UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA
HUMANA
Neste interessantíssimo romance
histórico Honoré de Balzac nos coloca
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché, ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que “consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história, ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó, isto é, em história”.
O outono de 1803 foi um dos mais
belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes
da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de
Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville,
organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o
ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava
daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que
restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar
acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês
de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de
Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o
órfão Michu recebeu da marquesa o
posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador
foi Marion, de Arcis, que teve medo
do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas
vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a
uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do
que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o
homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado,
pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode
expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”.
Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir.
Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era
inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas
acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os
habitantes, “então, que Marion tinha
sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.”
“Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a
propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria
protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta
Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e
precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o
castelo durante a noite. Marion preveniu
Malin que ficasse de olho no
administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente
perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua
linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos,
Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela
família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda,
muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus
pensamentos.
Dois parisienses atravessam a
rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que
parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas
indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de
pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses
detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma
personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que
assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto
tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas
elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer,
moda
aristocrática...” “O primeiro
tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres,
o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a
forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal...
Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se
estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram
esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina,
deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem
era “o seu Michu”. Temendo perderem-se
no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles
homens. Nesse ínterim aparece Violette,
granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era
“francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos
demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de
Arcis a par dos menores atos de Michu.”
Enegrecia todos os atos desse homem,
“tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou
preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e
preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e
seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.” “Marta, que foi gradativamente empalidecendo,
chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a
uivar “como uivam os cães em desespero.”
A cólera de Michu por Marion se
transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos
políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao
outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em
seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos
opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de
Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto
o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença
ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer
os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade,
Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército
prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos.
A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin
quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre
consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e
faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político,
“acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu
amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo
duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.” Luís XVIII queria uma desforra, mas o
“Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria
imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se
um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em
Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas
achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.
O governo de Bonaparte estaria no seu
período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto
conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e
se retiraram lentamente.
Michu entrou em casa e atirou ao
fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do
lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a
todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua
simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres
avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos
quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença
que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta
“amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a
representar.”
Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o
nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença,
“era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido
usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville
sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo
admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da
investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a
condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das
rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O
tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus
negócios. Sob sua administração o espaço
“tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas
maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder
inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível.
Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu
coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma
resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de
Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e
Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar
parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver
o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus
atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles.
Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter
semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à
noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente
insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e
três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham
passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com
eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a
acompanhavam, agiram com discrição como sua ama.
No momento em que Marta chega com
o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para
trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou
os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar
de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria
comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia
aos realistas... mas resolvidos a
suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região,
juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor
não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem
fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão.
Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas
belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida
portanto, fazia dois anos, tornara-se
quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência. O velho tutor avisa que Malin estava em
Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de
muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em
relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer
fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas
amizades com a nobreza. Michu havia
pressuposto esta disposição.
Correntin, “o fênix dos espiões”
e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché
para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché
viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde
restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de
Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas.
“Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro
imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse,
confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a
conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo
que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento,
para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché
queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito
ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele
recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários
para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo
do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois
homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num
cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente
do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis
saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam
jogando cartas. A visita do maire
deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo
sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado,
pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com
seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o
conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis
comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao
diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os
dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por
um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o
apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse
Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma
coisa.” Corentin decide apertá-los.
“Uma brecha tem sempre sua causa
e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para
alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente
abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que
nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta
e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa
apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!...
Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a
despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os
enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo
guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião
da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço
aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro
aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que
uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta.
Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se
os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao
centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse
mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza
cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera
descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro,
“deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou
os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação
dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus
de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado,
limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da
dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto
cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu
retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam
a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A
fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como
indicadores. Eram onze as árvores que a escondia. Lourença não poderia mais ver os
gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para
Cinq-Cygne.
Peyrade e Corentin continuavam no
local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo
ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes
do castelo, ver entrar Lourença”. O
brigadeiro de Assis junta-se ao grupo e
diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais
ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era
habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único
adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava
desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem
que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se
voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis
seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão
entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por
não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força.
Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem
fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas
terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se
olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do
pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra,
para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus
inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma
coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que
Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia
alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens
eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto
no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as
investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda
estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.”
Corentin tinha o pequeno cofre de
Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que
o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela
vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de
magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos
padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como
barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para
as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não
pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais
furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe
foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado.
Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no
chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha,
desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior
estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de
cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe
de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos,
pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos,
depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario
Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate
dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin
queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do
primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria
distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera
ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me
parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia
prevenido os primos e os srs. de Simeuse
que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha,
e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as
convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que
Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o
caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos
eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.”
Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao
castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.
Atrapalhados, ficaram sabendo que o
cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e que fora somente uma queda. “A alegria do
triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia. Fouché certamente ficaria furioso com o
insucesso da missão. Quem salvara as
pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao
colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.
Corentin vai encontrar-se com o
brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido
golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada
que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca”
e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas
foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu
emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi
viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e
Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que
“o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais
participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro
gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de
Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens,
palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam
contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença
que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria
prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da
floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o
último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as
ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores,
à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu
consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A
polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os
seus inimigos.”
No castelo, esperavam pelos
quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados
porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se
apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador
um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois
rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da
época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado
dinheiro para sobreviverem. Haviam
ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob
os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais
poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante
o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença...
pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga.
Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de
aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o
afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de
hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de
afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da
encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus
primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão
irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia
– “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto
não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara
aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do
Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios
públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam
que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número
inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto
acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o
exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos;
mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão
que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que
procede do espírito.”
Em fevereiro de 1806, depois da
conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça,
que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de
sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre
uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens
tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou.
Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que
viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para
não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião
a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de
baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia
continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um
comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por
parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia
conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar
Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos
nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também
aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador,
um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma
ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria
ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas
pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz
duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de
Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não
poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin!
Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia
ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda
imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do
ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem
uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que
nunca a desgraça caiu sobre eles sem
que antes
tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”
Michu vendeu suas terras a
Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença,
depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta
e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto
chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a
srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da
retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem
levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa
sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três
viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário
do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara
naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na
frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois
Lourença se casaria. Emocionada diz que
entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o
marido. O primeiro a quem a sra.
d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido.
Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada
e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos
de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares
“cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a
caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada,
erguia-se de um relvado do parque inglês. O hipócrita Violette apareceu e disse a
Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de
louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à
lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído
para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós
no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu
arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados,
parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram
violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para
o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao
ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e
fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do
portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a
condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin, a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da
comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do
castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.
Violette tentou envenenar Grévin
dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os
nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na
areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.
Dois oficiais que vieram mostraram
“grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo
aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza,
relativamente à criminalidade de Michu,
dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante
as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte.
O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador
do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus
colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri, Lechesneau,
havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção.
O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera
um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz
ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa
má.” Quanto a Michu sabiam que ameaçara
o sr. Marion. Havia vendido tudo e já
recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as
presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e
Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para
cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais
necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até
matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.
A Justiça nunca poderia adivinhar os
motivos. O imperador, entretanto, havia
perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária
investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações
pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas
palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para
passar o feriado em Troyes. Esses
depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau
viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria
pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri
tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora
inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e
que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não
pela polícia!
Os nobres
haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da
torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou
disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns
sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado
o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo
juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr.
Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para
comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava
com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror.
Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu
sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais
foram levados ao castelo, com as mãos amarradas. Lá os jovens, também famintos, reuniram-se
aos velhos senhores, que se encontravam
bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos
sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da
aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do
castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra.
d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço.
Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete
empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a
sua escolha? – exclamou a velha dama.” Lourença
responde que haviam deixado “ao alvitre
da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste
instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura
-, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas
pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo
Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras
pessoas queriam saber o motivo da prisão
e qual acusação pesava sobre eles. Era o
dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os
quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu
antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio
levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros
sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as
ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade
deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só
respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda
a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do
senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de
culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram
estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas
devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que
uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a
prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet
levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das
ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou
no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois
“nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi
ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão
matá-los, apesar de sua inocência!”
Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da
Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão
encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido
esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um
exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por
aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a
predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de
1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era
unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o
caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num
opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada
e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não
deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de
suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a
malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do
castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A
condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de
Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que
escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da
Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em
Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville
“aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e
os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse o processo, pela proximidade do tribunal e
por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando
a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo
seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa
família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não
se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles
a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação
a Malin. E, também, Lourença havia
ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer
que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor,
seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se,
por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na
floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França
afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os
acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de
todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não
deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios.
“O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.”
Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano
de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma
que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.”
Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores
de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava
que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos
homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação.
“Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as
pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento
lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”
Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e
Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou
em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido
uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por
Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse
comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada
a Lourença que poderia dar à língua.
Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente,
retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco
primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos
e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e
pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do
corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme
alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo
vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria
condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se ao ouvir a leitura feita pelo padre do
interrogatório público dos acusados, pois já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia
foram intimados para os interrogatórios.
O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos
tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de
Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem
aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse
social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes
mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um
país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto.
Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados
para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O
depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas
investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados
tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a
habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O
interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam
que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele
confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à
emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois
senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para
justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na
brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha
muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O
defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...”
Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados
para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois
empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio,
mas o acusador insinua essa possibilidade. A primeira audiência foi suspensa depois de
Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse,
veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso. No dia seguinte as testemunhas de acusação são
ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e
Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou
do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos
jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que
concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora
soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois
ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia
ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir
o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça
no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin
aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram
impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas
palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados
eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam
sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam
traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.”
O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe
nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que
brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto
produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo
de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis
antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador,
o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as
razões do seu rapto. “O júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu
uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento
teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha
mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por
desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo
conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar
livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este
avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta,
que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram
incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre
comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da
carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro,
Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos.
Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações,
na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta
confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs.
d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador.
Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente
caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os
debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se
dizer, sem exagero, que um raio
caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter
escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de
Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram
grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do
sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita
para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou
valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa
hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de
defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu
parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se
“cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou
facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de
Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos
pelos novos depoimentos sobrevindos do
que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente
INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os
jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são
“todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados
tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia
condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos
forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu
nos braços de Lourença. Esta se ergue,
moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade.
Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville. Bordin afirmou que não deveria se casar com
um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos
senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los,
sem ela!
O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal.
Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin,
pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado. O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela
aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos
advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem
disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era
preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o
cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito
bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os
primos à custa da morte de Michu.
Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin:
“Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua
condenação confirmada por vossa corte de
cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência
senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos
olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os...
etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a
entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem
que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador
a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu. Ao vê-lo sai com os olhos banhados em
lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu
posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir
mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em
Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e
diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se
tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava
sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia,
pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais
deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar!
Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da
época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença,
ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender
inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento
no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e
formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe
da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o
homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com
ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre
sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença
fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe
entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se
compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma
choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas.
Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por
sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita
que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua
glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam.
Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e
Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao
mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao
ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe
tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se
deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na
carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado.
Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de
cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne
voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os
olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos
d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano
foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa,
agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração
emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou
melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os
Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de
Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela
condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano.
Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil
francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica
srta. Girel, de Troyes” O Marques de
Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos,
que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do
senador. Luís XVIII ficou mudo quanto
ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.
Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido
completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por
todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua
dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o
principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote
para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.”
A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe.
A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com
Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença
queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara
sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite,
com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente
nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta
imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha
experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo
segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que
ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho,
olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os
motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não
reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença
constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se
retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa
havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim,
ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de
Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se
impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se
silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do
palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão
extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se.
Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses,
muito pouco simples.” Seguia-os uma
terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro
da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché
era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos
três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando
a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a
História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço,
porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os
quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O
militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse
Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam
muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia
ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele
estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for
vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais
República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá
resistir senão voltando à energia
convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte
voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor,
disse um antigo convencional, nós o
adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles.
Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.”
O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução
Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados.
Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos
interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria
sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam
despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve
estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais
sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador
vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu
conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso
deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De
Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares
exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no
caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os
destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram
eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer.
Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair.
Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche,
Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes
cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia
ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês,
se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de
1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem
de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo
revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os
facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade
que as fez imprimir em número necessário
de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.” O impressor foi preso como conspirador,
pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi
declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde
espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de
afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte
fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz
em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia
recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante
a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real
dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez,
depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma
reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais
rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia
até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos
cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua
vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão
casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi
enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com
os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte.
Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a
casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava
impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc,
pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne.
Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de
Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho
de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e
depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias
pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram
beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de
impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O
narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de
correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera
entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente
principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é
possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se
conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os
Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à
Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou
silêncio.”
UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA
HUMANA
Neste interessantíssimo romance
histórico Honoré de Balzac nos coloca
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução
de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché,
ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris
contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo
frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os
vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris
guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como
Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro
e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que
“consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e
indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as
fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história,
ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se
em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as
forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó,
isto é, em história”.
O outono de 1803 foi um dos mais
belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes
da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de
Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville,
organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o
ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava
daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que
restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar
acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês
de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de
Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o
órfão Michu recebeu da marquesa o
posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador
foi Marion, de Arcis, que teve medo
do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas
vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a
uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do
que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o
homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado,
pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode
expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”.
Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir.
Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era
inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas
acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os
habitantes, “então, que Marion tinha
sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.”
“Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a
propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria
protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta
Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e
precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o
castelo durante a noite. Marion preveniu
Malin que ficasse de olho no
administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente
perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua
linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos,
Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela
família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda,
muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus
pensamentos.
Dois parisienses atravessam a
rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que
parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas
indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de
pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses
detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma
personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que
assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto
tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas
elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer,
moda
aristocrática...” “O primeiro
tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres,
o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a
forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal...
Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se
estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram
esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina,
deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem
era “o seu Michu”. Temendo perderem-se
no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles
homens. Nesse ínterim aparece Violette,
granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era
“francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos
demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de
Arcis a par dos menores atos de Michu.”
Enegrecia todos os atos desse homem,
“tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou
preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e
preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e
seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.” “Marta, que foi gradativamente empalidecendo,
chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a
uivar “como uivam os cães em desespero.”
A cólera de Michu por Marion se
transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos
políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao
outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em
seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos
opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de
Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto
o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença
ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer
os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade,
Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército
prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos.
A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin
quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre
consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e
faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político,
“acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu
amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo
duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.” Luís XVIII queria uma desforra, mas o
“Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria
imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se
um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em
Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas
achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.
O governo de Bonaparte estaria no seu
período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto
conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e
se retiraram lentamente.
Michu entrou em casa e atirou ao
fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do
lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a
todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua
simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres
avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos
quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença
que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta
“amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a
representar.”
Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o
nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença,
“era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido
usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville
sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo
admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da
investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a
condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das
rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O
tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus
negócios. Sob sua administração o espaço
“tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas
maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder
inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível.
Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu
coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma
resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de
Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e
Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar
parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver
o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus
atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles.
Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter
semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à
noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente
insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e
três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham
passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com
eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a
acompanhavam, agiram com discrição como sua ama.
No momento em que Marta chega com
o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para
trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou
os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar
de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria
comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia
aos realistas... mas resolvidos a
suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região,
juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor
não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem
fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão.
Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas
belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida
portanto, fazia dois anos, tornara-se
quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência. O velho tutor avisa que Malin estava em
Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de
muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em
relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer
fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas
amizades com a nobreza. Michu havia
pressuposto esta disposição.
Correntin, “o fênix dos espiões”
e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché
para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché
viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde
restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de
Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas.
“Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro
imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse,
confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a
conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo
que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento,
para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché
queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito
ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele
recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários
para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo
do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois
homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num
cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente
do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis
saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam
jogando cartas. A visita do maire
deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo
sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado,
pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com
seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o
conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis
comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao
diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os
dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por
um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o
apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse
Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma
coisa.” Corentin decide apertá-los.
“Uma brecha tem sempre sua causa
e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para
alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente
abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que
nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta
e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa
apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!...
Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a
despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os
enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo
guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião
da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço
aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro
aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que
uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta.
Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se
os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao
centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse
mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza
cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera
descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro,
“deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou
os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação
dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus
de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado,
limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da
dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto
cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu
retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam
a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A
fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como
indicadores. Eram onze as árvores que a escondia. Lourença não poderia mais ver os
gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para
Cinq-Cygne.
Peyrade e Corentin continuavam no
local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo
ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes
do castelo, ver entrar Lourença”. O
brigadeiro de Assis junta-se ao grupo e
diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais
ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era
habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único
adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava
desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem
que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se
voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis
seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão
entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por
não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força.
Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem
fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas
terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se
olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do
pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra,
para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus
inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma
coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que
Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia
alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens
eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto
no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as
investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda
estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.”
Corentin tinha o pequeno cofre de
Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que
o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela
vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de
magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos
padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como
barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para
as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não
pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais
furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe
foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado.
Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no
chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha,
desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior
estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de
cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe
de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos,
pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos,
depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario
Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate
dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin
queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do
primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria
distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera
ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me
parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia
prevenido os primos e os srs. de Simeuse
que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha,
e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as
convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que
Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o
caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos
eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.”
Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao
castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.
Atrapalhados, ficaram sabendo que o
cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e que fora somente uma queda. “A alegria do
triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia. Fouché certamente ficaria furioso com o
insucesso da missão. Quem salvara as
pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao
colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.
Corentin vai encontrar-se com o
brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido
golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada
que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca”
e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas
foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu
emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi
viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e
Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que
“o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais
participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro
gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de
Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens,
palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam
contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença
que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria
prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da
floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o
último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as
ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores,
à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu
consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A
polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os
seus inimigos.”
No castelo, esperavam pelos
quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados
porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se
apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador
um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois
rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da
época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado
dinheiro para sobreviverem. Haviam
ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob
os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais
poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante
o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença...
pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga.
Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de
aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o
afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de
hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de
afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da
encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus
primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão
irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia
– “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto
não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara
aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do
Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios
públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam
que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número
inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto
acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o
exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos;
mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão
que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que
procede do espírito.”
Em fevereiro de 1806, depois da
conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça,
que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de
sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre
uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens
tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou.
Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que
viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para
não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião
a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de
baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia
continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um
comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por
parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia
conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar
Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos
nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também
aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador,
um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma
ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria
ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas
pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz
duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de
Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não
poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin!
Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia
ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda
imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do
ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem
uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que
nunca a desgraça caiu sobre eles sem
que antes
tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”
Michu vendeu suas terras a
Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença,
depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta
e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto
chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a
srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da
retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem
levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa
sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três
viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário
do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara
naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na
frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois
Lourença se casaria. Emocionada diz que
entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o
marido. O primeiro a quem a sra.
d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido.
Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada
e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos
de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares
“cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a
caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada,
erguia-se de um relvado do parque inglês. O hipócrita Violette apareceu e disse a
Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de
louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à
lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído
para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós
no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu
arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados,
parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram
violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para
o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao
ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e
fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do
portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a
condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin, a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da
comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do
castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.
Violette tentou envenenar Grévin
dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os
nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na
areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.
Dois oficiais que vieram mostraram
“grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo
aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza,
relativamente à criminalidade de Michu,
dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante
as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte.
O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador
do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus
colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri, Lechesneau,
havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção.
O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera
um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz
ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa
má.” Quanto a Michu sabiam que ameaçara
o sr. Marion. Havia vendido tudo e já
recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as
presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e
Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para
cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais
necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até
matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.
A Justiça nunca poderia adivinhar os
motivos. O imperador, entretanto, havia
perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária
investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações
pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas
palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para
passar o feriado em Troyes. Esses
depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau
viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria
pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri
tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora
inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e
que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não
pela polícia!
Os nobres
haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da
torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou
disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns
sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado
o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo
juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr.
Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para
comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava
com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror.
Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu
sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais
foram levados ao castelo, com as mãos amarradas. Lá os jovens, também famintos, reuniram-se
aos velhos senhores, que se encontravam
bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos
sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da
aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do
castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra.
d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço.
Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete
empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a
sua escolha? – exclamou a velha dama.” Lourença
responde que haviam deixado “ao alvitre
da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste
instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura
-, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas
pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo
Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras
pessoas queriam saber o motivo da prisão
e qual acusação pesava sobre eles. Era o
dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os
quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu
antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio
levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros
sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as
ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade
deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só
respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda
a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do
senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de
culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram
estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas
devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que
uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a
prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet
levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das
ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou
no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois
“nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi
ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão
matá-los, apesar de sua inocência!”
Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da
Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão
encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido
esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um
exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por
aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a
predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de
1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era
unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o
caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num
opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada
e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não
deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de
suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a
malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do
castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A
condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de
Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que
escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da
Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em
Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville
“aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e
os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse o processo, pela proximidade do tribunal e
por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando
a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo
seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa
família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não
se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles
a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação
a Malin. E, também, Lourença havia
ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer
que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor,
seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se,
por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na
floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França
afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os
acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de
todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não
deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios.
“O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.”
Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano
de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma
que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.”
Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores
de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava
que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos
homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação.
“Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as
pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento
lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”
Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e
Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou
em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido
uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por
Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse
comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada
a Lourença que poderia dar à língua.
Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente,
retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco
primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos
e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e
pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do
corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme
alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo
vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria
condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se ao ouvir a leitura feita pelo padre do
interrogatório público dos acusados, pois já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia
foram intimados para os interrogatórios.
O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos
tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de
Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem
aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse
social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes
mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um
país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto.
Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados
para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O
depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas
investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados
tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a
habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O
interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam
que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele
confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à
emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois
senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para
justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na
brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha
muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O
defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...”
Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados
para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois
empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio,
mas o acusador insinua essa possibilidade. A primeira audiência foi suspensa depois de
Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse,
veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso. No dia seguinte as testemunhas de acusação são
ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e
Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou
do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos
jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que
concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora
soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois
ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia
ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir
o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça
no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin
aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram
impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas
palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados
eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam
sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam
traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.”
O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe
nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que
brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto
produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo
de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis
antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador,
o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as
razões do seu rapto. “O júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu
uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento
teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha
mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por
desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo
conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar
livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este
avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta,
que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram
incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre
comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da
carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro,
Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos.
Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações,
na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta
confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs.
d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador.
Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente
caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os
debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se
dizer, sem exagero, que um raio
caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter
escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de
Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram
grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do
sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita
para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou
valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa
hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de
defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu
parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se
“cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou
facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de
Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos
pelos novos depoimentos sobrevindos do
que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente
INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os
jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são
“todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados
tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia
condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos
forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu
nos braços de Lourença. Esta se ergue,
moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade.
Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville. Bordin afirmou que não deveria se casar com
um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos
senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los,
sem ela!
O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal.
Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin,
pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado. O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela
aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos
advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem
disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era
preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o
cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito
bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os
primos à custa da morte de Michu.
Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin:
“Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua
condenação confirmada por vossa corte de
cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência
senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos
olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os...
etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a
entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem
que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador
a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu. Ao vê-lo sai com os olhos banhados em
lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu
posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir
mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em
Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e
diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se
tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava
sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia,
pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais
deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar!
Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da
época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença,
ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender
inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento
no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e
formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe
da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o
homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com
ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre
sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença
fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe
entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se
compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma
choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas.
Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por
sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita
que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua
glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam.
Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e
Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao
mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao
ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe
tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se
deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na
carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado.
Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de
cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne
voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os
olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos
d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano
foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa,
agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração
emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou
melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os
Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de
Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela
condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano.
Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil
francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica
srta. Girel, de Troyes” O Marques de
Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos,
que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do
senador. Luís XVIII ficou mudo quanto
ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.
Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido
completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por
todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua
dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o
principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote
para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.”
A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe.
A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com
Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença
queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara
sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite,
com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente
nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta
imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha
experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo
segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que
ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho,
olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os
motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não
reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença
constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se
retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa
havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim,
ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de
Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se
impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se
silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do
palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão
extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se.
Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses,
muito pouco simples.” Seguia-os uma
terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro
da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché
era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos
três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando
a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a
História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço,
porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os
quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O
militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse
Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam
muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia
ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele
estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for
vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais
República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá
resistir senão voltando à energia
convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte
voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor,
disse um antigo convencional, nós o
adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles.
Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.”
O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução
Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados.
Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos
interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria
sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam
despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve
estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais
sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador
vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu
conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso
deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De
Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares
exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no
caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os
destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram
eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer.
Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair.
Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche,
Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes
cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia
ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês,
se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de
1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem
de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo
revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os
facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade
que as fez imprimir em número necessário
de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.” O impressor foi preso como conspirador,
pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi
declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde
espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de
afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte
fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz
em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia
recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante
a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real
dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez,
depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma
reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais
rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia
até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos
cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua
vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão
casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi
enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com
os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte.
Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a
casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava
impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc,
pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne.
Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de
Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho
de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e
depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias
pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram
beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de
impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O
narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de
correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera
entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente
principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é
possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se
conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os
Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à
Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou
silêncio.”
UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA
HUMANA
Neste interessantíssimo romance
histórico Honoré de Balzac nos coloca
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução
de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché,
ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris
contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo
frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os
vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris
guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como
Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro
e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que
“consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e
indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as
fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história,
ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se
em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as
forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó,
isto é, em história”.
O outono de 1803 foi um dos mais
belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes
da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de
Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville,
organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o
ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava
daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que
restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar
acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês
de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de
Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o
órfão Michu recebeu da marquesa o
posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador
foi Marion, de Arcis, que teve medo
do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas
vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a
uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do
que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o
homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado,
pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode
expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”.
Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir.
Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era
inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas
acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os
habitantes, “então, que Marion tinha
sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.”
“Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a
propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria
protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta
Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e
precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o
castelo durante a noite. Marion preveniu
Malin que ficasse de olho no
administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente
perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua
linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos,
Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela
família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda,
muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus
pensamentos.
Dois parisienses atravessam a
rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que
parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas
indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de
pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses
detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma
personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que
assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto
tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas
elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer,
moda
aristocrática...” “O primeiro
tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres,
o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a
forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal...
Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se
estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram
esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina,
deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem
era “o seu Michu”. Temendo perderem-se
no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles
homens. Nesse ínterim aparece Violette,
granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era
“francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos
demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de
Arcis a par dos menores atos de Michu.”
Enegrecia todos os atos desse homem,
“tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou
preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e
preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e
seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.” “Marta, que foi gradativamente empalidecendo,
chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a
uivar “como uivam os cães em desespero.”
A cólera de Michu por Marion se
transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos
políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao
outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em
seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos
opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de
Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto
o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença
ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer
os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade,
Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército
prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos.
A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin
quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre
consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e
faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político,
“acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu
amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo
duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.” Luís XVIII queria uma desforra, mas o
“Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria
imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se
um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em
Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas
achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.
O governo de Bonaparte estaria no seu
período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto
conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e
se retiraram lentamente.
Michu entrou em casa e atirou ao
fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do
lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a
todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua
simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres
avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos
quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença
que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta
“amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a
representar.”
Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o
nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença,
“era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido
usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville
sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo
admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da
investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a
condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das
rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O
tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus
negócios. Sob sua administração o espaço
“tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas
maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder
inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível.
Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu
coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma
resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de
Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e
Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar
parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver
o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus
atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles.
Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter
semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à
noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente
insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e
três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham
passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com
eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a
acompanhavam, agiram com discrição como sua ama.
No momento em que Marta chega com
o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para
trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou
os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar
de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria
comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia
aos realistas... mas resolvidos a
suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região,
juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor
não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem
fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão.
Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas
belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida
portanto, fazia dois anos, tornara-se
quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência. O velho tutor avisa que Malin estava em
Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de
muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em
relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer
fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas
amizades com a nobreza. Michu havia
pressuposto esta disposição.
Correntin, “o fênix dos espiões”
e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché
para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché
viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde
restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de
Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas.
“Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro
imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse,
confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a
conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo
que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento,
para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché
queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito
ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele
recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários
para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo
do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois
homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num
cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente
do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis
saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam
jogando cartas. A visita do maire
deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo
sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado,
pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com
seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o
conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis
comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao
diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os
dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por
um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o
apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse
Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma
coisa.” Corentin decide apertá-los.
“Uma brecha tem sempre sua causa
e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para
alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente
abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que
nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta
e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa
apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!...
Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a
despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os
enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo
guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião
da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço
aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro
aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que
uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta.
Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se
os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao
centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse
mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza
cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera
descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro,
“deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou
os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação
dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus
de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado,
limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da
dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto
cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu
retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam
a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A
fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como
indicadores. Eram onze as árvores que a escondia. Lourença não poderia mais ver os
gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para
Cinq-Cygne.
Peyrade e Corentin continuavam no
local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo
ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes
do castelo, ver entrar Lourença”. O
brigadeiro de Assis junta-se ao grupo e
diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais
ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era
habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único
adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava
desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem
que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se
voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis
seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão
entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por
não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força.
Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem
fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas
terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se
olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do
pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra,
para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus
inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma
coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que
Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia
alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens
eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto
no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as
investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda
estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.”
Corentin tinha o pequeno cofre de
Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que
o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela
vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de
magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos
padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como
barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para
as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não
pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais
furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe
foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado.
Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no
chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha,
desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior
estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de
cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe
de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos,
pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos,
depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario
Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate
dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin
queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do
primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria
distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera
ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me
parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia
prevenido os primos e os srs. de Simeuse
que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha,
e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as
convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que
Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o
caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos
eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.”
Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao
castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.
Atrapalhados, ficaram sabendo que o
cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e que fora somente uma queda. “A alegria do
triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia. Fouché certamente ficaria furioso com o
insucesso da missão. Quem salvara as
pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao
colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.
Corentin vai encontrar-se com o
brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido
golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada
que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca”
e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas
foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu
emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi
viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e
Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que
“o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais
participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro
gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de
Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens,
palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam
contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença
que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria
prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da
floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o
último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as
ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores,
à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu
consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A
polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os
seus inimigos.”
No castelo, esperavam pelos
quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados
porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se
apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador
um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois
rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da
época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado
dinheiro para sobreviverem. Haviam
ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob
os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais
poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante
o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença...
pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga.
Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de
aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o
afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de
hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de
afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da
encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus
primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão
irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia
– “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto
não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara
aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do
Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios
públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam
que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número
inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto
acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o
exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos;
mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão
que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que
procede do espírito.”
Em fevereiro de 1806, depois da
conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça,
que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de
sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre
uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens
tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou.
Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que
viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para
não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião
a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de
baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia
continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um
comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por
parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia
conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar
Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos
nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também
aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador,
um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma
ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria
ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas
pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz
duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de
Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não
poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin!
Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia
ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda
imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do
ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem
uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que
nunca a desgraça caiu sobre eles sem
que antes
tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”
Michu vendeu suas terras a
Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença,
depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta
e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto
chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a
srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da
retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem
levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa
sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três
viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário
do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara
naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na
frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois
Lourença se casaria. Emocionada diz que
entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o
marido. O primeiro a quem a sra.
d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido.
Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada
e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos
de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares
“cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a
caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada,
erguia-se de um relvado do parque inglês. O hipócrita Violette apareceu e disse a
Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de
louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à
lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído
para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós
no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu
arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados,
parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram
violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para
o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao
ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e
fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do
portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a
condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin, a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da
comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do
castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.
Violette tentou envenenar Grévin
dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os
nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na
areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.
Dois oficiais que vieram mostraram
“grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo
aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza,
relativamente à criminalidade de Michu,
dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante
as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte.
O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador
do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus
colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri, Lechesneau,
havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção.
O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera
um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz
ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa
má.” Quanto a Michu sabiam que ameaçara
o sr. Marion. Havia vendido tudo e já
recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as
presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e
Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para
cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais
necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até
matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.
A Justiça nunca poderia adivinhar os
motivos. O imperador, entretanto, havia
perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária
investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações
pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas
palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para
passar o feriado em Troyes. Esses
depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau
viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria
pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri
tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora
inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e
que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não
pela polícia!
Os nobres
haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da
torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou
disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns
sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado
o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo
juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr.
Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para
comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava
com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror.
Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu
sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais
foram levados ao castelo, com as mãos amarradas. Lá os jovens, também famintos, reuniram-se
aos velhos senhores, que se encontravam
bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos
sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da
aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do
castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra.
d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço.
Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete
empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a
sua escolha? – exclamou a velha dama.” Lourença
responde que haviam deixado “ao alvitre
da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste
instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura
-, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas
pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo
Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras
pessoas queriam saber o motivo da prisão
e qual acusação pesava sobre eles. Era o
dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os
quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu
antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio
levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros
sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as
ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade
deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só
respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda
a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do
senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de
culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram
estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas
devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que
uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a
prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet
levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das
ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou
no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois
“nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi
ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão
matá-los, apesar de sua inocência!”
Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da
Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão
encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido
esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um
exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por
aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a
predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de
1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era
unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o
caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num
opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada
e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não
deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de
suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a
malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do
castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A
condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de
Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que
escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da
Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em
Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville
“aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e
os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse o processo, pela proximidade do tribunal e
por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando
a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo
seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa
família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não
se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles
a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação
a Malin. E, também, Lourença havia
ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer
que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor,
seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se,
por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na
floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França
afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os
acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de
todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não
deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios.
“O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.”
Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano
de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma
que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.”
Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores
de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava
que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos
homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação.
“Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as
pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento
lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”
Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e
Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou
em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido
uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por
Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse
comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada
a Lourença que poderia dar à língua.
Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente,
retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco
primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos
e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e
pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do
corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme
alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo
vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria
condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se ao ouvir a leitura feita pelo padre do
interrogatório público dos acusados, pois já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia
foram intimados para os interrogatórios.
O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos
tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de
Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem
aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse
social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes
mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um
país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto.
Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados
para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O
depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas
investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados
tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a
habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O
interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam
que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele
confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à
emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois
senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para
justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na
brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha
muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O
defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...”
Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados
para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois
empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio,
mas o acusador insinua essa possibilidade. A primeira audiência foi suspensa depois de
Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse,
veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso. No dia seguinte as testemunhas de acusação são
ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e
Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou
do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos
jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que
concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora
soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois
ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia
ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir
o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça
no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin
aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram
impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas
palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados
eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam
sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam
traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.”
O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe
nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que
brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto
produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo
de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis
antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador,
o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as
razões do seu rapto. “O júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu
uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento
teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha
mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por
desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo
conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar
livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este
avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta,
que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram
incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre
comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da
carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro,
Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos.
Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações,
na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta
confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs.
d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador.
Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente
caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os
debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se
dizer, sem exagero, que um raio
caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter
escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de
Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram
grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do
sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita
para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou
valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa
hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de
defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu
parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se
“cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou
facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de
Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos
pelos novos depoimentos sobrevindos do
que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente
INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os
jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são
“todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados
tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia
condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos
forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu
nos braços de Lourença. Esta se ergue,
moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade.
Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville. Bordin afirmou que não deveria se casar com
um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos
senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los,
sem ela!
O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal.
Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin,
pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado. O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela
aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos
advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem
disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era
preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o
cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito
bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os
primos à custa da morte de Michu.
Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin:
“Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua
condenação confirmada por vossa corte de
cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência
senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos
olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os...
etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a
entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem
que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador
a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu. Ao vê-lo sai com os olhos banhados em
lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu
posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir
mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em
Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e
diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se
tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava
sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia,
pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais
deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar!
Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da
época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença,
ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender
inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento
no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e
formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe
da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o
homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com
ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre
sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença
fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe
entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se
compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma
choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas.
Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por
sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita
que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua
glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam.
Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e
Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao
mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao
ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe
tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se
deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na
carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado.
Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de
cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne
voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os
olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos
d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano
foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa,
agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração
emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou
melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os
Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de
Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela
condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano.
Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil
francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica
srta. Girel, de Troyes” O Marques de
Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos,
que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do
senador. Luís XVIII ficou mudo quanto
ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.
Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido
completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por
todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua
dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o
principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote
para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.”
A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe.
A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com
Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença
queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara
sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite,
com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente
nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta
imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha
experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo
segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que
ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho,
olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os
motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não
reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença
constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se
retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa
havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim,
ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de
Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se
impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se
silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do
palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão
extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se.
Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses,
muito pouco simples.” Seguia-os uma
terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro
da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché
era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos
três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando
a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a
História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço,
porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os
quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O
militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse
Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam
muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia
ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele
estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for
vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais
República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá
resistir senão voltando à energia
convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte
voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor,
disse um antigo convencional, nós o
adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles.
Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.”
O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução
Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados.
Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos
interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria
sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam
despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve
estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais
sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador
vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu
conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso
deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De
Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares
exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no
caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os
destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram
eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer.
Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair.
Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche,
Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes
cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia
ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês,
se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de
1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem
de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo
revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os
facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade
que as fez imprimir em número necessário
de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.” O impressor foi preso como conspirador,
pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi
declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde
espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de
afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte
fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz
em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia
recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante
a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real
dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez,
depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma
reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais
rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia
até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos
cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua
vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão
casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi
enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com
os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte.
Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a
casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava
impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc,
pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne.
Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de
Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho
de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e
depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias
pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram
beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de
impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O
narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de
correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera
entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente
principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é
possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se
conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os
Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à
Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou
silêncio.”
UM CASO TENEBROSO DE HONORÉ DE BALZAC
UNE TÉNÉBREUSE AFFAIRE – A COMÉDIA
HUMANA
Neste interessantíssimo romance
histórico Honoré de Balzac nos põe
a par de um delito muito comum no tempo de Napoleão: o sequestro. Na introdução
de Paulo Rónai, ele nos esclarece vários aspectos da trama. Nesse caso “tratava-se de uma maquinação de Fouché,
ministro da Polícia, que urdiu uma conspiração com Talleyrand e Clément de Ris
contra Bonaparte, quando este se encontrava na Itália...” “A vitória de Marengo
frustrou as esperanças dos conjurados. Fouché achou necessário suprir os
vestígios e apoderar-se dos documentos comprometedores que Clément de Ris
guardava em seu castelo. Todo o rapto não teria outro motivo. Mas como
Bonaparte, ao retornar, ia exigir explicações, Fouché envolveu-se no sequestro
e mandou julgar e executar um grupo de jovens monarquistas inocentes.” “O Malin do romance é Clément de Ris”... Que
“consegue aportar na Segunda Restauração, tornando-se pessoa grata e
indispensável a Luís XVIII...” “Balzac percebia nitidamente as forças e as
fraquezas daquele homem excepcional (Napoleão), via-o ora conduzir a história,
ora ser carregada por ela.” No capítulo final o poder de Balzac “patenteia-se
em mostrar como em trinta anos as paixões, o amor, o orgulho, a vingança, as
forças mais vivas do coração, se transformam em recordações vagas, sombra e pó,
isto é, em história”.
