodino.
[61] Eufemismo referente ao aborto de Ellen
[62] Cidade muito antiga ao norte de Moscou. Marya teria de viajar 500 milhas de Veronezh a Yaroslavl.
[63] Chapéu alto e cilíndrico.
[64] É grande!
[65] Grande!
[66] Medalha de honra raramente oferecida, criada por Catarina, a Grande.
[67] Gênio.
[68] Todo o resto. (italiano)
[69] A palavra de ordem.
[70] A situação presente.