O outono de 1803 foi um dos mais
belos do período do Império de Napoleão. A grande fortuna dos Simeuse e suas terras pertenciam antes
da revolução à família Simeuse, remontando de longa data à facciosa casa de
Lorena. O Marquês, desposando a viúva do conde de Cinq-Cygne, construiu Gondreville,
organizando as propriedades e acrescentando novas terras para a caça. Aí fora o
ponto de encontro de caçadores nobres, desde 1789. Michu habitava e cuidava
daquele local, como fiel empregado. O antigo esplendor havia ido e o único que
restava era uma antecâmara lajeada de mármore preto e branco. No primeiro andar
acham-se cinco quartos e acima deles uma imensa água-furtada. O velho Marquês
de Simeuse e a mulher foram condenados à morte pelo tribunal revolucionário de
Troyes e a propriedade foi vendida como bem nacional. Filho de camponeses, o
órfão Michu recebeu da marquesa o
posto de guarda-geral. Assim, todos da região se afastaram dele. O comprador
foi Marion, de Arcis, que teve medo
do guarda-geral e fez dele seu administrador, com ordenado e interesse nas
vendas. Michu casou-se com Marta de Troyes. Seu pai suicidou-se para fugir a
uma condenação. Marta era a mais bela jovem do lugar. Marion não foi mais do
que três vezes a esse castelo, em sete anos. Todos em Arcis acreditavam que o
homem representava os srs. Simeuse. Durante o Terror, Michu viu-se respeitado,
pois era adulado por Malin, mas quando seu sogro morreu tornou-se “bode
expiatório”, assumindo uma atitude hostil e “sua palavra tornou-se audaciosa”.
Contudo desde o 18 de Brumário tornou-se calado e contentava-se em agir.
Possuía uma fortuna em terras e nada gastava. O granjeiro de Cinq Cygne era
inimigo de Michu. Um dia o cidadão Marion veio com o cidadão Malin a Gondreville e as pessoas
acharam que iria vender a propriedade para o visitante. Perceberam os
habitantes, “então, que Marion tinha
sido o testa de ferro do cidadão Malin, em vez de ter sido o dos srs. Simeuse.”
“Estava-se no alvorecer do Império.” Michu queria saber se estava vendendo a
propriedade e a resposta foi afirmativa, mas que esse poderoso homem iria
protegê-lo. Michu queria comprá-la e tinha o dinheiro para a transação, o que espanta
Marion. Michu argumenta que é odiado, mas queria ser rico e poderoso e
precisava de Gondreville. Ameaçados pelo guarda, os dois senhores deixaram o
castelo durante a noite. Marion preveniu
Malin que ficasse de olho no
administrador. Ele era considerado por todos como “um homem excessivamente
perigoso”. Michu só ficara lá pelo terror que transpassava a todos, mas sua
linda mulher, Marta, só teve dele amor e afeição. Tinham um filho de dez anos,
Francisco, que dispunha do parque e das frutas, “era o único feliz daquela
família.” A família sentia-se espionada e Michu possuía uma ótima espingarda,
muito bem cuidada. Tinha uma grande amizade por seu cão, que podia ler seus
pensamentos.
Dois parisienses atravessam a
rotunda, ou seja, a construção circular, com feições típicas. “Um, o que
parecia o subalterno... tinha o calção largo demais... e as pregas surradas
indicavam por sua disposição um homem de gabinete... Seu rosto cheio de
pústulas, seu comprido e grosso nariz... a boca despovoada... todos esses
detalhes... de uma crueldade trocista e quase que alegre... Devia ser alguma
personagem oficial... tinha a importância de um homem secundário, mas que
assina ostensivamente as folhas de pagamento, e a quem ordens vindas do alto
tornam momentaneamente soberano.” O outro com roupas parecidas, mas
elegantes... tinha por sobre a casaca um spencer,
moda
aristocrática...” “O primeiro
tinha quarentena e cinco” anos e deveria gostar de uma boa mesa e de mulheres,
o outro era um jovem sem paixão ou vícios. “Ele era a ideia, e o outro, a
forma.” Michu não gostou de vê-los “e foi invadido por pressentimento mortal...
Por isso sua voz foi rude, ele quis ser e foi grosseiro.” Queriam saber se
estavam em Gondreville e se pertencia ao conselheiro de Estado Malin. Eram
esperados por ele. Michu mostrou-lhes o parque e Marta expos a carabina,
deixando-os contemplá-la. O mais velho falou que apostava que aquele homem
era “o seu Michu”. Temendo perderem-se
no parque, o administrador chama o filho e ele serve de guia para aqueles
homens. Nesse ínterim aparece Violette,
granjeiro de Grouage , um homem que sempre desejava o mal do próximo. Era
“francamente invejoso”... Acreditava que sua fortuna dependia da ruína dos
demais... Invejoso do administrador, ele o vigiava de perto.” Ele mantinha “o comissário de polícia de
Arcis a par dos menores atos de Michu.”
Enegrecia todos os atos desse homem,
“tornava-os criminosos... sem que o suspeitasse o administrador.” Michu ficou
preocupado com a presença dos dois estranhos e pediu a mulher, ajoelhado e
preocupado, que se ele morresse, para ela pegar uma carta enterrada no bosque e
seguisse todas as instruções lá contidas, “ponto por ponto.” “Marta, que foi gradativamente empalidecendo,
chegou a ficar lívida...” “Michu evadiu-se como uma sombra e o cão pôs-se a
uivar “como uivam os cães em desespero.”
A cólera de Michu por Marion se
transferira para Malin. O sogro de Michu tivera a confiança de Malin em termos
políticos. Os palácios dos Simeuse e dos Cinq-Cygne ficavam um em frente ao
outro e quando o povo saqueou o primeiro e prenderam seus donos gritaram em
seguida: “Aos Cinq Cygne.” Eles não poderiam estar em lugares políticos
opostos. O Marquês de Simeuse confiara seus dois filhos à tia, Condessa de
Cinq-Cygne. Os gêmeos, com dezoito anos e Lourença com 12 ficaram juntos. Entretanto
o populacho ameaçou queimar o palácio e os nobres tentaram matar Malin. Lourença
ameaçou-o quando chegou e friamente exigiu que saisse. Saiu e tentou convencer
os invasores “dos direitos do lar.” “Na noite dessa furiosa tempestade,
Lourença suplicou aos primos que partissem... e alcançaram ... o exército
prussiano.” Por outro lado, Malin sempre mantinha-se a par dos acontecimentos.
A Condessa morreu de febre, na frente da filha. Michu julgou compreender Malin
quando o sr. Marion lhe vendeu Gondreville, mas estava errado, pois Malin e Fouché eram impenetráveis. Malin sempre
consultava seu amigo Grévin, tabelião de Arcis. “Esse hábito é a sabedoria e
faz a força dos homens secundários.” Malin, que seria senador, era político,
“acostumado a espremer os acontecimentos em seu benefício” e confabulou com seu
amigo Grévin sobre ter abandonado o castelo. O político afirmou ter um jogo
duplo e perigoso, “mas em relação a Fouché ele é tríplice.” Luís XVIII queria uma desforra, mas o
“Consulado vitalício desmascarou os projetos de Bonaparte”, que seria
imperador. “Esse antigo tenente quer criar uma dinastia!” Bonaparte tornara-se
um obstáculo à volta da monarquia. Os dois Simeuse conspiravam, pensavam em
Malin e isso era perigoso. Haviam lhe oferecido o Ministério da Justiça, mas
achava impossível prever os “acontecimentos que podem fazer voltar os Bourbon”.
O governo de Bonaparte estaria no seu
período ascendente, segundo Grévin. Malin temia os gêmeos e enquanto
conversavam viram a espingarda de Michu que se engatilhava em direção a eles e
se retiraram lentamente.
Michu entrou em casa e atirou ao
fogo uma carta. Esse ato intrigou Violette. Michu acusa Violette de estar do
lado errado e tenta fazer um negócio com ele sem sucesso. Michu e Marta vão a
todo galope ao castelo, que formava “um quadro encantador na paisagem.” Sua
simplicidade lembrava os tempos feudais, tendo duas grandes torres
avermelhadas. “A lua fazia resplandecer todos os cimos e cones em torno dos
quais a luz brincava e cintilava.” Marta ficara encarregada de avisar Lourença
que os primos corriam perigo e eram alvos de uma conspiração contra eles. Marta
“amaldiçoava o papel de sua beleza e que a vontade paterna a tinham obrigado a
representar.”
Cinq-Cygne (cinco cisnes) era o
nome do castelo defendido por cinco filhas corajosas. A mais jovem, Lourença,
“era herdeira do nome, das armas e dos feudos.” Assim sendo, seu futuro marido
usaria seu nome e seu brasão. “Ela andava fora e caçava em todas as terras de Gondreville
sem que os granjeiros nem Michu se opusessem... e montava a cavalo
admiravelmente bem...” Ela vira toda a desgraça de sua família, quando da
investida de Napoleão sobre a nobreza. “Graças a mais severa economia, a
condessa, ao alcançar a maioridade, recuperara, em virtude do emprego das
rendas sobre o Estado, uma fortuna suficiente.” Em 1798 possuía uma riqueza. O
tutor d’Hauteserre, seu parente, e sua mulher permaneciam no mesmo lugar e ele continuou a gerir seus
negócios. Sob sua administração o espaço
“tomou o ar de uma granja”. Eles eram avaros com a pupila. “Lourença tinha nas
maneiras, na voz gutural, no seu olhar imperioso, esse não sei quê, esse poder
inexplicável que sempre se impõe... Para o vulgo, a profundeza é incompreensível.
Vem daí, talvez, a admiração do povo por tudo o que não compreende.”... “Seu
coração era de uma sensibilidade excessiva, mas trazia no espírito uma
resolução viril e uma firmeza estoica.” Ela só pensava no desmoronamento de
Bonaparte e atingir esse homem, no exterior, contando com a Rússia, Áustria e
Prússia. Ela era o guia fiel dos gentis-homens que vieram da Alemanha para tomar
parte naquele ataque terrível. Fouché baseou-se nessa cooperação para envolver
o Duque d’Enghien na conspiração. Malin e Grévin eram muito prudentes em seus
atos, mas Lourença não era diferente. Recebia emissários e conversava com eles.
Cavalgava léguas somente com Gotardo seu melhor cúmplice, polindo seu caráter
semisselvagem. Ela recebia vários emigrados, que dormiam de dia e viajavam à
noite. No início desta história, um covarde dava indicações, “felizmente
insuficientes, quanto às finalidades da empresa.” Lourença tinha agora vinte e
três anos e estava “mais bela do que nunca.” Os filhos dos d’Hauteserre tinham
passado a noite no próprio quarto da condessa. Depois disso fora reunir-se com
eles no meio da floresta, em uma cabana abandonada. Gotardo e Catarina, que a
acompanhavam, agiram com discrição como sua ama.
No momento em que Marta chega com
o recado, Lourença estava cansada por ter ido “até os confins de Brie” para
trazer os quatro gentis-homens à pousada, antes de chegar a Paris, e encontrou
os d’Hauteserre no fim do jantar. Esse senhor obedecia ao governo, “sem deixar
de querer à família real e de desejar sua restauração; mas recusaria
comprometer-se participando em uma tentativa a favor dos Bourbon.” Pertencia
aos realistas... mas resolvidos a
suportar todos os vexames da desgraça.” O padre Goujet encontrava-se na região,
juntamente com sua irmã, pois como a igreja e o presbitério eram de pouco valor
não haviam sido vendidos. Há seis meses o padre observava, com só eles o sabem
fazer, as atitudes de Lourença, sem supor que se tratava da queda de Napoleão.
Muito tempo ficou Cinq-Cygne despido, até que o prudente tutor comprara algumas
belas peças de dois palácios saqueados. Agora elas o adornavam. “A vida
portanto, fazia dois anos, tornara-se
quase feliz no castelo.” Os realistas continuavam a jogar bóston, jogo que espalhou pela França as ideias de independência. O velho tutor avisa que Malin estava em
Gondreville. Lourença estremece pois o julga um gênio do mal. Goulard, o maire, acabara de entrar, e apesar de
muito apegado à Revolução, sentia-se sempre preso aos laços do respeito em
relação aos Cinq-Cygne e aos Simeuse. Esse tipo de pessoas queriam fazer
fortuna, contudo queriam também preservar as vantagens das antigas
amizades com a nobreza. Michu havia
pressuposto esta disposição.
Correntin, “o fênix dos espiões”
e o homem da antiga polícia tinham uma missão secreta. Napoleão chamou Fouché
para o conselho de Estado e colocou Dubois na Prefeitura da Polícia. “Fouché
viu nessa mudança um desvalimento... ou falta de confiança.” Mais tarde
restitui-lhe o Ministério da Polícia. Esse homem de rosto pálido conseguiu penetrar nos segredos de
Napoleão e “deu-lhe conselhos úteis e informações preciosas.” Mas não todas.
“Talleyrand e Fouché não foram os únicos que causaram temores ao futuro
imperador.” Malin, medíocre, pede ao vivido homem que mandasse,
confidencialmente, uns agentes a Gondreville para obter esclarecimentos sobre a
conspiração. Esse gênio do mal, Fouché, se pergunta se Malin saberia de algo
que eles não soubessem. Entretanto, preferiu “fazer de Malin um instrumento,
para seu uso, a perdê-lo.” Ele sabia o porquê dele vigiar os Simeuse. Fouché
queria ter um perfeito conhecimento do interior do castelo. Corentin era muito
ligado a Fouché e foi, além de conselheiro do Ministro, “sua alma danada.” Ele
recebeu a ordem de esmiuçar todo o castelo e teve todos os agentes necessários
para cercar e espreitar o local. Michu estava sendo vigiado há três anos. Sabendo
do episódio da carabina e que o espião Violette dera-se mal com Michu, os dois
homens vão dormir em Arcis. Peyrade e Corentin partem de Gondreville “num
cabriolé ordinário de vime.” O cordão de soldados cercou o castelo e um agente
do governo iria pegar os srs. D’Hauteserre e de Simieuse. Ao chegar, o agente quis
saber da condessa, que se encontrava recolhida, e os quatro idosos estavam
jogando cartas. A visita do maire
deixou Goulard transtornado e chorando. Lourença, naquele momento, rezava pelo
sucesso da conspiração, contudo, dentro de instantes o castelo seria tomado,
pois o plano havia sido descoberto. Marta Michu pede que a jovem vá falar com
seu marido. Lourença não a conhecia e se assustou, mas, preocupada, segue o
conselho de escapar para a floresta. Goulard adverte-os a queimar papéis
comprometedores. Esse personagem “que queria acender uma vela a Deus e outra ao
diabo, saiu e os cães latiram então com violência.” Ele até tentou retardar os
dois agentes enviados. Eles entraram, seguidos pelo brigadeiro de Arcis e por
um gendarme (soldado). A cena foi apavorante. “A sra. d’Hauteserre desmaiou” e o
apartamento da jovem estava vazio! Gotardo foi pego. “Imbecil – disse
Corentin..., por que não o deixou fugir? Seguindo-o viríamos a saber alguma
coisa.” Corentin decide apertá-los.
“Uma brecha tem sempre sua causa
e sua utilidade.” O sulco cavado, a brecha, era utilizado por todos para
alcançar a estrada comunal e ela, com o passar dos anos, “era suficientemente
abrupta para tornar difícil para fazer-se descer ali um cavalo...” Ocorre que
nos momentos de perigo, cavalos e donos pareciam ter um mesmo pensamento. Marta
e Michu se preocuparam com a demora causada por Violette, porém a condessa
apresentou-se e foi conduzida pelo guarda do castelo. “Panos nos pés dos cavalos!...
Abraço-te! – disse Michu apertando Gotardo nos braços.” Este foi instruído a
despistar os gendarmes em direção à granja. Isso foi feito tão bem que os
enganaram. Marta voltou ao pavilhão e a floresta estaria perigosa, sendo
guardada pelos parisienses. Michu explicou a jovem condessa que era o guardião
da fortuna dos Simeuse e se fizera passar por jacobino, “para prestar serviço
aos meus jovens senhores...” Os velhos não pudera salvar. Quem enviava dinheiro
aos gentis-homens para sobreviver era esse fiel servidor, o qual pretendia que
uma vez Malin morto, a casa fosse vendida e Lourença pudesse tê-la de volta.
Esta ficou muito grata e sensibilizada com sua nobreza. Nesse momento ouviam-se
os hússares (soldados da cavalaria ligeira) da guilhotina. Ambos chegaram ao
centro da floresta de Nodesme, pertencente ao mosteiro Notre-Dame. Esse
mosteiro fora saqueado, demolido e desaparecera. “Em seis séculos a natureza
cobrira tudo “com seu rico e poderoso manto verde...” O Marquês de Simeuse quisera
descobrir o local do mosteiro antigo, contando com a ajuda do mateiro,
“deixando no espírito de Michu a ideia que a eminência ocultava ou tesouros ou
os alicerces da abadia.” Michu continuou esse minucioso trabalho de escavação
dentro do charco e plantas até que descobriu uma abertura de adega, e degraus
de pedra que desciam. “No fim da adega se encontra um compartimento abobadado,
limpo e são... o cárcere dos conventos.” Era uma construção com a solidez da
dos romanos. Michu escondeu a entrada com pedras. Ali estariam bem salvos, entretanto
cada um teria sua tarefa a cumprir. Enquanto Lourença escondia os cavalos, Michu
retirou as pedras e liberou a entrada da cova. Michu contou que Malin e Grévin estavam
a caminho de Paris. Teriam de avisar os primos e os jovens d’Hauteresse. A
fortuna dos Simeuse estava ocultada em canudos na floresta, tendo árvores como
indicadores. Eram onze as árvores que a escondia. Lourença não poderia mais ver os
gentis-homens, uma vez salvos nesse lugar. Ela voltou a todo galope para
Cinq-Cygne.
Peyrade e Corentin continuavam no
local, assim como o cura. O tutor permanecia ao lado do odioso Goulard. Gotardo
ainda chorava. “Os dois agentes esperavam, tanto quanto tremiam os habitantes
do castelo, ver entrar Lourença”. O
brigadeiro de Assis junta-se ao grupo e
diz, em voz baixa, que examinara toda a propriedade e realmente não havia mais
ninguém. Com espanto observam que Lourença havia saído a cavalo, o que era
habitual para ela, mesmo à noite. “Corentin compreendeu logo que seu único
adversário era a srta. de Cinq-Cygne.” A polícia mesmo sendo hábil levava
desvantagem, pois “o conspirador pensa continuamente em segurança...” Discorrem
que Napoleão talvez não punisse os jovens, “pois gosta de bons militares.” Se
voltassem à França, espontaneamente, e cumprissem a constituição e as leis
seriam perdoados. Ainda acrescentam em tom de ameaça. “Se esses senhores estão
entre a floresta e Paris, eles serão presos...” O cura tenta desculpar-se por
não saber de nada, também, pois queriam arrancar-lhe uma confissão a força.
Tinham a certeza de eles estarem na Alemanha. “Se esses rapazes forem
fuzilados, será porque o quiseram!” Disse lavar as mãos quanto ao caso. Aquelas
terras já pertenciam ao Estado e não mais à nobreza. O padre e Corentin “se
olharam e se compreenderam; eram um e outro, desses profundos anatomistas do
pensamento, aos quais basta uma simples inflexão de voz, um olhar, uma palavra,
para adivinhar uma alma, do mesmo modo por que o selvagem adivinha seus
inimigos por indícios invisíveis aos olhos do europeu.” “Esperei tirar alguma
coisa dele e me descobri!” pensou Corentin. Peyrade confessa a Corentin que
Malin seria, sem dúvida, o homem dos Simeuse. Provavelmente Michu havia
alertado a todos da prisão com antecedência. As más intenções desses homens
eram tão palpáveis que as pessoas que habitavam o castelo “sentiram um aperto
no coração.” Eles partiriam em breve para Troyes, a fim de completarem as
investigações. Lourença apareceu para os espiões policiais, quando ainda
estavam no castelo e “ia iniciar-se um terrível duelo.”
Corentin tinha o pequeno cofre de
Lourença nas mãos que ao perceber “aplicou-lhe tão violento golpe nas mãos que
o cofrezinho caiu no chão; ela o agarrou, atirou-o no meio das brasas.” Aquela
vingança fulminaria um daqueles homens. “...o espião tem, pois, isto de
magnífico e de curioso, que ele nunca se zanga; tem a humildade cristã dos
padres, os olhos afeitos ao desprezo, e por sua vez opõe o desprezo como
barreira à multidão de tolos que não o compreendem; de bronze tem a fronte para
as injúrias, caminha para o seu alvo como um animal cuja sólida carapaça não
pode ser penetrada senão pelo canhão; mas como o animal, fica tanto mais
furioso, quando é atingido, quanto julgou sua couraça impenetrável.” O golpe
foi para Corentin “o tiro de canhão que fura a carapaça.” Ele fora humilhado.
Ocorre, que Peyrade tentou tirar o cofrinho do fogo que ardia e o colocou no
chão. Corentin chamou os gendarmes e quis saber o conteúdo da caixinha,
desafiando Lourença, que disse serem cartas particulares. A parte superior
estava carbonizada e os lados cederam. Aí estavam três cartas e duas mechas de
cabelo! Ela própria leu o conteúdo, que os deixou abalados. Uma era de Berthe
de Cinq-Cygne e Jean de Simeuse, cujo executor acabara de cortar seus cabelos,
pois iriam morrer. “O nosso último pensamento será primeiro para nossos filhos,
depois para você, e finalmente para Deus! Ame-os muito.” A outra era de Mario
Paulo, um dos gêmeos dizendo que a amava e finalmente de Andernach, antes do combate
dizendo que um dia Lourença teria de escolher com quem iria se casar. Corentin
queria saber com que direito alojava em sua casa os assassinos do
primeiro-cônsul? Isso era crime. O cura compreendeu que Lourença queria
distrair os espiões, mesmo se degradando, e ganhar tempo. Corentin tivera
ordens tão severas, que só sairia de lá “quando todas as muralhas que me
parecem bem espessas tivessem sido examinadas...” Lourença declara que havia
prevenido os primos e os srs. de Simeuse
que Malin queria emboscá-los e fora preveni-los para que retornassem à Alemanha,
e, que se isso fosse um crime que a prendessem. “Essa resposta... abalou as
convicções de Malin...” Peyrade entra e diz terem prendido Michu para que
Lourença “mordesse a isca”. De fato ela empalidece. Partiram e inspecionaram o
caminho escavado, a brecha. Voltando na manhã seguinte percebem que os inimigos
eram mais fortes do que eles. “Estamos tratando com gente de qualidade.”
Haviam, entretanto, encontrado o cavalo do brigadeiro, sem o dono. Voltaram ao
castelo, preocupados, mas o que viram era uma cena da mais deliciosa tranquilidade.
Atrapalhados, ficaram sabendo que o
cavalo do brigadeiro de Arcis estava sendo guardado por Michu e que fora somente uma queda. “A alegria do
triunfo cintilava nos olhos da jovem condessa” quando ouviu a notícia. Fouché certamente ficaria furioso com o
insucesso da missão. Quem salvara as
pessoas do castelo fora o menino Francisco Michu, o filho do administrador, ao
colocar uma grossa corda entre árvores e assim derrubar quem por lá passasse.
Corentin vai encontrar-se com o
brigadeiro, que esperava a visita do médico, e lhe pergunta como havia sido
golpeado. Depois de algumas explicações concluiu que fora uma corda esticada
que o derrubara e falou privadamente a Michu que ele era “um finório de marca”
e o ameaça. “Durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro as pesquisas
foram ativas e incessantes”. Algumas pessoas foram detidas e Michu perdeu seu
emprego. Michu foi preso, mas solto em seguida e para espanto das pessoas foi
viver em Cinq-Cygne. Alojou-se nas dependências de serviço com seu filho e
Gortardo. No castelo souberam que Napoleão havia sido nomeado Imperador e que
“o papa viria sagrar Napoleão.” Ele concedera perdão aos principais
participantes da conspiração realista contra ele e decidiu autorizar os quatro
gentis-homens a voltar para França. Talleyrand, por solicitação do Duque de
Grandlieu, acabava de empenhar, em nome daqueles senhores, sua fé de gentis-homens,
palavra que exercia grande sedução sobre Napoleão, em que eles nada empreenderiam
contra o imperador, e se submetiam sem segunda intenção.” Avisaram a Lourença
que enviasse os quatro gentis-homens a Troyes, onde o prefeito daria
prosseguimento a tal processo. Os quatro rapazes saíram do esconderijo da
floresta, mas Peryrade advertiu Michu que sabia do esconderijo há tempos e o
último daria tudo para saber quem os vendeu. Rebateu que era só ele olhar as
ferraduras dos cavalos, eram iguais a dos traidores, portanto um dos ferradores,
à moda inglesa, era um deles. Michu, a princípio preocupado, resolveu
consolar-se. “Entretanto, ele tinha razão em todos os seus pressentimentos. A
polícia e os jesuítas têm a virtude de nunca abandonar os seus amigos nem os
seus inimigos.”
No castelo, esperavam pelos
quatro proscritos com um suculento jantar. Eles se sentiam meio humilhados
porque seriam vigiados, de perto, pela Alta Polícia por dois anos, tendo de se
apresentarem à Prefeitura todos os meses. Lourença, rindo, julgou o imperador
um homem mal educado, pois não tinha “o hábito de agraciar.” “Esses dois
rapazes, então com trinta e um anos de idade, eram, segundo uma expressão da
época, dois encantadores cavalheiros.” Graças a Michu nunca havia lhes faltado
dinheiro para sobreviverem. Haviam
ficado reclusos por sete meses e tinham cometido a imprudência de passearem sob
os olhares de Michu, seu filho e Gotardo. Lourença, amando a ambos, jamais
poderia escolher o ideal para se casar, gostaria de ficar com os dois. Durante
o jantar, “ao primeiro olhar que Adriano d’Hauteserre dirigiu a Lourença...
pareceu-lhes que o rapaz amava a condessa.” Tinha uma alma terna e meiga.
Diferia muito do irmão Roberto, resoluto, inteiramente militar, caçador e de
aspecto brutal. “Um era todo alma, o outro todo ação.” Este sentia por ela o
afeto de um parente. Era um homem da “Idade Média, o mais moço um homem de
hoje.” Lourença, agora com vinte e três anos, sentia “uma grande necessidade de
afeição.” Os quatro velhos se sentiram inseguros com a nova atitude da
encantadora jovem. A velha senhora não cria que a moça desposasse um de seus
primos, pois era demasiado honesta para casar-se, guardando uma paixão
irresistível no íntimo do coração.” Quando pressionada pela decisão, respondia
– “Deus nos salvará de nós mesmos.” Roberto
não percebia o amor de seu irmão pela jovem. “A revolução temperara
aqueles corações na fé católica.” A atmosfera era tão suave que a coroação do
Imperador Napoleão passou desapercebida para eles. “Não pensavam nos negócios
públicos, porque cada dia apresentava um interesse palpitante.” Mas souberam
que a Inglaterra estava armando a Europa contra a França. Napoleão com número
inferior de soldados, combateria a Europa em lugares desconhecidos. Roberto
acreditava que ele sucumbiria. “A prudência é talvez menos uma virtude do que o
exercício de um sentimento do espírito, se é possível juntar esses dois termos;
mas chegará com certeza o dia em que os fisiologistas e os filósofos admitirão
que os sentidos são, de algum modo, a bainha de uma ação viva e penetrante que
procede do espírito.”
Em fevereiro de 1806, depois da
conclusão de paz entre a França e a Áustria, um parente o ci-devant Marquês de Chargeboeuf chegou a Cinq-Cygne, em uma caleça,
que naquela época chamavam de troça de traquitana. Ele era um bonito ancião de
sessenta e sete anos, tinha roupas extravagantes, bengala e carregava sempre
uma fina caixinha de rapé. Aí compreendeu por que os quatro gentis-homens
tinham faltado em procurá-lo. “Quando se ama, não se fazem visitas”, pensou.
Avisou-os para não cometerem nenhuma imprudência, porque “ninguém sabia o que
viria a ser o imperador.” Aconselhou a não mais caçarem e a ficar em casa para
não se exporem. Entretanto, a Justiça e a Polícia encarara com péssima opinião
a estratégia de fuga dos jovens senhores e queriam vingança. “... gente de
baixa esfera não perdoa nunca” diz o sábio marquês e afirma que a polícia
continuava vigiando a circunscrição em que viviam, e ainda mais mantinham um
comissário para proteger o senador do Império contra qualquer violência por
parte daquela família. “Ele tem medo de vocês, e o confessa.” O prefeito havia
conversado com o marquês e o deixara inquieto. Michu admite que quisera matar
Malin com sua espingarda e agora suspeitavam que fora ordens dadas pelos
nobres! Humilhado, teria de vender tudo e deixar seu serviço atual. Ele também
aconselha Lourença e os gêmeos a comercializarem tudo, escolhendo um mediador,
um homem como ele, e o encarregaria de pedir um milhão a Malin, em troca de uma
ratificação da venda de Gondreville e, aos juros atuais, essa quantia ficaria
ainda muito maior. Lourença seria uma rica herdeira, mas “estava em náuseas
pelo amargor do remédio indicado por seu parente.” “Bonaparte, disse ele, faz
duques. Criou feudos do Império, fará condes. Malin desejará ser Conde de
Gondreville.” Os jovem indignaram-se com os conselhos do velho marquês e não
poderiam aceitar a ideia de Gondreville tornar-se o nome de um Malin!
Prefeririam vê-la incendiada a isso. Decidem ficar, assim como Michu. Ele havia
ido a Paris para internar o filho em um liceu e podia jurar que a Guarda
imperial não era uma brincadeira! Não deram ouvidos para os conselhos do
ancião; “mas aqueles moços tinham demasiada fé e demasiada honra para aceitarem
uma transação.” “Se homens quisessem ser francos, confessariam, talvez, que
nunca a desgraça caiu sobre eles sem
que antes
tivessem recebido algum aviso patente ou oculto.”
Michu vendeu suas terras a
Beauvisage, granjeiro de Bellache, e só foi pago depois de vinte dias. Lourença,
depois de um mês do conselho, avisa os primos da fortuna enterrada na floresta
e está ansiosa por retirá-la. Ficaram sabendo que Malin e seu criado de quarto
chegaram bruscamente a Gondreville, sem a família. O tabelião, Grévin, e a
srta. Marion faziam-lhe companhia. Lourença considerou o dia da mi-carême ideal para a incursão da
retirada do tesouro, assim poderia afastar a criadagem para se divertir sem
levantar suspeitas. Somente Michu, Gotardo, os quatro jovens e a condessa
sabiam desse segredo. Os serviçais partiram para ver a festa e bastariam três
viagens para resolverem o problema. “Aquelas crianças queriam fazer o contrário
do que lhes havia aconselhado o Marquês de Chargeboeuf.” Roberto pensara
naquelas palavras antes de partirem. O dia era belo e seco. “Gotardo ia na
frente para explorar a estrada.” Os gêmeos conversavam sobre com qual dos dois
Lourença se casaria. Emocionada diz que
entraria para um convento! Depois, propõe um jogo de sorte para escolher o
marido. O primeiro a quem a sra.
d’Hauteserre dirigisse a palavra à mesa, durante a noite, seria seu marido.
Michu disse que não partiria para ver a boda. Os d’Hauteserre não falaram nada
e uma pega voou bruscamente entre eles e Michu, o qual julgou ter ouvido sinos
de um ofício mortuário. Michu, armado com seu plano, reconheceu os lugares
“cada gentil-homem se munira de um alvião: encontraram as quantias.” E a
caravana prosseguiu carregada de ouro. Uma nuvem de fumaça preta foi avistada,
erguia-se de um relvado do parque inglês. O hipócrita Violette apareceu e disse a
Lourença crer que eles queriam matar o Senador, ao que ela negou e chamou-o de
louco. No castelo, o senador e seu primo Grévin estavam jogando, em frente à
lareira e suas mulheres sentavam-se em um canapé. Todos os criados haviam saído
para a mascarada. “O criado de quarto do senador e Violette estavam, então, sós
no castelo.” Violette esperava por Malin e Grévin para prorrogar o prazo de seu
arrendamento. E, naquele preciso momento, cinco fortes homens mascarados,
parecidos com os jovens e Michu, depois de darem conta de Violette, entraram
violentamente e se apoderaram do Conde de Gondreville, Malin, e levaram-no para
o parque. Amordaçaram e amarraram os outros em suas devidas cadeiras. Ao
ouvirem gritos montaram em seus cavalos parecidos com os de Cinq-Cygne e
fugiram. Violette ficou “tão estupefato ao ver abertos os dois batentes do
portão como de ver a srta. de Cinq-Cygne de atalaia.” Após esse momento a
condessa desapareceu, “Violette foi alcançado por Grévin, a cavalo, e acompanhado pelo couteiro da
comuna de Gondreville, ao qual o porteiro dera um cavalo das estrebarias do
castelo. A esposa do porteiro fora prevenir a gendarmaria de Arcis.
Violette tentou envenenar Grévin
dizendo que Lourença estava de atalaia e que os outros só poderiam ser os
nobres daquele lugar, junto com Michu. Ao ver a marca da ferradura à inglesa na
areia da rotunda, o tabelião mandou-o buscar o juiz de Arcis para averiguá-las.
Dois oficiais que vieram mostraram
“grande ardor contra os moradores de Cinq-Cygne.” “Grévin que conhecia a fundo
aquela legislação, pode operar nesse caso com terrível celeridade, mas sob uma presunção que chegara ao estado de certeza,
relativamente à criminalidade de Michu,
dos srs. d’ Hautessere e Simeuse. O Código de Brumário modificara bastante
as leis e equiparava vinte quatro horas de trabalhos forçados à pena de morte.
O diretor do júri transformara-se em agente da Polícia Judiciaria, procurador
do rei, juiz de instrução e Corte real. Os jurados seriam nada mais do que seus
colaboradores e constituíam o júri de acusação. O diretor do júri, Lechesneau,
havia auxiliado muito Malin nos seus trabalhos judiciários na Convenção.
O primeiro devendo favores ao segundo e percebendo a importância do atentado, trouxera
um grupo de doze homens. Eram trocas de favores! Esse grupo inescrupuloso diz
ter sido prevenido que cedo ou tarde aqueles nobres “fariam alguma coisa
má.” Quanto a Michu sabiam que ameaçara
o sr. Marion. Havia vendido tudo e já
recebera seu pagamento. No castelo, não havia nada roubado, portanto as
presunções de culpabilidade relativamente aos srs. Simeuse e d’Hauteserre e
Michu eram certas. Queriam que Malin fizesse uma retroação de sua terra, para
cuja aquisição o administrador declarara, desde 1799, ter os capitais
necessários. “Aqui tudo mudava de aspecto.” Se fosse vingança poderiam até
matar Malin, mas o rapto significava um sequestro.
A Justiça nunca poderia adivinhar os
motivos. O imperador, entretanto, havia
perdoado os rapazes. Lechesneau mandou seu oficial de polícia judiciária
investigar a morada e assinou o mandado de prisão de Michu, cujas acusações
pareciam evidentes. A criadagem foi levada à casa do maire, onde foram interrogados, sem saber da importância de suas
palavras. Ingenuamente disseram terem tido permissão, no dia anterior, para
passar o feriado em Troyes. Esses
depoimentos pareceram tão graves, que o juiz de paz pediu que Lechesneau
viesse, ele mesmo, proceder à prisão dos quatro gentis-homens e ele iria
pessoalmente surpreender Michu, “o chefe dos malfeitores.” O diretor do júri
tinha consciência que agradaria o povo, pois os antigos nobres eram agora
inimigos do imperador e do povoado. Em Arcis ninguém ainda sabia dos fatos e
que o castelo, agora, estaria cercado, por uma segunda vez, pela Justiça e não
pela polícia!
Os nobres
haviam transportado, secretamente, todo ouro a uma adega embaixo da escada da
torre da Senhorita. Acharam que deveriam murar a cova e Michu se encarregou
disso, ajudado por Gotardo, que correu para a granja a fim de buscar alguns
sacos de cal. Apressou-se tanto que cerca das sete horas e meia havia terminado
o trabalho, faminto. Ao chegar à granja, ela estava cercada pelo couteiro, pelo
juiz de paz, seu escrivão e três gendarmes. No momento que iria lavar-se, o sr.
Pigoult decretou-lhe ordem de prisão. Disse à esposa que lhe desse algo para
comer e, “comia com a avidez que a fome proporciona, e não respondia; estava
com a boca cheia e o coração inocente.” Gotardo, todavia, foi tomado de horror.
Neste caso, tratava-se de pena de morte e Marta “caiu como fulminada.” Michu
sabia que Violette o havia visto e achava que os havia traído. Os dois serviçais
foram levados ao castelo, com as mãos amarradas. Lá os jovens, também famintos, reuniram-se
aos velhos senhores, que se encontravam
bastante inquietos com a movimentação. Foram jantar e depois de terminado o Benedicite, Lourença e os primos
sentiram o coração disparar. O jantar prossegue, porém os participantes da
aventura evitam comentar qualquer coisa com os habitantes mais velhos do
castelo. Chegara a hora da escolha de quem se casaria com Lourença. A sra.
d’Hauteserre ofereceu ao Marquês de Simeuse, pensando que era o mais moço.
Enganara-se. “A senhora o serve melhor do que pensa – disse o cadete
empalidecendo. – Ei-lo Conde de Cinq-Cygne.” “Como! a condessa teria feito a
sua escolha? – exclamou a velha dama.” Lourença
responde que haviam deixado “ao alvitre
da sorte, e a senhora foi seu instrumento.” O padre entra correndo neste
instante para avisar que seriam presos. “inocentes ou culpados – disse o cura
-, montem a cavalo e alcancem a fronteira.” Logo ouviram as palavras proferidas
pelo diretor do júri: “Em nome do imperador e da lei, prendo os senhores Paulo
Maira e Maria Paulo de Simeuse, Adriano e Roberto d’Hauteserre.” As outras
pessoas queriam saber o motivo da prisão
e qual acusação pesava sobre eles. Era o
dia passado a cavalo e a roupa enlameada. Lourença ficaria de fora, mas os
quatro ficaram imóveis e todos “olhavam sem ver e escutavam sem ouvir.” Seu
antigo tutor compreendeu tudo e pediu-lhe perdão! Lechesneau, a princípio
levado pela tranquilidade dos personagens, voltou “aos seus primeiros
sentimentos quanto à culpabilidade deles...” Os gentis-homens deveriam tirar as
ferraduras de seus cavalos, pois seriam peças da inocência ou culpabilidade
deles. Gotardo, perguntado para onde havia levado o cal, começou a chorar e só
respondia com soluços. O estado das roupas de Michu também seriam provas. Toda
a criadagem chegara neste momento. Os senhores eram acusados de rapto do
senador à mão armada e de sequestro. O juiz fez questão de dizer que em caso de
culpa a pena seria a de morte. Como sequer haviam visto Malin ficaram
estupefatos. Se o tivessem somente sequestrado e não matado seria apenas
devolvê-lo, que tudo ficaria por ali mesmo. Michu passa a ter certeza de que
uma trama havia sido urdida contra eles. Os jovens afirmaram que iriam para a
prisão, contudo voltariam logo que o mal-entendido fosse esclarecido. Giguet
levou os jovens, Gotardo e Michu para Arcis, onde “seria feito o confronto das
ferraduras dos cavalos deles com as marcas deixadas no parque.” Lourença pensou
no amor profundo que sentia pelos quatro rapazes e saiu sem responder, pois
“nunca uma aflição foi mais profunda, nem mais completa”. Um suspiro foi
ouvido, era Marta que esquecida, num canto, falou:-“A morte! Senhora... Vão
matá-los, apesar de sua inocência!”
Os jovens acusados causaram um dos maiores interesses da história da
Europa daquela época: “rapto de um senador do Império francês.” Napoleão
encolerizou-se com o resultado da missão, pois apesar da floresta ter sido
esquadrinhada não encontraram indícios do sequestro. Isso para ele “era um
exemplo fatal de resistência aos efeitos da Revolução... via-se ludibriado por
aqueles rapazes que lhe haviam prometido viver tranquilamente.” Realizou-se a
predição de Fouché! Exclamou ele. Ocorre que, “surpreendido pela coalizão de
1806, esqueceu o assunto.” A paz ainda reinava na França e sua aprovação era
unânime. Os grandes mandatários do Imperador fizeram de tudo para resolver o
caso. “Assim é que os nobres gentis-homens inocentes foram envoltos num
opróbrio geral.” Os nobres, apesar de deplorarem o assunto não comentavam nada
e a cumplicidade de Michu foi-lhes fatal. O Código do Brumário do ano IV não
deu aos acusados “a imensa garantia do recurso em cassação por motivo de
suspeição legítima.” Lourença se desesperou quando viu o furor das massas, “a
malignidade da burguesia e a hostilidade da administração.” Os nobres do
castelo e a criadagem foram intimados a comparecer perante o júri de acusação. A
condessa recupera suas forças e despreza a multidão hostil. O Marquês de
Chargeboeuf foi ao auxilio de sua jovem parenta. Conversou com Bordin, que
escolheu para advogado o neto de um antigo presidente do Parlamento da
Normandia. Esse jovem advogado foi “nomeado substituto do procurador-geral em
Paris... tornou-se um dos mais célebres magistrados.” O sr. De Grandville
“aceitou a defesa como uma oportunidade para estrear-se com brilho.” Lourença e
os quatro velhos aceitam o convite de ficar no palácio do Marquês enquanto durasse o processo, pela proximidade do tribunal e
por ficar no centro da cidade. E o jovem defensor não sabia se ficava admirando
a srta. de Cinq-Cygne ou se atendia aos elementos da causa. Todo o processo
seria julgado pelos advogados antes dos juízes. Bordin observado pela tensa
família diz a verdade, pois tudo que fizeram de bem virara-se contra eles, não
se poderia salvar os parentes, no máximo poderiam abrandar a pena. “A venda, ordenada por eles
a Michu, seria tomada como prova mais evidente das intenções criminosas com relação
a Malin. E, também, Lourença havia
ficado no portão, no momento do golpe, e se não a perseguiam era para não desviar o foco. Se pudessem estabelecer
que todos estavam no castelo, no momento do rapto, as testemunhas, sem valor,
seriam criados, Marta, os Durieu e Catarina e os pais de dois acusados! “Se,
por desgraça, dissessem ter ido buscar um milhão e cem mil francos em ouro na
floresta, mandariam os acusados todos para as galés como ladrões.” A França
afirmaria que haviam tirado o ouro, sequestrado o senador para dar o golpe. “Os
acusados arriscam-se à pena de morte, mas esta não é desonrante aos olhos de
todos.” Naquele momento o melhor a fazer era calarem-se! Os acusados não
deveriam comprometer a causa e veriam como tirar partido dos interrogatórios.
“O marquês e o jovem defensor concordaram com a terrível exposição de Bordin.”
Eles conjecturaram que o golpe teria sido dado por outras pessoas, pois o plano
de cinco pessoas imitando os nobres teria um objetivo concreto. Bordin afirma
que estavam em um situação gravíssima, uma vez que “o país está contra vocês.”
Os oito jurados eram proprietários de bens nacionais: “compradores, vendedores
de bens nacionais, ou empregados. “Enfim, teremos um júri Malin.” O advogado acreditava
que o senador tinha a chave do enigma, pois praticamente havia se entregado aos
homens sem reação alguma. Bordin concordou e acreditava em premeditação.
“Lourença caiu no abatimento interior que deve mortificar a alma de todas as
pessoas de ação e de pensamento, quando a inutilidade da ação e do pensamento
lhes é demonstrada.” Disse – “Calo-me, sofro e espero...”
Marta, desesperada, por um momento acreditou que Michu, seus senhores e
Lourença tinham exercido uma vingança qualquer sobre Malin. Isso se transformou
em uma crença; “e essa situação de espírito lhe foi fatal.” Marta havia lido
uma carta, entregue por um desconhecido, que supostamente fora escrita por
Michu. Nela ele pedia que Marta fosse ao esconderijo na floresta e levasse
comida para Malin, com o rosto coberto e no maior silêncio e não dissesse nada
a Lourença que poderia dar à língua.
Malin seria o salvador deles! Marta jogou a carta ao fogo, mas, prudentemente,
retirou do fogo o lado da missiva que não estava escrito e “conservou as cinco
primeiras linhas e coseu-as na bainha do vestido.” Preparou vários pratos saborosos
e fortes, “juntou três garrafas de vinho, fez ela mesma dois pães redondos... e
pôs-se a caminho rumo à floresta, levando tudo num cesto, em companhia do
corajoso Couraut. De madrugada entregou a encomenda. Malin sentiu um enorme
alívio ao ver o rosto mascarado, mas apesar da escuridão reconheceu-a pelo
vestuário, sua corpulência e os anéis que usava, um deles dado pela própria
condessa. Apesar de reconhecida, voltou mais três vezes ao local. Entretanto, aterrorizou-se ao ouvir a leitura feita pelo padre do
interrogatório público dos acusados, pois já haviam iniciado os debates nos tribunais. Todos os personagens dessa tragédia
foram intimados para os interrogatórios.
O tribunal é muito bem descrito por Balzac. “Esse aspecto normal dos
tribunais franceses e das cortes criminais de hoje era o da corte criminal de
Troyes.” “Faltava o crucifixo, que não dava o seu exemplo, nem à justiça nem
aos acusados. Tudo era triste e vulgar... A pompa, tão necessária ao interesse
social, é talvez um consolo para o criminoso.” “Os costumes são muitas vezes
mais cruéis do que as leis. Os costumes são os homens e a lei é a razão de um
país.” Os cinco acusados são chamados e cumprimentam seus defensores com afeto.
Gotardo fingia-se idiota. O auto da acusação foi lido, então foram separados
para os interrogatórios. “Todos responderam com notável coordenação.” O
depoimento deles foi o mesmo e “estava em harmonia com o que disseram nas
investigações policiais.” Não obstante, o acusador declarou que os culpados
tinham interesse em ocultar “os preparativos para o sequestro do senador.” E a
habilidade da defesa foi claramente favorável a todos os presentes. O
interrogatório de Michu foi o pior e iniciou o combate. Os presentes compreenderam
que o advogado preferira a defesa do servidor à dos gentis-homens. Ele
confessou a ameaça a Marion, mas negou a violência atribuída a ela. Quanto à
emboscada contra o senador, estava simplesmente passeando pelo parque e os dois
senhores poderiam ter tido medo ao ver a boca do cano da espingarda. “Para
justificar o estado de sua roupa no momento da prisão, disse que caíra na
brecha ao voltar para casa.” “Se, em matéria de justiça, a verdade se assemelha
muitas vezes a uma fábula, a fábula também se assemelha muito à verdade. O
defensor e o causador atribuíram, ambos, grande valor a essa circunstância...”
Gotardo põe a perder seu depoimento, devido à quantidade de sacos de cal usados
para fazer a barreira. O acusador público não acreditou no depoimento dos dois
empregados. O pobre Michu é suspeito de rapto e sequestro e não de assassínio,
mas o acusador insinua essa possibilidade. A primeira audiência foi suspensa depois de
Michu dar um soco no rebordo da tribuna e dizer que, quando Malin reaparecesse,
veriam que o cal não tinha nada a ver com o caso. No dia seguinte as testemunhas de acusação são
ouvidas: sra. Marion, sra. Grévin, Grévin, o criado de quarto do senador e
Violette. Eles reconheceram os cinco denunciados. O ferrador, entretanto, ficou
do lado dos nobres e desfez o mal entendido das ferraduras, semelhantes às dos
jovens do castelo... “mas a defesa confessava assim os seus segredos.” Tudo que
concernia a Michu “despertou um interesse palpitante.” Sua atitude fora
soberba. O aparecimento de Lourença despertou “a mais viva curiosidade”, pois
ao rever os primos no banco dos réus, sentiu tão violentas emoções, que parecia
ser culpada e foi obrigada a lançar mão de todas as “suas forças para reprimir
o furor que a impelia a matar o acusador púbico.” Revelou que ao ver a fumaça
no parque suspeitara de um incêndio. Quanto ao papel queimado ela mente. Bordin
aproveita-se dessa fala. Os depoimentos do padre e da srta. Goujet causaram
impressão favorável. “A moralidade e a posição do cura davam peso às suas
palavras.” Bordin estava certo de obter uma condenação e alegou que os acusados
eram “incorrigíveis inimigos da França, das instituições e das leis. Estavam
sequiosos de perturbação da ordem.” Apesar do indulto de Napoleão eles o haviam
traído novamente. “Sentou-se tranquilamente, à espera do fogo dos defensores.”
O sr. Grandville nunca havia defendido uma causa criminal, “mas essa deu-lhe
nome”, pois tinha convicção da inocência dos réus. “Houve um momento que
brotaram lágrimas dos olhos amarelos de Michu”, que ao rolarem por seu rosto
produziam um grande efeito sobre o júri. O defensor queria saber onde estava o corpo
de Malin, que supunham estar enclausurado, fechado a pedra e cal. Exclama: “Deveis
antes buscar saber da massa de papéis que foi queimada na habitação do senador,
o que revela interesses mais violentos do que dos nossos, e isso vos daria as
razões do seu rapto. “O júri ficou abalado. Bordin, que pressentiu
uma absolvição se opôs, por “motivos de direito e de fato...” Esse julgamento
teria uma enorme reviravolta, “a mais sinistra e imprevista que jamais tenha
mudado o aspecto de um processo criminal.” O senador Malin é libertado por
desconhecidos, às cinco da manhã, e visto em marcha para Troye; não tendo
conhecimento do que se estava passando, estava feliz “por respirar ao ar
livre.” Com um carro de granjeiro chegou rapidamente à casa do prefeito. Este
avisou o diretor do júri e o acusador público, os quais mandaram chamar Marta,
que aguardava um mandado de prisão contra ela. Os acusados e advogados ficaram
incomunicáveis. Essa atitude levou “terror ao palácio de Chargeboeuf.” O padre
comunicou ao defensor e ao acusador a confidência de Marta e o fragmento da
carta que ela recebera. As provas contra ela eram muito grandes. No cativeiro,
Malin pensara sobre sua situação e procurara por pista de seus inimigos.
Comunicou, naturalmente, as suas observações ao magistrado. Sutis observações,
na presença de Marta, “deram o resultados previstos pelo senador.” Marta
confessou que o esconderijo era somente conhecido por Michu, os srs.
d’Hauteserre e os de Simeuse e que havia, realmente, levado víveres ao senador.
Lourença confessa que Michu o descobrira e “lho mostrara antes do presente
caso, para subtrair os gentis-homens às pesquisas da polícia.” Recomeçaram os
debates, desta vez sob nova ótica. Marta, prejudicando Michu, desmaia. “Pode-se
dizer, sem exagero, que um raio
caíra no banco dos acusados e sobre seus defensores.” Michu afirmou nunca ter
escrito à sua mulher da prisão! “Imitaram minha letra!” disse ele. A entrada de
Malin foi teatral. Disse que as mãos que vendaram seus olhos na floresta eram
grosseiras, de um trabalhador, olhando para Michu. Havia sentido o cheiro do
sequestrador e fora, com certeza, Marta quem levara a comida. Bordin aproveita
para saber se ele acreditava que em seu castelo pudesse haver títulos ou
valores que justificassem uma devassa dos srs. de Simeuse. Malin não cria nessa
hipótese, pois bastaria que eles pedissem para serem atendidos. O advogado de
defesa, bruscamente, perguntou ao senador se não fez queimar papéis no seu
parque. Olhando para Bordin, negou. Depois de outras perguntas retirou-se
“cumprimentando os quatro gentis-homens, que retribuíram a saudação. Essa pequena coisa indignou os jurados. “Provou
facilmente que só os acusados conheciam a existência da cova.” O sr. de
Grandville, ergueu-se; mas pareceu acabrunhado, conquanto o estivesse menos
pelos novos depoimentos sobrevindos do
que pela manifesta convicção dos jurados.” Tentou convencê-los de que somente
INIMIGOS OCULTOS seriam capazes de imaginar tal golpe. Isso não perturbou os
jurados, mas MUITO os acusadores. O defensor afirma que Marta e os outros são
“todos joguetes de uma potência desconhecida e maquiavélica.” Jamais acusados
tiveram um semblante tão DIGNO, pois sabiam serem inocentes. A corte havia
condenado Michu à pena de morte e os quatro gentis-homens a dez anos de trabalhos
forçados. Gotardo fora absolvido. Marta, mais tarde, não suportou a pressão e morreu
nos braços de Lourença. Esta se ergue,
moralmente, atendendo e vigiando seus amigos e primos com grande serenidade.
Isso, deveras, assombrou Bordin e o sr. de Grandville. Bordin afirmou que não deveria se casar com
um dos primos na cadeia. “– Na cadeia! exclamou. – Mas, senhorita, não pensamos
senão em pedir para eles o perdão ao imperador.” Correram para Paris para salvá-los,
sem ela!
O julgamento foi postergado pelas cerimônias da instalação do tribunal.
Em setembro, após três audiências preenchidas pelo procurador-geral, Merlin,
pela acusação e pela defesa, o recurso foi rejeitado. O sr. Chargeboeuf percebeu nitidamente, pela
aflição do jovem advogado, que continuava fiel aos seus clientes. “Certos
advogados, os artistas da profissão, fazem das suas causas amantes”! O jovem
disse para não tentarem salvar Michu, pois poria os outros em perigo. Era
preciso uma vítima. Ele sabia da inocência do guarda, mas mandaria erguer o
cadafalso em que seria decapitado seu antigo cliente. O marquês conhecia muito
bem Lourença e sua moral para saber que ela jamais consentiria em salvar os
primos à custa da morte de Michu.
Desse modo foram falar com o Ministro de Relações Exteriores, o qual dita a Bordin:
“Quatro gentis-homens inocentes, declarados culpados pelo júri, acabam de ver sua
condenação confirmada por vossa corte de
cassação... Esses gentis-homens não pedem essa graça de vossa augusta clemência
senão para ter a oportunidade de utilizar sua morte, combatendo sob os vossos
olhos, e dizem-se de Vossa Majestade Imperial e Real....com respeito, os...
etc.” O Marquês recebeu a minuta das mãos de Bordin e o Ministro aconselha-o a
entregá-la em um dia favorável, após uma vitória e eles seriam salvos. Pedem
que levem Lourença para reconhecer uma pessoa, isso talvez levasse o Imperador
a perdoá-los. Lourença obteve permissão para ver Michu. Ao vê-lo sai com os olhos banhados em
lágrimas e jura advogar sua causa. Quando Lourença estava escondida em seu
posto, Corentin apareceu ao Ministro, Talleyrand, que o aconselhou a não servir
mais a Fouché, mas a ele, como acabara de fazer em
Berlim, pois teria consideração e não apenas dinheiro. O primeiro agradece e
diz ter sido ele genial em seu último caso. Surpreso e frio perguntou do que se
tratava. – “A morte!”... “Adeus meu caro.” Era ele, mas a condessa estava
sufocada em seu esconderijo. O Ministro aconselha-os a fugirem para a Prússia,
pela Suíça e pela Baviera, pois tinham contra eles a polícia, além do mais
deveriam levar passaportes em branco e terem sósias para trocarem de lugar!
Partiram, mas antes, Lourença encomendara a Robert Lefevre, célebre pintor da
época, um retrato de Michu. Partiram com um criado que falava alemão. Lourença,
ao fundo da caleça, “resolvera entregar-se ao seu abatimento para não despender
inutilmente a sua energia.” Chegando a Prússia, se assustaram com o movimento
no país, “com as magníficas divisões do exército francês estendendo-se e
formando como nas Tuileries.” Os exércitos franceses haviam matado o príncipe
da Prússia e Napoleão avançava. Lourença viu então, a uma curta distância, o
homem que exclamara: “Como se encontra aí essa mulher?” O Marquês comenta com
ela que haviam acabado de falar com o próprio Napoleão, “trajando sua célebre
sobrecasaca... estava montado num cavalo branco, ricamente ajaezado.” Lourença
fica pasma com tanta simplicidade! O Marques pede ao Grande General Duroc que lhe
entregue uma carta escrita pelo Ministro das Relações Exteriores. Duroc se
compromete a dá-la no momento mais apropriado. Napoleão estava sentado, em uma
choupana de chão batido de terra, diante de uma mesa, com as botas enlameadas.
Com grande eloquência afirma a Lourença que havia perdido trinta mil homens por
sua pátria e que, talvez, viesse a perder seu melhor amigo! “Saiba senhorita
que se deve morrer pelas leis da sua pátria, como se morre aqui por sua
glória”. Pediu que voltassem para a França e que suas ordens os seguiriam.
Lourença beijou a mão do imperador, certa de que salvaria Michu. O marquês e
Lourença saíram para entrar na carruagem e souberam da vitória de Iena; “mas ao
mesmo tempo a ordem para a execução de Michu foi expedida pelo tribunal.” Ao
ver a condessa, Michu acreditou que poderia morrer em paz, e ela contou-lhe
tudo que fizera para salvar-lhe a vida, em vão! “Ofereceu-lhe as faces e se
deixou santamente beijar por aquela nobre vítima. Michu recusou subir na
carreta”, pois os inocentes deveriam ir a pé! E, assim, bravamente é executado.
Os quatro gentis-homens foram, imediatamente, enviados para o regimento de
cavalaria para reunirem-se ao seu corpo, em Bayonne. “A srta. de Cinq-Cygne
voltou para o seu castelo deserto.” “Os dois irmãos morreram juntos, sob os
olhos do imperador, em Somosierra, um defendendo o outro.” O mais velho dos
d’Hauteserre morreu como coronel, em Moscova, onde o irmão ocupou seu posto. Adriano
foi gravemente ferido e pode voltar ao castelo, a fim de se tratar. A condessa,
agora, com trinta e dois anos desposou-o; “mas ofereceu-lhe um coração
emurchecido que ele aceitou. As pessoas que amam não duvidam de nada, ou
melhor, duvidam de tudo.” A Restauração ocorreu com uma Lourença sem ânimo, “os
Bourbons chegavam demasiado tarde para ela.” Seu marido fora nomeado Marquês de
Cinq-Cygne tornando-se tenente general em 1816. O filho de Michu, cuidado pela
condessa como se fosse seu próprio filho, formou-se em Advocacia no mesmo ano.
Lourença, cuidando do capital de Michu, lhe entrega uma inscrição de doze mil
francos de renda no dia de sua maioridade e mais tarde “fê-lo desposar a rica
srta. Girel, de Troyes” O Marques de
Cinc-Cygne “morreu nos braços de Lourença, de seu pai, de sua mãe e dos filhos,
que o adoravam.” Até sua morte ninguém desvendara ainda o segredo do rapto do
senador. Luís XVIII ficou mudo quanto
ao caso, fazendo a Marquesa julgá-lo cúmplice do trágico episódio.
Adriano morrera sem ter amado senão Lourença no mundo, tendo sido
completamente feliz! Lourença vivia somente para sua família e era querida por
todos. Meiga e indulgente agradava “às almas de escol, atrai-as...” Sua
dolorosa vida na juventude era agora serena. “O retrato de Michu era o
principal e fúnebre ornamento do salão.” Ela conseguira guardar um enorme dote
para sua filha Berta, que “é o retrato vivo da mãe, mas sem audácia guerreira.”
A linda jovem chega aos 20 anos, em 1833, ainda solteira, como queria sua mãe.
A Princesa de Cadignan, queria casar seu filho, Jorge de Maufrigneuse, com
Berta e ele frequentava o castelo três vezes por semana. Ocorre que Lourença
queria fazer sua filha uma Marquesa. A princesa, que se tornara devota, fechara
sua vida íntima e fora passar a estação em Genebra, numa vila. Em uma noite,
com vários personagens da maior envergadura, Lourença, que estava presente
nesse local, ergueu-se “como se movida por molas, quando ouviu anunciar o sr. Conde de Gondreville. Saiu com Berta
imediatamente. “Malin tivera a estima de Luís XVIII, para o qual sua velha
experiência não foi inútil... “Estava agora em grande valimento, sob o décimo
segundo governo, no qual tinha a vantagem de servir desde 1789.” De Marsay, que
ficara pensativo depois da princesa dizer que gorara o casamento do filho,
olhava disfarçadamente para Gondreville, e esperava que ele fosse se deitar. Os
motivos da retirada da Marquesa e sua filha eram sabidos. Gondreville, “que não
reconhecera a marquesa, ignorava os motivos da tensão e achou que sua presença
constrangia e saiu.” De Marsay “contemplou aquele velho de setenta anos que se
retirava lentamente.” Imaginando que fazia mais de trinta anos que a coisa
havia ocorrido, o primeiro ministro tenta fazer com que façam as pazes. “Enfim,
ele esclarece uma passagem famosa dos nossos anais mais modernos, do monte de
Saint-Bernard” para os senhores embaixadores. Os embaixadores mostraram-se
impacientes com o preâmbulo. “De Marsay teve um acesso de tosse, e fez-se
silêncio. – Numa noite de junho de 1800... dois homens fartos de jogar bouillotte... deixaram o salão do
palácio das Relações Exteriores... e foram para um gabinete.” Eles eram tão
extraordinários um quanto o outro. Ambos haviam sido padres e ambos casaram-se.
Um era Fouché e o outro não revelaria o nome. “Eram simples cidadãos franceses,
muito pouco simples.” Seguia-os uma
terceira pessoa, Sieyès, que se julgava mais forte e também havia sido membro
da igreja. O ministro das Relações Exteriores caminhava com dificuldade; Fouché
era ministro da Polícia. Sieyés abdicara o consulado. Outro homem reuniu-se aos
três e disse. “Tenho medo da trinca de padres.” Era o ministro da Guerra. Continuando
a narrativa diz que quase todos estavam mortos e, portanto, pertenciam a
História. A audiência está muda e interessada. “Conto-as porque somente eu a conheço,
porque Luís XVIII não a contou à pobre sra. de Cinq-Cygne... Sentaram-se os
quatro... Estavam lívidos e somente Carnot apresentava um rosto corado.” O
militar perguntou do que se tratava. Era da França e da República, disse
Fouché. “Do Poder, disse provavelmente Sieyés.” Os padres se compreenderam
muito bem. Sieyés pergunta se acreditam no triunfo. De Bonaparte tudo poderia
ser esperado, pois havia transposto os Alpes com felicidade. Acharam que ele
estava se arriscando. Fouché disse: - “Que faremos se o primeiro cônsul for
vencido? Permaneceremos seus humildes servos? Nesse momento não há mais
República. Ele é cônsul por dez anos.” “A França, disse Carnot, não poderá
resistir senão voltando à energia
convencional.” “Sou da opinião de Carnot, disse Sieyés.” Se Bonaparte
voltasse derrotado seria necessário acabar com ele. “Se Bonaparte for vencedor,
disse um antigo convencional, nós o
adoraremos; se vencido o enterraremos!” Malin estava lá e seria um deles.
Ele se sentou. Foi discreto, e os dois ministros lhe foram fiéis, “foi o eixo da máquina e a alma da maquinação.”
O Ministro dos Negócios Exteriores disse que deveriam manter a Revolução
Francesa. Tiraram as batinas e Malin estaria na posse de bens de emigrados.
Tinham o mesmo zelo. Sieyés declara “Temos os mesmos interesses... e nossos
interesses estão de acordo com os da pátria.” Achavam que Bonaparte ficaria
sozinho com seus próprios recursos. Os clubes deveriam estar prontos, deveriam
despertar o patriotismo e modificar a Constituição. “Nosso 18 de Brumário deve
estar pronto.” disse Fouché. Sieyès proclamou que o Diretório não ficaria mais
sujeito a mudanças anárquicas. O poder seria oligárquico, com um Senador
vitalício, uma Câmara eletiva estaria nas mãos deles. “Com tal sistema, eu
conseguirei a paz” disse o bispo. O exército da Alemanha seria o único recurso
deles, disse Carnot. “Senhores” exclamou Sieyès com tom grave e solene. De
Marsay continuava sua narrativa. “Esta palavra senhores! foi perfeitamente compreendida: todos os olhares
exprimiram a mesma fé, a mesma promessa... de uma completa solidariedade, no
caso em que de Bonaparte voltasse triunfante.” Napoleão começa a vencer e “os
destinos da França se estão jogando no momento em que conversamos.” disseram
eles. A batalha de Marengo, Itália, começara em 14 de junho, ao alvorecer.
Quatro dias de espera mortal! Às quatro da manhã, Fouché foi o primeiro a sair.
Esse homem era certamente um gênio igual a Felipe II, a Tibério e a Borgia. “Fouche,
Masséna e o príncipe são os três mais notáveis grandes homens, as mais fortes
cabeças, como diplomacia, guerra e governo que eu conheço.” Napoleão poderia
ter tido toda a Europa, que desapareceria, formando um vasto Império francês,
se tivesse se juntado a eles. Fora Fouché que reanimou a energia republicana de
1793. Fouché conhecia espantosamente os homens; “temia, porém, ao nosso homem
de hoje à noite.” Fora forçado “a redigir as proclamações do governo
revolucionário, seus atos, seus decretos, a ordem de por fora de lei os
facciosos do 18 de Brumário; e, mais ainda, foi esse cúmplice contra a vontade
que as fez imprimir em número necessário
de exemplares e os teve prontos enfardados em sua casa.” O impressor foi preso como conspirador,
pois era revolucionário e acabou morrendo. A sorte da batalha de Marengo só foi
declarada a favor de Napoleão às sete da tarde. Quando o correio da tarde
espalhou a notícia do triunfo houve perdas consideráveis na Bolsa. O grupo de
afixadores e dos pregoeiros que deviam proclamar a condenação como Bonaparte
fora da lei, foi retirado “e esperou que se imprimisse a proclamação e o cartaz
em que vitória do primeiro-cônsul era exaltada.” A responsabilidade poderia
recair sobre Malin, que assustado pôs o fardos em carrinhos e os levou, durante
a noite, para o castelo de Gondreville, que comprara em nome de um homem, onde enterrou os papéis. Era Marion o real
dono. Voltou para Paris para receber Napoleão que voltara com grande rapidez,
depois da batalha de Marengo. O Ministro do Interior, Luciano, receoso de uma
reviravolta do partido montanhês, pediu para que Napoleão voltasse o mais
rápido possível. A batalha de Marengo reteve Napoleão nos campos da Lombardia
até 25 de junho, ele chegou em 2 de julho à França. “Ora imaginem a cara dos
cinco conspiradores, felicitando nas Tuileries o primeiro-cônsul por sua
vitória.” Entretanto não parecia a esse grupo que “Bonaparte estivesse tão
casado como eles à Revolução, e por isso o amarraram a ela...” O Imperador foi
enganado muito bem por Talleyrand e Fouché, que queriam que se indispusessem com
os Bourbon, cujos embaixadores se empenhavam em se aproximar de Bonaparte.
Durante um jogo de cartas no palácio de Luynes, Talleyrand é informado que a
casa do príncipe de Condé fora extinguida e que Bonaparte estava
impossibilitado de agraciar. Um dos ouvintes da história, De Rastiganc,
pergunta a De Marsay o que tudo aquilo teria a ver com a sra. de Cinc-Cygne.
Perguntou aos mais jovens presentes se conheciam o caso do rapto do Conde de
Gondreville, que fora a causa da morte dos irmãos Simeuse e do irmão mais velho
de D’Hauteserre, o qual, pelo seu casamento com Lourença tornara-se Conde e
depois Marquês de Cinq-Cygne! De Marsay narra o processo, a pedido de várias
pessoas, dessa experiência arriscada, relatando que os cinco desconhecidos eram
beleguins da Polícia Geral do Império, encarregados de queimar os fardos de
impressos, o que Malin viera precisamente fazer, julgando o Império firmado. O
narrador achava que Fouché havia mandado, ao mesmo tempo, procurar provas de
correspondência entre Luís XVIII e Gondreville, “com o qual sempre tivera
entendimentos, mesmo no período do Terror”. “Houve paixão da parte do agente
principal, que ainda vive, um desses grandes homens subalternos que jamais é
possível substituir, e que se faz notar por suas façanhas incríveis.” Tinha-se
conhecimento de que Lourença o maltratara, “quando fora ele para prender os
Simeuse.” “Assim pois, Senhora, conhece o segredo do caso; poderá explicá-lo à
Marquesa de Cinq-Cygne, e fazer-lhe compreender por que Luís XVIII guardou
silêncio.”